A ARTE DE RECEBER E RESTAURAR A VIDA

Por JOAQUIM RODRIGUES DA SILVEIRA | 12/03/2025 | Filosofia

A ARTE DE RECEBER E RESTAURAR A VIDA

O EGO

O ego é um conceito psicológico com muitas interpretações, mas, de modo geral, ele se refere à parte da nossa psique que lida com a percepção de nós mesmos e o mundo ao nosso redor. Na teoria psicanalítica de Sigmund Freud, o ego é uma das três instâncias da mente, ao lado do "id" —que representa nossos impulsos primitivos e desejos inconscientes, como fome, sede e prazer — e do "superego" — a parte moral, que reflete valores e regras sociais.

·         O ego atua como o mediador entre o id e o superego, buscando um equilíbrio entre nossos impulsos e as normas da realidade, também relacionado à nossa identidade pessoal, à sensação de "eu" e ao modo como nos posicionamos neste mundo. Ele age como o “gestor” da consciência instalada na pessoa enquanto SER, ajudando a lidar com a realidade percebida e de forma prática.

Nesse sentido, o ego pode ser entendido como um “filtro” ou “motor” que guia os processos mentais, ativando partes da mente para planejar, tomar decisões e resolver problemas.

O EGO E A SABEDORIA DE “RECEBER”

Como tenho dito, o único aprendizado necessário na vida é saber RECEBER. Todo sofrimento humano se instala porque a humanidade não sabe “receber”. A mente cria o EGO, o sendo de individualismo que não se sente mais integrado na criação e passa a desejar receber “apenas para si mesmo”. É difícil explicar isso, mas até mesmo quando você algo que parece bom para o semelhando ou para um animal ou uma plantinha, pode notar que o primeiro coração satisfeito é o seu próprio.

Mas é o ego que carrega a essência da criação, ou seja, a única coisa genuinamente criada a partir da ausência: o “desejo de receber”. Não adianta dizer que a nossa essência é o espírito ou uma “chispa divina”, pois ninguém sabe o que é isso. Ninguém se interessa por isso e então, essa é uma questão profundamente filosófica e intrigante.

Muitos entendem o "desejo de receber" como um motor que impulsiona a existência humana, uma forma de preencher o vazio que surge da ausência. Esse desejo pode se manifestar de várias formas: receber conhecimento, amor, reconhecimento, dinheiro, bens materiais ou mesmo experiências. Ele é a força que nos leva a buscar significado, conexões e realizações.

O que uma pessoa humana recebe neste mundo, então? Além do óbvio, como necessidades físicas (alimento, abrigo, etc.), há presentes mais intangíveis: aprendemos, nos conectamos com outros, experimentamos emoções, desenvolvemos talentos e até enfrentamos desafios que moldam quem somos. Alguns argumentariam que o ato de receber vai além do material — é também absorver e internalizar tudo o que vivemos e transformá-lo em algo maior.

Mas o desejo verdadeiramente criado espontaneamente tem um propósito mais profundo ligado à “evolução espiritual autêntica”, ou seja, o conhecimento do “como” e “porquê” toda a realidade percebida veio à existência. De “onde” veio ou se sempre esteve aí. Desde “quando” surgiu e pode ser transformado para atender ao ego. E isso já é um avanço, pois está ligado       ao próprio significa da existência composta pelo “reino das formas”: inanimado, vegetativo, animado e “falantes” (humanos).

Mas quem é que percebe toda essa realidade e “porquê” se percebe? O ego! É este que percebe uma necessidade presente, uma carência atual ou futura ou um ou mais desejos, vontades e até caprichos que não estão sendo atendidos.

Então, o que ele faz?  Aciona a mente. Antes, os conceitos de mente e cérebro. Podemos pensar no cérebro como o hardware (físico) e a mente como o software (abstrato) que utiliza esse hardware para funcionar. De certa forma, a mente pode "acionar" o cérebro ao direcionar pensamentos, intenções e decisões, estimulando as atividades neurais.

Por exemplo, quando você decide conscientemente levantar a mão, essa intenção mental ativa áreas específicas do cérebro que enviam sinais aos músculos. Por outro lado, o cérebro também influencia a mente, como em emoções que surgem de reações químicas ou estímulos externos.

