A ATUAL CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E O NEOCONSTITUCIONALISMO: Conformidades de seus Princípios Fundamentais.[1]

 

 

David Costa Alves e Ecio Fonseca Costa [2]

Isis Boll de Araújo Bastos [3]

 

 

SUMÁRIO: Resumo. 1 Introdução. 2 Arcabouço teórico-doutrinário. 2.1 Estado Democrático de Direito; 2.2 Constituição; 2.3 Constitucionalismo; 2.4 O Neoconstitucionalismo e a supremacia do Direito Constitucional. 3 A Constituição Brasileira. 3. Os princípios fundamentais e o estado democrático de direito; 3.2 Conformidades da Constituição brasileira e o Neoconstitucionalismo. 4  Considerações finais.

 

RESUMO

O trabalho tem como objetivo demonstrar em que pontos a atual Constituição brasileira está alinhada ao que teoriza o novo constitucionalismo e o novo direito constitucional, apresentando elementos característicos presentes em seu texto que a conformam desse novo modelo. Para tanto, inicialmente se traça uma abordagem conceitual e doutrinária sobre temas atinentes ao direito constitucional, constituição e constitucionalismo. Posteriormente, estabelece-se um perfil da Constituição Federal brasileira, apontando elementos em seu texto que a confirmam como uma constituição democrática que estrutura e normatiza um Estado Democrático de Direito. Por fim, demonstra-se como Carta Magna nacional se compatibiliza com a corrente do Neoconstitucionalismo e do novo Direito Constitucional, citando-se exemplos do ordenamento jurídico brasileiro em que há a supremacia dos princípios constitucionais estatuídos no texto da Constituição Federal sobre normas e relações jurídicas públicas e privadas.

 

Palavras-chave: Constituição. Direito Constitucional. Estado Democrático de Direito. Neoconstitucionalismo.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

                   No mundo atual surge uma discussão bastante importante diante de uma realidade que se configura nas relações sociais, políticas e econômicas, portanto, jurídicas. Diz respeito a importância das constituições dos Estados, enquanto leis máximas do País, e do Direito Constitucional em relação aos demais ramos do direito.

                   Nesse contexto, emerge a expansão do conteúdo material da Constituição contemporânea para além de uma estrutura jurídica de normas concernentes a estruturação do Estado e relações e limites dos Poderes. Também, começam-se a se iniciar discussões sobre um constitucionalismo globalizante, com um “pacote” mínimo de direitos, garantias, regras e preceitos que deveriam integrar todas as constituições de todos os Estados.

                   Nesse contexto, decidiu-se delimitar o tema do paper com o fim de trazer à discussão acadêmica o dilema vivido atualmente pelo direito constitucional brasileiro e mundial de ou manter-se conservador, tratando apenas das normas tradicionais que estruturam o Estado e estabelecem relações de Poder, ou avançar para uma concepção a partir de normas constitucionais que reflitam e estabelecem com a sociedade relações recíprocas capazes de nortear toda a vida jurídica,  pública e privada, com princípios estruturantes, além de receber desta sociedade sinalização de necessidade de adequações (supressões, inclusões, alterações).

                   O tema se mostra relevante aos acadêmicos encarregados da pesquisa e às comunidades acadêmica e profissional jurídicas no sentido de se apresentar as tendências atuais do novo constitucionalismo e do no novo direito constitucional, fazendo-se o contraponto com a realidade brasileira, discutindo se esta se encontra no caminho atual, se está ultrapassada, se há condições de adequar-se ou não, apresentando-se sugestões de mudanças no modelo atual, caso necessárias, de forma a munir o legislador a promover as devidas modificações que se fizerem necessárias.

                   Nesse diapasão, o artigo tem como objetivo geral “demonstrar em que pontos a atual Constituição brasileira está alinhada ao que teoriza o novo constitucionalismo e o novo direito constitucional, apresentando elementos característicos presentes em seu texto que conformam a esse novo modelo, sem perder a compatibilização da tradicional estrutura normativa restrita, com o estabelecimento de regras que prevejam garantias e direitos individuais e coletivos, estando mais próxima da realidade social e política, desenvolvendo com a sociedade uma relação de reciprocidade”. Como objetivos específicos, o trabalho pretende: (i) apresentar um arcabouço conceitual acerca de Estado Democrático de Direito, Constituição, Direito Constitucional contemporâneo, Constitucionalismo; (ii) discorrer o modelo atual de constitucionalismo que pressupõe uma supremacia do Direito Constitucional sobre os demais ramos do direito privado e sugere um conteúdo mínimo de direitos, garantias e normas que devam integrar toda Constituição baseada no Estado Democrático de Direito; (iii) traçar o perfil da atual Constituição brasileira, demonstrando seus traços de conformidades com o novo Constitucionalismo e no Direito Constitucional contemporâneo, sugerindo como deva se dar a compatibilização.

