RESUMO 

Este texto apresenta uma reflexão sobre as relações interpessoais, especificamente a confiança, sob a ótica da cultura organizacional tendo como foco a gestão participativa em organizações públicas. Para realização deste estudo foram pesquisados conceitos como cultura organizacional, relações interpessoais, confiança e gestão participativa. Dessa forma, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com autores que analisam tais construtos, como: Fernandes e Zanelli (2006), Laraia (2003), Machado (2005), Pires e Macêdo (2006), dentre outros. A partir das leituras realizadas conclui-se que o contexto da organização pode ser visto como um texto polissêmico, reescrito cotidianamente através das relações interpessoais, estando estas envoltas em relações com caracteres distintos, como a confiança. É pois um ambiente que sofre influências dos indivíduos que o compõem, outrossim, estes indivíduos são influenciados pelo ambiente. Pensar uma gestão participativa requer, primordialmente, considerar os sujeitos que compõem o ambiente organizacional como co-párticipes, possibilitando que a cultura organizacional seja constituída por relações de confiança.

Introdução 

Considerando que os aspectos culturais ajudam a esboçar a realidade existente dentro de uma organização, aqui a instituição pública, este trabalho objetiva refletir como as relações interpessoais, especificamente a confiança, influenciam uma gestão que se quer participativa.

Frente ao cenário mundial de crises econômicas e mudanças culturais, sociais e tecnológicas que afetam as organizações e os indivíduos que a compõe, a gestão participativa tornou-se comum nas discussões acerca da gestão nos últimos anos. Neste contexto cabe analisar como as relações interpessoais, especificamente a confiança, influencia a gestão pública que se quer participativa.

Para atingir os objetivos deste trabalho foi realizada uma revisão de literatura, tendo como critério a identificação das palavras: cultura, cultura organizacional, relações interpessoais e gestão participativa em periódicos brasileiros, publicados em meio eletrônico, como RAC, RAC-E e RAP, EnANPAD, além de livros. Assim, foram selecionados autores que analisam tais construtos, como: Fisher e Novelli (2008), Fernandes e Zanelli (2006), Jaime Júnior (2002), Laraia (2003), Hermel(1999) , Machado (2005), Pires e Macêdo (2006).

Para Machado (2005) a identidade de uma organização está ligada às representações que os integrantes desta criam sobre seu significado em um contexto social, o que permite dizer que a identidade institucional tem também em sua base, relações interpessoais que desembocam na confiança. Levando em consideração que a cultura influencia diretamente a construção dessa identidade, “o significado da organização é construído pelos seus integrantes a partir dos parâmetros culturais que eles dominam” (MACHADO, 2005, p. 03).

A questão é: a confiança está de alguma maneira ligada a benefícios ou, ainda, qual é a base que sustenta uma relação de confiança? Que benefícios a confiança traz para o ambiente organizacional?


Desenvolvimento 

As discussões sobre a gestão participativa perpassa pelo entendimento da construção do ambiente organizacional, pois é nele que diversas culturas se fundem para constituição da cultura organizacional.

Laraia (2008, p. 19-20) coloca que “o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. Um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada”. Ainda, para Laraia (2008, p. 24) 

 

A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações: um animal frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas, dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias, conquistou os mares. Tudo isto porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura. 

 

O conceito de cultura utilizado atualmente foi definido pela primeira vez pelo antropólogo britânico Tylor (1832-1917) que formalizou uma ideia crescente no pensamento humano através do vocábulo inglês Culture que “tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR, 1871, p.1 apud LARAIA, 2008, p. 25). Segundo Laraia (2008), essa definição de Tylor conseguiu abranger em uma palavra as diversidades da realização humana, ademais marcou a discussão acerca do aprendizado da cultura em oposição à noção de aquisição inata, transmitida biologicamente. 

 

O homem é resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade (LARAIA, 2008, p. 45). 

 

Para Pires e Macêdo (2006) o termo cultura emerge no ambiente globalizado como uma das variáveis necessárias para compreender o fenômeno organizacional. Neste sentido quando acontece uma reunião grupal para o desenvolvimento de alguma atividade é iniciada no grupo a construção “de seus hábitos, sua linguagem e sua cultura” (PIRES; MACÊDO, 2006, p. 83).

Pires e Macedo (2006) afirma que é recente a atribuição do termo cultura para uma organização, surgindo na literatura inglesa, nos meados dos anos 60, como significado de clima, a cultura organizacional.