O CIRCUITO DO PENSAMENTO QUE REALIZA E LIBERTA

Então, podemos trabalhar isso da forma seguinte que gera um circuito:

1.   O desejo de receber aciona o ego;

2.   o ego aciona a mente;

3.   A mante aciona o cérebro;

4.   O cérebro “idealiza” a falta e busca o suprimento da falta;

5.   São dois caminhos:

5.1.      Se o cérebro “emotiza” significa que há probabilidade daquela falta ser suprida e, neste caso, dependendo do nível da emotização, “mente-cérebro” transfere essa sensação para o coração;

5.2.      Caso contrário, a ideia do suprimento desaparece, mas a falta foi “criada” (asah ou iatzar: "fazer", "realizar", "nomear", transformar, formar, modificar etc. = “criar” a partir do já existente) e nunca mais desaparece. Mas o suprimento ocorrerá pela evolução natural

 

·         O ego, ao ser acionado pelo desejo de receber, funciona como o gatilho inicial, a origem do movimento interno. A mente entra em ação como intermediária, talvez organizando e processando esse desejo em pensamentos. O cérebro, então, traduz esses pensamentos em imagens ou ideias que podem ser "idealizadas" e, junto disso, "emotizadas" — ou seja, carregadas de uma carga emocional incipiente.

Dependendo da intensidade dessa emoção, o coração (metaforicamente ou fisicamente) começa a sentir aquilo que foi idealizado. Mas, será que essa sequência é sempre linear? Essa ideia de um fluxo linear é elegante, mas ao olhar para a complexidade da psique humana e da biologia, parece que ciclos mais dinâmicos e interativos estão sempre em jogo.

Há momentos em que as emoções originadas no "coração" — seja pela experiência subjetiva, pela fisiologia ou pela metáfora espiritual — certamente podem retroalimentar tanto o ego quanto a mente. Por exemplo, uma emoção intensa, como o amor ou o medo, pode transformar a maneira como percebemos ou interpretamos nossas ideias e desejos, muitas vezes moldando o próprio ego. Em outras palavras, a emoção pode "rescrever" o desejo original ou amplificar as intenções da mente.

Esse fenômeno cria um ciclo em que a emoção não é apenas o resultado, mas também a causa de novos pensamentos e reorganizações internas. Isso reflete o que muitos psicólogos, neurocientistas e filósofos descrevem como uma interação "não-linear", onde os componentes se influenciam mutuamente de forma contínua e imprevisível.

A ideia sugere uma espécie de "inteligência emocional integrada" no processo, pois, afinal, essas retroalimentações podem ser o que nos impulsiona a crescer, adaptar e transformar nossa compreensão do mundo e de nós mesmos.

O MERECIMENTO PARA RECEBER

Sabemos que o desejo de receber coisas boas é profundamente enraizado em nossa natureza humana e pode ser motivado por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, tais como:

·         Busca por Bem-Estar: É instintivo buscar conforto, segurança e prazer. Nosso cérebro é programado para nos recompensar com dopamina quando obtemos algo positivo, criando uma sensação de felicidade e reforçando esse comportamento.

·         Necessidade de Conexão: Receber coisas boas, como carinho, reconhecimento ou apoio, reforça nosso senso de pertencimento e conexão com os outros, algo essencial para o ser humano como animal social.

·         Crescimento e Realização: O desejo de receber também está ligado ao impulso de crescer e se desenvolver. Coisas boas podem simbolizar progresso e conquistas que refletem nosso valor e esforço.

·         Construção de Identidade: Muitas vezes, as coisas que desejamos e recebemos nos ajudam a construir nossa identidade, moldando quem somos e como nos percebemos.

·         Esperança e Propósito: Desejar coisas boas nos mantém motivados a seguir em frente, criando metas e expectativas que dão sentido à nossa jornada.

