A COMPRA E VENDA DE IMÓVEL E A LEGITIMIDADE DO CONTRATO DE GAVETA: efeitos da concessão ao mutuário do direito de transferir direitos e obrigações decorrentes do contrato firmado no âmbito do SFH[1]

                

Hugo Antonio Cavalcante Oliveira[2]

Kassio Andriny F. Taveira

Thainara Marques Santos

José Humberto Oliveira[3]

                                                                                                                                                  

RESUMO

 

O Contrato de Gaveta é o instrumento pelo qual alguém promove a alienação de determinado bem imóvel, sem a solenidade formal que se requer, ao se tratar do direito real de propriedade. Praticado de modo reiterado desde a década de 80, tal modalidade tem sido alvo de diversas demandas judiciais, ao passo em que o legislador infraconstitucional passa a promover certas restrições à formalização de tais negócios. Aspectos como a boa-fé entre os contraentes, e os altos riscos envolvendo o negócio, são pontos em que não se pode deixar de tocar. A presente pesquisa tem como foco observar os reflexos dessa modalidade de negócio, buscando alcançar tal pretensão mediante a utilização de livros, artigos científicos e sites especializados.

 

Palavras-chave: Contrato de Gaveta. Boa-fé. Contraentes.

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 O “Contrato de Gaveta” no contexto social.

3 O contrato de Gaveta para a doutrina jurídica brasileira.

4 O posicionamento dos Tribunais em face à legalidade do “Contrato de Gaveta”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

 

O contrato de gaveta é um instrumento por onde se dá uma operação de alienação imobiliária sem qualquer solenidade demandada no domínio legal. Acontecendo frequentemente no Brasil, desde a década de 80, o contrato de gaveta de imóvel é uma convenção entre o devedor de um financiamento em face de uma instituição financeira e outra que assume o pagamento desse empréstimo bancário por meio de uma concordata verbal ou mesmo um contrato particular.

Tal modalidade é alvo de inúmeras ações judiciais, que tem por objetivo a validação ou reconhecimento da legitimidade do mesmo. Ocorre que no Brasil, a Lei nº 8.004/90, restringiu as transferências de imóveis financiados, fazendo com que as transações sofressem com o incremento de aumentos e sujeição à análise de crédito por parte da instituição bancária. Dessa forma essa variedade de contrato, por consequência da Lei vigente aumentou repentinamente desde à década de 90. Sendo este um contrato de alto risco, que depende de extrema confiança entre as partes.

A Lei 8.004 de 14 de março de 1990, que dispõe sobre a transferência de imóveis no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, estabelece que a formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH deve acontecer em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora, ou seja, só será reconhecido legitimo o contrato no qual há a transferência do financiamento junto a financiadora. Dessa forma, excluindo os contratos de gaveta, que de outra forma não passam por nenhum tipo de mudança na titularidade do financiamento e sim por um acordo verbal entre os envolvidos.

Ocorre que tal gênero de contrato não oficial, mesmo possuindo altos riscos para quem vende, ainda é popular por desviar-se dos onerosos aumentos e procedimentos que existem na transferência de financiamento legal. As condições do mercado de certa maneira contribuem para essa opção, haja visto que as dificuldades impostas acabam inviabilizando o financiamento bancário.

Porém os altos riscos que vão desde a morte do proprietário original a má fé de quem vendeu devem ser levados em conta, ainda mais se se considerar que o registro no cartório só poderá ser feito a partir do momento que houver a anuência da instituição financiadora com a devida quitação do imóvel. Daí se percebe o alto nível de dependência entre o comprador e o vendedor e da confiança entre os mesmos. Portanto, o reconhecimento da legitimidade desse tipo de contrato é ainda inviável perante a Lei vigente, porém há decisões recentes que em razão de certas peculiaridades acabam conferindo algum nível de legitimidade, como é o caso da Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça que admite a oposição de embargos de terceiro em relação a compromissos de compra e venda de imóvel, mesmo que carentes do registro, favorecendo assim os contratos de gaveta.

