Marcelo Aparecido de Melo
A AUTODECLARAÇÃO RACIAL COMO MEIO DE ACESSO A CARGOS PÚBLICOS.
VALPARAÍSO DE GOIÁS
2015
Resumo
A Lei 12.990/2014, foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio com o objetivo de diminuir a desigualdade social racial no serviço público, com a criação da reserva de cotas em concursos públicos para negros e pardos. A história brasileira nos mostra o quanto o negro e seus descentes têm sofrido desde a abolição da escravatura, pois embora esta lhes tenha dado a liberdade, não lhes deu a DIGNIDADE. O sistema de cotas em concurso público se propõe a inserir os negros, pretos e pardos no serviço público, reservando-lhes uma porcentagem dos cargos públicos em concurso do poder executivo federal. Porém alguns fatores reduzem a obtenção de resultados desta lei: o prazo de vigência decenal, a falta de critérios objetivos de aferição da AUTODECLARAÇÃO RACIAL e a limitação da aplicabilidade a concursos realizados pelo poder executivo federal.
Palavras-chave: Autodeclaração, Cargo Público, Decenal, Desigualdade Social, Critérios Objetivos.
Abstract The Law 12.990/2014 was introduced in the Brazilian legal order to reduce racial inequality in public service, with the creation of reserve quotas in public tenders for blacks and browns. The Brazilian history shows us how the black and their descendants have suffered since the abolition of slavery, for although this has given them freedom, did not give them the DIGNITY. The quota system in tender proposes to enter the black and brown people in public service, allowing them a percentage of public offices in the contest federal executive power. But some factors reduce the delivery of this law, the term ten-year term, the lack of objective criteria for measuring the self-declared racial and limiting the applicability of the competitions held by the federal executive branch.
Keywords: Self-declaration, Public Office, decennial, Social Inequality, Objectives Criteria.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho faz uma análise da Lei nº 12.990/2014, que trata sobre a Reserva de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, aos negros, por um período pré-determinado, sendo sua vigência de um decênio.
A autodeclaração é a única exigência ao candidato, para que este tenha garantido o acesso a cargos públicos através do sistema de cotas raciais, Tal recurso jurídico tem por mérito a tentativa de diminuir a desigualdade social racial no Brasil, entretanto, a falta de critérios objetivos normatizadores deste direito, cria uma lacuna na Lei, que dificulta o pleno exercício deste direito.
Sendo que a existência desta única exigência cria um entrave para a plena eficácia da Lei 12.990/2014, haja vista que a referida lei traz em seu texto normativo uma punição àqueles que falsamente se declararem pretos ou pardos, sem no entanto normatizar os critérios objetivos avaliativos que balizariam a aferição da Autodeclaração feita pelos candidatos em concurso público que estejam amparados nos parâmetros da Lei 12.990/2014.
Tal falta de regulamentação em seu texto sobre quem são os pretos ou pardos para fins desta norma jurídica obsta o pleno exercício do direito que o legislador quis promover à essa categoria de raça ou cor.
O cerne do problema se encontra não em saber quem são os pretos, mas, em saber em quem são os pardos, como identificá-los, quem pode se autodeclarar pardo e com isso determinar qual candidato pode se valer deste direito e disputar uma vaga no concurso público concorrendo às vagas destinadas a candidatos negros e pardos.
A definição das características de pretos e pardos para fins mesmo que únicos desta lei juntamente com a criação de um sistema classificatório racial, minoraria o problema existente, de certo não poria término a este, uma vez que temos uma população largamente miscigenada, mas, ao menos existiria uma
diretiva normatizada, que daria segurança àqueles que prestarão concurso público e têm o direito de se utilizar das vagas reservadas a negros e pardos.
Impediria assim uma enxurrada de recursos que na falta desta normatização legal chegará inevitavelmente aos tribunais pátrios, atravancando ainda mais o julgamento de processos que há muito esperam uma solução jurídica.
Também impossibilitaria que o judiciário brasileiro fosse utilizado por pessoas inescrupulosas como meio protelatório ou mesmo como caminho para se obter vantagens não merecidas ou indevidas com base na lacuna legal existente.
