A APOSIÇÃO DO ACEITE EM SEPARADO NA DUPLICATA E A EFICÁCIA CAMBIÁRIA: Reflexões acerca da cartularidade e literalidade dos títulos de crédito[1]

 

Carlos Eduardo Silva Rodrigues; Maria Júlia Rocha de Araújo[2]

José Humberto Oliveira[3]

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Fundamentação Teórica; 2.1 Noções gerais acerca da duplicata; 2.2 O aceite na duplicata de modo explicativo; 2.3 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a aposição do aceite em separado na duplicata e os seus reflexos frente a princípios constitucionais e dos títulos de crédito; 3. Discussão do Tema, 4. Conclusão; 5. Referências

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como finalidade tratar, à luz dos princípios inerentes aos títulos de crédito, acerca da aposição do aceite em separado na duplicata e quais são os seus impactos para a eficácia cambiária e para a própria validade do título dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, características como o formalismo e cartularidade, que exercem fundamental importância para tal ramo do Direito Empresarial, foram elencados como parâmetros para a análise da problemática supramencionada. Primeiramente, buscou-se realizar o estudo da duplicata como título de crédito de modo geral, em um caráter explicativo. Ainda, tratar do aceite como mecanismo de reconhecimento do título e da ordem de pagamento pelos polos envolvidos na relação. E, por conseguinte, foi realizada uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca de tal modo de aposição no referido título de crédito e, concomitantemente, um estudo crítico face a princípios do Direito Empresarial e da ordem constitucional, como a autonomia da vontade.

 

Palavras-chave: Duplicata. Aceite. Jurisprudência. Princípios.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Tomando por base uma sociedade cada vez mais dinamizada no decorrer das décadas, as relações comerciais projetaram-se, sobremaneira, no cotidiano dos indivíduos. Ainda mais em se tratando do quadro econômico em que o Brasil se encontrava há alguns anos, ocupando um dos dez primeiros lugares na economia mundial. Logo, o poder de compra dos brasileiros foi tomando um lugar de protagonismo, havendo cada vez mais relações mercantis e prestações de serviços viabilizadas através de um pagamento.

 Assim, os títulos de crédito adquiriram uma importância maior não só dentro do ordenamento jurídico, como também na própria sociedade, que pôde efetivar compras através de tais mecanismos de representação do crédito. Como tal, a duplicata, regulada pela Lei Nº 5.474/1968, é mais um título de crédito facilitador das relações comerciais. No que se refere ao aceite de tal título, a assinatura por parte do comprador (sacado), representa a aceitação da dívida.

 Todavia, há peculiaridades quanto a tal assinatura, que pode não ser efetivada devido a problemas na qualidade ou quantidade da mercadoria, bem como divergência de prazos acertados, entre outros. Ademais, tal assinatura pode não constar no título, mas em separado. Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmou entendimento contrário a aposição do aceite na duplicata na modalidade supramencionada, contrariando alguns casos em que o aceite é viabilizado de tal maneira.

A priori, quando princípios como cartularidade, literalidade e formalismo são evocados na tratativa acerca dos títulos de crédito, a obediência àqueles concede uma segurança jurídica aos que estão envolvidos na relação obrigacional. É notório, pois se está escrito no próprio título de crédito, não há como negar a legitimidade da aposição do aceite. Facilita, pois, a composição de lides e o trabalho do Poder Judiciário, que demanda produção de provas para que haja o desempenho satisfatório da jurisdição.

Por outro lado, quando há uma radicalização de tais princípios, pode haver o total abandono ao direito costumeiro ou aos precedentes, pois haverá uma concepção estritamente normativa do Direito. Logo, situações que impossibilitaram que a aposição do aceite fosse realizada na própria duplicata, não estariam passíveis de apreciação pelo Judiciário, que adotaria de forma exclusiva requisitos de cunho formal, sem exceções.

Entretanto, como corrobora a Lei Nº 5.474/1968, em seu artigo 8º, o comprador só poderá deixar de assinar a duplicata por motivos elencados no próprio artigo e que serão posteriormente debatidos. Logo, percebe-se que a não assinatura do aceite só é tutelada pela Lei em determinadas ocasiões. Ou seja, não há uma necessidade total e extrema da aposição do aceite em todas as ocasiões, sem que se admita exceções.