 

2 O “CONTRATO DE GAVETA” NO CONTEXTO SOCIAL.

 

A Constituição Federal/1988, em seu art. 5°, XXII e XXIII, assegura ao homem o seu direito fundamental à propriedade, devendo esta atender, para além do uso privado, a sua função social. Ao dispor desse assunto na Constituição, o constituinte originário se preocupou em mostrar a necessidade de moradia a que todos têm direito, ao mesmo tempo, buscou evitar que o Estado não procurasse dispor de todos os meios possíveis para atender a demanda de um bem tão indispensável.

A despeito de ser enumerado na CF/88, no bloco dos direitos e garantias fundamentais, é bem evidente que o direito à moradia é algo bem distante da vida de inúmeras pessoas. São muitos os brasileiros que ainda esbarram em muitos obstáculos no momento de pleitear um imóvel próprio, seja pela falta de recursos financeiros, dificuldades em conseguir um financiamento, burocracia legal entre outros.

Intrinsecamente ligado a essa perspectiva, encontra-se a matéria dos contratos que tem sua origem vinculada com a intenção de preservar e tornar pacífica a convivência humana (PEREIRA, 2008). Em relação ao conceito moderno de contrato, este tem sua origem nos preceitos oriundos do Direito Romano.

Sobre isso, discorre Caio Mario da Silva Pereira:

”A função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos. ” (2008, pg.15)

Tal função que se posiciona no interesse coletivo se materializou como um pressuposto que deve ser necessariamente observado nos negócios jurídicos. Desse modo enxerga TARTUCE sobre a função social do contrato:

“Trata-se de um verdadeiro princípio geral do ordenamento jurídico, abstraído das normas, do trabalho doutrinário, da jurisprudência, dos aspectos sociais, políticos e econômicos da sociedade. ” (2011, pg.248)

Obviamente é percebido que o princípio da função social do contrato está na contramão do individualismo e ao interesse privado, indicando e se baseando no interesse coletivo como forma de propagação.

É de entendimento majoritário na doutrina que o contrato necessita ser estudado de maneira metódica, devendo ser observados os preceitos constitucionais, nomeadamente a função social do contrato (concretizada no artigo 5º, inciso XXII e XXIII). De tal modo, nos falares de SANDRI, a função social do contrato deve ser analisada de acordo com sua aplicabilidade na esfera jurídica, na medida em que o contrato passa a ter uma aplicação voltada ao social, viabilizando a igualdade das partes e o equilíbrio contratual (SANDRI, 2011).

A Constituição Federal, além de positivar o princípio da função social do contrato, tem o intuito de ampliar seu alcance quando o coloca lado a lado acerca do princípio da dignidade humana (art. 1º, III), com o objetivo de tornar mais socialmente mais justas as relações jurídicas entre particulares. Assim pondera SETTI:

 

A Constituição Cidadã trouxe em seu texto os delineamentos deste novo direito, ao determinar, logo em seu artigo inaugural que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República brasileira é a dignidade da pessoa humana. Mais adiante, em seu artigo 3º, estabelece como objetivo da República, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. No artigo 170, ao enumerar os princípios da ordem econômica, o legislador constituinte deixou claro que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim garantir a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social. (2010, pg.108)

 

É de suma importância destacar que o contrato também deve observar e garantir a segurança jurídica entre as partes, como o dever de informação, confidencialidade, assistência e lealdade. Todo esse sistema é abraçado pelo princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana (GAGLIANO, 2009). Logo, destacar que o Contrato é um instituto que representa um importante mecanismo, e que deve proceder no sentido do que prevê os princípios gerais dos contratos e constitucionais, tais como o da dignidade humana e defesa da coletividade.

Segundo Arantes (2015), “a necessidade de moradia e habitação contrapondo com a carência de recursos e do precário acesso em vias de aquisição da casa própria por parte dos brasileiros” (ARANTES, 2015, p. 66) é algo recorrente nas reinvindicações sociais. Dessa forma, no meio dessa problemática, surge o “contrato de gaveta”, espécie contratual bastante difundida e que se tornou muito popular no Brasil em meados dos anos 80.

