Após os excelentes sites Bonsventos.com e Noticiaaberta.com, que permitiam publicar artigos gratuitamente a uma comunidade internauta bem informada e até ávida por este tipo de conteúdos online, eis que surge o vazio, o nada absoluto; uma espécie de infinito matemático ao contrário: nem um só website dedicado ao tema, na net portuguesa actual.

Depois da tempestade, a anunciada bonança: uma pesquisa “sortuda” googliana dá à costa um site, escrever.com, baseado em artigos de expressão portuguesa. Parece mentira que exista algo assim. Um registo um pouco mais complicado do que a maioria, mas nada que assuste o talentoso e muito simpático e ainda mais intrépido aspirante- a- escritor. Uma, uma única password que teima em não aparecer, nem no email do já citado escrevinhador, nem muito menos no registo onde era suposto ser derramada em todo o seu esplêndido esplendor. Mas não, ele não a sabe: resposta? - uma pergunta ao site, num breve formulário para uma questão superiormente simples. No mais, uma mixtura de senso comum e informações pessoais e bancárias. Uff…

Ora bem, chegados a este porto internético, a fatídica segunda fase: há que escrevinhar um artigo de uma longevidade única e atroz: nada mais nada menos que 500 (cinco vezes dez vezes outros dez, usando a função distributiva da nossa muito querida matemática lusa) palavras sobre um assunto no mínimo, no mínimo estranho. Vamos então ao tema que nos traz a estas breves (caalma, vão ter de ser quinhentas, dê por onde der…) palavras. Ou sobre fazer a barba, ou como decorar uma casa, ou apresentar-se a uma entrevista de emprego, ou ainda o balanço do branco na fotografia.

Certo, pensou o humilde escriba. Cortar a barba? Técnica demasiado falível. Decorar uma casa? Técnica demasiado especializada. Apresentar-se a uma entrevista de emprego? Técnica demasiado obscura e subjectiva. Balanço do branco na fotografia? Raios! Mas se eu nem sequer controlo o meu balanço no banco, como o posso fazer numa fotografia? Ná, nada feito. E, por falar em feito, sabem como se escreve: creme de barbear em espanhol? Crema de afeitar. Está feito, será a barba, essa raça maldita, essa diária tragédia do homem moderno, a levar o nobre articulista ao pináculo da glória, ao cume da sabedoria, ao Saramaguismo do pêlo, ao corte a direito e sem perdão.

Vou confessar-lhes uma coisa: não sei fazer a barba. Faço-a contra a maré do pêlo, apesar dos avisos da capitania em contrário. E pronto, cá vou eu escrever sobre um assunto onde sou um autêntico e perfeito nabo, um zero à esquerda, um Artur Jorge de um Benfica à deriva e sem guito para melhor equipa que 11 pernetas – perdão, 10 pernetas e um menino d´oiro João Pinto, que isto de escrever sobre barba vai dar sempre à bola, e umas bijecas, uns tremoços e alguns caracóis a acompanhar. O Verão a isso obriga, e muito mais.

Mas falemos então de barba. Quando o meu pequeno e inconsequente buço se tornou um pouco mais frondoso, e alguns raquíticos pêlos se uniram contra mim numa agressiva e incontrolável floresta, tive de tomar uma atitude radical. Primeiro, pedia ao meu pai para me cortar aquela floresta de picos negros, tão escuros como o breu do carvão ou do mais requisitado crude. Mas a paciência dele já ia dando de si, e eu lá tive de aprender a manejar uma lâmina, à antiga, com cabo de metal e tudo. Desastre total. Caos, cortes por todo o lado, e depois papel higiénico em todas essas fatídicas pequenitas feridas, pelo rosto transfigurado na verdadeira face de Cristo. Não podia ser.

Passados uns anitos de lutas titânicas mas infrutíferas, deixei a fase Dom Quixote de La Mancha e transformei os moinhos em vento, que o mesmo é dizer: passei a usar a célebre e muito mais suave máquina de barbear. Ao início, a paixão da minha vida; num segundo momento, passou a cortar menos e eu ficava com demasiado pelito à vista de uma navegação mais atenta; e, finalmente, a desonrosa desistência, o último tap- out de um boxeur em fim de carreira – eu – pois do pouco se fez muito, e a máquina parecia uma rebarbadora, a fazer peladas por onde passava, por tudo o que era sítio, e até em sítios que eu nem sabia existirem, numa cara – a minha – que me era tão cara – por ser a minha – e, portanto, nada mais fiz do que deixar de fazer – a barba nessa máquina, bem entendido, claro está.

Agora, e tendo voltado ao primeiro amor, a lâmina: já são três as lâminas, o cabo já não é de metal, mas de um plástico qualquer, de um modelo qualquer baratucho, comprado num supermercado banal, ausente de alma, também ele: “qualquer”. Mas não estou melhor, isto falando de técnica, obviamente. Continuo um Paulinho Santos do barbeio. Um sarrafeiro do piorio, quero dizer. Arreio no meu próprio pêlo como se não houvesse amanhã, como se o mundo fosse acabar ontem, como se arrancando temporariamente determinado pêlo os problemas todos – os meus e os do mundo também – fossem terminar.

Iludo-me. Pura e tonta ilusão. Precisaria de um autêntico exército de lança- chamas, e aí o churrasco seria outro… Hoje em dia, contento-me em fazer a barba com lâminas rombas, ou seja, mal afiadas. A verdade é que com as outras, as novas, corto-me sempre. E eu não sou de me cortar, se é que me entendem.

Sou um cidadão português a sério. Gosto de bola, de pesca, de me enganar nas contas de vez em quando, de praia e montanha. Mas sei que, pelo menos, ninguém me vai imitar a fazer a barba e que, portanto, os meus gestos continuarão únicos, pessoais, intransmissíveis.

A minha técnica é a técnica do arrastão. E se alguém quiser perder tempo, é só ir ao início deste texto e ler de novo.