Esse desejo, no entanto, pode variar muito de acordo com as experiências e crenças de cada pessoa. O pensamento que realiza e liberta está profundamente ligado ao poder da mentalidade e das crenças que moldam nossas vidas. É sobre como nossos pensamentos podem gerar transformações, tanto internas quanto externas, quando estão alinhados com intenções claras, autoconfiança e determinação. Por outro lado, a ideia de merecimento é uma crença fundamental que determina o que achamos que somos dignos de receber. Quando acreditamos que merecemos coisas boas — sucesso, amor, realizações — nossa mente tende a trabalhar a favor disso, agindo como um motor para alcançar essas metas. Por outro lado, crenças limitantes sobre merecimento podem nos prender em ciclos de estagnação ou autossabotagem.

Os dois conceitos estão interligados: ao cultivar um pensamento que realiza e liberta, muitas vezes precisamos reavaliar nossos conceitos de merecimento, nos permitindo receber sem culpa ou medo. É uma combinação de ação prática, autorreflexão e confiança.

O EFEITO “ZENÃO”

O efeito Zenão, também conhecido como efeito Zenão quântico, é um fenômeno da mecânica quântica que sugere que a observação constante de um sistema pode impedir sua evolução natural. O nome faz referência ao filósofo pré-socrático Zenão de Eleia, famoso por seus paradoxos sobre movimento e mudança.

No contexto quântico, o efeito ocorre quando um sistema é medido repetidamente em intervalos muito curtos. Essas medições frequentes "congelam" o estado do sistema, impedindo que ele mude ou evolua. Um exemplo clássico é o decaimento radioativo: se um núcleo radioativo for observado constantemente, o processo de decaimento pode ser retardado ou até interrompido.

A incerteza, dúvida ou medo, sentimentos que podem estar relacionados à ansiedade e ao estresse nos levam a observar algo com mais frequência, e isso se conecta de forma interessante tanto ao efeito Zenão quanto ao comportamento humano em geral. Psicologicamente, esses sentimentos ativam respostas do sistema límbico no cérebro, como a amígdala, que está ligada à vigilância e à detecção de ameaças. Isso cria uma necessidade quase instintiva de monitorar o ambiente ou a situação com maior atenção.

No contexto do efeito Zenão, isso pode ser comparado ao ato de "medir" repetidamente, impedindo que algo siga seu curso natural. Por exemplo, em situações de incerteza, podemos ficar constantemente verificando o progresso de algo — um exame médico, uma negociação importante ou até mesmo mensagens de texto. O foco repetido pode "paralisar" o processo, ou pelo menos dar a sensação de que o tempo está se arrastando.

É como se, ao tentar prever ou controlar o desconhecido, acabássemos entrando em um ciclo de observação constante, que, paradoxalmente, pode dificultar o avanço. Esse comportamento também é descrito em termos de ansiedade, onde o medo do futuro mantém a mente presa ao presente de maneira obsessiva.

É bom que se diga que o processo do pensamento não pode sofrer “quebra” ou “inconsistência” que podem ser causadas pela incerteza, dúvida ou medo, sentimentos que podem estar relacionados à ansiedade e ao estresse.

·         Incerteza é a sensação de desconhecimento sobre o futuro, que pode gerar ansiedade e estresse. Pode ser causada por imprevisibilidades e falta de controle;

·         Dúvida é o estado de incerteza ou hesitação em relação à realidade. Pode ser um processo de hesitação nas escolhas que temos que fazer. Pode ser um sentimento caracterizado pela ausência de certeza quanto a uma ideia, fato, ação, asserção ou decisão;

·         Medo é a resposta imediata a uma ameaça percebida. Pode ser uma resposta a sensações de perigo, limitação e insegurança;

·         Ansiedade é um sentimento que mistura insegurança, incerteza, sensação de pressão, medo e preocupação do futuro. Pode ser um fator positivo, quando motiva a ação, realização e desenvolvimento;

·         Estresse é um sentimento de pressão e opressão, podendo passar pelas fases de alerta, resistência e exaustão.

Para lidar com tudo isso que pode manchar o processo do pensamento, pode-se acolher o que se está sentindo, concentrar-se no que se pode controlar, não se sentir culpado pelo que não se pode controlar, investir em autocuidado, entender que a vida tem suas impermanências e, principalmente buscar apoio e terapia.