                   A metodologia deste trabalho terá como base de apoio a pesquisa bibliográfica, tendo como objetivo balizar o posicionamento do pesquisador sobre as teorias que já foram expostas ou escritas sobre o tema da pesquisa. As fontes bibliográficas que darão o embasamento teórico consistirão de livros, artigos, textos, publicações da internet e/ou monografias e artigos disponíveis a consulta em qualquer um dos meios citados aqui. Caracteriza-se, pois, tal pesquisa como teórico-descritiva, cujo fulcro espelha-se na linha de pensamento de autores já conhecidos pelas exposições de seus conhecimentos didático-científicos.

 

2 ARCABOUÇO TEÓRICO-DOUTRINÁRIO 

 

2.1 Estado Democrático de Direito

 

                   Moraes (2007, p.51) ensina que Estado Democrático de Direito significa “[...] a exigência de reger-se (o Estado) por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem com o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”. Nessa linha de pensamento, Canotilho (2003, p. 98) chama de “Estado de direito democrático, isto é, com uma ordem de domínio legitimada pelo povo”, além de “que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos”, complementando que o “poder da soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado constitucional. O poder político deriva do ‘poder dos cidadãos’.”.

                   No caso brasileiro, a Constituição Federal prevê, logo em seu Art. 1°, que “A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”, acrescentando, no Parágrafo único a esse Art. 1°, que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]”. (BRASIL, 1988)

                   Esse capitulação contida na Constituição Federal brasileira, conjugada com os dispositivos do arts. 5°, 6° e 7°, que tratam de direitos e garantias fundamentais, somados os preceitos contidos no Art. 14, que tratam da soberania popular por meio do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, revela sua adequabilidade aos conceitos de Estado Democrático de Direito tragos por Moraes e Canotilho, acima transcritos.

 

2.2 Constituição

 

                   Moraes (2007, p.36) entende ser a Constituição “[...] a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes a estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos”.

                   Ferdinand Lassale discorda desse e dos demais discursos que ponham a Constituição como a Lei Fundamental de uma Nação, argumentando ou questionando, qual a diferença desta para qualquer outra lei. Nesse sentido, ele afirma que tais “[...] afirmações dão-nos critérios, notas explicativas para conhecer juridicamente uma Constituição; porém não esclarecem onde está o conceito de toda Constituição, isto é, a essência constitucional”. Esse autor arremata dizendo que “[...] em essência, a Constituição de um país é a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação”. (LASSALE, 1998).

                   Konrad Hesse usa a ideia de Lassale, para refutá-la ou aperfeiçoá-la, já que entende que deve existir o condicionamento recíproco existente entre a Constituição jurídica e a realidade político-social. Para ele, aquele que contempla apenas a ordenação jurídica, a norma “está em vigor” ou “está derrogada”; e para quem considera, exclusivamente, a realidade política e social, ou não consegue perceber o problema na sua totalidade ou será levado a ignorar, simplesmente, o significado da ordenação jurídica (o caso de Lassale). Afirma que a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside no fato de que a situação por ela regulada tem que ser concretizada na realidade. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas, mas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas. (HESSE, 1991)

            Em forma de paráfrase, segue um resumo do pensamento de Hesse acerca da força normativa da Constituição:

Os limites da força normativa da Constituição (“Constituição jurídica”) não deve procurar construir o Estado de forma abstrata e teórica, não pode emprestar “forma e modificação” à realidade; onde inexiste força a ser despertada não pode a Constituição emprestar-lhe direção; se as leis culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela Constituição, careceria do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina normativa contrária a essas leis, não logra concretizar-se.

A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente. A norma constitucional mostra-se eficaz, adquire poder e prestígio se for determinada pelo princípio da necessidade, ou seja, a força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo. A Constituição converte-se, assim, na ordem geral objetiva do complexo de relações da vida.

