A ANÁLISE DO DISCURSO NO ENSINO MÉDIO

Por Wagner Torlezi | 17/08/2011 | Educação

INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico objetiva apresentar as vantagens da aplicação das teorias da disciplina Análise do Discurso no Ensino Médio, bem como definir a referida disciplina. Têm sido evidente, nos últimos anos, as dificuldades encontradas por alunos do Ensino Médio, tanto de escolas públicas quanto de escolas particulares, na leitura, interpretação, compreensão e análise de textos literários e não-literários, habilidade considerada fundamental para seu sucesso acadêmico. Diante desse problema, objetivamos demonstrar como a disciplina em questão pode ser útil para sanar, totalmente ou em parte, essas dificuldades, já que sua proposta de estudo visa aprofundar a análise textual, voltando-se para outros campos, não apenas o texto em si. No final, apresentaremos um modelo de análise textual que pode ser proposto aos alunos do Ensino Médio. A Análise do Discurso é uma disciplina recente na área de Linguística Geral e, talvez, por isso ainda não aparece nos livros didáticos de Ensino Médio como proposta pedagógica ou de trabalho com a análise textual. Vamos mostrar que, aplicados alguns de seus conceitos, o aluno poderá ter uma facilidade maior no desenvolvimento da habilidade com essa análise. Pretendemos mostrar como o aluno pode analisar as idéias implícitas e explícitas dos textos literários e não-literários a partir da teoria proposta por estudiosos da disciplina Análise de Discurso, em especial do linguista brasileiro Ingo Voese. Tomaremos por base sua obra Análise do Discurso e o ensino de Língua Portuguesa, da coleção Aprender e ensinar com textos (volume 13), lançado pela Cortez Editora. Ingo Voese, professor de Língua Portuguesa da Universidade do Sul de Santa Catarina, estudioso dos textos de Michel Foucault, Marx, Bakhtin e Luckács, entre outros, propõe que essas teorias sejam aplicadas nas aulas de Língua Portuguesa, por isso será o ponto de partida deste trabalho. 1. ANÁLISE DO PROBLEMA Por que os alunos do Ensino Médio têm enfrentado dificuldades na leitura e interpretação de textos? Essa questão aflige muitos professores de Língua Portuguesa e de Literatura. Os métodos aplicados na habilidade de ler e interpretar textos não têm sido eficientes, principalmente os propostos nos livros didáticos. A falta de incentivo à leitura e o desinteresse por essa modalidade por parte da maioria dos alunos do Ensino Médio têm contribuído para que esse problema não se resolva tão facilmente. Os jovens e adolescentes têm outros interesses, por isso a leitura acaba não sendo prioridade. Devido a isso, quando se deparam com um texto numa tarefa escolar ou mesmo em uma avaliação, eles acabam não tendo desenvoltura suficiente para interpretar e analisar as idéias contidas no texto. As teorias propostas pela disciplina Análise do Discurso podem se tornar eficazes no ensino e na aprendizagem de leitura e interpretação de textos literários e não-literários, pois objetiva a análise externa do texto, o que leva o educando a visualizar de forma mais ampla as idéias do texto. Com a globalização e o avanço tecnológico, em especial nos últimos vinte anos, os jovens e adolescentes não têm demonstrado interesse pela leitura. Procuram entretenimento na Internet, em salas virtuais, jogos on-line e chats de bate-papo. Isso tem sido determinante para que eles passem a enfrentar dificuldades em algumas habilidades essenciais para um bom aproveitamento escolar. Quando são propostos, em sala de aula, exercícios de leitura e interpretação, os alunos não se sentem motivados a realizar essas atividades, pois certamente encontrarão dificuldades, dadas, em especial, às metodologias aplicadas em livros didáticos. Os livros didáticos de Língua Portuguesa e Literatura para o Ensino Médio, editados atualmente, têm priorizado a leitura e a interpretação de textos. Isso é um ponto bastante positivo. Porém, o enfoque dado não tem sido eficiente. As teorias aplicadas nas propostas de questões priorizam os aspectos internos do texto. Isso pode prejudicar o entendimento global do referido texto. Diante disso, vamos apresentar as vantagens que as Teorias do Discurso podem mostrar nessa tarefa. Proporemos um roteiro de análise do discurso, dos verdadeiros sentidos do texto. Os procedimentos de leitura e análise propostos por Ingo Voese em sua obra Análise do discurso e o ensino de língua portuguesa podem ser vantajosos nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio, pois esse autor pretende conferir ao texto o estatuto de vozes dos outros, de instância dialógica, que pode tecer a relação de solidariedade e de amorosidade necessária para que professores e alunos consigam construir-se como sujeitos. A Análise do Discurso facilita a passagem de uma fase de conceituação do objeto, que é o discurso, para a análise propriamente dita. Por outro lado, o Ensino Médio em nada se beneficiou até agora do que já foi produzido na academia. Os livros didáticos reduzem a função da língua à de representação e à de comunicação. Há uma distância muito grande entre o que se produz na academia e o que aplica no ensino de língua portuguesa. A maioria das questões discutidas não chega à sala de aula. Neste trabalho, será apresentada uma proposta para superar essa distância, já que a disciplina Análise do Discurso pode embasar os estudos da língua materna, pois ela não atua com a noção de código, incluindo em seu campo de análise outras dimensões que envolvem o estudo e a aprendizagem da língua. O estudo da produção dos sentidos pode se beneficiar do que se sabe da realidade social do homem. A falta de propostas e de atividades de Análise do Discurso pode estar na base de muitas dificuldades que impedem a superação de certas polêmicas. A materialidade discursiva exerce uma influência sobre o modo de abordagem textual e isso parece contribuir para o aumento dessas dificuldades. Por outro lado, a Análise do Discurso busca descrever o que se convencionou chamar de "condições de produção do discurso", por isso suas propostas de análise não se reduzem ao texto, pelo contrário, ampliam o que está escrito, dando uma margem maior de interpretação. Isso pode ser responsável pelo desenvolvimento da habilidade interpretativa dos alunos do Ensino Médio. Nessa proposta, objetiva-se trabalhar com o material extralinguístico do texto, ou seja, com o que não está escrito, mas está dito. Isso pressupõe encontrar pistas ou marcas indicativas das determinações não-linguísticas presentes no processo de produção. No entanto, há de se tomar cuidado para que o analista de discurso não entre nesse campo demasiadamente amplo, caso contrário ficaria difícil de se estabelecer parâmetros para a análise textual. Isso porque qualquer estudo poderia ser classificado como Análise do Discurso, o que tornaria inviável uma abordagem mais específica. Tal disciplina trabalha com as concepções de língua, atos de fala e acontecimento e com a relação entre discurso e subjetividade. Sendo assim, algumas questões devem ficar claras, como "o que é ser sujeito?", "como se constitui a subjetividade?" e "qual a importância de ser sujeito?" A Análise do Discurso deve incluir a questão de nível da sociabilidade que pergunta "afinal, por que comunicar-se?" Assim, a noção de subjetividade deve ser considerada como núcleo do processo de interpretação. Essa proposta remete obrigatoriamente à questão que discute a instituição escolar e o discurso que orienta as relações entre professor e aluno, entendidas como ações de diferentes subjetividades. O discurso seria, enfim, apenas resultado de apropriações do instituído social e do uso repetitivo de enunciados já produzidos em diferentes circunstâncias históricas e socioculturais. Assim, o sujeito é submetido, perpassado ou interpelado pela ideologia e, por isso, é assujeitado. Daí pode-se