A casa

Desde que se mudou para aquele bairro, aquela casa lhe causava estranheza e medo. Era uma casa enorme, mas era escura e abandonada.
Quase todos os dias passava em frente e ficava imaginando as mais absurdas coisas em relação àquele enorme casarão abandonado, sua cabecinha de menino traquinava as mais remotas possibilidades: desde bruxas até fantasmas e almas penadas.
Na escola contava para os amigos que sempre ouvia gritos vindos lá de dentro à noite, principalmente quando era lua cheia. Seus amigos que o ouviam atentamente ficavam arrepiados de medo.
Certo dia, resolveu enfrentar o medo e de quebra matar sua curiosidade à respeito daquela casa que insistia em povoar seus pensamentos. Convidou mais três amigos para o acompanharem naquela aventura.
Tudo estava decidido e planejado, seria no próximo sábado, diriam para as mães que iriam jogar futebol, se encontrariam na pracinha e de lá seguiriam rumo à grande aventura.
A semana passou se arrastando, parecia que os dias estavam cada dia maiores. A ansiedade tomava conta daquele quarteto que iria fazer sua primeira investigação de verdade. Chegado o grande dia e na grande hora todos estavam no local combinado, o plano era simples: entrariam pelos fundos, pulariam o muro, se encaminhariam para a porta da cozinha e, com alguma sorte a porta estaria aberta, do contrário iriam forçar a entrada, para isso estavam munidos de alavancas e pé de cabra. Cada garoto levava um lanche e um refrigerante, afinal de contas uma investigação daquele nível requer esforço físico e esforço físico dá uma fome danada.


Naquele mesmo dia, num bairro próximo, dois atrapalhados ladrões estavam em apuros ao tentarem assaltar uma joalheria.
Tudo estava correndo muito bem e dentro do planejado: eles chegaram, discretamente obstruíram as câmeras de segurança, renderam os balconistas sem fazerem alarde e começaram a saquear tudo que estava ao alcance das mãos. Já tinham recolhido tudo que era possível e estavam saindo quando um deles, na tentativa de imobilizar os funcionários para que esse não chamasse a polícia, se atrapalhou com as algemas e acabou se algemando também.
Em desespero forçou o punho para tentar se livrar, mas foi em vão, teve que chamar o companheiro para que o ajudasse a escapar. Na confusão e no desespero para tentar se livrar das algemas deixou cair um saquinho cheio de pérolas no chão, o resultado não poderia ser mais desastroso: seu comparsa escorregou e deu com a cabeça no chão ficando completamente atordoado. A essa altura os funcionários da loja já não se continham e davam gargalhadas, enquanto a porta da joalheria se abria e um novo cliente aparecia.
O primeiro assaltante continuava lutando para se livrar das algemas mas não conseguia se soltar e acabou sendo rendido pelo segurança e pelos demais funcionários e clientes da loja.
Nesse ínterim, o segundo assaltante despertou, se levantou rapidamente e ainda meio atordoado saiu correndo deixando seu parceiro entregue à fúria do vendedores e clientes, mas antes de sair, conseguiu recuperar parte do que havia roubado e saiu em disparada pelas ruas da cidade.
Correu até não conseguir mais, olhava para trás de vez em quando para se certificar que ninguém o estava seguindo, embora ao longe pudesse ouvir o som das sirenes da polícia. Sabia que a qualquer momento poderiam alcançá-lo, então, desesperado entrou na primeira casa que apareceu, deu sorte pois estava vazia.
Cansado e abatido, com uma dor terrível de cabeça, além de estar sangrando. Se encostou a uma poltrona velha e empoeirada, sem ter controle sobre si mesmo desmaiou de cansaço.