A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas; ela converte-se em força ativa se fizerem presentes na consciência geral e na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição. (HESSE, 1991)

                  

                   Já o renomado constitucionalista português José Canotilho trata de uma Constituição Dirigente, que deve ser, além de jurídica, deve estabelecer um plano, que sempre que houver uma evolução política, a constituição prevê o que se deverá fazer, prefixando um ideal a ser atingido. Essa Constituição Dirigente é composta de normas programáticas. Para Canotilho (2003 apud TRINDADE, 2009, p.5):

a Constituição deixaria de ser concebida como um estatuto organizatório, como um simples instrumento de governo, definidor de competências e regulador de processos, transformando-se num verdadeiro plano global normativo do Estado e da sociedade, no qual estão determinadas as tarefas, estabelecidos os programas e definidos os fins.

                   Isso não significa dizer que a Canotilho esteja abolindo as normas tradicionais da constituição. Ao contrário. Ensina ele que essas normas e outras decorrentes estejam dispostas de tal modo que fique claro o papel de cada ator na construção, manutenção e desenvolvimento do Estado normatizado pela constituição. Já usando conceitos da pós-modernidade de democracia de alta intensidade, Canotilho não limita as competências e tarefas estabelecidas em sua constituição dirigente apenas aos órgãos governamentais, mas também com a participação cada vez mais ativa da sociedade civil organizada, de empresas e organizações sem fins lucrativos, governamentais ou não governamentais.

 

2.3 Constitucionalismo

 

                   Moraes (2007, p.35) afirma que “A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, de 1787, [...] e da França, em 1791”. Já Barroso (2009, p.3) cita que “O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização [...]”.

                   Os elementos que definem e marcam contundentemente o constitucionalismo são a organização do Estado e a limitação do poder estatal, esta se concretizando por meio do estabelecimento de direitos e garantias fundamentais. (MORAES, 2007).

                   Já Holthe (2010, p.27) afirma que “O movimento do constitucionalismo teve como principal finalidade a limitação do poder do Estado”, na época das monarquias absolutistas europeias.

                   Dessa forma, Canotilho (2003, p.51) define Constitucionalismo como sendo:

[...] a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de um comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo [...] É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.

 

                   Canotilho (2003, p.52) também fala de Constitucionalismo Moderno, como sendo “o movimento político, social e cultural que [...] questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político”.

                   Nota-se que todos os conceitos se dirigem, de uma forma ou de outra, para a limitação, ordenação e fundamentação do poder político, distribuindo-o de forma balanceada a todos os órgãos e pessoas que têm a missão de dirigir e conduzir o Estado; tudo isso fixada e muito bem disposto na constituição dos Estados.

 

2.4 O Neoconstitucionalismo e a supremacia do Direito Constitucional

 

            O Constitucionalismo moderno ou neoconstitucionalismo caracteriza de forma determinante o Direito Constitucional atualmente em prática e desenvolvimento nas democracias modernas, incluindo o Brasil. Barroso (2009, p.15) assim resume:

o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional [...] identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

 

                   Esse Neoconstitucionalismo tem três pontos característicos marcantes, quais sejam: (i) o Estado constitucional de direito, no qual a Constituição é o centro do sistema legislativo; (ii) conteúdo axiológico da Constituição, que teria uma carga valorativa muito grande, com opções políticas nos textos constitucionais relativas a dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais; (iii) a concretização dos valores constitucionais e garantia de condições dignas mínimas, como liberdade de informação e de expressão, proteção a intimidade, honra e vida privada, resguardando a dignidade e os direitos dentro de patamares mínimos, pelo menos. (LENZA, 2010)

                   Barroso (2009, p.25) afirma que no Brasil ao Direito Constitucional trata (porque estão previstos em maior ou menor grau na Constituição Federal) de todos os principais ramos do direito infraconstitucional. Ele diz:

Assim se passa com o direito administrativo, civil, penal, do trabalho, processual civil e penal, financeiro e orçamentário, tributário, internacional e mais além. Há, igualmente, um título dedicado à ordem econômica, no qual se incluem normas sobre política urbana, agrícola e sistema financeiro. E outro dedicado à ordem social, dividido em numerosos capítulos e seções, que vão da saúde até os índios.

 

                   Nesse contexto, Barroso (2009, p.27) arremata: “[...] a Constituição passa a ser [...] um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito [...] (ou seja:) toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”.