afirmar que a leitura de um texto não é única, fechada; pelo contrário, é ampla e aberta, possibilitando, assim, diferentes interpretações. Diante disso, pode-se dizer que a proposta da Análise do Discurso tem como teses fundamentais o caráter social e ativo da vida consciente e a unidade entre o pensamento e a ação e entre o objeto e o sujeito, o que considera a necessidade de se trabalhar visando a uma totalidade daquilo que se convenciona chamar de "condições de produção". Em outros termos, segundo esta proposta, nem as partes dispensam a totalidade, nem esta dispensa as partes. Todo e parte caminham juntos. Tal proposta deve ser embasada em algumas teses que serão tomadas adiante, mas que podem ser resumidas, basicamente, em dois pontos: a função da linguagem não se reduz à comunicação; e não há discurso sem língua nem língua sem discurso, já que não há acontecimento sem sujeito nem atos fora do acontecimento com sujeito livre, sem assujeitamento. Por isso, todo discurso é produto e processo da língua. Em outros termos, esta proposta representa uma diferenciação entre descrição, interpretação e compreensão. Isso quer dizer que há um momento de descrição, que fornece elementos para uma interpretação, que por sua vez sugere uma compreensão do texto dentro de uma situação sócio-histórica. Geralmente, nos livros didáticos, essa diferença não se manifesta. É constante o emprego indiscriminado de expressões como "Interpretação de Texto", ou "Compreensão de Texto" propondo os mesmos tipos de atividades. Deve ficar claro que há diferenças significativas entre esses termos. A interpretação sugere que se entenda apenas o que está escrito no texto. Já a compreensão visa a entender a posição do autor, por que ele disse o que disse. Na Análise do Discurso, a compreensão é mais importante do que a interpretação, uma vez que tal disciplina questiona Por que o autor disse isso? ? e não o que ele disse. A compreensão sugere como se deu a interpretação. Ao se propor o aproveitamento as teorias discursivas nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio, sugere-se trabalhar, basicamente, com esses conceitos no momento em que se trabalhar com um texto ou com qualquer outro contexto enunciativo. Dessa forma, o aluno terá uma visão mais ampla do texto em estudo, já que não se restringirá ao que está escrito, mas sim às condições em que aquilo foi escrito. Essas condições estão diretamente ligadas à História e à ideologia. Por isso que, um exercício de análise, pautado nos subsídios teóricos da teoria escolhida para esse estudo, pode levar, acredita-se, a práticas de leituras mais críticas e reflexivas. A "prática" de leitura pode sofrer diferentes acepções, como afirma Eni Orlandi Leitura vista em sua acepção mais ampla, pode ser entendida como "atribuição de sentido". (...) Daí ser utilizada indiferentemente tanto para a escrita como para a oralidade. Por outro lado, pode significar "concepção", e é nesse sentido que é usada quando se diz "leitura de mundo". Esta maneira de se usar a palavra leitura reflete a relação com a noção de ideologia. No sentido mais restrito, acadêmico, "leitura" pode significar a construção de um aparato teórico e metodológico de aproximação de um texto: são as possíveis leituras de um texto. (...) (ORLANDI, 1987) Em um sentido ainda mais restrito, em termos agora de escolaridade, pode-se vincular leitura à alfabetização. Poderíamos fazer uma longa enumeração de sentidos que se podem atribuir à própria noção de leitura. Assumida ou ditada pelos livros didáticos, a prática de ensino seguiu ? e ainda segue ? uma concepção que não privilegia, no processo de aquisição e aprimoramento da língua materna, a história, o sujeito e o contexto, pautando-se sobretudo, no repasse de regras e mera nomenclatura da gramática tradicional (...) A atitude normativa fundamenta-se em teorias que têm pouco a dizer sobre a noção de enunciado, de texto como unidade discursiva, porque trabalham com frases ou palavras isoladas. (DCE de Língua Portuguesa da Educação Básica da Rede Pública do Paraná) Vamos procurar revisar tais práticas, pois, pela teoria em estudo, é necessário compreender que tanto o mundo extralinguístico quanto as marcas linguísticas significam e requerem ser trabalhados. Assim afirmam as DCE: O estudo da língua que se ancora no discurso extrapola o tradicional horizonte da palavra e da frase. Busca-se, na análise linguística, verificar como os elementos verbais ? os recursos disponíveis da língua ?, e os elementos extraverbais ? as condições e situação de produção ? atuam na construção de sentido do texto. (DCE de Língua Portuguesa da Educação Básica da Rede Pública do Paraná) Esta proposta objetiva encontrar caminhos para uma nova abordagem das práticas de leitura e interpretação de textos, cujos olhares devem considerar não só a materialidade da língua, mas também as condições de produção dos discursos e as ideologias que lhes garantem circulação na sociedade atual. Diante de tais considerações, partiremos da seguinte problematização: sabe-se que os alunos das séries finais do Ensino Médio sofrem com uma defasagem quanto ao desenvolvimento das suas competências de leitura e interpretação de textos. O que se propõe é a aplicação de alguns conceitos da Análise de Discurso como alternativa de atividades no campo da leitura, para que se busque uma possibilidade de reversão no quadro educacional que hoje se encontra deficitário. Verificou-se, conforme levantamento do Ministério da Educação, que nas avaliações nacionais, tais como Prova Brasil, Saeb, Enem e Pisa, apenas 5% dos estudantes brasileiros apresentam nível adequado de leitura, ou seja, sabem lidar com operações mais complexas, como relacionar um texto verbal e um texto não-verbal, interpretar dados em um gráfico ou tabela, estabelecer relações de causa e efeito, relacionar conhecimentos de disciplina a conhecimentos de outra, além de perceber as ideias implícitas de um texto. Considerando-se que a leitura é a ferramenta mais importante para resolver questões não apenas de língua portuguesa, mas de todas as disciplinas, é importante que o aluno, a partir dela, possa trabalhar com operações como comparar, relacionar, inferir, concluir, deduzir, contextualizar etc. Partiremos, portanto, da problematização da função da linguagem para alcançar as questões de discurso e de subjetividade para, posteriormente, oferecer propostas de roteiro de análise e, ao estabelecer relações entre teoria e prática, construir reflexões sobre a utilidade que tal roteiro possa vir a oferecer ao ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio. 2. DEFININDO ANÁLISE DO DISCURSO Análise do Discurso ou Análise de Discursos é uma prática e um campo da Linguística e da comunicação especializada em analisar construções ideológicas presentes em um texto. É muito utilizada, por exemplo, para analisar textos da mídia e as ideologias que trazem consigo. A Análise do Discurso é proposta a partir da filosofia materialista que põe em questão a prática das ciências humanas e a divisão do trabalho intelectual, de forma reflexiva. De acordo com uma das leituras possíveis, discurso é a prática social de produção de textos. Isso significa que todo discurso é uma construção social, não individual, e que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social, suas condições de produção; significa ainda que o discurso reflete uma visão de mundo determinada, necessariamente, vinculada à do(s) seu(s) autor(es) e à sociedade em que vive(m). Texto, por sua vez, é o produto da atividade discursiva, o objeto empírico de análise do discurso; é a construção sobre a qual se debruça o analista para buscar, em sua superfície, as marcas que guiam a investigação científica. É necessário, porém, salientar que o objeto da Análise do Discurso é o discurso. E todo discurso está inserido em um contexto. Contexto é a situação