Por conseguinte, não há adoção de uma medida de caráter absoluto. Admite-se a necessidade da aposição do aceite na própria duplicata e não em separado, pois princípios da cartularidade, literalidade e formalismo são essenciais para a eficácia cambiária, ainda mais em uma sociedade cada vez mais dinamizada e globalizada. Porém, há exceções previstas na própria Lei atinente às duplicatas (Nº 5.474/1968), que fornecem a devida proteção a quem for lesado nas relações obrigacionais, o que reflete uma postura adequada do Estado na resolução de conflitos.

Esta análise da aposição do aceite em separado na duplicada e a eficácia cambiária, ambos relacionados com princípios dos títulos de crédito, a saber, cartularidade e titularidade, é relevante para a sociedade pelo fato de que o aprofundamento no assunto promove uma maior segurança jurídica tanto ao sacado como ao sacador. Dessa forma, a consciência das partes, formas e estruturas do contrato a ser firmado e, ainda, o conhecimento da decisão do STJ possibilitam a eficácia cambiária.

Em questão acadêmica, esta pesquisa contribui, de maneira elementar, para a compreensão dos princípios e aplicações dos títulos de crédito, o qual é indispensável para qualquer profissional do meio jurídico, e, ainda, está relacionada ao âmbito econômico, por se tratar de representações de créditos. Além disso, o aprimoramento educacional para a feitura desta análise nos torna cidadãos de grande cognição sobre nosso país e seus conteúdos civis e econômicos.

Sendo assim, a escolha pessoal se deu pela ambição de um entendimento mais profundo das já citadas questões civis presentes na sociedade, da mesma maneira que suas soluções, que contribuem para uma formação acadêmica de preparo impecável.

O presente artigo tem como objetivo geral analisar o impacto da aposição do aceite em separado na duplicata à luz da eficácia cambiária e princípios como a cartularidade e literalidade. A priori, busca-se identificar as noções gerais acerca da duplicata como importante título de crédito que é, bem como descrever os impactos da figura do aceite na duplicata em uma perspectiva explicativa e, por conseguinte, promover, sob a análise crítica, o estudo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a aposição do aceite em separado na duplicata. Ademais, tais objetivos são concretizados levando em consideração os princípios intrínsecos ao Direito Empresarial e, também, princípios constitucionais.

Conforme a metodologia utilizada por Marconi e Lakatos (2010), este estudo caracteriza-se como bibliográfico e exploratório, ao desenvolver-se através de pesquisas e fundamentação teórica constante em artigos, monografia e livros, para que, assim, formule uma abordagem fundamentada e crítica a respeito do tema proposto.

Desta forma, levando em conta princípios dos títulos de crédito, tais quais cartularidade e literalidade, quais são os impactos na eficácia cambiária de duplicatas que trazem o aceite em separado?

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Noções gerais acerca da duplicata

 

Para Rizzardo (2013, p. 191): “é a duplicata um título representativo de um crédito originado de uma compra e venda mercantil a prazo ou de prestação de serviços”. Ou seja, necessariamente há de se falar sobre o tempo que, em outros títulos de crédito, pode representar uma venda à vista. Como no caso da letra de câmbio e determinados casos elencados na Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57663/66). Na duplicata, necessariamente tem-se um tempo futuro para efetivação da compra/venda e posterior ordem de pagamento.

A priori, tal objeção a um pagamento à vista pode aparentar uma insegurança jurídica para quem se submete a realização de relações comerciais por intermédio da duplicata. Porém, existe um instrumento pelo qual se prova a existência do crédito, que é a fatura. Sobre esta, Rizzardo (2013, p. 191) reitera: “para a compreensão da duplicata, deve-se, antes, entender o contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, e a fatura”. Ou seja, o Direito Obrigacional, traduzido pela relação entre credor e devedor, é primordial para a geração do título de crédito em questão.

Sobre a fatura, corrobora-se:

 

Nas vendas mercantis a prazo ou na prestação de serviços, o vendedor ou prestador emite uma fatura para apresentação ao comprador ou contratante. A fatura corresponde à relação de mercadorias vendidas ou aos serviços prestados, onde se discriminam a sua natureza a quantidade e o valor das mercadorias ou serviços (RIZZARDO, 2013, p. 191).

