A aporia platônica exposta no diálogo “Menon” e a possibilidade em adquirir conhecimento.

O diálogo platônico Menon, nos apresenta a “aporia de Menonque diz respeito à questão da possibilidade em se adquirir conhecimento em geral. A fim de entendermos qual significado de aporia, para só então analisarmos a que é instaurada por Menon no referido diálogo, mais precisamente no trecho 80 a-d, temos que ter em vista a definição de aporia. Aporia significa “sem poros”, sem saída, uma irresolução, um impasse, ou ainda, uma dificuldade insuperável que faz com que o raciocínio não avance.

Em Menon, podemos ver que Sócrates, ao confessar que não sabe o que é virtude, mas ao tentar juntamente com Menon descobrir o que ela seja, faz com que este diga que já não sabe mais nada do que antes sabia sobre a virtude, mesmo que Menon tenha anteriormente pronunciado numerosos discursos para multidões muito bem, segundo lhe parecia.

Entretanto, como Menon agora confessa não saber absolutamente o que seja a virtude, nos é provada a intenção socrática em fazer com que seu interlocutor não tenha mais certeza do que sabia antes de modo que se tente fundar um novo conhecimento.

Deste modo, podemos dizer que, na tentativa de solucionar o problema de saber o que é a virtude, os membros do diálogo formulam uma aporia, pois nesta altura do diálogo ambos buscam agora saber se algo pode ou não ser ensinado.

A fim de explicarmos melhor como se chega à aporia e o que com ela é instaurado, será necessário explicitar as relações e subordinações o entre os conceitos de definição, atribuição de propriedades e identificação de casos particulares do termo virtude que aparecem em trechos anteriores ao estabelecimento do estado aporético do diálogo.

Logo, no início do diálogo, Menon tendo perguntado sobre a possibilidade em se ensinar a virtude, recebe como primeira resposta de Sócrates que é necessário procurar estabelecer “o que a virtude é”, há aí a busca pela definição do termo virtude, pois como diz Sócrates “quem não sabe o que uma coisa é, como poderia saber que tipo de coisa ela é?” [1]. Assim, o que vemos na afirmação anterior, é a defesa de Sócrates em primeiramente se definir um termo para só depois atribuir a ele alguma propriedade.

Sócrates declarando sua ignorância sobre tal definição incita Menon a responder o que é virtude; porém, este responde com uma enumeração de casos particulares de virtude. Sócrates declara que esta tentativa em responder, o que é virtude, da parte de Menon não é adequada, pois a definição de um termo tem que ser algo parecido a “essência” comum encontrada nos casos particulares.

Pode-se notar também em 71 d-e, que Menon tenta formular a definição geral de virtude, porém o que podemos ver é uma numeração de casos de virtude. Porém com a enumeração de vários casos de virtude Menon sofre objeções por parte de Sócrates, pois o que este busca é um aspecto geral a que todas as virtudes possam se identificar como virtudes. O que nos fica demonstrado, então, é que o interlocutor de Sócrates não sabe distinguir definição de identificação de casos particulares.

Então, na segunda resposta de Menon, a saber, “ser capaz de comandar os homens[2], este procura responder algo de modo que satisfaça todos os casos de virtude. Porém, é refutada pelo fato de que a resposta apresentada designa apenas um caso de virtude sem que outros casos possam ser considerados. Sem contar que também não distinguiu o que é a virtude, mas designou o que é uma virtude.

Contudo, o diálogo nos mostra a importância estabelecida em se priorizar a definição sobre a atribuição de propriedades, embora seja necessário fundar-se também nos casos particulares de um termo a fim de que se possa encontrar algo único para o termo em questão que torne possível também estabelecer sua definição.