histórico-social de um texto, envolvendo não somente as instituições humanas, como ainda outros textos que sejam produzidos em volta e com ele se relacionem. Pode-se dizer que o contexto é a moldura de um texto. O contexto envolve elementos tanto da realidade do autor quanto do receptor e a análise desses elementos ajuda a determinar o sentido. A interpretação de um texto deve, de imediato, saber que há um autor, um sujeito com determinada identidade social e histórica e, a partir disso, situar o discurso como compartilhamento dessa identidade. Cabe salientar que o texto só receberá esta nomenclatura (texto) se o receptor da mensagem conseguir decifrá-la. A proposta de um novo objeto chamado "discurso" surgiu com Michel Pêcheux na França, em sua tese Analyse Automatique du Discours em 1969. Na época, ele trabalhava em um Laboratório de Psicologia Social e sua ideia era a de produzir um espaço de reflexão que colocasse em questão a prática elitizada e isolada das Ciências Humanas da época. Para tanto, ele sugere que as ciências se confrontem, particularmente a História, a Psicanálise e a Linguística. Esse espaço de discussão e compreensão é chamado de entremeio e o objeto que é estudado aí é o "discurso". Assim, é no entremeio das disciplinas que podemos propor a reflexão discursiva. Contemporâneo a Pêcheux está Michel Foucault, também na França, e também incomodado por questões semelhantes, mas propondo uma outra via de compreensão, que ele também chama de "discurso", por exemplo em "Archeologie du Savoir". O discurso de Pêcheux não é o discurso de Foucault. E, se pensarmos na tradição anglófone, a distância aumenta, porque o discurso de Norman Fairclough também não se aproxima das questões francesas. O que temos são vias, diferentes possibilidades de compreensão de um problema posto diferentemente por cada autor. O que significa que não há uma "teoria" mais aceita atualmente, mas sim caminhos teóricos que respondem e correspondem em parte às necessidades de reflexão que se apresentam. A Análise do Discurso é uma disciplina que tem se desenvolvido bastante nos últimos vinte anos. Sua teoria segue duas linhas: a americana e a francesa. A linha francesa, como já dito, foi fundada pelo linguista Michel Pêcheux e trabalha com a noção de sujeito: ninguém é agente do que diz, ou seja, vivemos a ilusão de que podemos fazer, dizer, criticar ou produzir sentidos. Trabalha com quatro pontos fundamentais: a linguagem, a ideologia, a História e o sujeito. Define discurso como o efeito de sentido entre locutores. Defende a ideia de que nós não somos donos do que falamos, somos interpelados por outros discursos, ou seja, o que falamos já vem pronto, apenas reproduzimos tudo o que já foi dito antes. Essa disciplina tem ligação com a Psicanálise e com o Marxismo. A interpretação trabalha apenas com o que está escrito no texto. Por isso a Análise do Discurso a despreza. Prioriza, assim, a compreensão para entender a posição do autor, por que ele disse o que disse. Procura, sempre, saber por que o autor disse aquilo. Isso não está no texto, é o contexto da significação. Propõe que é a História que confere textualidade ao texto. A expressão "análise de discurso" tem suscitado, em função da sua multiplicidade de significados em circulação, uma série de equívocos. É notória a variedade de campos científicos que utilizam a expressão para identificarem sua prática analítica. Sobretudo, a partir da década de 60, o estudo da língua por ela mesma começa a ser desestabilizado com novas propostas. Surge a preocupação com o uso da linguagem, estende-se a análise para além da frase, introduzem-se componentes pragmáticos e a dimensão social começa a fazer parte do estudo da língua com o objetivo de combater o formalismo, dando lugar ao surgimento de diferentes práticas sob o rótulo de Análise de Discurso. Embora seja indiscutível o pioneirismo de Bakhtin no quadro de críticas, ao mesmo tempo na negação do objetivismo abstrato e do subjetivismo idealista, é a partir dos anos 70 que surgem duas práticas em particulares conjunturas, nascidas no encontro de determinados ramos da tradição sociológica e marxista com propostas de reformulação da teoria linguística: a análise do discurso de linha francesa e a linguística crítica no mundo anglo-saxão. (ROSADO, 2003) No Brasil, a referida disciplina ganha importância a partir do trabalho desenvolvido por Eni Orlandi , que observa a distinção entre a prática em análise de discurso na França, caracterizada por uma trabalho teórico-abstrato, com a perspectiva anglo-saxã, cujo caráter é mais empirista. Temos, assim, dois polos de discussão. Em termos históricos, são as discussões, de um lado, da História Francesa das Ciências, e de outro, em menor medida, da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, e em grande medida, da epistemologia Crítica Realista de Bhaskar . 2.1 As construções do discurso Os trabalhos teóricos buscam responder a um determinado conjunto de pressupostos que autorizam a construção e a operacionalização do discurso como objeto de análise: trata-se do chamado lugar de onde se fala e da chamada vigilância epistemológica. Pêcheux e Fairclough, como teóricos fundamentais das duas perspectivas teórico-analiticas em questão, partem de lugares diferentes e isso acarreta ênfases e prioridades distintas. Ao propor a sua teoria social do discurso, Fairclough está assumindo múltiplos deslocamentos: em relação a Saussure, à Sociolinguística e ao que ele chama de abordagem estruturalista do analista de discurso francês, Michel Pêcheux. "Ao usar o termo discurso", nos diz Fairclough, "proponho considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais" (FAIRCLOUGH, 1994). O discurso deve ser visto como um modo de ação, como uma prática que altera o mundo e os outros indivíduos no mundo. A dimensão do discurso constitutiva do social, inspirada em Foucault, possui três efeitos, segundo o autor: 1) o discurso contribui para a construção do que é referido como "identidades sociais" e posições de sujeito, para o sujeito social e os tipos de EU; 2) O discurso contribui para a construção das relações sociais; 3) o discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e crença. São, portanto, essas as três funções da linguagem e soma-se a elas uma função desenvolvida no trabalho de Halliday , que é a função textual do discurso ? que trata das ligações das partes do texto com outras partes precedentes e seguintes e com a situação social fora do texto. (ROSADO, 2003) Quando a Análise do Discurso surge, ela procura, sobretudo, combater uma tendência interpretativista/conteudista nas ciências sociais que lida com o texto como se ele fosse uma superfície transparente, onde, naturalmente, os indivíduos mergulham para buscar os sentidos. No entanto, a proposta de Fairclough é caracterizada por um esforço de síntese de múltiplas contribuições teóricas ? mesmo aquelas que se contrapõem, ? cujo resultado deve auxiliar a pesquisa científica a estudar os processos de mudança social. Assim, as contribuições epistemológicas, como o do pós-estruturalista Pêcheux, recebem a seguinte designação: O Estruturalismo (representado, por exemplo, pela abordagem de Pêcheux [...]) trata a prática discursiva e o evento discursivo como meros exemplos de estruturas discursivas, que são elas próprias representadas como unitárias e fixas. Considera a prática discursiva em termos de um modelo de causalidade mecânica (e, portanto, pessimista). (FAIRCLOUGH, 1994). Isso quer dizer, em outras palavras, que o discurso, por um lado constitui e representa uma parte importante da realidade social e, por outro, que ele contribui; sendo um reflexo de estruturas mais profundas para a reprodução. Embora a questão da fluidez dos aparelhos ideológicos esteja presente em função da luta de classes, ela é constantemente ignorada em Fairclough. Pêcheux também procurou