- Tudo bem - disse o mais velho dos meninos, que tinha treze anos - já que ninguém quer pular eu pulo primeiro, mas saibam que vocês são uns medrosos, eu devia ter chamado outros.
Com o coração aos pinotes, saltou do outro lado. O terreno era enorme, mas estava tomado pelo mato, intrepidamente ele foi abrindo caminho para os outros o seguirem. Um a um todos pularam o muro, mas o silêncio entre eles era mortal, estavam com mais medo do que com curiosidade. Um deles disse:
- Vocês não acham que devíamos voltar? Parece que vai chover!
O mais velho que liderava a fila, limitou-se a dizer:
- A mulherzinha ta com medo?
- É que eu ouvi dizer que uma vez por semana alguém é assassinado e deixado aqui para agradar os espíritos maus, do contrário eles sairiam e atacariam as pessoas na cidade.
- Deixa de besteira, você está inventando isso agora.
Os outros dois meninos não diziam nada, apenas ouviam, mas não podiam deixar de admitir que também estavam com medo. Chegaram até a porta dos fundos, mas estava trancada por dentro e não havia como abri-la. Rodearam a casa e não encontraram meios de entrar.
- Muito bem ? insistiu o menino ? não tem como entrar, isso já ficou provado, então o melhor a fazer é irmos embora.
- Espere ? disse o mais velho ? tem um jeito sim. Essa janela abre a parte superior, basta que alguém passe por lá e abra a porta pelo lado de dentro.
- Mas quem passaria por lá? ? outro perguntou
- Simples, o mais magro e mais baixo.
Todos se viraram para o menino menor, que já estava com medo e queria ir embora.
- De jeito nenhum, nem pensar. Eu é que não vou virar comida de fantasma, arrumem outro.
Mas seus argumentos não foram aceitos e logo ele estava todo espremido tentando passar pelo vão de uma janela super estreita. Com muito esforço, conseguiram empurrá-lo para dentro. O chão da casa estava coberto por uma camada espessa de poeira, mas o baixinho sequer notou, tamanho era seu desespero para abrir a porta.
Assim que foi aberta, todos entraram, em fila indiana, pé ante pé, sem fazer o menor ruído.
- Nossa, que cozinha enorme!
- E suja.
- Fantasmas adoram sujeira.
- Deixa de bobagem baixinho, esse negócio de fantasmas não existe. Muito menos fantasmas que comem gente.
- Pare de me chamar de baixinho, se não fosse por mim, ninguém entraria.
Continuaram andando pela casa, o mais velho tirou da mochila uma lanterna, afinal, não poderiam abrir as janelas senão iriam chamar a atenção.
Todos os móveis da casa estavam cobertos por lençóis brancos, o que fazia com que o baixinho ficasse ainda mais atemorizado. Os outros dois quase não falavam, mas em compensação não desgrudavam do mais velho, que até aquele momento era o líder da equipe e o mais corajoso.
Mas a coragem do mais velho fraquejou quando ele abriu a porta de um dos quartos e uma família de ratos enormes passou por sobre os seus pés, ele deu um grito e pulou desesperado deixando a lanterna cair no chão. Depois de passado o susto, sacudiu a poeira, respirou fundo e disse para que continuassem.
- Ele está disfarçando ? sussurrou o baixinho - mas garanto que ele está se borrando de medo.
Revistaram mais de dez cômodos, subiram escadas, vasculharam gavetas e guarda-roupas, encontraram fotos antigas e alguns diários, mas nada interessante.
- Viram? Acreditam agora que essa coisa de fantasma não existe? Acho que podemos ir embora.
A essa altura, até o baixinho já estava relaxado.
- Antes de ir embora vamos fazer um lanchinho para comemorar esse mistério solucionado.
- É isso aí, vamos comer na sala.
Saíram correndo pelas escadas, passaram pelo longo corredor e quando chegaram à sala, foram tomados pelo pavor. Diante deles, estendido na poltrona havia um corpo imóvel, a cabeça jogada de lado, respingando sangue.
- Eu não disse?! ? gritou o baixinho ? Eles trazem gente morta para alimentar os fantasmas. Logo estarão aqui e vão comer a gente também.
O medo do baixinho contagiou os outros que, com os nervos à flor da pele e amedrontados olhavam par ao mais velho suplicando para irem embora o mais rapidamente possível, este porém disse num sussurro:
- Já que ele está morto mesmo, vamos sair de fininho, sem fazer barulho e nada vai acontecer. Certo?
Mal acabou de dizer isso, o ladrão ferido acordou e se moveu na poltrona. Apavorados, os quatro intrépidos aventureiros gritaram a plenos pulmões e irromperam em desabalada correria pelo mesmo caminho por onde haviam entrado.
A gritaria assustou o ladrão atrapalhado que correu desesperado rumo à rua levando consigo o saquinho cheio de jóias, porém, ao tentar pular a cerca ficou preso pela calça.
Desesperado, se debateu até que sua calça se rasgou e ele caiu na calçada, exatamente no mesmo instante que a viatura da polícia passava por ali. Foram tão rápidos que o pobre do ladrão não teve tempo sequer de se levantar e já estava sendo algemado e sendo levado para a cadeia.


Longe umas quatro quadras dali, sob a sombra de uma enorme jabuticabeira, quatro meninos estavam sentados, entregues ao cansaço de tanto correrem, um olhando para o outro, completamente abismados com o que haviam presenciado.
- E agora ? disse o baixinho ? vão acreditar em mim?
Sem questionar, os outros três concordaram com a cabeça: fantasmas existiam de fato e na segunda-feira teriam muita coisa para contar na escola.