A INVERSÃO DO MOTIVO DE “RECEBBER”

A única prática infalível para se considerar merecedor para “receber” é inverter o motivo que fundamenta o desejo. Isto, porque há algumas formas que motivam o desejo de receber instalado no ego:

1.   Receber para si mesmo: É o desejo egoísta, focado exclusivamente em obter prazer, satisfação ou benefícios pessoais. Esse tipo de recepção é natural e está relacionado ao nosso estado inicial, onde buscamos preencher apenas nossas necessidades e desejos individuais. No entanto, esse tipo de desejo frequentemente leva à insatisfação, pois não está alinhado com o propósito maior da criação. É onde o ego declara:

o   “O que é meu, é meu e o que é seu, eu tiro”, vale dizer, contra o “armamento” não há argumentos.

o   Mesmo quando o ego doa, será sempre com a intenção de receber — a doação está eivada por um desejo egoísta ou condicionado. Mesmo ao doar, a pessoa busca um retorno, seja emocional (como reconhecimento, gratidão) ou material (um benefício tangível). Embora isso ainda seja uma forma de compartilhar, ela é limitada porque a intenção subjacente ainda é de "receber". É uma etapa natural no desenvolvimento, mas não representa o altruísmo pleno.

2.   Receber para doar: Este conceito está profundamente ligado à transformação espiritual. Aqui, o foco não está no ato de receber em si, mas no uso do que é recebido para beneficiar os outros ou contribuir com um propósito maior. Por exemplo, se você recebe conhecimento ou recursos, o objetivo é compartilhá-los, multiplicando sua utilidade e impactando positivamente o mundo. Essa intenção transforma o ato de receber em algo altruísta e alinhado com o plano da criação. Aqui o ego pode doar com a intenção de doar e esse é um estado mais elevado e puro. A doação aqui não depende de condições ou expectativas de retorno. Trata-se de uma doação genuína, feita pelo simples desejo de beneficiar o outro ou contribuir com algo maior. Essa intenção reflete o estado de "similitude com o Criador", a essência do altruísmo. Neste caso, o ego declara:

o   “O que é meu é meu e o que é seu é seu”. Não há mais “armamento”, mas ainda persistem fatos e argumentos.

3.   Receber para outros: Esse conceito complementa o anterior, mas enfatiza a dedicação direta ao próximo. É sobre se tornar um canal para que a Luz ou que os recursos passem por você e cheguem a outros. Nesse sentido, você não retém o que recebe, mas age como intermediário para satisfazer as necessidades ou desejos dos outros. Essa prática está profundamente enraizada em compaixão e serviço. Finalmente, o ego diz:

o   “O que é seu é seu e o que é meu é seu”. Não há mais fatos e argumentos.

O caminho para transcender o estado egoísta de "receber para si mesmo" envolve trabalho interno e transformação espiritual, onde aprendemos a alinhar nossos desejos com a intenção de doar e contribuir para a unidade com o Criador.

Esta transformação significa a expansão da consciência e o cumprimento da 6ª Lei Fixa: “O Desejo de Receber deve cumprir o Plano Mestre da Criação”.

Então, enquanto você não revela em você mesmo, as leis eternas, imutáveis, justas e universais, ao sentir uma falta em sua vida, antes de iniciar o processo do pensamento que você aprendeu hoje ao ler este pequeno livro, faça o seguinte exercício:

1.   Forme a imagem daquilo que você deseja, por ordem de prioridade;

2.   Pergunte para si mesmo se os objetos do seu desejo favorecem apenas você ou uma maior porção da realidade: gente, animais, plantas e o meio ambiente inanimado;

3.   Decida pelos objetos que atendem a segunda opção, ainda que não seja totalmente interessante para você mesmo.

Se o coração, como “centro dos desejos” recebe a emotização no nível necessário para gerar a “emoção”, todo o corpo do ego e as realidades à sua volta, ainda que distantes são “contaminados” com um “sentimento” de certeza da ocorrência do suprimento idealizado.

O ego agora trabalha com o conjunto “mente-cérebro” e “coração-corpo”. Esse alinhamento emana a “energia-informação” necessária para a realização do objeto idealizado (emanado) e emotizado (criado) ao nível da emoção (formação) e gerado o sentimento da coisa realizada no campo da materialidade (manifestado), ou seja, o ego passa a “viver” aquela realidade transformada.

L’Chaim! (às Vidas)!