Essa modalidade de contrato aparece como alternativa para aquisição do imóvel próprio, onde uma pessoa assume a dívida do financiamento e o imóvel financiado de uma segunda pessoa, sem a anuência da instituição financeira, podendo o contrato ser escrito ou apenas verbal. Segundo Bruno Mattos e Silva (2015), o contrato de gaveta representa um risco pois não pode ser registrado em razão da ausência de anuência por parte da instituição financeira, gerando riscos tanto para quem compra, como para quem vende.

Como a dívida permanece no nome de quem está “passando” o imóvel, esse é um tipo de negócio onde a confiança entre as partes é ingrediente fundamental, pois embora corrobore para a aquisição/venda do imóvel, pode constituir sérios problemas às partes envolvidas.

O contrato de gaveta é uma criação genuinamente brasileira, o seu início na década de 80 e sua popularização a partir de 1990, quando foi criada uma restrição legal à transferência de imóveis financiados ocorreu pelo encarecimento das transações, com o aumento de 20% no saldo devedor dos financiamentos, sujeitando o comprador à análise e a aprovação de crédito pelo banco. Para burlar esses custos a mais, os compradores e vendedores começaram a fazer o negócio de modo particular.

Dessa maneira o contrato de gaveta que tem determinada cobertura legal é aquele assinado com firma reconhecida ou registrado no cartório de títulos e documentos até 25 de outubro de 1996. De outra forma, aqueles que não se encontram encaixados dentro desse período, sendo firmados após essa data ficam à margem de toda proteção jurídica conferida à propriedade e assim os agentes só são reconhecidos como posseiros, haja vista que não podem averbar seu título tornando-se proprietário.

Caio Mario da Silva Pereira, afirma:

“ uma vez efetuado o registro , adquire força probante de presunção iures et iure de propriedade. Dono é aquele em cujo o nome a propriedade está registrada. ” ( 2004, p. 121)

A realidade atual pela qual Venosa (2005) diz ser fruto de um descontrole monetário e da diminuição do poder aquisitivo da população, prejudica uma grande massa de titulares de imóveis, pois segundo o autor a legislação vigente ainda é desatualizada, fazendo com que o registro público ainda em mãos privadas fique a disposição de um desmedido protecionismo corporativo digno de um regime cartorial colonial. E que acaba por gerar um perigoso estado de instabilidade social, pois a situação atual do registro imobiliário não cumpre com a suas finalidades.

Portanto, é visível que o sistema de contrato de gaveta, é objeto de uma situação calamitosa que vigora no país, prejudicando e forçando aqueles de baixa renda a adquirirem um imóvel por esse tipo de meio, correndo com todos os riscos associados com a pactuação desse tipo de contrato por não poder arcar com imposições legais. Cabe então aos poderes estatais revisarem a aplicação de normas atinentes ao registro público evitando o prejuízo que milhares de pessoas tem oriundas desse sistema informal.

3 O CONTRATO DE GAVETA PARA A DOUTRINA JURÍDICA BRASILEIRA.

O civilista Fábio Ulhôa Coelho (2012), preleciona como formas de contrato, quanto à sua forma de constituição, as modalidades a) Consensual, cujo encontro de vontades entre as partes é exigência uma para sua formação, cujo aperfeiçoamento se dá apenas com o comum acordo provenientes deste pacto, acerca do objeto e preço; b) Formal, para os quais sua constituição está vinculada à uma forma legal, de modo a garantir o caráter probatório deste instrumento; e por fim, c) Real, donde o vinculo obrigacional só ocorre mediante a tradição, ou seja, a entrega da coisa, objeto do negócio.