lidar com o acontecimento quando tratou do processo de interpelação como um ritual com falhas e brechas, como toda a estrutura atravessada pelo evento. Fairclough parece ignorar a discussão de Pêcheux sobre o discurso em sua definição mais atualizada. Ainda, esses termos se entrecruzam e encontram tratamento tanto de um lado como de outro, seja em função de seu vasto leque de possibilidades metodológicas, seja em função da dialética constitutiva da proposta de caracterização do discurso de Fairclough. O acontecimento discursivo apresenta práticas discursivas e não-discursivas motivadas estruturalmente, mas por outro lado, os sujeitos é que estão a todo o momento ressignificando, colocando as estruturas em risco em suas práticas discursivas. As estruturas e as práticas revelam-se com uma fluidez sem precedentes, que recoloca o sujeito, agora ator motivado seja intencional ou ideologicamente, novamente no centro. O que é fundamental na Análise do Discurso é a sofisticação na definição da estrutura da língua, ou da materialidade linguística ? expressão que nos fornece uma ideia mais completa do que se trata a língua: uma estrutura opaca, atravessada pelos eventos socio-históricos. Mesmo assim, para Fairclough a análise discursiva da escola francesa é tratada em termos semânticos muito estreitos. A crítica se explica em parte pelo exaustivo trabalho sobre a superfície discursiva, apoiada em questões de coesão e coerência textuais. Agora, ela se invalida completamente dentro da perspectiva da Análise do Discurso: o que interessa não está na superfície do discurso, ela apenas contém os elementos que fornecem ao analista o acesso ao objeto discursivo. O que está em jogo é a explicitação dos mecanismos de produção de sentidos. A Análise do Discurso, por sua vez, pode ser dividida em três fases, cuja transformação Michel Pêcheux chama de conversão filosófica do olhar. A primeira fase é caracterizada pelo esforço de teorização de uma máquina estrutural-discursiva automática. Essa proposta de análise do discurso é inaugurada em 1969 com o lançamento do livro Análise Automática do Discurso de Pêcheux, cuja proposta é apresentação de algoritmos para a análise automática de discursos, apoiada no método de Harris (Discourse Analysis - 1952). A passagem para a segunda fase é assim definida por Pêcheux: Esta tomada de posição estruturalista que se esfuma depois da AD-1 produz uma recusa (que, esta, não vai variar da AD-1 à AD-3) de qualquer metalíngua universal supostamente inscrita no inatismo do espírito humano e de toda suposição de um sujeito intencional como origem enunciadora de seu discurso. (PÊCHEUX, 1990). A segunda fase começa em 1975 com o lançamento de Les Vérités de la Palice de Pêcheux, aprimorando conceitos e introduzindo novidades fundamentais para a teoria: a noção de formação discursiva heterogênea, trabalhada na arqueologia de Foucault, aparece para fazer explodir a noção de maquinaria estrutural fechada da fase anterior. Outra noção fundamental que surge é a de interdiscursividade, que se revela como base para se pensar o processo discursivo e é proveniente da Filosofia da Linguagem de Bakthin. Essa fase representou um período de amadurecimento, não-metodológico, mas teórico, para a terceira fase, período no qual a teoria do discurso assumiu a sua forma atual: discurso como o encontro da estrutura e do acontecimento. Nessa terceira fase, uma inovação metodológica e uma sofisticação no tratamento do sujeito foi introduzida: até a segunda, o método harrisiano ainda funcionava, dando lugar na terceira fase ao chamado gesto de leitura; no tratamento do sujeito, a questão da dispersão do sujeito e suas posições na formação discursiva entram em cena para acabar a ideia do sujeito comportado em seu assujeitamento a uma forma-sujeito histórica determinada. Estamos, pois, na fase atual, onde a questão da enunciação pode ser recolocada assim como a da interpretação ? diferente, é preciso dizer, da noção em Fairclough. O discurso é dispersão de sentidos, porque é efeito de sentido entre locutores. Não existe no discurso univocidade de sentido, assim como não existe na língua e no sujeito do inconsciente, estruturado pela língua, a completude que se espera e se busca. O discurso como objeto construído pela referida disciplina deve ser encarado como um processo, que se dá sobre a língua, como base, no encontro, como nos diz Orlandi (1992), de uma memória (interdiscurso) e de uma atualidade (o próprio movimento da produção material da vida). (MURILLO, 2004) Ou, em outras palavras, de uma estrutura ? a língua e a organização estrutural-ideológica do interdiscurso ? e o acontecimento ? desencadeador da ruptura do novo, abertura para a evidência da falta, do lapso e do investimento ideológico do sujeito que se inscreve e se dispersa no discurso, enunciando e sendo enunciado, a partir do que já foi dito e colocando a possibilidade, sobre o mesmo, de outros dizeres. Segundo Orlandi: A Análise do Discurso vai articular o linguístico ao sócio-histórico e ao ideológico, colocando a linguagem na relação com os modos de produção social. Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. Há, entre os diferentes modos de produção social, um especifico que é o simbólico. Há, pois, práticas simbólicas significando (produzindo) o real. A materialidade do simbólico assim concebido é o discurso. (ORLANDI, 2002). Segue-se daí que o discurso é a materialidade da ideologia e a língua é a materialidade do discurso, como nos diz Orlandi. Os teóricos mais representativos da Análise do Discurso são afetados pela atmosfera intelectual do período estruturalista anterior e posterior a maio de 1968, na França, período de ascensão e queda do paradigma estruturalista. Ao mesmo tempo, não podemos tomar como compatíveis, em sua totalidade, os empreendimentos de Pêcheux e Fairclough, pois existem pontos nos quais eles se encontram, apesar do contexto no qual estão inseridos. Por exemplo, dentre muitos conceitos comuns, aquele que se caracteriza como um dos mais importantes e que nos permitiria a aproximação é o de interdiscursividade. Existe um consenso sobre ele no que diz respeito à sua primazia, na forma como constitui a discursividade. No entanto, sua aplicação, apesar de idêntica na forma linguística, é transportada nas considerações de Pêcheux, onde a interdiscursividade é um todo complexo de formações discursivas com dominante que emerge do conjunto de formações ideológicas, para a aplicação da noção de ordem do discurso. São, portanto, detalhes que passariam despercebidos se a mesma forma linguística fosse veiculada por analistas provenientes tanto de uma escola como de outra. 2.2 A Análise do discurso no Brasil A Análise do Discurso como disciplina foi introduzida no Brasil no início da década de 70 e vem se expandindo desde então. Na época, começou a perceber a possibilidade de se trabalhar com os diferentes sentidos do texto, deixando de se colocar o sujeito como centro da análise textual. Esse processo de assujeitamento deu início à história da referida disciplina no Brasil, assim como a busca para entender seu contexto teórico e sua construção. Com uma história que vem sendo construída há mais de 30 anos e que se estende por grande parte do país, a Análise do Discurso foi introduzida em Campinas nos fins da década de 70, tendo como sua precursora a Prof.