Porém, nem através das tentativas socráticas de alcançar a definição geral de virtude Menon pode responder a questão inicial. Estando em dúvida sobre seus conhecimentos anteriores, é introduzida a aporia que constitui basicamente o impasse de não se saber responder positivamente ou negativamente se a virtude é ou não ensinável. Podemos ver em 80 d as palavras que Menon utiliza para sintetizar  a aporia, como se segue:

E de que modo procurarás, Sócrates aquilo que não sabes absolutamente o que é? Pois procurarás propondo-te <procurar> que tipo de coisa, entre as coisas que não conheces? Ou, ainda, no melhor dos casos, a encontres, como saberás que isso <que encontraste> é aquilo que não conhecias?[3]

O fato é que, como exposta acima, aporia se funda porque Menon tinha certeza de que sabia bem o que era a virtude, deste modo, quando Sócrates o interroga no decorrer da obra não faz sentido que seu interlocutor assuma que é possível vir a conhecer o que é a virtude uma vez que ele já sabe o que ela é, e, portanto, não pode passar do estado de quem não conhece a virtude para o estado de quem a conhece. Sendo assim, é preciso assumir que Menon não conhece o que é virtude, o estado de aporia é responsável por tal ação, e ambos interlocutores passarão a conhecer o que ela é após ter superado este estado.

Porém, essa alternativa não resolve o problema de se estar em aporia a fim de que se aprenda o que é a virtude, pois, se Menon diz não saber o que é a virtude, não pode nem mesmo responder qual é o objeto primeiro de sua busca. Assim, nos é mostrado que não é possível nem passar de um estado de quem não conhece algo para um estado de quem conhece (porque não foi identificado o objeto de pesquisa), e menos ainda vir a conhecer aquilo que já se conhece, porque não se pode investigar algo que já se sabe.

E, na tentativa de estabelecer uma resposta plausível à questão inicial é introduzida uma teoria Epistêmica, isto é, uma teoria que procura explicar como é possível obter conhecimento. Podemos ver em 80e as palavras que Menon utiliza incitando a necessidade em se obter explicações para aquilo que se necessita conhecer, tal como se segue:

E de que modo procurarás, Sócrates aquilo que não sabes absolutamente o que é? Pois procurarás propondo-te <procurar> que tipo de coisa, entre as coisas que não conheces? Ou, ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como saberás que isso <que encontraste> é aquilo que não conhecias?[4]

Após ter incitado, como demonstrado acima, a necessidade em se responder o que é a virtude, para só depois atribuir uma propriedade a ela, vemos a proposta, a fim de que se saia da aporia, da Teoria da Reminiscência.

Este rumo tomado por Sócrates para que os interlocutores do diálogo saiam do estado aporético, é proposto porque este acredita que conhecimento preexiste no homem e por isso se explica que só se pode conhecer aquilo que muitas vezes já nos foi ensinado, ou seja, que só se pode aprender algo utilizando a rememoração e, ainda, adquirir conhecimento através do reconhecimento:

Deste modo, em Menon temos:

            Sendo então a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas que estão aqui quanto as coisas que estão no Hades, enfim todas as coisas, não há o que não tenha aprendido; de modo que não é nada  de admirar, tanto com respeito à virtude quando aos demais, ser possível a ela rememorar aquelas coisas justamente que já antes conhecia[5].

Esta passagem nos mostra que Sócrates nada ensina a quem com ele debate sobre qualquer assunto, apenas os incita a despertar noções que eles já haviam apreendido na mente. Tal qual Menon que agora está em estado de aporia, estado essencial, segundo Sócrates, para quem quer adquirir algum conhecimento, e busca pelo sentido daquilo que acreditava saber, mas agora está em dúvida.

Podemos notar com o interrogatório ao escravo, sobre geometria, a demonstração da teoria socrática, pois o escravo nunca antes tendo estudado sobre tal tema é induzido por Sócrates a rememorar a solução do problema proposto para que tudo o que todo conhecimento adquirido pelo escravo acerca do assunto não passe de rememoração daquilo que ele havia apreendido na mente.

Podemos acreditar então que a aporia assume seu caráter heurístico[6], pois para Sócrates a melhor possibilidade em se aprender algo, depois do que se tinha como certo ser refutado e dado conta de sua ignorância, é reconhecer que há nos homens um saber que torna possível toda aprendizagem, afinal de contas a ignorância não é mais que esquecimento.[7]

A Teoria da Reminiscência, apresentada por Sócrates, ilustra uma possível saída para aporia estabelecida por Menon no diálogo, que trata do objeto de conhecimento. Entretanto, após inserir a tese da rememoração com o interrogatório ao escravo, Menon força Sócrates a retomar a questão inicial: A virtude é ensinável?

