Ele acordou inquieto, fazia frio, ela tinha puxado a coberta e ele sorriu balançando a cabeça. Ele tivera outro pesadelo e acordara sobressaltado como das outras vezes, mas ela estava tão cansada dos últimos dias de trabalho intenso no projeto da empresa que não percebera a movimentação dele na cama quando se desvenciliara de seus braços. Ele se levantou com cuidado para não acordá-la e a cobriu melhor, dando-lhe um beijo suave na testa. Colocou seu jeans e sua camiseta que ainda estavam jogados no chão e foi para a sala silencioso, como um corvo nas sombras.
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Olhou o relógio: 2h da manhã. Sentou-se na mesa que ela usava para trabalhar quando fazia o controle operacional de casa. Pegou uma folha de papel e a caneta prateada que ela gostava tanto. Tudo tinha sua energia, sua delicadeza, seu encanto e ele adorava isso. Acendeu a luminária e começou a escrever uma carta para ela com o que lhe estava vindo á mente naquele momento.
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"Olá meu amor,
sei que já não é mais nenhuma surpresa quando lhe escrevo, afinal, durante esses meses todos é o que mais tenho feito. É nossa forma de comunicação, é jeito que encontro de estar perto de você quando estou longe e mesmo de estar mais perto ainda quando estou bem pertinho como nesse final de semana. Nem sempre o tempo nos deixa usufruir da presença um do outro, mas queria que soubesse que quando isso acontece é simplesmente maravilhoso. Eu tenho aprendido tanto com você e mesmo assim você sempre tem a capacidade de me surpreender ainda mais.
Sabe, você apareceu na minha vida quando a última coisa que eu queria era um novo relacionamento. Eu já havia saído de muitos e como você sabe com muitos estragos causados por mim mesmo. Magoei tantas pessoas e magoei a mim mesmo também ao magoá-las. Achei que ficando sozinho as coisas seriam melhores e aí você surgiu na minha vida e tudo mudou. Mesmo quando fui sincero com você sobre mim, sobre meu passado, desejando secretamente que você me virasse as costas e me deixasse aprisionado na culpa que me consumia dia e noite, você se recusou a ir embora e me contou sobre seus medos, suas experiências passadas, seus erros, fez com que eu me sentisse mais humano, mais normal, sem ser julgado ou condenado.
Você tem me ensinado sobre um tipo de amor que sobrevive ás intempéries da vida, ás tormentas do caminho. E mesmo quando nem tudo são flores, nós encontramos motivos para nos fortalecermos mais ainda no que sentimos e no que vivemos.
As pessoas quando se apaixonam dizem que nada irá separá-las da pessoa amada, que lutarão contra tudo e contra todos para manter a chama acesa, mas na maioria das vezes desistem quando as coisas fogem ao planejado ou ás expectativas. O amor nunca é o bastante, nunca consegue superar suas idealizações quando são desfeitas.
Mas você tem experimentado comigo um turbilhão de problemas de quase todas as ordens e mesmo assim continua firme em sua postura, em seu amor e sempre me lembrando de que independente da idade você não é uma garotinha, você é uma mulher que sabe bem o que quer. E desde então você tem me mostrado todos os dias o quanto me quer com todos os meus defeitos, com minhas portas trancadas, com minhas imperfeições, com meus medos, com meus silêncios, com minhas insanidades.
Eu nunca lhe pedi para me amar e mesmo assim você o fez e continua fazendo. E eu não consegui me impedir de te amar mais e mais dia após dia.
Obrigado por simplesmente me aceitar como sou de verdade, sem fantasias, sem inspirações poéticas constantes, com meu gosto musical para "velharias" e ás vezes com algum mau humor irritante. Obrigado por não expor nossa vida e me segurar quando ás vezes ainda caminho em direção ao percipício. Poucas pessoas nessa vida me entenderam, você é uma dessas. Eu te amo".
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Ele dobrou a folha de papel e colocou entre as coisas dela. Um dia ela encontraria. Ele voltou para a cama e deitou abraçando-a por baixo das cobertas, sentindo aquele cheirinho de Lily do Boticário que o deixava louco. Ela se aconchegou mais a ele e deu um daqueles gemidinhos de sono e sussurrou um "eu te amo" já tão familiares e ele dormiu assim, sorrindo, abraçado a mulher que a vida lhe ensinara a amar sem reservas.