 

Como fundamento legal, a duplicata possui embasamento em Lei própria, a saber, de Nº 5.474, de 1968, que cita requisitos essenciais, entre outros. Logo em seu artigo 1º, dispõe-se: “em todo o contrato de compra e venda mercantil, entre partes domiciliadas no território brasileiro, em prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador”.

Porém, para Rizzardo (2013, p. 192), “não é suficiente a mera fatura ou a nota fiscal-fatura. Cabe ao vendedor ou prestador extrair um outro documento, que será um título de crédito, denominado duplicata mercantil”. O referido autor argumenta, ainda, que a duplicata tem por base a fatura outrora emitida. Somente após emissão da fatura é que se fará a emissão da duplicata, “o que se fará num prazo de 30 dias”.

Nos termos do autor Rizzardo (2013, p. 193), “a duplicata é um título criado no Brasil”, porém, para o autor, existe forma similar em outros países como Portugal e França. Nestes, há denominações diversas da duplicata.

Segundo Almeida (2014, p. 196), a duplicata é um “título eminentemente causal”, a despeito de ter como origem um fato gerador anterior a criação da própria duplicata. Tal autor entende como fatos geradores do título de crédito supramencionado a preexistência de contratos, mencionando o direito resultante desses fatos.

A duplicata é um título de crédito à ordem, concretizado na causalidade. É necessário que seja resultante de uma relação contratual subjacente, ou seja, de compra e venda ou de prestação de serviços. De acordo com a Lei 5.474/68, é um título causal, formal e endossável (art. 25), suscetível de aceite e aval (art.12), protestável (art. 13) e com força de título executivo (art. 15).

Para Coelho (2011, p. 323), em 1970, tanto o Ministério da Fazenda quanto as Secretarias Estaduais de Fazenda possibilitaram aos comerciantes um sistema que adotasse um único documento, que geraria efeitos tanto comerciais quanto tributários, que foi a “nota fiscal-fatura”. Isto é, a fim de que se viabilizasse maior sistematização no que se refere às trocas comerciais, bem como a sua tributação pelo Fisco, o ordenamento jurídico facilitou a emissão de duplicatas. Portanto, como foi mencionado, da fatura ou nota fiscal-fatura poderá ser emitida o título de crédito supramencionado.

Como argumenta Coelho (2011, p. 324), os requisitos da duplicata mercantil encontram-se no artigo 2º da Lei das Duplicatas (Nº 5.474/1968). Tais quais “a expressão duplicata, a data de sua emissão e o número de ordem”, bem como “o número da fatura da qual foi extraída”, assim como “nome e domicílio do vendedor e do comprador”, “importância a pagar”, entre outros. Também consta como requisito a “cláusula à ordem”, evocando a característica da circulabilidade. Respeitando ao formalismo exigido dos títulos de crédito, que se porta a favor do cumprimento de requisitos previamente estabelecidos em lei, mais uma vez para que se assegure a efetividade do título de crédito, evitando lides posteriores.

Para Coelho (2011, p. 325), o comerciante que se utiliza desse título de crédito está obrigado a escriturar um livro específico, que é o Livro de Duplicatas, como corrobora o artigo 19 da referida legislação. “Trata-se de livro obrigatório especial, cuja ausência acarreta as consequências já examinadas no campo civil e penal”, isto é, um controle maior para o registro das faturas e posterior emissão da duplicata é fundamental para eficácia da mesma, sob risco de gerar sanções pela sua ausência.

 

2.2 O aceite na duplicata de modo explicativo

 

A duplicata está sujeita à existência de compra e venda ou à prestação de serviços. Para que a duplicata se revista de abstração, é imprescindível o aceite, o qual representa a obrigação cambial abstrata, e, sem ele, não se pode falar dos efeitos cambiários (ALMEIDA, 2014, p. 201) O aceite é uma das etapas mais importantes da duplicata, capaz de transformá-la em uma “obrigação líquida e certa, apta ao ajuizamento da ação executiva” (RIZZARDO, 2011, p. 195)

O aceite é um ato formal, devendo ser realizado pelo sacado, o qual se obrigará a cumprir a ordem de pagamento inserida na duplicata. Não é incomum que o comprador não aceite ou não devolva a duplicata, em relação à isso, o art. 7º da Lei nº 5.474/68 determina:

 

Art . 7º A duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite.

