A beleza dos livros.

O trânsito da sabedoria através dos livros, é algo tão admirável que, apesar das infinitas combinações das letras de todos os alfabetos, raramente elas conseguirão gerar palavras capazes de descrever tanta beleza e mistério. Mesmo porque quando ela realmente é captada, o processo ocorre dentro da pessoa, sendo impossível exteriorizá-lo, exatamente pela razão acima.

Livros contam da verdade, mas muitas pessoas os lêem e não conseguem vislumbrá-la. A impressão que se tem, é que a verdade possui uma vontade própria, só se fazendo revelar para as mentes e corações preparados para entendê-la na sua plenitude.

Há um livro em particular, O Caibalion, historicamente dado como autoria de um alto sacerdote egípcio, Hermes Trimegisto (três vezes grande ou, ainda, o mestre dos mestres).

Quem o lê, como fiz no passado, sem o amparo de certa experiência de vida, ou imbuído da humildade necessária para a tarefa, larga-o logo, antes do final do primeiro capítulo.  Passei por isso. Cometi o mesmo erro de julgamento apressado que a maioria comete.

Anos depois o apanhei novamente e quase não pude acreditar que se tratava do mesmo livro. Eu mudara tanto, ou livro havia mudado?  E se não fosse a certeza de que era o mesmo exemplar, juraria que houvera modificações drásticas em seu conteúdo.

"Os lábios da Sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do entendimento."

Esta frase contida nele, me esclareceu muita coisa.

Interessante que o termo hermético (fechado) tem origem no próprio nome de Hermes. E mais interessante ainda, o ensinamento está oculto de uma maneira totalmente inusitada, ou seja: completamente escancarado. Tão óbvio, que se torna “invisível”.

Esse insight maluco, me levou a lembrar de uma fábula sobre onde, alguns anjos portadores do conhecimento total, o esconderam do homem: dentro do próprio homem.

"Em qualquer lugar que estejam os vestígios do Mestre, os ouvidos daquele que estiver preparado para receber o seu ensinamento se abrirão completamente. Quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para enchê-los com Sabedoria."

Este é outro trecho do Caibalion que se pode ler, ainda na introdução, antes de entrar no mérito do próprio livro, ou seja, na verdade estampada que poucos conseguem ver.

Com o tempo, um tanto por conta deste fato aqui descrito, aprendi a prestar mais atenção ao óbvio. E não é necessário tanto trabalho para isso, basta que se dê o primeiro passo, que é a manutenção constante da consciência de que nada sabemos. Pois os maiores erros são cometidos – quase sempre – com a presunção de sabedoria.  Depois disso o caminho de cada um se torna revelado.

Muitos confundem humildade como originária da humilhação. Longe disso. Humildade é o sentimento de respeito de uma vida para com outra à sua frente. Humildade também não é subserviência.

Veja a singeleza de um livro. Em síntese, apenas papel e letras dispostas numa certa ordem. Mas tudo colocado de uma forma que o capacita a transmitir o conhecimento para aqueles que, sinceramente, o desejem. Um livro possui altivez, mas está despido de arrogância.

Numa declaração simples Gibran Khalil Gibran, quando discorre sobre o amor em seu livro “O Profeta”, reside uma beleza tão impressionantemente simples, quanto verdadeira:

Pois, se o amor coroa, ele também o crucifica. Se o ajuda a crescer, também o diminui. Se o faz subir às alturas e acaricia seus ramos mais tenros que tremem ao sol, também o faz descer às raízes e abala sua ligação com a terra”.

Ele é um grande mestre das palavras simples. Sem rebuscar a linguagem, carregando-a de palavras difíceis, Gibran nos embala durante viagens maravilhosas por dentro de nós mesmos. Ao mesmo tempo em que é denso, possui uma leveza ímpar. Contradiz e concilia na mesma proporção. Ilumina!

Não há como não amar os livros após conviver com eles. Por outro lado, o conhecimento que transmitem não enferruja, não pesa, não pode ser perdido e nem roubado. Levamos aonde quer que vamos e, ainda, nos auxilia em nossa tentativa de entender um mundo cada vez mais, desnecessariamente, complicado. E, se existe um lugar para onde possamos ir após esta vida, será a única coisa que levaremos conosco.

Tudo isso é tão óbvio, mas tão óbvio que se torna invisível.

Nos livros se pode descobrir que a Alquimia, considerada a precursora da Química, não buscava a “Pedra Filosofal” para transformar qualquer metal em ouro, mas para transformar os homens em sábios. Que a transmutação é interna. Em resumo: uma forma de traduzir a simplicidade da Verdade.

Voltando ao “O Caibalion” e a Hermes Trimegisto, pode-se dizer que ele trata de verdades simples que a Física Quântica atualmente começa a “decifrar” e confirmar. Leis, aparentemente singelas lá descritas, confirmam-se hoje verdadeiras.

"Nada está parado; tudo se move; tudo vibra."

Isso dito e escrito a milhares de anos, lá no longínquo Egito, devia parecer mesmo um mistério. Hoje a Física já descobriu que, realmente, nada está parado, estático. Toda estrutura possui elétrons – e outras partículas – girando em torno do núcleo atômico. Como o Mestre dos mestres sabia disso, isso sim é um mistério.

Gradativamente a ciência desvenda o “hermético”. Estupefatos, os cientistas descobrem que saber, é apenas uma questão de olhar e ver. Einstein chamou várias vezes atenção para o fato da importância da imaginação. Pois ela e sua poesia são reveladoras. Desvencilha o homem dos preconceitos. Não desnuda a Verdade, mas revela que ela sempre esteve nua, sempre exposta para os discípulos que estejam prontos para compreendê-la.

Na fantasia de nossos rótulos que tentam classificar tudo, separando o todo, criamos confusões, tratando uma mesma coisa, como duas coisas diferentes, ai reside parte do engodo. Algo como o uso de óculos para ficarmos cegos.

O frio, por exemplo, faz parte do todo que se chama calor. Ou seja: podemos ter um calor de 40º negativos. Calor é temperatura mas não sua intensidade. É um estado da matéria, mas não seu grau de manifestação. Eis a confusão. Um paradoxo criado que encobre a simplicidade.

Nunca foi tão necessário possuir, nesta vida, olhos de ver e ouvidos de ouvir. Pois avançamos mais e mais num emaranhado de (pré)conceitos, que nos afasta do ser. De nossa própria essência.

Estamos, queiramos ou não, num processo acelerado de enlouquecimento coletivo.

Há um filme chamado “Fahrenheit 451”, dirigido por François Truffaut e lançado em 1966, uma fábula terrível, cuja  trama se desenvolve em torno de uma equipe de “bombeiros” cujo trabalho é localizar e queimar livros e revistas, pois estes são proibidos.

Oxalá este filme jamais deixe a categoria de “ficção científica” para se transformar em “baseado em fatos”.

Porque livro é alegria; drama; aventura; conhecimento e muito mais. Tudo isso sem causar danos à natureza nem aos homens. São registros da potencialidade criativa da imaginação humana.

O supra-sumo da síntese poderia ser: livro é vida!