Vale ressaltar que a falta de normatização aliada com a possível punição para aqueles que façam uma falsa Autodeclaração, impede o real e verdadeiro objetivo desta Lei, o exercício da reserva de vagas àqueles que realmente a merecem e que perdem suas vagas para espertalhões e trapaceiros, que não tendo o direito à reserva de vagas dela tentam se beneficiar.
Enquanto as pessoas de boa-fé e que fazem jus a reserva legal de vagas para candidatos negros se perguntam se realmente podem concorrer a essas vagas, temendo principalmente as consequências caso tenham sua Autodeclaração taxada de falsa, há pessoas sem escrúpulos e consciência que apenas pensam em se aproveitar e não temem tais consequências, pois são bem informadas e assessoradas juridicamente, conhecem todos os meios legais para postergar e até mesmo anular uma decisão administrativa nos tribunais.
Do modo que está tal norma jurídica, esta favorece os mal intencionados, que utilizam recursos legais para obterem vantagem indevida, o que se torna fácil devido à incompetência do legislador em legislar.
2 CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO DE RAÇA E COR DO IBGE
O legislador ao dispor no corpo da lei que o critério utilizado seria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, empurrou para este uma responsabilidade que não lhe pertence uma vez que o, IBGE, não classifica os entrevistados em cores e raças, colhendo apenas uma Autodeclaração do entrevistado, ou de outra pessoa que resida no mesmo local, heteroidentifação, quando ausente um dos moradores.
Veja que nem sempre é a própria pessoa que faz a sua classificação racial, uma vez que se assim o fosse, os agentes do IBGE seriam obrigados a esperar todos os moradores da residência para colher seus dados, isto inviabilizaria a pesquisa, principalmente nos estados do nordeste há uma grande quantidade de habitantes que em certa época do ano, se mudam temporariamente para outras cidades ou mesmo estados com o intuito de conseguir emprego e renda para sustentar suas famílias.
Ademais o censo demográfico é uma pesquisa com fins diversos do da Lei 12.990/2014 sendo seu intuito conhecer a população brasileira, como esta vive, seu grau de instrução, sua situação econômica e também é claro a sua etnia e raça, porém neste quesito se baseia apenas na Autodeclaração do entrevistado ou de algum familiar caso algum morador da casa não se encontre ali naquele momento, tornando assim inócuo o artigo da Lei 12.990/2014 que atribui ao IBGE a verificação da Autodeclaração feita pelo candidato que concorre às vagas destinadas a negros.
Se o objetivo era criar um meio de aferir a Autodeclaração feita pelo candidato que se declare negro ou pardo em concurso público, de nada adiantou, pois não há como aferir uma Autodeclaração feita por outra Autodeclaração, que muitas vezes não é tão Autodeclaração assim, já que em alguns casos, esta declaração é feita por uma terceira pessoa.
3 A FALTA DE CRITÉRIOS CLAROS PARA A CLASSIFICAÇÃO DOS PARDOS
O legislador deve sempre se preocupar com a aplicabilidade da norma legal a qual está elaborando, observar suas falhas, erros e lacunas, a fim de que
um texto mal redigido venha a retirar a eficiência de uma Lei e a perda de um direito do cidadão.
A Autodeclaração Racial, única exigência da Lei 12.990/2014, para que o candidato em concurso público faça jus ao direito de concorrer à vagas destinadas a pretos pardos, traz de imediato uma avalanche de questionamentos, que são multiplicados pela possibilidade de penalização do candidato em caso de Autodeclaração falsa, alcançando mesmo o candidato já empossado serviço público, invalidando sua posse e tornando nulo seus efeitos.
Tal possibilidade traz consigo uma insegurança jurídica de grandes proporções, criando por si só o seguinte questionamento:
Quais critérios serão utilizados para a análise da veracidade da autodeclaração feita pelo candidato inscrito nas vagas destinadas a pretos e pardos em concursos públicos?