                   O Neoconstitucionalismo avançou no sentido de, além da limitação, ordenação e distribuição do poder político, estabelecidas na norma constitucional do Estado, pressupõe uma soberania do direito constitucional sobre toda a vida da sociedade, sobre todos os demais ramos do direito, quer público quer privada. Interessante observar que a grande novidade é a supremacia dos princípios e normas constitucionais sobre o direito privado, tradicionalmente muito independente e “poderoso”, estabelecendo suas normas e princípios próprios, sem atentar ou observar, diretamente, os fundamentos constitucionais. A partir do advento desse novo Constitucionalismo, nada escapa de se observar os princípios constitucionais que devem reger todas as relações jurídicas públicas ou privadas.

 

3 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA 

 

3.1 Os princípios fundamentais e o estado democrático de direito

 

                   Assim prescreve o Art. 1º da Constituição Federal de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. Vê-se que está explícito no texto constitucional a democracia como raiz das relações sociais e jurídicas brasileiras. Assim, precisa-se identificar caracteres democráticos no seu texto. Nos incisos desse Art. 1º, especialmente os Incisos II a V, identificam-se alguns desses caracteres, quais sejam: cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa e pluralismo político. (BRASIL, 1988).

                   Avançando um pouco mais no texto constitucional, constata-se que os artigos 5º, 6º e 7º tratam de estabelecer direitos e garantias fundamentais que visam dar cumprimento aos princípios fundamentais de dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho. Dentre outros, destacam-se direitos de igualdade, liberdade, defesa da honra e vida privada, exercício de trabalho e de manifestação, direitos sociais e dos trabalhadores, dentre outros. Além disso, dos artigos 14 ao 17 consolidam-se os fundamentos de cidadania, quando estabelece a soberania popular pelo sufrágio universal, por meio de eleições livres e do voto direto e secreto, além da garantia do pluralismo político, quando o Art. 17, caput, afirma: “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo [...]”(grifamos) (BRASIL, 1988).

                   O fundamento da livre iniciativa é verificado no Art. 170 da Constituição, in verbis:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IV - livre concorrência;

[...]

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (BRASIL, 1988)

 

                   Como se vê, a Constituição Federal brasileira contém estrutura que cumpre sua missão de constituir-se um Estado Democrático de Direito, a partir do estabelecimento em seu corpo de direitos garantidores do cumprimento dos princípios fundamentais constantes de seu Art. 1º e Incisos correspondentes. Contudo, questiona-se: Será que, ainda assim, essa Constituição possui mecanismos que a conformam com o novo modelo de Constitucionalismo e novo Direito Constitucional que se exige das democracias contemporâneas? Tentar-se-á dar resposta a esse questionamento nos subitens a seguir.

 

3.2 Conformidades da Constituição brasileira e o Neoconstitucionalismo

 

                   Como citado outrora neste paper, Lenza e Barroso afirmam que o Neoconstitucionalismo dá à Constituição e ao Direito Constitucional a supremacia normativa no ordenamento jurídico, regulando ou norteando todos os demais ramos do direito e normas de direito público ou privado. Assim, mister se faz neste ponto evidenciar em que pontos a Constituição Federal brasileira se conforma com essa nova doutrina constitucional.

                   Primeiramente, conforme já mencionado, a Constituição brasileira atual se fundamenta no princípio da Dignidade da Pessoa Humana e na prescrição de direitos e garantias fundamentais, fazendo surgir em nosso ordenamento jurídico, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Torcedor, a Lei Maria da Penha, a Lei de Crimes Hediondos, a Lei Carolina Dickman (que protege a intimidade e a vida privada de divulgação na internet), o reconhecimento de uniões civis além do casamento, inclusive entre pessoas do mesmo sexo, da adoção no nosso Código Civil do Princípio da Autonomia da Vontade que rege os negócios jurídicos em âmbito privado. Mister se faz frisar que em respeito à dignidade da pessoa humana, a nossa Carta Magna não admite pena de morte, de trabalhos forçados ou prisão perpétua, abomina a tortura e o trabalho análogo ao escravo e não tolera discriminação de quaisquer espécies, seja de credo, cor, raça, sexo, ideologia etc.