ª Drª. Eni Orlandi e, graças aos interessados em pesquisar essa linha investigativa, ganhou corpo e se legitimou mediante ao trabalho oriundo de grupos de pesquisas. No início dos anos 80, os estudos ainda eram reduzidos quando se tratava da Análise do Discurso. Atualmente, a situação é bem diferente, pois já existem vários grupos de pesquisas envolvidos no estudo do discurso em todo o Brasil. Grupos de trabalho, artigos científicos, e grandes encontros são realizados, porém o que ainda está em déficit é a oferta dessa disciplina nas estruturas curriculares das Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas. Nota-se, assim, um progresso nas pesquisas em Análise do Discurso, mas, ao mesmo tempo, nota-se a falta de um estudo claro e efetivo que objetive reforçar a importância de se ter a disciplina não disfarçada com outros nomes. Assim, pode surgir a oportunidade de se trabalhar esse novo objeto de estudo de modo a construir um campo discursivo próprio e caracterizá-lo em sua estrutura e significação discursiva. Vale ressaltar que, além de suas contribuições teóricas, a Análise do Discurso desempenha um papel social, na medida em que contribui para o conhecimento do discurso, da cultura e da identidade brasileira. As investigações sobre o discurso têm por preocupação auxiliar para que se conheça melhor, por meio da linguagem, a sociedade brasileira, desse modo se confirma que ao produzirmos um discurso produzimos linguagem e sentido e esse resultado é que nos favorecerá a identificarmos a sociedade brasileira em seus diferentes discursos desde o institucional ao religioso. (BARROS, 1999). Barros afirma, ainda, que "os estudos dos textos orais no Brasil têm-se efetuado, sobretudo nas perspectivas textual-interativa e/ou conversacional da Conversação, da sociolingüística interacional", trabalho que envolve grupos de pesquisa localizados em várias instituições de ensino. Dessa forma, percebe-se o quanto é importante a Análise do Discurso e como vem se expandindo no Brasil de modo a envolver-se em várias linhas de pesquisa que, também, são importantes para verificarmos o funcionamento e a estruturação dos textos. O enfoque centrado na Análise do Discurso busca entender cada discurso produzido por diferenciados falantes. Ao lançarmos um discurso, portanto, fazemos uso corrente da língua, assim nos direcionamos a uma análise, passamos a levantar a busca de sentidos de qualquer discurso que realizamos, desde uma simples informação sobre horas a um texto jornalístico, por exemplo, são produtos férteis de pesquisa. 2.3 A aplicação da teoria do discurso no Ensino Médio Esses estudos, desenvolvidos ao longo dos últimos anos, podem ser de grande utilidade nas aulas de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Considerando-se, é claro, a sua prática. Apesar de inúmeras teorias a respeito do assunto, há de se valorizar o texto. Utilizando-se de uma linguagem mais acessível à faixa etária do aluno do Ensino Médio, essas teorias podem permitir uma análise mais ampla, extratextual, desenvolvendo-se, assim, no aluno, essa habilidade tão importante em sua carreira acadêmica. Ao se apresentar um texto ao aluno, ele pode fazer uso das teorias do discurso ao desenvolver atividades de compreensão . Para isso, podem-se propor ao aluno as seguintes atividades: ? Perceber a relação entre língua e discurso; ? Tratar a relação entre texto e discurso; ? Analisar o sujeito interpelado pela ideologia; ? Analisar a materialidade linguística; ? Observar a construção do texto quanto à sintaxe; ? Citar trechos do texto relacionados à compreensão feita; ? Pesquisar dados e características do autor; ? Relacionar o autor ao momento histórico em que viveu; ? Perceber a formação discursiva do texto; ? Identificar a posição ideológica do autor; ? Identificar as condições de produção imediatas e amplas; ? Mostrar as noções de sujeito e de ideologia: que sujeito é esse e que ideologia ele traz. A partir dessa proposta mais ampla, vamos mostrar, a partir de agora, como isso pode se dar efetivamente nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio numa perspectiva acadêmica. 3. DA LÍNGUA AO DISCURSO O estudo geral da língua é denominado de Linguística e seu estudioso, de linguista. Este geralmente estuda a língua enquanto possibilidade de representação de uma realidade. Há os que a entendem como geradora de ações significativas do sujeito. Há, ainda, aqueles que se preocupam em estudar o significado, descrevendo as regras para seu uso. Por fim, existem os que se propõem a analisar a produção de sentidos, incluindo-se dimensões mais amplas, como a História e a ideologia. Esses últimos devem ser considerados os mais importantes nesta proposta. No entanto, há de notar que quase todas essas perspectivas focam essencialmente a produção de sentidos, como se ela pudesse ser isolada de uma visão de totalidade. Alguns linguistas, em seus estudos, esquecem-se, por exemplo, de perguntar "por que produzir sentidos?", "por que comunicar?", "por que respeitar determinações culturais ou históricas?", ou ainda "por que um enunciado é marcado pela ideologia?" Assim, o estudo da linguagem humana deveria conseguir explicar a produção de sentidos em um ponto de vista mais amplo, que não se restringisse à relação simples entre os interlocutores do texto, mas que contemplasse a inclusão de noções de História e de ideologia, fatores indispensáveis ao desenvolvimento do gênero humano. De outra forma, se antigamente a função da linguagem era apenas dar nomes às coisas do mundo para melhorar as condições de sobrevivência da espécie humana, ao longo do tempo, outros objetivos mais complexos passaram a determinar o uso da linguagem, ultrapassando a nomeação pura e simples e a informação, concepções desconsideradas no estudo do discurso. Faz-se necessário, portanto, retomarmos, para esta proposta, as noções de língua, ato de fala, evento cultural e acontecimento. Assim, chegaremos mais facilmente à noção de discurso. Língua é um instrumento de comunicação. Ela serve para transmitir informações e sua função é representar algo. Assim ela tem sido definida, considerando-se apenas sua função total. Na verdade, essa função é apenas parcial. A língua não é apenas um instrumento de comunicação. É bem mais do que isso. Devido à complexidade das relações humanas, ela deve ser vista como um objeto de grande importância, já que sem ela não haveria sobrevivência das sociedades. Quando se defende a concepção de que a função da língua é exclusivamente representativa, adota-se a noção de código. Se a língua, porém, fosse algo como um código, os enunciados deveriam remeter sempre a um mesmo significado, mesmo alterando-se, por exemplo, os contextos em que fossem produzidos. (VOESE, 2004) Se a língua fosse apenas um código, não seria possível, por exemplo, atribuir sentidos diferentes a "você sabe que horas são?". Seria apenas um enunciado interrogativo. Essa pergunta, feita a uma pessoa na rua deveria ser interpretada como "que horas são?". Já se fosse feita pela mãe de um adolescente chegando a casa às cinco horas da manhã, o sentido seria "você está chegando muito tarde". Já se fosse feita logo de manhã por uma mulher a seu marido que dorme, o sentido poderia ser "você não vai trabalhar?" Nesses casos, devem ser observadas o que se definem como "condições de produção". Um enunciado não tem um sentido único e possível, isso graças ao fato de que a língua não é apenas um código, mas um conjunto de sentidos. O mesmo se observa ao podermos nomear uma única coisa por diferentes expressões, como é o caso de "presidente da República", que pode ser chamado de "chefe da nação", "chefe do Executivo", "líder do governo" etc. O fato, pois, de uma mesma palavra poder nomear diferentes coisas e de uma mesma coisa poder ser nomeada por diferentes expressões, dá a primeira noção das dificuldades para se manter a noção de código, além de apontar para a complexidade da linguagem humana. (VOESE, 2004) Utilizar a língua envolve mais do que transmitir informações. Seu usuário é um ser social e isso implica vários estados pessoais e várias situações de comunicação, já que as ações humanas são regidas por acordos sociais. Esses conceitos estão inseridos no chamado ato de fala, ou seja, no uso da língua na interação. Nesse caso, o enunciante faz e age motivado por intenções e interesses pessoais que nem sempre são claros, mas implícitos, subentendidos, cuja compreensão depende não só do que diz o enunciante, mas também das regras que orientam os atos de fala. A Teoria dos atos de fala surgiu no interior da Filosofia da Linguagem, no início dos anos 60, tendo sido, posteriormente apropriada pela Pragmática. Filósofos da Escola Analítica de Oxford, tendo como pioneiro o inglês John Langshaw Austin , seguido por John Searle e outros, entendiam a linguagem como uma forma de ação ("todo dizer é um fazer"). Passaram, então, a refletir sobre os diversos tipos de ações humanas que se realizam através da linguagem: os "atos de fala". Essa teoria tem por base a ideia principal defendida por Austin: dizer é transmitir informações, mas é também e, sobretudo, uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo circundante. Até então, os linguistas e os filósofos, de modo geral, pensavam que as afirmações serviam apenas para descrever um estado de coisas e, portanto, eram verdadeiras ou falsas. Austin põe em xeque essa visão descritiva da língua, mostrando que certas afirmações não servem para descrever nada, mas sim para realizar ações. Inicialmente, Austin distinguiu dois tipos de enunciados: os constativos e os performativos: os primeiros são aqueles que descrevem ou relatam um estado de coisas e que, por isso, se submetem ao critério de verificabilidade, isto é, podem ser rotulados de verdadeiros ou falsos. Na prática, são os enunciados comumente denominados de afirmações, descrições ou relatos, como Eu jogo futebol; A Terra gira em torno do sol; A mosca caiu na sopa etc.; já os segundos são enunciados que não descrevem, não relatam, nem constatam absolutamente nada e, portanto, não se submetem ao critério de verificabilidade (não são falsos nem verdadeiros). Mais precisamente, são enunciados que, quando proferidos na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, na forma afirmativa e na voz ativa, realizam uma ação. Eis alguns exemplos: Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; Eu te condeno a dez meses de trabalho comunitário; Declaro aberta a sessão; Ordeno que você saia; Eu te perdôo. Tais enunciados, no exato momento em que são proferidos, realizam a ação denotada pelo verbo; não servem para descrever nada, mas sim para executar atos ? ato de batizar, condenar, perdoar, abrir uma sessão etc. Nesse sentido, dizer algo é fazer algo. Com efeito, dizer, por exemplo, Declaro aberta a sessão não é informar sobre a abertura da sessão, é abrir a sessão. São os enunciados performativos que constituem o maior foco de interesse de Austin. É preciso observar, no entanto, que o simples fato de proferir um enunciado performativo não garante a sua realização. Para que um enunciado performativo seja bem-sucedido, ou seja, para que a ação por ele designada seja de fato realizada, é preciso, ainda, que as circunstâncias sejam adequadas. Um enunciado performativo pronunciado em circunstâncias inadequadas não é falso, mas sim nulo, sem efeito: ele simplesmente fracassa. Assim, por exemplo, se um faxineiro, e não o presidente da câmara, diz Declaro aberta a sessão, o performativo não se realiza (isto é, a sessão não se abre), porque o faxineiro não tem poder ou autoridade para abrir a sessão. O enunciado é, portanto, nulo, sem efeito, "infeliz". A partir dessa distinção, Austin constata que a denominação performativo primário também se aplica aos enunciados constativos e acaba admitindo que a distinção constativo-performativo se desfaz, já que é possível transformar qualquer enunciado constativo em performativo, bastando antecedê-lo de verbos como declarar, afirmar, dizer etc. Por exemplo ? [Eu afirmo que] A mosca caiu na sopa; [Eu digo que] vai chover; [Eu afirmo que] a Terra é redonda etc. Ao concluir que todos os enunciados são performativos, Austin retoma o problema em novas bases e identifica três atos simultâneos que se realizam em cada enunciado: o locucionário, o ilocucionário e o perlocucionário. Austin, então, postula que todo ato de fala é ao mesmo tempo locucionário, ilocucionário e perlocucionário. Assim, quando se enuncia a frase Eu prometo que estarei em casa hoje à noite, há o ato de enunciar cada elemento linguístico que compõe a frase. É o ato locucionário. Paralelamente, no momento em que se enuncia essa frase, realiza-se o ato de promessa. É o ato ilocucionário: o ato que se realiza na linguagem. Quando se enuncia essa frase, o resultado pode ser de ameaça, de agrado ou de desagrado. Trata-se do ato perlocucionário: um ato que não se realiza na linguagem, mas pela linguagem. Essa teoria ainda admite a existência de dois atos de fala: os diretos e os indiretos: um ato de fala é direto, quando realizado por meio de formas linguísticas especializadas, isto é, típicas daquele tipo de ato. Há, por exemplo, uma entonação típica para perguntas; as formas imperativas são tipicamente usadas para dar ordens ou fazer pedidos; expressões como por favor, por gentileza, entre outras, são tipicamente usadas para fazer pedidos ou solicitações. Eis alguns exemplos: Que horas são? (ato de perguntar); Saia daqui (ato de ordenar); Por favor, traga-me um copo d'água (ato de pedir); já um ato de fala é indireto, quando realizado indiretamente, isto é, por meio de formas linguísticas típicas de outro tipo de ato. Nesse sentido, "dizer é fazer uma coisa sob a aparência de outra". Eis alguns exemplos: Você tem um cigarro? (pedido com aparência de pergunta) Quem enuncia essa frase não está perguntando se o alocutário tem ou não um cigarro, mas sim pedindo-lhe que ceda um cigarro. Como está abafada esta sala! (pedido com aparência de constatação) Normalmente, quem enuncia essa frase não está simplesmente fazendo uma constatação sobre a temperatura no interior do recinto, mas sim pedindo que o alocutário faça algo para amenizar o calor, como abrir as janelas, ligar o ventilador, o ar-condicionado etc. Você pode fechar a porta? (pedido com aparência de pergunta) Quem enuncia essa frase não está perguntando sobre a (in)capacidade fisica do alocutário de fechar a porta, mas sim pedindo-lhe que feche a porta. Seria estranho se o alocutário pensasse que a pergunta é mera curiosidade e respondesse simplesmente sim ou não. (...) as relações sociais são certamente bem mais complexas do que as que poderiam estimular sinceridades e transparências com as quais nem sempre os indivíduos podem se comprometer: os homens, muitas vezes, também mentem, enganam, seduzem, coagem, ameaçam etc, ou seja, se escondem e se protegem usando a língua e não se comunicando no sentido como acreditavam outrora alguns linguistas e os teóricos dos atos de fala (...) (VOESE, 2004) Assim, Ingo Voese deixa claro que a língua não é apenas um ato comunicativo, é muito mais do que isso. Nela estão inseridos os atos de fala, responsáveis pelos sentidos que um enunciado único pode adquirir de acordo com as suas condições de produção. Austin confirma essa ideia com sua teoria dos atos de fala. No entanto, cumpre salientar que essa teoria trouxe para o foco de atenção dos estudos linguísticos os elementos do contexto ? quem fala, com quem se fala, para que se fala, onde se fala, o que se fala etc. ? os quais fornecem importantes pistas para a compreensão dos enunciados. Essa proposta muito tem influenciado e inspirado os estudos posteriores destinados a aprofundar as questões que envolvem a análise dos diferentes tipos de discurso. Isso o aluno do Ensino Médio precisa identificar nos textos que lê. 3.1 O evento cultural A língua é usada no processo de comunicação. Mas apenas isso não garante que esta ocorra efetivamente, mesmo respeitados os limites do jogo linguístico. A comunicação pode ficar prejudicada. Por isso, é necessário que no processo de produção de sentidos sejam inclusos elementos de outra esfera social: a das determinações culturais. Uma frase dita só adquire o sentido pretendido pelo falante se ele estiver inserido no mesmo grupo social e cultural do ouvinte, ou seja, que detenha as mesmas convenções. Dizer, por exemplo, a um homem que "lugar de homem não é na cozinha", só será entendido como "saia da cozinha" se forem observadas as regras conversacionais. Na verdade, quando dois indivíduos interagem, é necessário que se submetam a regras que se originam nas esferas sociais, distantes da situação imediata de comunicação. São ações interativas que se apoiam na linguagem. Na sociedade, organizam-se regras conversacionais e regras que incluem ou excluem determinadas condutas. Ao interagirem, os indivíduos representam determinados papéis sociais. Essa interação revela que a informação contida no enunciado e o ato que o enunciante realiza ao pronunciá-lo também se referem a um papel que se exerce em uma cultura, ou seja, o ato de fala deve ser entendido como um evento cultural. Por exemplo, no enunciado já citado "lugar de homem não é na cozinha" pode-se inferir o sentido de que "em nosso meio não é costume o homem desenvolver atividades na cozinha", quando, na verdade, a intenção do enunciante era mandar que aquele homem saísse da cozinha. Por isso que o ato de fala deve ser entendido como um evento cultural, ampliando-se os limites do contexto. Assim, é preciso incluir as inferenciações culturais no ato da fala e na língua para se obter o sentido desejado pelo enunciante. Quando uma pessoa é convidada, por exemplo, para ir a uma formatura e ela nega o convite alegando "não tenho roupa", não se deve tomar este último enunciado em seu sentido informativo, mas sim no sentido constituído pela situação social e cultural em que está inserido. Essa pessoa não quis dizer "estou nu", mas sim "uma formatura exige um tipo de roupa que eu não tenho, por isso não vou". Essa inferenciação se refere a uma esfera mais ampla do que o contexto imediato, o que determina que um outro sentido deve ser produzido. Ao incluir, na produção de enunciados, a dimensão histórica, amplia-se mais ainda a questão da complexidade do uso da língua, atingindo, assim, o lugar social da enunciação. Entenda-se por enunciação o ato simultaneamente social e subjetivo de apropriar-se da linguagem, num processo interlocutório. Bakhtin (1981) afirma que toda enunciação é de natureza social. Trata-se de uma ação individual, presente, concreta, que produz a relação eu/tu, ao mesmo tempo em que é produzida por ela. Benveniste (1991) considera que a enunciação é sempre o estabelecimento de um diálogo, mesmo que se trate do chamado monólogo interior. O eu, a primeira pessoa do discurso, a que fala para si mesma ou para o outro, insere-se em um contexto e dirige-se necessariamente a um tu, segunda pessoa, com a qual se comunica linguisticamente. Nesse sentido, vale realçar a inserção histórico-social do ato enunciativo, que marca todo e qualquer discurso, diversificando-os. A referência está ligada à enunciação, pois só esta pode dizer se os enunciados se mostram verdadeiros ou falsos. A enunciação está sempre presente, de um modo ou de outro no interior do enunciado; as diferentes formas dessa presença, assim como os graus de sua intensidade, permitem fundar uma tipologia dos discursos. (TODOROV, DUCROT, 1977) Um desses discursos é o que se chama literário, que é um dos objetos de estudo e de análise do aluno do Ensino Médio. A enunciação, nesse caso, desdobra-se em uma pluralidade de eus e tus, que se relacionam numa cadeia enunciativa assumidamente representada. Nesse sentido, poderíamos afirmar que a enunciação na literatura encena o próprio jogo da linguagem. Estabelece-se não apenas uma relação entre interlocutores reais como também entre interlocutores ficcionais, mesmo que se trate de um poema lírico em que parece haver apenas um sujeito poético. Uma outra questão que deve ser considerada importante também diz respeito ao uso da língua na mídia. Com o avanço da tecnologia, os meios de comunicação social vêm produzindo grandes impactos na sociedade atual, impactos esses que causam constante preocupação. Com suas estruturas tecnológicas, os meios de comunicação impõem seu grande fluxo de mensagens ideológicas, causando o conformismo e a manipulação das massas. Muitos meios de comunicação, como se apresentam hoje, nada mais servem se não para mascarar a realidade e eternizar o seu estado presente. Os aparatos tecnológicos são feitos para não se pensar, mas apenas para operar e viver num ativismo no qual é impossível a autonomia e a emancipação. O mercado atual vive das novas tendências dos produtos culturais. Muitas vezes somos como que impelidos pelas propagandas, pelas mensagens subliminares que fazem de tudo para nos induzir ao consumo. Se em termos de tecnologia nunca se ofereceu tanto, porém se refletiu tão pouco. Há grandes mudanças de valores entre as pessoas, em grande parte causados pela mídia. É, portanto, função da mídia tender a enaltecer o elevado padrão de consumo da classe dominante, associando a isto a ideia de liberdade e de independência. Ou seja, difundindo o consumismo como uma "liberdade de escolha do indivíduo". Além disso, a massificação e a coisificação dos indivíduos tornam mais fácil o processo de manipulação e dominação pela indústria cultural, transformando-os em verdadeiros consumidores dessa indústria. Detendo grande poder econômico e tecnológico, os meios de comunicação social controlam e interferem do mesmo modo na política, no processo sociocultural e na vida diária de todos os indivíduos. Ora, se a mídia se volta quase que exclusivamente para o lazer e para o entretenimento é porque os meios de comunicação, sobretudo, a televisão, têm a função de gerar uma atitude conformista e dócil nas pessoas. Infelizmente, os diversos veículos de comunicação são monopólios ideológicos regidos apenas pela lógica do negócio, com o intuito de dominar e domesticar as massas. Dessa maneira é que acontece a regressão do pensamento, pois qualquer coisa que cause reflexão ou insatisfação é imediatamente banida pela indústria cultural. Por isso, não se pode negar a influência da mídia na sociedade, pelo contrário, essa influência é patente, sobretudo, nos dias atuais. A mídia geralmente impõe o seu estereótipo de beleza, de educação, de cultura, de justiça etc. Essas influências da mídia são quase sempre negativas, pois muitos indivíduos se esforçam e se submetem para serem enquadrados nos padrões impostos pela indústria cultural. Com isso, gera-se uma alienação diante dela, ou seja, a mídia aliena as pessoas, porque se ergue acima e contra as pessoas, transformando o ser humano num ser embrutecido e alienado. Desse modo, vivemos um paradoxo em nossa época. Por um lado, a era da massificação, por outro lado, o desenvolvimento tecnológico divide e individualiza as pessoas. Até porque essa "igualdade", essa coletivização e esse se sentir que parte do "todo" é uma imposição ideológica, pois as pessoas em sua essência não podem ser igualadas. Por conseguinte, na televisão e nos demais meios da mídia são passados sensacionalismos, diversão sem conteúdos e sem profundidades. São veiculados entretenimentos que sucumbem às formas legítimas de arte, de cultura e destroem o conhecimento e o desenvolvimento intelectual das pessoas. Pois a ideologia tira a crítica dos indivíduos levando-os a um estado de comodismo e passividade. Em outros termos, não é errado afirmar que os meios de comunicação de massa desinformam ou não comunicam de forma imparcial, haja vista a presença de interesses particulares que se sobrepõem aos coletivos, embora se insista na ideia de neutralidade da mídia. Atualmente, ela é responsável por grande parte de trabalhos desenvolvidos na área da Análise do Discurso, exatamente por seu caráter ambíguo e, muitas vezes, destruidor de ideologias e de histórias humanas. Esse trabalho de análise também pode, evidentemente, ser proposto ao aluno do Ensino Médio. Isso pode se dar como propõe Voese: Lembrando, então, mais uma vez, que o uso da língua não se reduz a algo como (de)codificação de uma mensagem, nem apenas a interações e eventos culturais, parece que a produção de sentidos não sugere uma transparência e uma inocência, antes, o contrário. Os subentendidos e as implicitações comprometidas com determinados interesses são mais frequentes do que se espera ou pensa, e as interpretações que interessam ao exercício do poder e que geram conflitos representam problemas maiores do que o fato de fazer apenas uma leitura errada. (VOESE, 2004, p. 40) Bakhtin (1981) afirma, sobre isso, que a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam, a partir de seu interior, a estrutura da enunciação. Ele quis dizer que na maior parte dos casos, é preciso supor a existência de um horizonte social definido para determinar a criação ideológica do grupo social, da época e, porque não, do interesse do enunciante. 