Como ambos não sabem qual é a definição do conceito de virtude para que se possa responder se a virtude é ensinável, pois só se pode atribuir propriedades a um conceito quando se partilha de sua definição, Sócrates utiliza o método das hipóteses.

Para entendermos este método, é necessário primeiramente relembrarmos o que é uma hipótese; temos para hipótese a idéia de um tipo de condição tal que, sendo ela a condição para a dedução de um argumento, não é possível assegurar positividade ou negatividade sem avaliar suas conseqüências.

Assim, temos para uma hipótese:

- I) condição em um argumento:

 I a) para dedução de uma conseqüência;

                              Para resolução positiva de uma questão.

E, por outro lado,

- Ib) para dedução de uma conseqüência oposta;

                                           Para resolução negativa da mesma questão.

             II) Condição incerta.

Sócrates, a contragosto, deixa de lado a busca pela definição de virtude para operar com o método das hipóteses, pois afirma que Menon o comanda como aquele diz:

 Parece então que é preciso examinar que tipo de coisa é aquilo que não sabemos ainda o que é. Se mais não fizeres então, pelo menos relaxa um pouco o comando sobre mim e consente que examine a partir de uma hipótese se ela é coisa que se ensina ou se é como quer que seja.[8]

Com a afirmação acima, podemos concluir que a busca pela definição de virtude já não é mais tão necessária neste momento do diálogo; a partir de agora, será utilizado, como já visto, o método das hipóteses, que tem como objetivo mapear as saídas para a pergunta inicial.

Em Menon, vemos a introdução ao método das hipóteses após Sócrates afirmar que não há nada além da ciência que se possa ensinar ao homem, e, deste modo, se virtude for ciência, ela poderá ser ensinada, configurando tal afirmação da seguinte maneira: “não é evidente para todo mundo que nada se ensina ao homem a não ser a ciência? – Men. Parece-me que sim. – So. E se é uma ciência, a virtude, é evidente que pode ser ensinada[9]. Nesta afirmação, verificamos que o método das hipóteses exige coextensividade entre os termos “ciência” e “ensinável” para predicar virtude, formando desta maneira o condicional, “se a virtude é ciência, então, a virtude é ensinável”. De outro modo, se a virtude não fosse ciência não poderia ser classificada como ensinável, havendo nesta afirmação uma condição suficiente para que ela seja ensinável.

No decorrer do diálogo, o que vemos é uma argumentação da parte de Sócrates em busca da resposta à suscetibilidade de ensino da virtude, ainda que este não saiba sua definição, sendo obrigado a escolher uma das possibilidades, a saber, a virtude é ensinável, ou a outra possibilidade, a virtude não é ensinável.

Ao nos depararmos com a possibilidade da virtude ser ensinável pela hipótese de ser uma ciência, tendo em vista que partimos da premissa de que toda ciência é ensinável, veremos a seguir tal argumento de forma lógica, como exposto em aula, pelo silogismo aristotélico.

Deste modo temos em Barbara o seguinte argumento:

Todo A é B                                                                           Toda ciência é ensinável

Todo C é A                                                                           Toda virtude é ciência

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Todo C é B                                                                           Toda virtude é ensinável

            Com o argumento acima, podemos ter uma noção do que venha a ser um argumento válido, pois, para que possamos atribuir tal propriedade a um argumento, é necessário que se tenha em mente que as premissas não necessitam ser verdadeiras, ou seja, é possível que este argumento possua premissas verdadeiras e conclusão verdadeira, premissas falsas e conclusão falsa e, ainda, premissas falsas e conclusão verdadeira; concluímos, portanto, que o argumento é válido devido a sua forma lógica e não à falsidade ou à veracidade das proposições, premissas e de sua conclusão.

De volta ao diálogo, encontramos a verificação para a condição “se virtude é ciência”, deste modo, o que temos é o seguinte argumento:

Todo A é B                                                                           Todo bem é ciência

Toda C é A                                                                           Toda virtude é um bem

______________________________________________________________________

Todo C é B                                                                           Toda virtude é ciência

E no texto se mostra duas possibilidades: a possibilidade de que todo bem seja ciência, canso em que a virtude, se for um bem, será ciência; e a possibilidade de existir algum bem que não seja ciência, caso em que, se a virtude for um bem, não se segue necessariamente que ela será ciência, tal qual vemos em:

  So[...] se por um lado, algo há que é um bem e que é algo outro, distinto da ciência, talvez a virtude seja uma coisa que não ciência. Mas, se, por outro lado, não há nenhum bem que a ciência não englobe, estaríamos corretos em suspeitar que ela é uma ciência[10].