Apesar do aperfeiçoamento dos contratos Consensuais se darem quase que estritamente pela vontade das partes, há que se ponderar que os contratos envolvendo a alienação de bens imóveis é deveras complexa, não podendo se concretizar mediante tal modalidade, conforme ponderado brevemente pela doutrina pátria, onde imóveis cujo valor estejam abaixo de trinta salários mínimos (art. 108, CC) não exijam maiores formalidades (COELHO, 2012).  

Regis Arantes de Freitas (2015), em sua obra mais recente, trata de maneira bastante particular acerca do que ele próprio denomina como sendo uma “carência regulatória”, eis que na norma prevista tanto na Lei 9.514/97, quanto no Código Civil brasileiro, não há uma previsibilidade taxativa, ou sequer o reconhecimento de tal modalidade, causando certa insegurança jurídica, e que, mormente é sanada quando do trabalho efetuado pelo meio jurisdicional, na criação de precedentes, quanto pela atividade empenhada pelo doutrinador.

A segurança jurídica promovida pelo registro de instrumento pactuado, a exemplo da previsão do art. 1.417 do Código Civil (BRASIL, 1988), eis que não é gerada a mesma expectativa de gozo de certos direitos reais; há ali, pois, uma inexistência de direito material (sobre o ato), o que não ocorreria caso houvesse alguma receptividade quanto aos Registros Públicos, o que difere desta modalidade contratual ao contratar com a ‘Promessa de Compra e Venda’, em cuja averbação gera, devidamente, direitos como o de sequela, bem como o efeito erga omnes à pré-existência de um negócio futuro (FREITAS, 2015).

O tratamento dado aos contratos de gaveta pela interpretação doutrinária das normas, atenta para uma tentativa do legislador, mesmo que diante um curto lapso temporal, em regularizar os contratos de gaveta celebrados, empregando tal tentativa através do disposto na Lei 10.150 de 2000 – Novação de Dívidas e responsabilidade do fundo de compensação de variações salariais – FVCS.

O art. 20 da norma supracitada propiciava a regularização de transferências que tivessem sido celebradas sem a “interveniência da instituição financiadora”, desde que tais atos tenham sido praticados antes de 25 de outubro de 1996, sendo este um dos efeitos do reconhecimento desta prática, qual seja, a celebração de contratos de gaveta, efetuado usualmente, sem, contudo, a intenção de perpetuar essa possibilidade pela via legal (FREITAS, 2015).

 

4 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS EM FACE À LEGALIDADE DO “CONTRATO DE GAVETA”.

A carência junto à previsão deste ato negocial dentre aos dispositivos legais como a própria Lei 9.514/97 e do Código Civil, deixa à mercê de uma insegurança jurídica frente aos interessados diretamente e aos eventuais terceiros que possam ter nexo com o ato em questão.

Vejamos o art. 1.417 do código civil: “Mediante promessa de compra e venda, (...) celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”. (BRASIL, 2002).

O “Contrato de Gaveta” em imóvel com alienação fiduciária torna-se prática precária em disposição dos direitos reais junto ao bem imóvel, pois segundo afirma Freitas: “não encontra receptividade em vias de registro no Registro de imóveis. A inexistência de direito material sobre este ato, contudo gera a não receptividade junto aos atos registráveis perante a Lei de Registros Públicos” (FREITAS, 2015, p. 70).

Todavia, em decorrência da característica desses atos, posto que em algumas situações os contratos imobiliários podem perdurar por vários anos. Neste período inúmeras situações podem motivar e induzir “o mutuário em dispor do futuro direito em aquisição, posição contratual ou direito expectado, transferindo de imediato a posse da rés a um novo interessado, condicionando a transferência do título de domínio findada a dívida ora adquirida” (FREITAS, 2015, p. 70).

A carência legislativa sobre o assunto, deixando margem para uma certa insegurança nesse tipo de negociação, e que abre precedentes para uma série de processos e, como citado no parágrafo anterior, levando-se em consideração a ocorrência de intempéries no decorrer do lapso temporal do financiamento, levou à atuação e manifestações do Judiciário.