Jaime Júnior (2002) coloca que a partir dos anos 70 a corrente da cultura organizacional tem se expandido no campo da teoria das organizações, donde tem-se a perspectiva gerencialista e a perspectiva crítica ou sócioantropológica que divergem quanto ao papel exercido pela dimensão simbólica na construção da realidade organizacional. 

 

A cultura organizacional é um conceito essencial à construção das estruturas organizacionais. Percebe-se, então, que a cultura de uma organização será um conjunto de características que a diferencia em relação a qualquer outra. A cultura assume o papel de legitimadora do sistema de valores, expressos através de rituais, mitos, hábitos e crenças comuns aos membros de uma organização, que assim produzem normas de comportamento genericamente aceitas por todos (PIRES; MACÊDO, 2006, p. 88). 

 

A análise da cultura organizacional ganha forma ao tomar como fonte de interpretação que o contexto da organização pode ser visto como um texto polissêmico, reescrito cotidianamente através das relações interpessoais, estando estas envoltas em relações de poder com caracteres distintos, como será observado nesta discussão a despeito da confiança.

As organizações públicas ou privadas são realidades sociais construídas dentro de um ambiente e interagem com ele: influencia e recebe influências do mesmo. Também as pessoas inseridas nas organizações contribuem para essa interação. Para alcançar seus propósitos, as organizações dependem das pessoas cujos valores contribuem para a formação da cultura da organização (PIRES; MACÊDO, 2006).

As organizações públicas, em especial, possuem particularidades decorrentes de sua própria essência: atuam em nome da sociedade; suas ações têm consequências para os indivíd uos e para os grupos sociais; bem como as leis e normas norteiam as decisões tomadas pelos que participam das organizações públicas. Sendo estas consideradas um sistema complexo pela burocracia que impera em seu funcionamento; contudo, são estruturas resistentes a mudanças de procedimentos e implantação de novas tecnologias. A centralidade das decisões que partem dos dirigentes responsáveis que respondem a uma autoridade externa tem seus reflexos diretamente nas condições e organização do trabalho na organização, que tende ao burocratismo estatal (PIRES; MACÊDO, 2006).

Num universo organizacional onde a burocracia impera e há prevalência da distinção entre quem manda e quem obedece, o diálogo pode não fluir influenciando diretamente no desenvolvimento das atividades. Este “terreno” pode não permitir, inclusive, que a organização abra-se para mudanças ou diálogos.

Ainda segundo os autores, quaisquer projetos deveriam focar “os trabalhadores, com sensibilizações e com mecanismos que assegurassem a continuidade dos projetos, pois só por meio das pessoas se transforma uma sociedade” (PIRES; MACÊDO, 2006, p. 102).

Essa visão da cultura organizacional deixa entrever a relevância de se discutir as relações sociais neste contexto, levando em consideração que os indivíduos que compõem as organizações estão em constante interação. Assim, entender os indivíduos que compõem o ambiente das organizações públicas é pertinente no sentido da compreensão do todo organizacional.

Fernandes e Zanelli (2006) citando Dupuis (1996) falam que os indivíduos através de suas ações constroem a sua sociedade. Contudo, estes indivíduos agem dentro de contextos preexistentes que orientam o sentido de suas ações, o que leva a inferir que a construção do mundo social tende mais para a reprodução e transformação do mundo existente que para sua reconstrução total.

Um aspecto a ser observado a partir da temática da cultura organizacional é como se forma a identidade dos indivíduos que compõem as organizações e a identidade da própria organização. Para Fernandes e Zanelli (2006) o indivíduo precisa construir sua identidade que deve seguir uma noção de totalidade unindo as muitas faces do seu modo de ser e sua “bolsa” de experiências sociais. Com uma noção de quem é, o indivíduo consegue se diferenciar e se igualar de acordo com os grupos sociais dos quais faz parte. 

O fato de os indivíduos terem identidades múltiplas e não uma identidade única contribui para a complexidade da identidade nas organizações. As maneiras como as identidades interagem ou se tornam destacáveis são importantes para um contexto organizacional. Assim, o estudo da identidade de uma organização envolve, necessariamente, a atenção com sua interação com várias identidades (FERNANDES; ZANELLI, 2006, p. 62).  

Atentar para as múltiplas identidades que constroem as organizações, de certa forma possibilita o conhecimento da própria identidade organizacional. Para tanto, cabe observar os indivíduos inseridos no contexto organizacional e as relações interpessoais neste ambiente.