Os problemas trazidos pela Lei 12.990/2014, faz com que dediquemos tempo e esforço no estudo desta norma legal, com o intuito intrínseco de trazer luz aos pontos ora obscuros desta norma jurídica, buscando uma solução para ajudar as pessoas que fazem jus à reserva de vagas em concurso público pelo sistema de cotas e no entanto, se vêem impedidas ou inseguras para utilizar tal benefício legal.
Sempre que falamos em reserva de vagas pelo sistema de cotas raciais e ou cores surge o questionamento, e a principal dúvida é quem pode se considerar preto ou pardo?
Ademais suscita dúvidas tais como, como se dará a formalização dos critérios de aferição da veracidade da autodeclaração? Tal critério ficará a cargo
das bancas organizadoras? Cada banca poderá editar critérios próprios? Como
fica a situação do candidato diante de tantos critérios subjetivos provavelmente diferentes?
Outro ponto que traz dúvidas é a questão da aferição da veracidade da autodeclaração feita pelo candidato e a existência de punição para aqueles que
falsamente se declararem pretos ou pardos; a punição prevista no parágrafo único do artigo 2º, da Lei 12.990/2014, não seria um desistímulo para aqueles que desejam utilizar deste benefício legal quer seja para ingressar no serviço público ou para mudar de órgão ou apenas de cargo dentro do mesmo órgão?
A Lei 12.990/2014 deixa em aberto até mesmo o momento da averiguação de veracidade, fazendo com que o candidato nunca tenha uma segurança de ter realmente conquistado o cargo de forma definitiva e legal, pois a qualquer momento esse quesito poderá ser questionado, criando uma insegurança jurídica plena e avassaladora fazendo desmoronar por terra todos as boa intenções da referida Lei.
Por tudo quanto exposto nota-se que a norma em comento mesmo com boas intenções possui uma falha grave que fere mortalmente o âmago do principal objetivo intentado por esta norma, qual seja facilitar o acesso e a inclusão das pessoas da raça negra, ou seja, dos pretos e pardos ao serviço público, pois esta falha não deixa que se cumpra eficiente e plenamente o objetivo para o qual a Lei 12.990/2014 foi criada. Até mesmo a Portaria Normativa nº 4 de 06 de abril de 2018, que supostamente regularia o procedimento de heteroidentificação nos casos da Lei 12.990/2014, não regula nada, apenas valida a formação de uma comissão com essa finalidade, porém não define o fenótipo do preto e principalmente do pardo, que é e sempre será o maior prejudicado nesta lei. E o artigo 11 da portaria normativa nº 4, continua sem resolver o problema daqueles que não tenham a sua heteroidentificação deferidas pela comissão, o que desestimula os pardos a concorrerem pelo sistema de cotas embora tenham
direito subjetivo a isto, o artigo 11 realmente cria o desestímulo aos pardos, “in verbis”.
Art. 11. Serão eliminados do concurso público os candidatos cujas autodeclarações não forem confirmadas em procedimento de heteroidentificação, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência e independentemente de alegação de boa‐fé. Parágrafo único. A eliminação de candidato por não confirmação da autodeclaração não enseja o dever de convocar suplementarmente candidatos não convocados para o procedimento de heteroidentificação.
Este não é um problema novo, em geral as políticas públicas de inclusão do negro são falhas não alcançando seus objetivos pela falta de critérios que determinem as características dos pretos e pardos, principalmente dos pardos onde está concentrado o cerne do problema, pois frequentemente só são reconhecidos como pardos aqueles que tem a pele quase preta.
É tão grave a falta de uma normativa, que nos projetos onde não se definem as características desta cor há divergência entre os avaliadores da própria instituição que faz a seleção, demonstrando tão grave é a omissão do poder público quanto à definição das características das pessoas de cor parda.
Como exemplo cito o caso de dois irmãos gêmeos univitelinos (idênticos), Alex Teixeira da Cunha e Alan Teixeira da Cunha, que se inscreveram no vestibular da Universidade de Brasília, UNB, pelo sistema de cotas, sendo que apenas um deles teve seu pedido deferido, sendo o outro não considerado pardo.
Tal situação que se corrigiu somente após o caso ter se tornado de conhecimento público através da mídia escrita e televisiva, haja vista ter sido o seu pedido indeferido mesmo após recurso administrativo e a comprovação de
ser irmão gêmeo univitelino de um candidato que foi aceito pelo sistema de cotas e declarado pardo pela mesma banca.