Desta forma o argumento de que se a virtude não for um bem, a virtude não será uma ciência, se expressa como a seguir:

Toda ciência é um bem

Nenhuma Virtude é bem

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­_____­­­­­­­­­­­____________________

Nenhuma virtude é ciência

Posteriormente a tal designação, Sócrates e Menon seguem na busca por mais argumentos a fim de verificar outras possibilidades para o que venha ser virtude. Deste modo, se atribui para virtude a qualidade de ser proveitosa, dizendo que todo bem é proveitoso e que toda virtude é um bem, concluindo, portanto, que toda virtude é proveitosa.

A fim de confrontarmos os conceitos que serão expostos a seguir é preciso retomar o que já foi exposto neste trabalho anteriormente sobre a validade de um argumento e falsidade de uma proposição. Devemos ter em mente a diferença crucial quando nos referimos aos argumentos classificando-os válidos e quando classificamos uma proposição como verdadeira ou falsa, porque argumentos podem apenas ser válidos ou inválidos tendo proposições verdadeiras ou falsas.

De volta ao diálogo, Sócrates retorna à questão original: a virtude é coisa que se ensina? Com o retorno a tal questão, Sócrates pretende analisá-la por meio de hipóteses “se ela é coisa que se ensina ou seu é com quer que seja ”[11]. Assim, para o caso de virtude ser ciência, ela é coisa que se ensina, se não for ciência, então a virtude não é ensinável.

Finalmente, o diálogo se configura em avaliar se as hipóteses apresentadas por ambos são viáveis para que se aceite definir o que venha a ser virtude, se ela é ou não ensinável. Assim, a busca pela definição de virtude continua.

           Tal qual a nova tentativa de Sócrates e Menon em elencar para a virtude maneiras pelas quais seja possível afirmar que ela é suscetível de ensino, a qual podemos encontrar em 96d 1ss.  Com a finalidade de responder a questão inicial, é introduzida a tese de que a opinião correta também pode guiar as ações humanas tão adequadamente quanto o conhecimento.

Tal tese fora introduzida no diálogo devido ao fato de os interlocutores deste tomarem uma via que explora a necessidade instaurada por Menon em se qualificar a virtude como ensinável. Até agora ambos interlocutores acreditavam na coextensão entre “ciência” e “susceptibilidade do ensino”, ou seja, (I) tudo o que é ciência é ensinável e (II) tudo o que é ensinável é ciência[12]. Todas as tentativas em se afirmar algo sobre a questão acerca da suscetibilidade de ensino da virtude foram insatisfatórias. Tal fato se dá porque ora as conclusões a que ambos chegam satisfazem a questão inicial, dando- lhe caráter de ser ensinável, ora tais conclusões são postas abaixo por meio de refutações.

 A tese exposta sucintamente, nos dois parágrafos anteriores, gera muitas dificuldades. Dentre elas estão a de se estabelecer segurança a fim de que ela não seja refutada e que se encontre definitivamente uma reposta para a pergunta inicial do diálogo. Para tanto, será necessário expor a tese inteiramente, a fim de que só depois possamos elencar as dificuldades trazidas pela mesma.

Deste modo, a tese que encontramos neste momento do diálogo afirma que não apenas a ciência pode dirigir as ações, mas, tal como a ciência a opinião correta também tem a capacidade de dirigir a ação correta do homem, de modo que, talvez a virtude seja opinião correta e não ciência. Sócrates mostra, a seu interlocutor, por meio da metáfora de que, tal como alguém que sabe o caminho para Larissa, ou para outro qualquer lugar, guiasse os outros o faria corretamente, pois este sabe como guiá-los por ter “ciência” de ter feito tal ação. A mesma metáfora confere àquele que não percorreu o mesmo caminho, mas que tem uma opinião correta de como fazê-lo, mesmo não compreendendo totalmente, o caráter nada inferior ao de quem tem a ciência.