Os tribunais de justiça dos Estados, e a justiça no geral, majoritariamente vêm reconhecendo validade, existência e os efeitos oriundos dos denominados “Contrato de gaveta”, no que se refere a direitos e obrigações envolvendo imóveis financiados, efetivando provimentos para mitigar a insegurança jurídica destes atos negociais. Fundamentando no reconhecimento, e da existência inequívoca do “contrato de gaveta”, de sua insegurança jurídica, e pela fervorosa quantidade de demandas judiciais para suprir os direitos de aquisição.

Ensejando viabilidade do registro, por meio de uma averbação, sem a exigibilidade da anuência por parte do credor, esses provimentos têm por finalidade precípua suprir viabilidade das averbações dos “contratos de gaveta” junto à ficha de matrícula do imóvel, sem a exigência da participação do agente financiador.

Referente ao tema, as Corregedorias dos Estados de Goiás e do Rio Grande do Norte se posicionaram a favor dessa modalidade contratual, que, segundo Freitas (2015), vem sendo firmada também pelos demais Tribunais pátrios, os quais vêm reconhecendo como sendo válidos o contrato estabelecido entre o mútuo originário e o terceiro, como segue os seguintes enunciados:

Da averbação/notícia dos contratos relativos a imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, comumente chamados “contratos de gaveta”.

Art. 797-a Fica autorizado aos serviços de registros imobiliários deste Estado averbar, na matrícula, a notícia da existência de contrato e respectiva transferência de imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação, popularmente chamados “contrato de gaveta”, sejam eles de promessa de compra e venda, de cessão de direitos e obrigações ou com qualquer outra denominação, formalizados por instrumento público ou particular, desde que, neste último caso, as assinaturas dos contratantes e testemunhas estejam com firmas reconhecidas, independente da anuência, comunicação prévia ou qualquer intervenção do agente financiador. (Goiás, Corregedoria de Justiça, DJe )

Bem como, corrobora para esse entendimento o Tribunal de Justiça/RN, através de provimento de sua Corregedoria que, levando em consideração a relevância social e jurídica dos denominados “contratos de gaveta”, modalidade de aquisição de imóvel difundida em todo país, além de se levar em conta a necessidade de evitar e diminuir os diversos conflitos que decorrem dessa espécie de negócio jurídico, e ensejam a propositura de inúmeras ações judiciais, que abarrotam o Poder Judiciário, é que este referido Tribunal se posiciona da seguinte forma:

Art. 1º Ficam os serviços de registro imobiliário autorizados a lavrar a averbação de mera notícia dos contratos e respectivas transferências atinentes a imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, os chamados “contratos de gaveta”, sejam eles de promessa de compra e venda, de cessão de direitos e obrigações, de compra e venda definitiva, ou de qualquer outra denominação, formalizados por instrumento público ou particular (...). (Rio Grande do Norte, Corregedoria de justiça, Dje http://corregedoria.tjrn.jus.br/ndex.php/normas/atosnormativos/provimentos /provimentos-2010/4143-provimento-n-050-10/file)

Recentemente o STJ se manifestou no sentido de reconhecer a legitimidade do comprador, detentor de “contrato de gaveta”, para fins de opor embargos de terceiro e, assim, discutir a validade da penhora. A discussão, no entanto, é bastante controvertida, e está restrita, no STJ, à legitimidade do comprador de discutir a penhora, ainda não havendo entendimento uníssono quanto à possibilidade de, efetivamente, ser cancelada a penhora.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Em suma, restou-se demonstrada a complexidade do tema, uma vez que não se trata, simplesmente de trabalhar tal modalidade ‘informal’ de contrato, e passar a renega-la ao descaso jurídica diante desta mesma informalidade, mas antes disto, aferir se tal modalidade não se trata de situacionalidade que merece maior apreensão jurídica, a fim de sanar esta ‘informalidade’, uma vez que a habitualidade deste tipo de pactuação é bastante usual, exercendo o papel de uma ‘tentativa civil’ indo de encontro à burocracia comumente encontrada, e onde tal burocracia, pode, mormente, ser vista como um modelo que não mais se adequa às necessidades dos indivíduos da contemporaneidade, que ensejam por celeridade e praticidade nas relações negociais. 