Situação que coloca em cheque o sistema subjetivo das organizadoras de certames públicos, quer seja em um simples vestibular, que embora possa mudar a condição social e financeira de uma pessoa o faz em um prazo maior de tempo, quer seja em um concurso público onde tal mudança financeira e social ocorre de imediato após a posse.
Neste caso em o sistema de aferição da autodeclaração foi fotográfico sendo que as fotografias dos dois irmãos foram analisadas por avaliadores distintos, tendo um deles reconhecido como verdadeira a autodeclaração racial de Alan e o segundo avaliador assim não reconhecendo a declaração de Alex.
Tal fato demonstra que a inexistência de critérios de definição racial mesmo nas organizadoras, ficando este critérios a cargo dos avaliadores, o que prova a necessidade urgente da correção desta falha, uma vez que não há consenso nem mesmo entre os avaliadores de uma mesma organizadora.
4 RAÇA
Raça é um conceito criado pelo homem com base nas características fenótipas de determinado grupo de indivíduos, a criação da raça deu origem ao racismo, onde determinados grupos de indivíduos pertencentes a uma determinada raça se acha superior à outras raças.
Segundo Norberto Bobbio (1998), raça não é um conceito científico e por racismo
“... se entende, não a descrição da diversidade das raças ou de grupos étnicos humanos, realizada pela Antropologia Física ou pela Biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e, principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente, científicos para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais.”
Boobio, completa argumentando que tal pensamento tem por intenção justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição de algumas raças que se consideram superiores contra outras raças as quais consideram inferiores.
Nota-se que para Bobio, o que conceito de raça foi criado apenas com a finalidade de justificar o racismo, realmente, ao analisarmos imparcialmente não há justificativas para que se subdividir a raça humana, somos todos de uma única raça, a raça humana, com as mesmas características, o que nos difere é apenas o local onde nascemos, pois a natureza nos dota das características necessárias para a sobrevivência naquele habitat.
Os negros originários da África têm a pele mais escura devido à maior quantidade de melanina produzida por seu corpo como uma proteção natural contra os efeitos do sol que naquele continente é mais agressivo à pele, bem como nos países onde os efeitos do sol são mais amenos as pessoas têm a pele mais clara, haja vista não necessitarem de uma proteção especial contra os raios solares, tratando-se simplesmente da adaptação da qual o ser humano é dotado para sobreviver.
Interessante é o fato de que a cor dos olhos se deve ao fato de haver mais ou menos melanina neles, sendo que quanto maior o nível de melanina nos olhos
mais escuros eles são, por este motivo as pessoas de peles claras tem os olhos mais claros.
Considerando que as pessoas tem a pele mais escura devido ao seu habitat natural, ou seja, devido à agressividade dos raios solares de onde são originárias e a melanina é uma defesa do organismo contra os efeitos destes mesmos raios solares, torna-se óbvio que as pessoas de pele escura terão olhos de cores mais escuras, não por serem outra raça, mas por morarem em local onde esta proteção é indispensável.
Torna-se claro que as pessoas de pele clara habitam um local onde os efeitos dos raios solares são menos agressivos, produzindo menos proteção, no
caso menos melanina em seu organismo, consequentemente têm olhos de cores mais claras.
Para Freyre (1981), a raça está ligada às “diferenças do tipo físico, de configuração de cultura e, principalmente, de status ...”(FREYRE, 1981, p. 353).
Ainda segundo Freyre, ela se molda a partir das “cores regionais diversas conforme as condições físicas da terra, de solo e de configuração de paisagem ou de clima e não apenas as culturais, de meio social” (FREYRE, Idem, Ibdem).
Freyre apresenta um pensamento um tanto estranho com relação à raça, ao afirmar que esta estaria ligada às diferenças do tipo físico, cultura e principalmente status, se assim fosse mesmo em um grupo geneticamente fechado haveriam várias raças, pois é impossível afirmar que todos os indivíduos nasceriam com as mesmas características, semelhantes a clones, além do fato de que se houvessem indivíduos de credos diferentes estes seriam pertencentes a outras raças, mais absurdo se torna afirmar que o status de indivíduo em um grupo possa torná-lo pertencente a outra raça.