 § 1º Havendo expressa concordância da instituição financeira cobradora, o sacado poderá reter a duplicata em seu poder até a data do vencimento, desde que comunique, por escrito, à apresentante o aceite e a retenção.

 

Além disso, há a possibilidade de recusa do aceite, prevista no art. 8º da mesma Lei, que dipõe:

 

Art . 8º O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de:

I - avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;

II - vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;

III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

 

Entretanto, caso a mercadoria corresponde, seja quantitativa ou qualitativamente, à condições previstas e acordadas, não será permitido ao comprador recusar-se do aceite. E, caso o vendedor deixe de entregar a mercadoria no prazo acordado, lhe será facultado rescindir o contrato ou demandar o seu cumprimento com os danos da mora (ALMEIDA, 2014, p. 203).

Há também o aceite presumido e o aceite em branco. O primeiro foi reconhecido pela Lei das Duplicatas, enquanto o segundo não teve espaço na mesma Lei.

Segundo Amador Paes de Almeida (2014), “o protesto da duplicata não aceita ou não devolvida, desde que tirado mediante indicação do credor ou do apresentante do título, supre o aceite”, além disso, o autor também afirma que, nessa hipótese, o instrumento do protesto deve seguir os requisitos enumerados no art. 29 do Decreto nº 2.044/1908 - Lei Cambial.

Quanto ao aceite em branco, Amador (2014) reitera que “não se admite emissão de duplicata que não corresponda a uma efetiva venda e compra ou prestação de serviços, não permitindo (...) a extração do título nominado para entrega futura da mercadoria”. Ou seja, há a necessidade de corresponder a uma venda efetiva na duplicata, e esta só se concretiza com a tradição da mercadoria (PEIXOTO apud ALMEIDA, 2014, p. 202).

Tomazette (2012, p. 286), no que se refere à duplicata, argumenta sobre a existência e validade do título, independente da assinatura do comprador, ou seja, do aceite. Fala, ainda, que “se o comprador não assina o título, ele não assume nenhuma obrigação cambiária”. Ainda, “ a mera assinatura do vendedor não pode torna-lo obrigado pelo cumprimento da obrigação constante do título, uma vez que vige o princípio de que a assunção de obrigações nos títulos de crédito só pode decorrer de um ato pessoal e formal do próprio obrigado”.

Porém, “embora não seja, a princípio, obrigado no título de crédito, o comprador (sacado) pode assumir a obrigação de pagar os valores ali constantes, por meio do aceite”. Sobre este, há um reconhecimento da ordem de pagamento que é dada ao comprador, refletindo um ato formal. Logo, há uma mudança do tipo de obrigação, partindo da contratual para a cambial. Ou seja, o Direito Obrigacional, que evoca a relação credor e devedor, passa a exercer efeitos com a existência formal de um título de crédito, que prova a existência do mesmo. (TOMAZETTE, 2012, p. 286).

 

2.3 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a aposição do aceite em separado na duplicata e os seus reflexos frente a princípios constitucionais e dos títulos de crédito

 

Sob uma análise de caráter constitucional, de fundamental importância, a despeito da Carta Magna de 1988 exercer supremacia dentro do ordenamento jurídico brasileiro, pode-se falar de princípios constitucionais como autonomia da vontade ou liberdade de associação, que se mostra como direito fundamental. Fernandes (2016, p. 428) reitera, acerca da liberdade de associação, “que essa liberdade não pode ser lida como direito subordinado ou meramente complementar ao exercício do outro, mas, sim, dotado de autonomia com relação a seus objetivos que pode vir a buscar”.

Fala-se, ainda, sobre a importância da liberdade de associação como propiciadora de “autoconhecimento e desenvolvimento da personalidade”, fazendo alusão para a sua essencialidade, “indivíduos podem se associar para alcançar metas econômicas (FERNANDES, 2016, p. 428). Relaciona-se tal liberdade diretamente ao Direito Empresarial e Títulos de Crédito, pois atualmente é consolidado o livre arbítrio que se exerce para realizar trocas comerciais ou negócios jurídicos, por exemplo.

