Carlos Eduardo de Paula e Silva1




Resumo

O artigo avalia os casos em que o Município de Montes Claros no Estado de Minas Gerais é demandado, através do Poder judiciário e do Ministério Público, para custear tratamentos de saúde. Analisa-se a validade das decisões judiciais e das requisições do Ministério Público à luz da teoria discursiva de Habermas e da teoria neo-institucionalista do processo. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental que utiliza os dados da Secretaria de Saúde desse município de todos os casos em que ele foi obrigado a custear tratamentos de saúde até 31 de agosto do ano 2013. Os resultados mostram que 64,6% dos casos são provenientes de decisões judiciais e os restantes 35,4% são de ofícios requisitórios do Ministério Público. Segundo a perspectiva Habermasiana uma decisão para ser válida ela deve ser ao mesmo tempo legal e legítima, além disso, deve ser construída em meio a um processo discursivo entre as partes envolvidas. Nesse sentido, as requisições do Ministério público são decisões/ordens unilaterais que não contemplam uma discursividade como o processo judicial em que as partes são isonomicamente tratadas e contribui discursivamente para construção da decisão, através do uso de princípios, sobretudo o do contraditório e o da ampla defesa. Assim, os ofícios requisitórios do Ministério Público que obrigam o município de Montes Claros a custear tratamentos de saúde, apesar de serem legais não são legítimos dentro uma perspectiva discursiva.



Palavras- chave: Judiciário. Ministério Público. Saúde. Montes Claros






1. INTRODUÇÃO


    O presente trabalho traz à discussão em torno do Direito à Saúde que, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), configura-se como um direito de todos e um dever do Estado, além disso, esse mesmo diploma legal informa que a promoção da saúde deve ser realizada pelo esforço comum dos Entes Federativos, União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios. Objetiva-se fazer analise da atuação do Judiciário e do Ministério Público na efetivação do direito à saúde sob a ótica da teoria discursiva de Habermas e da Teoria Neo-institucionalista do processo.

Para o desenvolvimento deste estudo foi utilizada a pesquisa bibliográfica e documental que se materializaram com o estudo sistemático das teorias e com a tabulação/análise dos casos em que o Município de Montes Claros no Estado de Minas Gerais foi demandado, tanto por requisição do Ministério Público quanto por provimentos jurisdicionais, para custear tratamentos médicos, nesse sentido englobando medicamentos, equipamentos de uso/higiene, suplementos nutricionais, vitamínicos e minerais. Todos os casos existentes no cadastrado da Secretaria de Saúde do mencionado Município, até a data de 31/08/2013, perfazem o total de 274 (duzentos e setenta e quatro) casos.

Quanto à estruturação, o artigo se compõe de cinco seções, incluindo essa introdução. A seção dois trata de uma breve análise do direito à saúde; a seção três irá discutir a validade da decisão sob a perspectiva Habermasiana; a seção quatro traz a visão do processo segundo a teoria neo-institucionalista. Por fim, a seção cinco traz as considerações finais do artigo.


2. BREVE ANÁLISE DO DIREITO À SAÚDE


Ao analisar as gerações ou dimensões dos direitos, percebe-se que assim como ocorreu a evolução dos direitos fundamentais, o surgimento do Estado Democrático de Direito é resultado de um processo iniciado pelo Estado liberal que, perpassando pelo Estado Social de Direito, legitimando-o com o elemento caracterizador deste, qual seja: o conteúdo democrático, transforma-se em Estado Democrático de Direito (SARMENTO, 2006).  Entende-se Democracia como um governo do povo, para o povo e pelo povo que o exerce diretamente ou via representantes. Sendo, portanto, um Estado em que há preponderância da vontade popular na sua organização política, social, econômica e ideológica. Segundo Leal:


[...] Embora tenha unidade política e jurídica, não oferece, ainda, um efetivo sistema jurídico de garantias institucionais constitucionalmente autonomizadas em repúdio aos tradicionais e utópicos poderes estatais. Atualmente, a concepção de Estado de direito não basta ao exercício do Direito em sua plenitude, porque o Estado autocrático é também um Estado de direito, com seu povo, sua soberania formal, sua constituição, seus parlamentos e tribunais regidos por leis restritivas de liberdade, dignidade política e econômica, impeditivas do exercício da cidadania e da liberdade de ampla crítica e participação popular na criação e reconstrução do Estado (2005, P.48)


É nesse cenário de Estado Democrático de Direito que o Direito à Saúde deve ser protegido e efetivado. Ter Direito à Saúde, segundo entendimento da Organização Mundial da Saúde, é gozar, usufruir de um completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. Tal conceito é bem moderno em relação ao que pensava Hipócrates, o pai da Medicina, para ele a saúde sugeria uma harmonia do homem com a natureza, Dallari (1996).