No entender de Cardoso (1977), o conceito de raça está intimamente ligado à cor e esta é um elemento importante para a organização da sociedade brasileira. Nesta mesma linha permanece o autor, a raça “transparece nitidamente na qualidade de representação social que toma arbitrariamente a cor ou outros atributos raciais distinguíveis, reais ou imaginários, como fonte para a seleção de qualidade estereotipável” (CARDOSO, 1977, p. 250).
Cardoso traz um pensamento diferente e interessante, para ele a raça é um elemento para a organização da sociedade, que tal organização é social, porém com intuito político e com características seccionárias, sendo raça uma invenção para justifciar uma segregação social, seguindo atributos reais ou imaginários para sustentar a teoria da segregação, atacando o cerne da questão racial, se apenas 0,035% é o que define nossas características “raciais” qual é a lógica de nos dividirmos em raça?.
Diante de todas estas definições depreende-se que raça é uma criação de determinada sociedade, em determinado período de sua história para justificar determinadas atitudes e ações de sua sociedade ou de um governo, e não um fato científico.
5.1 SISTEMA DE CLASSIFCAÇÃO RACIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE.
A Lei 12.990/2014 em seu artigo segundo estabelece quem poderá concorrer às vagas destinadas ao sistema de cotas, ao mesmo tempo que punição para os que falsamente se declarem negros, com o único objetivo de obter vantagem indevida em certames públicos, “ipsis litteris”:
“Art. 2o Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Neste momento surge um dos principais momentos da Lei 12.990/2014, pois como explica, Rafael Guerreiro Osório, em seu trabalho, O sistema classificatório
de “cor ou raça” do IBGE, o Instututo Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, não possui nenhum sistema de classificação de sistema racial, aceitando como meio de classificação em determinada raça, aceitando para tal fim a autodeclaração do entrevistado, não existindo um meio de aferição desta autodeclaração racial, ou seja, o entrevistado pertence à raça ou cor que ele próprio se atribui.
Interessante também é fato de que o IBGE aceita também a heteroatribuição para classificação racial, o órgão permite que o entrevistado atribua aos ausentes classificação de raça ou cor, nestes casos os ausentes têm a raça ou cor definida por terceiros, podendo ser enquadrados em raça ou cor a
qual pensem não pertencer, tornando-se assim inviável mesmo que fosse possível um confronto entre a autodeclaração racial do candidato em concurso público e a classificação racial feita pelo recenseador do IBGE.
Tal situação pode gerar inconsistências, uma vez que a opinião à qual raça ou cor determinado indivíduo pertença pode não ser a mesma, ou seja, a
opinião do entrevistado e do ausente no momento da entrevista podem ser divergentes, um exemplo disso é o jogador de futebol Neymar Jr. que em 2010 ao ser entrevistado pelo Jornal o Estadão ao ser perguntado se já sofreu racismo respondeu: “Nem dentro e nem fora de campo, até mesmo por que não sou preto, né?”.