A instabilidade do efeito e da segurança destas negociações, ainda que em menor escala, tem sido o único empecilho para a não utilização desta prática contratual, mas que, muitas vezes, constitui em única via de aquisição imobiliária para boa parte dos cidadãos das camadas mais baixas do país, diante não só da burocracia enfrentada, mas pelo alto custo em concluir os procedimentos ‘dentro das regras, dentro das leis’. 

Exercendo papel incontestável, os precedentes judiciais sanam boa parte desta insegurança jurídica, cujo legislador infra constitucional se renega a versar de modo mais contundente, traduzindo-se, por fim, em maior efetividade não tão somente do direito de contratar, mas ainda, do direito à aderir à certa modalidade de aquisição de bens imóveis de modo mais democrático diante do menor custo que deverá ser dispendido pelos contraentes.

 

Obviamente, o espaço é ainda pouco suficiente para tratar do tema com a profundidade que se requer, e tal tratamento deverá, em breve, tomar outras formas, a depender da adequação social, do entendimento dos tribunais, quem têm sido grande fonte, e por fim, quando do trabalho a ser futuramente empregado pelo legislador infra constitucional, que caminhará para maior alinhamento social.


REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de out. de 1988. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p

 

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil, 3: contratos/ Fábio Ulhôa Coelho. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

 

FREITAS, Régis Arantes de. Carência regulatória do contrato de gaveta, 1 ed. Minas Gerais: Prospectiva, 2015.

Por essa obra se extraiu o pensamento do autor referente o direito à moradia e a necessidade que é demandada em razão dele no Brasil.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 3º Ed. São Paulo Atlas, 2003.

Por essa obra foi trabalhado a visão do autor que considera o estado atual de registro público desatualizado e obsoleto.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

SANDRI, Jussara Schmitt. Função social do contrato. Conceito. Natureza jurídica e fundamentos, Revista do Direito Público, 2011.

 

SETTI, Maria Estela Leite Gomes. A Função Social do Contrato Empresarial e a Análise Econômica do Direito, Curitiba, 2010.

 

SILVA, Bruno Mattos e. Compra de Imóveis. Aspectos Jurídicos, cautelas devidas e analises de riscos. 10º Ed. São Paulo: Atlas, 2015.

Dessa obra foi retirada a posição do autor sobre os riscos do contrato de gaveta.

 

SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário: teoria e prática. Forense: Rio de Janeiro, 2015.

 

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições do Direito Civil. Volume IV. 18º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

Desse autor foi extraído o conceito de titularidade da propriedade.

 

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 15.

TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos. São Paulo: Método, 2007.

GOIÁS, Provimento nº 02, de 08 de fevereiro de 2010. Acrescenta à Consolidação dos Atos Normativos da Corregedoria-Geral da Justiça a Seção IV, ao Capítulo XII, Título IX, e os artigos 797a, 797b, e 797c, que dispõem sobre a averbação dos contratos relativos a imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, os chamados “contratos de gaveta”. Diário Oficial da Justiça Estadual de Goiás, Goiânia, GO, 08 fevereiro 2010. Disponível em: . Acesso em: 09 mai. 2017.

 

RIO GRANDE DO NORTE, Provimento nº 50, de 04 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre a possibilidade de averbação dos contratos utilizados por mutuários do Sistema Financeiro de Habitação para transmissão de seus direitos sobre o imóvel adquirido, sem a necessária intervenção do agente financiador nos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado do Rio Grande do Norte. Diário Oficial da Justiça Estadual do Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 04 fevereiro 2010. Disponível em: . Acesso em: 14 out.2015.

 

[1] Paper apresentado à disciplina de Contratos Cíveis e Comerciais do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior DOM BOSCO – UNDB

[2] Alunos do 4° período do curso de Direito

[3] Professor orientador