 Deste modo, o discurso de Sócrates afirma que foi negligenciado “no exame sobre que tipo de coisa era a virtude, dizendo que somente a compreensão dirige o agir corretamente [...] ao passo que, também a opinião verdadeira era assim.” [13]. Logo, é então estabelecida, a possibilidade em se dizer que a opinião correta não é em nada menos proveitosa do que a ciência[14].

Porém, podemos ver, com o decorrer do diálogo, que a afirmação feita acima implica questionamento. Isso se dá porque Menon afirma que aquele que tem ciência sempre terá certeza sobre suas ações, enquanto que aquele que tem apenas opinião correta poderá ou não acertar [15], logo, pode-se atribuir o caráter de incerteza à opinião correta.

              A ineficácia atribuída à opinião correta, quando se trata da incerteza que esta possui em seu fundamento, é, portanto, questionada e é questionada, também, por que é agregado maior valor à ciência do que à opinião correta[16].

            A fim de explicar a questão recentemente levantada, Sócrates faz alusão às estátuas de Dédalo, as quais, se não estiverem encadeadas, acabam por fugir, e que “encadeadas valem muito, pois são obras muito belas” [17]. Tal como ocorre com as estátuas, também acontece com a ciência e opiniões verdadeiras porque, segundo as palavras socráticas:

“[...] também as opiniões que são verdadeiras, por tanto tempo quanto permaneçam, são uma bela coisa e produzem todos os bens. Só que não se dispõem de tempo, mas fogem da alma do homem, de modo que são de muito valor, até que alguém as encadeie por um cálculo de causa.” [18].

                Demonstra-se, então, que as opiniões corretas, embora seja guia eficaz, não estão ligadas às suas causas, não podendo, portanto, manter-se relação de encadeamento com elas. Tal como as estátuas de Dédalo que, por não estarem presas ao chão, escapolem. O contrário, todavia, ocorre com a ciência, que por ser uma compreensão da causa, é estável.

Há também um grande problema quando se põe em questão os termos da opinião correta; ao fazê-lo, temos em contrapartida uma incerteza sobre a suscetibilidade ao esquecimento que a opinião correta possui. Isso se dá pelo fato de que, para se estabelecer aprendizado como rememoração, é necessário que este conhecimento esteja igualmente encadeado firmemente ao chão, tal qual as estátuas de Dédalo, tornando, portanto, a opinião correta em ciência através de um raciocínio de causa, como nos é mostrado no trecho seguinte:

“[...] E quando são encadeadas, em primeiro lugar, tornam-se ciências, em segundo lugar, estáveis. E é por isso que a ciência tem maior valor que a opinião correta, é pelo encadeamento que a ciência difere da opinião [...]” [19].

 Como a opinião correta não se encontra bem fundamentada e o conhecimento de suas de suas causas não foi obtido, o aprendizado não se dá com efetividade, pois aquilo que não se pode rememorar não se pode aprender. “Assim temos para as coisas que são encadeadas, em primeiro lugar tornam-se ciências, em segundo lugar, estáveis” [20].

Deste modo, temos para ciência aquilo que está bem fundamentado e tal qual as estátuas de Dédalo, estão encadeadas de maneira que obtenham estabilidade, ou seja, sejam bem fundamentadas.

                 Sócrates deixa claro que a única coisa que ele realmente pode afirmar é isso, a saber, que “a opinião correta é algo diferente da ciência” [21]. Entretanto, diz Sócrates, “não há nada na opinião correta que seja inferior à ciência nem menos proveitosa em vista de nossas ações, e não é nem tampouco um homem que tem opinião correta, inferior ao que tem ciência ou menos proveitoso que ele.” [22]

                 Configura-se, então, uma nova necessidade para se provar a questão inicial, “a virtude é ensinável?”. Tal necessidade se faz em estabelecer paralelos entre o homem que, como mostrado anteriormente, é virtuoso por ter obtido ciência ou por ter opinião correta. Sócrates explana que ambas não pertencem aos homens por natureza, portanto, não seria possível que os homens bons não fossem bons por ser de sua natureza ser desta maneira.