Ronaldo Nazário, conhecido como Ronaldinho fenômeno, também declarou em entrevista com o tema racismo o seguinte: “Acho que todos os negros sofrem (com o racismo). Eu, que sou branco, sofro com tamanha ignorância”. Porém o pai de Ronaldo, Sr. Nélio Nazário, diz o seguinte a respeito da cor do filho; “Ele sabe muito bem que é negro, o pai dele é negro e não faz sentido isso”. Encontramos neste momento o maior erro da Lei 12.990/2014, ter como único critério a autodeclaração do candidato e sistema de classificação de raça e cor do IBGE, bem para o IBGE caso Ronaldo estivesse em casa seria branco, no entanto, caso ele não estivesse ele seria negro, pois seu pai ou sua mãe assim o classificariam. Estes dois casos corroboram o que disse Prado Júnior:
“A classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela sua posição social; e a raça, pelo menos nas classes superiores, é mais função daquela posição que dos caracteres somáticos” (PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense; 2006, p. 109). Diante de tais fatos nota-se que enquanto um indivíduo se vê de uma forma, a sociedade pode vê-lo de forma totalmente diferente, tornando ineficiente uma lei que se baseia apenas em uma declaração do cidadão de que pertence
a uma determinada raça ou cor, enquanto ao mesmo tempo, cria critérios punitivos para quem se autodeclara pertencente a esta raça ou cor, sem estabelecer objetivamente características desta raça ou cor e ou como será realizada a aferição da veracidade de tal autodeclaração racial. A maior falha da lei é deixar subjetiva a classificação da raça ou cor do candidato em concurso público, não definindo critérios ou características que apontariam se uma pessoa pertenceria ou não à raça negra, em especial à cor parda que é onde ocorre a maior dificuldade de classificação, haja vista, não haver apenas um tom de pardo, mas, tal cor variar de uma tonalidade mais escura quase preta até uma tonalidade bem mais clara, quase branca. Outro ponto negativo deste diploma legal é a criação de punição àqueles que falsamente se declarem negros, podendo o candidato que assim o fizer ser eliminado concurso, e em alguns casos alcançar até mesmo o candidato já empossado no cargo público, punição está prevista no parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.990/2014, “in verbis”: “... Parágrafo único. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.
Bem a lei não define características das pessoas pertencentes à raça negra, o momento que se dará a verificação de veracidade da autodeclaração, como será feita a verificação e tampouco a quem será atribuída a competência para realizar esta aferição.
Diante disto, percebe-se que por mais que haja boa vontade do legislador em tentar promover uma inclusão social da raça negra no serviço público executivo federal, o Artigo 2º e seu parágrafo único, tira toda a força e objetividade da lei, uma vez que cria brechas para que candidatos possam se utilizar de má-fé e indevidamente acessar cargo público pelo sistema de cotas
mesmo não pertencendo à raça negra, mesmo não sendo preto ou pardo, se valendo apenas da autodeclaração.
Por outro lado, cria-se uma insegurança jurídica e desestimula candidatos de boa-fé que mesmo pertencendo à raça negra sentem-se inseguros para utilizar deste direito devido à punição prevista no parágrafo único do Artigo 2º, sem critérios objetivos definidos, o que faz com que prefiram concorrer pela ampla concorrência do que arriscar a perder um cargo público conquistado com muito estudo, esforço e abdicação a horas de lazer, companhia de amigos e da família, além da possibilidade de um processo penal.
5.2 O NEGRO NO SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO
Muito se fala quanto ao negro no serviço público, que o negro não está expressivamente inserido neste universo. Porém ao se falar que o negro deve ser inserido no serviço público cria-se uma ideia de que o negro não tem competência para conquistar um cargo público pelo seu mérito, sendo o sistema de cotas o único meio de um negro alcançar uma vaga no serviço público, o que não é verdade, não é a cor da pele que define a competência de um indivíduo, mas sim a qualidade do ensino que lhe foi proporcionado e a sua dedicação em aprender.
A ministra da Igualdade Racial Luiza Barros, em entrevista publicada no site: www.brasil.gov.br, afirma ser necessário um sistema de cotas para negros em concurso público, pois pesquisa realizada pela Secretaria de Políticas de Promoção e de Igualde Racial, SEPPIR, ao Sistema de Integrado de Administração de Recursos Humanos, SIAPE, foi constatado que apenas 30% dos servidores se declaram negros.
Tal argumento torna-se inconsistente uma vez que a Lei 12.990/2014, traz a obrigatoriedade de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas para pessoas
negras, onde o número de vagas do cargo seja superior a 03 (três) e somente pelo prazo de dez anos.
Se hoje o percentual de servidores negros é 30% (trinta por cento) qual é o objetivo e a necessidade de uma lei que obrigue a uma reserva de 20% (vinte por cento) do percentual das vagas para negros?, ressaltando-se que tal percentual não é aplicado sobre a quantidade de vagas do concurso e sim sobre a quantidade de vagas de cada cargo, e para que tal reserva seja obrigatória o cargo dever oferecer três ou mais vagas, sendo que no caso de haver apeans três vagas o percentual saltaria de vinte por cento para mais de trinta e três por cento.