                   Outro ponto que a Constituição brasileira se coaduna com o Neoconstitucionalismo se dirige para o princípio da proporcionalidade, o qual, no dizer de Bonavides (2008, p.395): “A vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganha extrema importância e aufere um prestígio e difusão tão larga quanto outros princípios cardeais e afins [...]”. Nesse ponto, é interessante estabelecer que esse princípio deve estabelecer a relação entre fim e meio. Não cabe a máxima “o fim justifica os meios” ou a regra da burocracia weberiana de que “deve-se seguir rigorosamente os procedimentos intermediários” a fim de se atingir o fim almejado. Nesse diapasão, citam-se alguns exemplos de como o Direito Constitucional brasileiro vem impondo-se no ordenamento jurídico: (i) o Supremo Tribunal Federal – STF, a luz da interpretação constitucional e balanceando meios e fim, admitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo; (ii) também nesse mesmo caminho, o STF decidiu, em termo de direito eleitoral, que o mandato pertence aos partidos e não à pessoa do candidato eleito, acabando a “farra”          de mudança de partido sem devidas razões; (iii) muitas decisões no âmbito penal, que a lei capitula a pena de detenção, os juízes convertem-na em prestação de serviços comunitários, pagamento de cestas básicas, aplicação de multa etc. considerando a proporcionalidade entre prática delituosa e sanção; (iv) a nova lei de falências é um claro exemplo, em que, dependendo da proporção da situação de insolvência da empresa, não se aplica a pena máxima de decretação de falência, mas se permite que a mesma possa recuperar-se, quer de forma extrajudicial, quer com a intervenção judicial.

  1.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                   O artigo teve o propósito de demonstrar em que pontos a atual Constituição brasileira está alinhada ao que teoriza o novo constitucionalismo e o novo direito constitucional, apresentando elementos característicos presentes em seu texto que conformam a esse novo modelo. Para tanto, partiu-se da apresentação de conceitos teóricos-doutrinários sobre estado democrático de direito, constituição, direito constitucional, constitucionalismo e neoconstitucionalismo até apresentar elementos presentes no texto da Constituição Federal brasileira que evidenciam que a mesma está em conformidade com o Neoconstitucionalismo, por meio da adoção de princípios fundamentais que não apenas limitam o poder e distribuem competências, mas garantem direitos fundamentais, preservam a dignidade da pessoa humana e realça e valoriza o aspecto axiológico de uma democracia, como cidadania, pluralismo político-partidário, livre iniciativa, direitos sociais e trabalhistas.   

                   Dessa forma, ainda que de forma resumida, demonstrou-se que a atual Constituição Federal brasileira apresenta muitos elementos que coadunam seu texto e a aplicação da mesma pelo direito constitucional pátrio com a corrente doutrinária do Neoconstitucionalismo, especialmente naquilo que Lenza fala no tocante a “garantia de condições dignas mínimas, como liberdade de informação e de expressão, proteção a intimidade, honra e vida privada, resguardando a dignidade e os direitos”, e ao que Barroso apregoa de    que a o direito constitucional se sobrepõe ao reger e “interpretar todos os demais ramos do Direito”, fazendo com que “toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição”, permitindo que os princípios e valores contidos no texto constitucional sejam efetivamente realizados.

                   A democracia brasileira se consolida a cada dia. De 1988 até 2013, muito se avançou na garantia e consolidação de direitos fundamentais, como defesa do consumidor, proteção aos trabalhadores (como o caso recente da “PEC das domésticas”), maior força e atuação da Suprema Corte Constitucional (STF) com suas decisões que mudam o modo de olhar e interpretar leis e relações a luz do direito constitucional, dentre outros. Obviamente, que ainda muita coisa há que se avançar. O Poder Legislativo principalmente deve cumprir sua parte e atuar na regulação de situações que a Constituição prevê, mas que necessitam de regulamentação por leis infraconstitucionais (como a greve no serviço público, por exemplo), no tocante a perceber a evolução da sociedade e compatibilizar não só o texto constitucional (se necessário), mas também as leis à nova realidade social, tais como as situações de “células-tronco”, aborto, relações do comércio eletrônico e crimes cibernéticos, dentre outras.

REFERÊNCIAS

 

 

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do direito. Disponível em <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/ neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf > Acesso em 03 abr. 2013.

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

 

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: 09 Mai. 2013.

 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. 7ª. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

 

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

 

LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998.

 

HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador, Editora JusPodivm: 2010.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 14ª ed. São Paulo, Saraiva: 2010.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo, Atlas: 2007.

 

 

[1] Artigo apresentado à disciplina Teoria do Direito Constitucional da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 2º período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professora Mestre, orientadora.