A priori, quando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é contrário a aposição do aceite em separado na duplicata, pode soar como contraposição da autonomia das partes. O presente paper posiciona-se de forma compreensível à jurisprudência, pois a regulação das trocas comerciais e dos negócios jurídicos por órgãos legitimados e competentes para tal é fundamental para que se tenha uma sociedade mais harmônica na realização de negócios. Por conseguinte, a dinamização das relações e uma sociedade cada vez mais globalizada acaba por exigir uma atuação correta da jurisdição e a atenção aos princípios norteadores do Direito Empresarial, especificamente dos Títulos de Crédito, como literalidade e cartularidade.

Além disso, não podem ser afastadas características imprescindíveis, como o formalismo (além da cartularidade e a literalidade). O aceite em separado, sem elas, representaria perigo real às práticas cambiárias, muito mais após a circulação deste. Assim, o aceite deverá aperfeiçoar-se na própria cártula, recaindo o princípio da literalidade, sem que seja dado verbalmente ou em documento separado (BRASIL, RE Nº 1.334.464 RS).

Ferrari (2013, p. 21) reitera que “o princípio da segurança jurídica é um dos principais institutos existentes em nosso ordenamento jurídico”. Corrobora, “entretanto, sua flexibilização tende a gerar um valor inverso em seu meio, já que, causa insegurança ou desconfiança nas relações ou negócios jurídicos, fazendo com que se perca o ideal de justiça”.

Posteriormente, Ferrari (2013, p. 22) atenta para o fato de que existe segurança jurídica nos títulos de crédito, a despeito da sua criação almejar justamente a observância a tal princípio, isto é, mecanismo de exteriorização do direito de crédito com maior segurança em matéria jurídica. Portanto, “flexibilizando princípios de direito cambiário acaba-se por deixar de lado a segurança jurídica que é imprescindível para que os títulos de crédito cumpram seu papel no ordenamento jurídico, que é facilitar as relações comerciais”. Logo, o descumprimento dos princípios inerentes aos Títulos de Crédito no que se refere a aposição do aceite em separado é totalmente contrário à sua própria finalidade.

Todavia, é necessário reafirmar o fato de que a flexibilização de tais institutos (cartularidade e literalidade), “em casos excepcionais, até pode ser benéfica, mas pode acarretar futuros problemas para o Judiciário” (FERRARI, 2013, p. 22). Logo, deve-se saber que alguns casos comportam a relativização de tais princípios, mas, simultaneamente, pode gerar um ônus argumentativo para o Poder Judiciário, já que, em tese, as normas têm característica de generalidade. Por isto, o princípio da proporcionalidade é instrumento adequado para a solução de casos cambiários envolvendo a aposição do aceite em separado na duplicata.

Para Ferrari (2013, p. 25), o princípio da cartularidade “é o que mais sofre com a flexibilização”. Ou seja, tal princípio é atinente justamente à materialização do título de crédito no documento. Atualmente, são admitidas as duplicatas virtuais, que acabam por evidenciar uma flexibilização do princípio da cartularidade, mas que observam às necessidades tecnológicas atuais, que encontram em tal modalidade de duplicata à rapidez necessária para a sua concretização. Todavia, ao se falar de duplicata em seu modelo normal, o aceite no próprio título é importante, reafirmando o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois todas as obrigações anteriores são pactuadas com documentos físicos, como a própria fatura.

Concomitantemente, a não observância do princípio da literalidade, que é o fato do título representar o que está escrito formalmente nele, faz com que “o título de crédito perca a sua essência”. Apesar de que boa parte da doutrina admite a sua flexibilização “no que tange a duplicata virtual”, porém, “este é um caso isolado, já que este tipo de título de crédito possui características diferenciadas dos demais” (FERRARI, 2013, p. 24). Argumentar a flexibilização de tais princípios levando em consideração a duplicata virtual nesse caso específico, portanto, não é possível, já que não há igualdade de características deste título de crédito com os outros.

Aliado a tal entendimento, Ferrari (2013, p. 25) afirma que o documento “torna-se indispensável para a constituição da certeza do vínculo existente entre os envolvidos na relação cambiária”. Isto é, o aceite em separado, deste modo, não colabora para a concretização da cartularidade, pois a sua aposição não é feita no próprio documento. E, como pode-se analisar, o documento em si é prova do vínculo estabelecido entre as partes na relação cambiária.

O ministro Ricardo Villas Bôas declarou, no RE, que o aceite lançado em separado à duplicata não gera nenhuma eficácia cambiária, porém, o documento que o contém serve como prova do vínculo contratual pressuposto no título, “amparando eventual ação monitória ou ordinária” (BRASIL, RE Nº 1.334.464 – RS).

