A CANÇÃO FÚNEBRE

Poderia ser um dia como outro qualquer, ou até mesmo mais amargo quanto ao outro, mas aquela canção fúnebre ressoava em meus ouvidos. Não era música, não havia som, somente sua morbidez. Eu nem mesmo poderia descrevê-la.
Talvez fosse um sentimento, mas não havia razão de ser, pois desconheço tudo em volta a deste termo, e não há um só sinal de verdade em meu ser, meu eu inexiste, sou tão somente uma ruptura, contra tudo e contra todos.
Poderia acordar como uma bactéria, que ninguém notaria nada, poderia enlouquecer nas ruas e seria só mais um imbecil, porque todos riem, todos se comovem, todos tentam ser leais, e mesmo assim, não há um só sinal de verdade em meu ser.
Poderia falar o que penso, ou até mesmo ser justo, mas isso ninguém ouviria, a verdade não é para ser revelada, a cumplicidade virou sinônimo de interesse. Elas querem ouvir, as pessoas querem ouvir. O quê? Nada, simplesmente nada, agora meça as palavras, faça como eu, faça como todos, diga o que você não pensa, e toda desgraça que entrelaça em minha carne não mais apodrece, todas as fobias serão descartáveis por um sorriso, e meu id permanecerá intacto, meus instintos acorrentados, tudo por um triste sorriso.
Sorrir é ter vergonha de ser honesto, é temer as reações alheias, é tirar das pessoas o prazer de encontrar sua deplorável imagem, porque ninguém lhe vê, apenas ouvem o que sai de sua boca, ou até mesmo quando não se fala nada, porque se mente também pelo olhar, meu olhar é demovido de lágrimas, meu olhar é covarde, é vil, mesquinho e ninguém vê, ninguém percebe, por quê? Já disse, não há um só sinal de verdade em meu ser.
Agora você vai pensar que estou mentindo, e eu vou rir, e agora você vem me abraça, e eu digo há de se ferrar seu abraço, mas quem ouviu? Ninguém, talvez nem eu, porque se tornou crônico, agora quero enganar até a mim mesmo, e consigo. Meu id continuará intacto.
Se há escória estou nela e você também, te levei a isto, você bem sabe, mas também se esconde, e todos se escondem. Já não vejo um só sinal de verdade em ninguém.
Quanto àquela canção fúnebre, nunca existiu, inventei para começar com isso tudo, e também para terminar, pois como você pode ver, não há um só sinal de verdade em nada.