As diversas áreas de estudo apresentam visões distintas quanto a confiança. Enquanto a Economia observa a confiança a partir da relação de troca, a Psicologia evidencia as relações interpessoais e papel do confiante e do confiado. Já a Sociologia considera a confiança como uma propriedade entremeada nas relações sociais (FISHER; NOVELLI, 2008). 

A visão puramente sociológica considera a confiança como resultado de arranjos institucionalmente estabelecidos. Já numa visão psicossocial, a confiança se manifesta como elemento moderador de relacionamentos, na relação pessoa com pessoa, até em relações mais complexas, envolvendo, por exemplo, várias organizações. Chama-se a essa confiança de relacional, por derivar de interações repetidas no tempo e no espaço entre confiado e confiante (FISHER; NOVELLI, 2008, p. 69). 

De acordo com Fisher e Novelli (2008) as mudanças econômicas e, consequentemente, sociais ocorridas no Brasil a partir da década de 1990 deixaram entrever o lado mais frágil no mercado de trabalho, o trabalhador, que além de enfrentar dificuldades para se colocar neste mercado, enfrenta diversas situações para se manter neste. Tal fragilidade trouxe para as organizações e para os trabalhadores outras visões das relações de trabalho e as rupturas, que se tornaram comuns nesta época, geraram sentimentos não produtivos como a desconfiança, ou melhor, a falta de confiança nas relações interpessoais.

A falta de confiança aumenta a sensação de vulnerabilidade, o que promove uma ação freada dentro do ambiente produtivo, ou seja, promove a falta de iniciativa dentro da complexidade que envolve a realidade dos trabalhadores. A confiança seria então uma ponte para o estabelecimento de relações interpessoais no ambiente e serviria de base para o desenvolvimento do trabalho em equipe.

A sensação de confiança produz a própria iniciativa dos membros de uma organização no sentido de auxiliar o crescimento institucional, donde observa-se o desenvolvimento da sociabilidade humana. Atrelado a confiança está o diálogo que permite a visualização múltipla da realidade organizacional com suas fragilidades e potencialidades, como também as possíveis mudanças e os caminhos para realizá-las. Neste sentido se encontra a importância da previsibilidade nas interações sociais, entender as ações do outro é ter tranquilidade, ou melhor, confiança de que ela visa o bem-estar organizacional. Há então um entendimento de compromisso que firma as relações no ambiente onde os trabalhos serão desenvolvidos. Este ciclo promove a estruturação de uma equipe para enfrentar quaisquer desgastes comuns a essa realidade (FISHER; NOVELLI, 2008). 

De forma sucinta, como elementos da cultura brasileira que exercem impacto nas organizações e que podem estar relacionados com a construção da identidade, ressaltam-se: a busca da informalidade nas relações pessoais e a valorização da manifestação emocional. (MACHADO, 2005, p. 05). 

Num ambiente onde as relações interpessoais estejam embasadas na confiança não existe espaço para regimes agressivos, que entendem que a força, a desestabilização ou o medo de perder o espaço são primordiais para a produção. As relações precisam acontecer num espaço de igualdade entre os sujeitos, “o caráter sustentável da confiança e o seu efeito redutor da complexidade têm como alicerce o fato de se considerar o interlocutor como igual, consciente de seu papel cooperativo para com os demais” (FISHER; NOVELLI, 2008, p. 72).

Conforme argumentam Fernandes e Zanelli (2006, p. 68) “[...] o engajamento das pessoas envolvidas no processo de mudança será maior, se forem levados em consideração por parte dos gestores, entre outras coisas, os sentimentos, dúvidas, inseguranças, opiniões e percepções dos indivíduos envolvidos”. 

[...] ao seguir os padrões sem questionamentos ou sugestões, os indivíduos podem vir a não distinguir mais sua identidade pessoal, ocorrendo uma despersonalização desses. No entanto, a partir do momento em que os indivíduos estão conscientes dos objetivos que se pretende atingir, e se identificam com eles, as organizações podem e devem estimular a flexibilidade de ação e criatividade desses, explicando as regras, pedindo sugestões, e motivando seus funcionários a participar ativamente da vida organizacional, sem perder produtividade e aumentando a satisfação. Além de evitar que os funcionários fiquem alienados, facilitará a implementação de mudanças, quando necessário (FERNANDES; ZANELLI, 2006, p. 69). 