Luiza Barros afirma ainda que o percentual de servidores negros no serviço público federal variou de 22,3 (vinte e dois vírgula três por cento) em 2004 para 29,9 (vinte e nove vírgula nove por cento) em 2013, tendo uma variação de 7,6% (sete vírgula seis por cento) em dez anos, que é o mesmo prazo da vigência da
Lei 12.990/2014, nota-se que houve em 10 (dez) anos um aumento de 34% (trinta e quatro por cento) de negros no serviço público.
Este aumento não se deve a políticas de cotas raciais, se deve ao aumento do número de concursos e do número de vagas, assim como a aposentadoria daqueles servidores que entraram no serviço público por apadrinhamento e sem obrigatoriedade de concurso, o qual tornou-se obrigatório apenas na Constituição de 1988, A Constituição Cidadã.
O que demonstra que a quantidade de negros no serviço público vem aumentando significamente mesmo sem um sistema de reserva de cotas raciais, provando que os negros não precisam de cotas e sim de oportunidades.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto percebe-se que em país miscigenado e ainda racista, onde os próprios cidadãos esquivam-se de reconhecer a sua raça chegando a negá-la, igualmente Pedro negou a Cristo, a aplicação da reserva de vagas em
concursos públicos pelo sistema de cotas raciais, não é eficiente, ante a previsão única da autodeclaração do candidato para concorrer a estas vagas.
A Lei 12.990/2014 falha ao não definir objetivamente a quem se destina e que tem o direito de se valer deste benefício, vindo a beneficiar candidatos inescrupulosos que se utilizam de má-fé para alcançar uma vaga no serviço público, uma vez que nem todos podem se declarar preto, porém, qualquer pessoa pode se declarar pardo.
Soma-se a isso a criação de uma punição para os candidatos que (segundo critérios não definidos por lei, mas, ao que se presume, a ser definido pelas organizadoras dos certames) falsamente se declarem pretos ou pardos, cria uma grave insegurança jurídica impedindo o cumprimento pleno do real objetivo da referida norma legal, a inclusão da raça negra ao serviço público.
A falta de critérios objetivos definidores das características das pessoas de raça negra, (pretos e pardos) desestimula os candidatos de boa-fé e estimula os que se valem da má-fé.
Ademais considerando que segundo o IBGE, o percentual de negros na população brasileira é 50,7% e que 30% dos servidores públicos são negros, percebe-se rapidamente a falta de finalidade e de utilidade desta lei, que serve apenas para promover políticos populistas que não buscam realmente melhorar a vida do cidadão brasileiro, mas, um meio de se perpetuar no poder.
Uma lei de cotas criada apenas com o objetivo de incluir o negro no serviço público, demonstra o quanto nosso país é racista, pois para justificar tal norma legal, o pensamento implícito é de que todos os negros são pobres e ou que não possuem uma boa educação acadêmica. Realmente para aqueles que
estudam em escolas públicas, não há uma boa formação acadêmica, no entanto, pensar que só os negros estudam em escola pública é mais uma manifestação de preconceito racial.
Este caso nos faz pensar se não seria melhor um sistema de cotas para candidatos oriundos de escola pública, em face da reconhecida e notória deficiência do ensino público do Brasil, assim sendo mais justo e promovendo a ascensão social dos brasileiros pobres.
Isto aliado à edição de uma lei federal dos concursos públicos, que revisse as matérias a serem cobradas nos certames, uma vez que matérias como: Direito Constitucional, Direito Administrativo, entre outras, cobradas em certames de nível médio e superior, não fazem parte do currículo escolar das instituições de ensino médio brasileiras e tampouco da maioria dos cursos de formação superior no Brasil.
REFERÊNCIAS:
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense; 2006, p. 109.
www.brasil.gov.br,acessado em 28/03/2020
BOBBIO, Norberto et all. Dicionário de Política, Vol.1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 11ª edição, 1998.
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 6ª edição. Rio de Janeiro: J. Olympio, Recife, 1981.