O principal efeito do aceite na duplicata é o reconhecimento, da parte do comprador, que torna legítimo o ato formal de saque pelo vendedor, que desvincula o título do constituinte de sua emissão. Por causa disso, não há possibilidade de reclamação de vícios pelo vendedor, assegurando os princípios da abstração e da autonomia. Portanto, esse aceite tornará o sacado em devedor cambiário, não sendo apenas obrigacional, com a eventualidade de endossatário, caso o título circule por meio do endosso.

 

3 DISCUSSÃO DO TEMA

 

Ao longo do presente artigo, discorreu-se acerca da duplicata pois faz-se mister introduzir ao tema de forma satisfatória, para que se faça possível a compreensão dos tópicos posteriores, a despeito do conhecimento ser construído por etapas. Logo, foram esclarecidas as principais características do referido título de crédito e, consequentemente, a figura do aceite de modo geral foi explicitada.

Por conseguinte, o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi evocado para que se faça saber o comportamento adotado pelo Judiciário face a casos cíveis que envolvem duplicata. Por fim, fez-se uma análise da respectiva jurisprudência utilizando princípios do Direito Empresarial e do Direito Constitucional.

 

4 CONCLUSÃO

 

Destarte, ao longo do paper, a duplicata mostrou-se fundamental para a concretização de relações comerciais de compra e venda. Desta forma, os Títulos de Crédito encontram ligação direta com os Contratos do Direito Civil. A necessidade de uma compra e venda para que se utilize a duplicata é crucial, pois, para legitimar a estreita ligação entre o Direito Empresarial e as relações civis pactuadas de forma reiterada no cotidiano dos indivíduos.

Por lógica, o fato da aposição do aceite em separado na duplicata não ter eficácia cambiária, nos termos da jurisprudência adotada pelo STJ, visa uma função essencial para um Estado Democrático de Direito no qual as instituições são minimamente consolidadas, que é justamente propiciar segurança jurídica aos que se submetem a trocas comerciais por intermédio da duplicata. Isto é, a tutela estatal é efetivada quando há entendimentos como esses, ao enxergar nas relações obrigacionais e cambiais meios que necessitam de uma regulamentação.

Como foi outrora mencionado, o aceite em separado não gera eficácia cambiária, porém serve de documento para que se prove o vínculo contratual anterior, que é pressuposto no título. Ou seja, o aceite ainda cumpre função importante dentro do quadro de obrigações pactuadas através do referido título, mesmo que não seja efetivado naquele, ou seja, em separado. Portanto, o aceite, que exerce centralidade no presente artigo, continua o exercendo para o cumprimento de outras funções dentro do estudo dos Títulos de Crédito.

Logo, é perceptível que pode ocorrer a contraposição de decisões oriundas dos Tribunais Superiores com princípios de teor constitucional ou até mesmo cambiais. Todavia, o que se conclui, aplicando o princípio da proporcionalidade, é que nenhum direito fundamental é absoluto, nem mesmo o de associação. Isto é, a possibilidade de feitura de trocas comerciais não pressupõe total ausência de outros direitos fundamentais envolvidos. Com o que foi proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), percebe-se o total cumprimento dos princípios cambiários, atentando para a segurança jurídica necessária em qualquer relação comercial.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito. 29. Ed. – São Paulo: Saraiva 2014.

RIZZARDO, Arnaldo. Títulos de Crédito. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 8. Ed. ver. Ampl. E atual. – Salvador: JusPODIVM, 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei Nº 5.474. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1968.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.334.464 – RS (2012/0148102-3). Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=58121783&num_registro=201201481023&data=20160328&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: .

FERRARI, Daiane Reiter. Direito Cambiário: Flexibilização x Segurança Jurídica. Santa Rosa, 2013. Disponível em: < http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/2064/TCC%20Daiane%20Raiter%20Ferrari%20-%20Direito%20Cambi%C3%A1rio.pdf?sequence=1>. Acesso em: .

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 23 Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, volume 2. – 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

 

 

 

[1] Paper apresentado à disciplina Títulos de Crédito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 4º período do Curso de Direito da UNDB.

[3] Professor, Especialista, Orientador.