Participar ativamente da vida organizacional não é natural nos modelos convencionais de administração. Muitos paradigmas mantêm a maioria dos trabalhadores alienados em relação ao controle de seu próprio trabalho e à gestão da organização. Tal alienação desperdiça o potencial de contribuição das pessoas.

Entretanto, a quebra de paradigmas, leva à participação das pessoas envolvidas nos diversos níveis de decisão e contribui para aumentar a qualidade das decisões e da administração, bem como a satisfação e a motivação das pessoas.

Segundo HERMEL (1990) as razões pelas quais as empresas e organizações se interessam pela gestão participativa são: a busca de resultados; as considerações humanistas; a preocupação pela ‘vida interior da empresa’; as necessidades da direção; e, a necessidade de mudança. Dessa forma, uma administração participativa aprimora a decisão e o clima organizacional, além de contribuir para aumentar a competitividade das organizações.

Trabalhar num ambiente participativo estimula a confiança e propiciaria a abertura e a liberdade para a troca de sugestões, neste sentido é possível dizer que a confiança institucional possibilitaria compartilhar conhecimentos, planejar passos, construir objetivos com a visão de crescimento ou produtividade. 

Conclusão

A partir das leituras realizadas dos autores da pesquisa bibliográfica, é possível inferir que o ambiente organizacional está envolto pela complexidade, uma vez que é composto por indivíduos que trazem consigo uma bagagem de vivências.

O comportamento de cada indivíduo depende de um processo de aprendizado, chamado de endoculturação. Assim, o ambiente organizacional sofre influências dos indivíduos que o compõem, outrossim, estes indivíduos são influenciados por este ambiente.

São esses valores que constroem a cultura de uma organização, ou, cultura organizacional. O contexto da organização pode ser visto como um texto polissêmico, reescrito cotidianamente através das relações interpessoais, estando estas envoltas em relações com caracteres distintos, como a confiança.

A confiança pode ser considerada como a mola propulsora das relações interpessoais no ambiente organizacional. Se há confiança entre quem manda e quem executa a distância hierárquica diminui e o trabalho provavelmente terá resultados mais efetivos. Uma visão que se contrapõe ao burocratismo presente nas instituições, ou mesmo ao autoritarismo paternalista que subsiste em algumas instituições alicerçado pelo medo, desconfiança, dentre outros sentimentos menos confortáveis. Uma organização que prime pela boa convivência entre seus trabalhadores, entende o ambiente e sua real complexidade e investe nas relações interpessoais do seu quadro atentando-se para a cultura organizacional que se forma cotidianamente no ambiente de trabalho.


REFERÊNCIAS

 

FERNANDES, Karina Ribeiro; ZANELLI, José Carlos. O Processo de construção e reconstrução das Identidades dos Indivíduos nas OrganizaçõesRAC, v. 10, n. 1, p. 55-72, Jan.-Mar., 2006. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84010104  >. Acesso em: 10 dez. 2015.

 

FISCHER, Rosa Maria; NOVELLI, José Gaspar Nayme. Confiança como fator de redução da vulnerabilidade humana no ambiente de trabalhoRAE-eletrônica, v. 48, n. 2, p. 67-78, abr./jun., 2008. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/1551/155116085006.pdf  >. Acesso em: 10 dez. 2015.

 

HERMEL, Philippe.  La gestion participativa . Barcelona: Ediciones Gestion 2000, 1990.

JAIME JÚNIOR, Pedro. Um texto, múltiplas interpretações: antropologia hermenêutica e cultura organizacional. RAE-eletrônica, v. 42, n. 4, out./dez., 2002, pp 72-83. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/1551/155118109006.pdf> . Acesso em: 12 dez. 2015.

 

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

 

MACHADO, Hilka Vier. Identidade organizacional: um estudo de caso no contexto da cultura brasileira. RAE-eletrônica, v. 4, n. 1, Art. 12, jan./jun., 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/raeel/v4n1/v4n1a12.pdf  >. Acesso em: 12 dez. 2015.

 

PIRES, José Calixto de Souza; MACÊDO, Kátia Barbosa. Cultura organizacional em organizações públicas no Brasil. RAP, Rio de Janeiro, n. 40, p. 81-105, Jan./Fev., 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rap/v40n1/v40n1a05.pdf  >. Acesso em 12 dez. 2015.

 

1 Pós-graduado em Tecnologias da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Auditor do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais.