"Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela.
Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno". "Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a torna-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério". Mateus 5.

Esse texto já levou alguém à mutilação literal, mas tenha certeza, não serviu pra nada além da deficiência física e da angústia de mente, pois o convite de Jesus é para um "tipo de cegueira" que nos faz mergulhar em nós mesmos e nos dá uma visão que permita enxergar o outro com um olhar de igualdade, uma vez, que somos iguais. É que para o Judeu da época e muitos religiosos de hoje o cumprimento da lei está no campo objetivo, daí muitos dizerem que não pecam ou cumprem a lei, então adulterar seria deitar-se na cama com a mulher do próximo, ainda que no campo subjetivo o coração estivesse totalmente adulterado pelo cultivo da letra da lei mosaica que lhes ofereceu os olhos da insensibilidade que deixa uma mulher a qualquer pretexto numa cultura machista e predatória que a expõe ao adultério, ao estigma social e a penúria desumana. E nesse ambiente onde a balança está desequilibrada oferecendo dois pesos e duas medidas entre homem e mulher pela supremacia masculina que podia tomar uma concubina, enxergar uma mulher como objeto e joga-la na vida dando-lhe uma "carta de divórcio", então, esse olho podre e que cega também a alma, deve ser "arrancado" e "lançado" do ser, pois são eles que ocultam a graça e que conduz todo o corpo à ruína, sendo portanto, incapaz de enxergar que o adultério não está na cama, mas num ambiente muito mais escondido que os quartos que ocultam os "amores impossíveis".
Em outra mensagem minha já falei que qualquer um que buscar lei na Escritura, colherá morte, e eis um exemplo, pois a lei do adultério cegou a lei da vida.
Esse trecho do Ensino do Monte que comento é dito para um povo-alvo do ensino escriba-farisaico que cultuava a lei e negligenciava a vida. Então, nesse contexto, Jesus não lança uma "nova lei", mas nos mostra que essa lei opera a favor da vida e não, o contrário, por isso, bem-aventurados são aqueles, cujos olhos, contemplam a humildade de espírito, porque entenderam a essência do reino dos céus. Ser sal da terra é lançar fora a insipidez da lei seca e restaurar o sabor gostoso da vida. Ser luz é não trazer escuridão pra ninguém. O juramento pode ser da boca pra fora, mas o sim sincero do coração, jamais virá do maligno. Resistir ao perverso nos faz caminhar milhas e milhas, perdendo os dentes e arrancando os olhos dos outros. Que o amor só ganha expressão quando até mesmo o inimigo rende-se a ele e isso é um reflexo pálido da perfeição de Deus. Que a esmola seja dada com as duas mãos para que uma mão não tenha ciúmes da outra. A oração seja feita em silêncio porque Deus não é tolo e sempre soube nossa intenção. O jejum seja interior, e não uma expressão da vaidade que busca elogios para si mesmo querendo mostrar que um é mais santo do que o outro. Que aquele que serve a dois senhores se confunde e depois não sabe mais quem é quem. Que aquele que julga os outros está sendo julgado pela própria ignorância que não percebe a trave do olho direito. Que a porta larga da lei nos conduz a perdição porque cria um sistema de sacrifícios próprios e o culto a si mesmo, sendo que muitos estão seduzidos pela largura desse caminho, mas que a porta da graça é o caminho pelo qual devemos caminhar, embora seja estreita porque exige a renúncia de todo sacrifício humano que busca justiça própria e convidam todos a descansarem exclusivamente no poder da cruz e no amor de Deus.
O homem começa a mergulhar em si mesmo quando "arranca" os olhos da maldade, pois, não enxergando mais nada em seu redor é obrigado a perceber-se e é a partir daí que começa a morrer o "deus" dentro de nós para que nasça apenas o homem, pois é isso que somos.