A Declaração dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, no artigo 25, afirma: “(...) todas as pessoas têm direito a um padrão de vida adequado à saúde e bem estar próprios e de sua famí­lia, (...)” (DALLARI, 1996, p.45).   Foi com essa declaração que a saúde, como direito fundamental do homem, passou a ser discutida mundialmente.

A concepção do direito à saúde intimamente associado à dignidade humana passa a figurar no cenário Brasileiro, a partir de sua legitimação, decorrente de uma estrutura de Estado Democrático de Direito, com a “Constituição Federal Cidadã de 1988” (DALLARI, 1996, p. 14). Anteriormente a CRFB/1988, a saúde era ofertada aos trabalhadores com carteira assinada e suas famílias, as outras pessoas tinham acesso a esses serviços como um favor e não como um direito.

Assim, dentro do nosso atual modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito, a saúde, como um direito público subjetivo, passa a ser um dever do Estado e um direito de toda a população Brasileira. Tal direito representa uma gama de direitos a ela oriundo. Conforme (CRFB/1988) no artigo 6º, a saúde se figura como um dos direitos sociais.



Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (CRFB, 1988


Sendo explicado de maneira mais completa no artigo 196 do mesmo texto Constitucional.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (CRFB, 1988)


O direito à Saúde, como já foi visto, se enquadra como direito de segunda geração ou dimensão, visto que esse direito social exige que o estado atue positivamente para sua promoção e efetivação.

A realização do direito à saúde depende de medidas positivas do Estado para sua efetivação. Assim, a CRFB/1988 destina esforços significativos para a aplicação da saúde como um direito fundamental de todos. Criado então, o Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de atender as necessidades locais da população e de cuidar de questões que influenciam na verificação da saúde, como o meio ambiente, a vigilância sanitária, a fiscalização de alimentos, entre outros. (MAGALHÃES, 2002).

Assim sendo, o Estado não pode usar do subterfúgio de ser o artigo 196 da CRFB/1988 uma norma programática (objetivo a ser alcançado pelo Estado) como justificativa para se furtar de efetivar uma saúde pública integral, gratuita e de qualidade. Isso violaria os preceitos basilares do nosso ordenamento jurídico, visto que o fornecimento da saúde pública é tarefa constitucional de efetivação imediata, segundo entendimento já pacificado na doutrina e na jurisprudência, consoante esta decisão do Supremo Tribunal Federal (STF):


O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (BRASÍLIA, STF, Recurso Extraordinário 271.286-RS, no voto do Relator Ministro Celso de Mello, 10/04/2010)



Alguns princípios visam à proteção do direito à saúde, como o direito à vida, à dignidade humana e ao mínimo existencial (DALLARI, 1996). Esses princípios obrigam o Estado a conceder, através da promoção das políticas públicas, o mínimo necessário de serviços públicos prestados de forma integral e gratuita, mormente na área da saúde, para que as pessoas vivam com qualidade e dignidade. Vale salientar que, em contrapartida a esses princípios, existe a Teoria da Reserva do possível. Segundo a qual o Estado, diante das inúmeras demandas, porém, orçamento limitado para efetivá-las, só estaria obrigado a cumprir o que seja economicamente possível a ele, devendo priorizar serviços essenciais. Conforme Sarlet (2007, p.13) “a efetividade dos direitos sociais, materiais e prestacionais estaria condicionada à reserva do que é possível financeiramente ao Estado, posto que se enquadram como direitos fundamentais dependentes das possibilidades financeiras dos cofres públicos”. Entretanto, “a existência da Teoria da reserva do possível não pode ser usada como justificativa para ausência do Estado na efetivação dos Direitos fundamentais, principalmente, os direitos sociais” (BONAVIDES, 2006, p. 252). Devendo o Estado cumprir e efetivar o mínimo necessário para que as pessoas vivam com dignidade.                 Nesse sentido, segundo os dados da Secretaria de saúde do Município de Montes Claros foi possível verificar, conforme o gráfico 1, o que esses pacientes mais pleiteiam nos pedidos das ações judiciais. Para isso, os dados foram divididos em 3 categorias: na primeira está os pedidos relacionados a alimentação/nutrição/vitaminas/minerais, perfazem 21,5% dos casos, já na segunda categoria os pedidos são de medicamentos em geral, representam 35,5% dos casos, e, por fim, a terceira categoria traz a maior parte dos casos, neles os pacientes pedem equipamentos de uso e de higiene, representando 43% dos casos.

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