 Portanto, eles buscarão agora, já que sabem que a virtude não é algo que advém ao homem por natureza, examinar “se é coisa que se ensina.” [23]. Com tal finalidade, os interlocutores vêem a necessidade de estabelecer à virtude, se for ensinável, o caráter de possuir mestres que a ensinem.

Em outra forma de buscar compreender o que é virtude, Sócrates retoma o argumento que emprega a virtude como um bem. E a virtude sendo aquilo que é uma coisa proveitosa e boa, tem a capacidade de guiar corretamente. Porém, os homens que são bons e proveitosos para as cidades o são por conta da ciência ou por conta da opinião correta. Entretanto, o que está em questão é o fato de que a virtude fora tida como algo que nasce com o homem e por isso é de sua natureza. Mas quando se diz que a virtude e a opinião correta podem não ser da natureza do homem podemos inferir que o homem também pode não ser bom por natureza[24].

Contudo, os interlocutores retornam à busca pela resposta sobre a susceptibilidade de ensino da virtude, tendo em vista que, se virtude for ciência e, portanto, ensinável, seria necessário que houvesse mestres. Como parece que não há mestres que a ensinem, pode-se notar que virtude não é ensinável nem ciência.

E, em mais uma de suas tentativas em achar uma resposta à questão capital introduzida por Menon, Sócrates relembra que só duas coisas podem guiar o homem corretamente, a saber, “a ciência e a opinião verdadeira” [25]. Porém, pode ocorrer que haja coisas que aconteçam por um acaso e não pelo guiar humano, o qual seria feito de maneira correta e guiados pela ciência ou pela opinião correta.

E como visto anteriormente, se não é coisa que se ensina, não pode ser ciência também a virtude. Portanto o caráter de guiar as cidades com ciência é deixado de lado, restando apenas aos homens poderem guiar baseando-se na opinião correta.

Deste modo, é atribuído um caráter divino aos homens que governam a cidade de maneira correta, pois como Sócrates diz “[...] Logo, não é por causa da sabedoria, nem por terem sido sábios, que tais homens guiaram as cidades [...]. Por isso, não são capazes de fazer outros tais como eles são, não sendo por causa da ciência que eles são tais.” [26].

Chegam a conclusão, os interlocutores de Menon, de que a virtude é concessão divina a quem quer que ela possa ser dada. Assim, o homem que a tem é porque foi escolhido para ser virtuoso[27].

Neste trabalho, houve a tentativa de se mostrar os argumentos dos quais Sócrates e seu interlocutor, Menon, se utilizam a fim de responder se a virtude é ensinável. Entretanto, por meio da análise dos argumentos, não podemos ver que Sócrates toma um posicionamento frente à questão inicial. Isso se dá pelo fato de ele ainda nem saber o que é a virtude. Assim, se mostra no término do diálogo o retorno à questão inicial socrática “o que é virtude?” sem que se tenha uma resposta satisfatória sobre a suscetibilidade de ensino da mesma.

Bibliografia:

Lalande, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Tradução de Fátima de Sá Correia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Platão, Menon. Tradução de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Ed. PUC – Rio; Loyola, 2001.

 _____, Menon, Tradução e Notas de Ernesto Rodrigues Gomes: Ed. Universália  – Lisboa.



[1]  Menon. 71b

[2] Menon. 73 d

[3]  Menon. 80

[4] Menon. 80 d

[5] Menon. 81 c

[6] Entendemos por Heurístico algo que serve para descoberta; diz-se do método pedagógico que consiste em fazer que o aluno descubra aquilo que se pretende ensinar-lhe. (LALANDE, 462).

[7] Conf. Menon. Tradução do grego e notas de Ernesto Rodrigues Gomes Lisboa: Universália, p. 14.

[8] Menon. 86 d-e

[9] Menon. 87c

[10] Menon. 87 e

[11] Menon. 87b

[12] Menon,87c – 88 a

[13] Menon. 97b-c

[14] Menon. 97 c

[15] Idem.

[16] Menon. 97 d

[17] Menon. 97 e

[18] Menon. 98 a

[19] Menon. 98 a

 [20]Idem.

[21]  Menon 98 b

[22] Menon. 98 a

[23] Menon. 98 d

[24] Menon. 98 d

[25] Menon. 98e

[26] Menon. 99 b

[27] Menon. 99 e