3.2 O acontecimento Entende-se por acontecimento o estatuto assumido pelo enunciado não só numa situação imediata de enunciação, mas também num contexto mais amplo e histórico. Assim, o enunciado será entendido como um discurso. Isso quer dizer que qualquer enunciado deve ser entendido não apenas quanto à sua estruturação interna, mas também em relação aos seus aspectos externos, o que corresponde à noção de discursividade. Percebe-se, assim, que o enunciado, enquanto texto, tem uma estrutura interna e uma discursividade. Sua estrutura interna não possibilita diversas análises já que se apresenta de forma fixa e inflexível. O que deve ser objeto de estudo do aluno do ensino Médio é a discursividade, ou o acontecimento discursivo, uma vez que este permite as múltiplas possibilidades de análise, ligadas aos aspectos externos do texto, o que lhe confere textualidade por meio da História e da ideologia dominante no referido discurso. Por outro lado, há de se ressaltar que as diferentes leituras de um mesmo texto estão condicionadas ao tempo decorrido de sua produção, já que ele pode perder as "cores" do contexto histórico em que foi produzido. Assim, poderá haver algumas dificuldades de ele se fazer acontecimento, pois o receptor não terá como inferir determinados sentidos sem uma recontextualização. Como exemplo disso, podemos citar a letra da música Tropicália, composta por Caetano Veloso. Esse compositor é considerado um dos fundadores do movimento do Tropicalismo, que, em 1967, revolucionou a Música Popular Brasileira. Esse movimento pretendia instaurar uma nova atitude: sua intervenção na cena cultural do país foi, antes de tudo, uma crítica. Vivíamos em plena Ditadura Militar, do então presidente Costa e Silva. Caetano Veloso mostra uma contundente necessidade de liberdade de expressão, para criar e criticar, porém via-se impedido pelas regras impostas pelo regime vigente. Nessa época, as interferências do Departamento de Censura Federal nas canções já haviam se tornado costumeiras, algumas delas tinham versos cortados ou eram vetadas integralmente. Com o Ato Institucional nº 5, o AI5, de 13 de dezembro de 1968, a repressão política contra ativistas e intelectuais foi oficializada. Isso chegou até a levar Caetano Veloso à prisão, em 27 de dezembro. Devido a todo esse clima repreensivo criado na época, Caetano Veloso, ao criar a canção Tropicália procurou esconder sua ideologia e sua crítica atrás de metáforas, marcas constantes em seu texto. Assim, para se analisar discursivamente a letra dessa música, é necessário levar o aluno à recontextualização do momento histórico em que foi composta para que possa inferir-lhes os diferentes e possíveis sentidos. Peguemos como exemplo a segunda estrofe da letra dessa música (v. anexo A): é preciso prestar muita atenção nas metáforas utilizadas pelo autor, pois vão manifestar sobremaneira o sujeito interpelado pela ideologia: criticar de forma obscura. O "monumento" a que ele faz referência é o Palácio do Planalto, sede do governo federal em Brasília. Vejamos: é de papel crepom e prata, referência as cores e a beleza; não tem porta, por isso ninguém pode entrar, ninguém pode protestar; a entrada é uma rua estreita e torta, é difícil chegar até lá, o caminho é tortuoso, cheio de obstáculos. A mulata de olhos verdes é o símbolo das belezas naturais do país, escondida pela cabeleira, atrás da verde mata, apodrecidas pelo sistema governamental. Ainda nessa estrofe, teremos a crítica mais severa, a metáfora mais bem trabalhada pelo sujeito-autor, indiscutível, imperceptível, livre de quaisquer punições pela censura: e no joelho uma criança sorridente, feia e morta estende a mão. O "joelho" é o Nordeste brasileiro. Tomando-se por base o mapa do Brasil, é exatamente no Nordeste que temos uma forma parecida com um joelho dobrado, é lá que as crianças passam fome, estão abandonadas a toda sorte, são feias, maltratadas, e estendem a mão, pedindo ajuda, sorridentes, procurando ser simpáticas, mas esquecidas pelo governo, que atende a seus interesses e preocupa-se em calar a boca dos intelectuais e dos ativistas. E para associar esse fato à morte, vem o segundo refrão. Viva a mata ta, ta, viva a mulata ta, ta, ta, ta. Nota-se um interessante jogo fonético: a repetição da sílaba "ta" nos remete ao som das metralhadoras, símbolo contundente da morte através do genocídio. É evidente a presença de um interdiscurso, um resgate da memória, retornando ao período de mortes, provocadas pelas duas primeiras grandes guerras mundiais, simplesmente porque os interesses de alguém falavam mais alto que os interesses de todo um povo. Na verdade, essa recontextualização é a mediação que realiza o discurso, socializando-o não só com o enunciado, mas também com o momento histórico da Ditadura Militar. A mediação, então, requer sentidos historicamente atualizados. Em outros termos, a mediação é a socialização do singular por meio das participações dos interlocutores nas interações verbais (...) já que toda vez que o enunciante faz uso da língua, (...) realiza um ato interativo (...) e se orienta por determinações culturais (...). Se, contudo, não se levarem em consideração informações de ordem histórica, ou seja, os acontecimentos (e os enunciados) que se dão em determinado momento e circunstância da história, o sentido do texto fica radicalmente prejudicado (...). (VOESE, 2004, p. 43) Portanto, por ser mediação de fatos que acontecem na História, pode-se dizer, também, que o discurso é um acontecimento. Consequentemente, é também História. E por ser acontecimento, o discurso deve ser abordado do ponto de vista do que ele significa. Por isso, a compreensão de um texto como discurso depende de como se entende a relação entre a lógica do enunciado e a da determinação exterior. 3.3 A dialogia e a polifonia Primeiramente, fica claro que não se pode falar em dialogia ou polifonia sem citar os trabalhos do russo Mikhail Bakhtin. Com esse famoso pensador, desenvolveu-se uma compreensão da linguagem como diálogo. A noção de dialogia é um dos preceitos mais fundamentais na compreensão do grupo de pensadores que ficou conhecido como círculo de Bakhtin. Ele e seus companheiros contrapuseram o entendimento da língua enquanto prática social à definição clássica de Saussure da língua como sistema. Sem negar a importância do pensamento saussureano, Bakhtin aponta para a língua como fato social, somente existente a partir da interação dos sujeitos sociais. Interação social que estrutura a sociedade, constituída a partir da própria linguagem. A dialogia pressupõe a língua como uma manifestação de plurivalência de vozes, a noção da polifonia. Estabelecer um diálogo horizontal não é mesmo tarefa fácil. Isso representa a possibilidade de dialogar, em sua constituição, com diversas outras vozes ? não apenas a voz de nossas tradições e concepções ideológicas ? e sem impor a nossa própria voz. Já polifonia é, segundo Bakhtin, a presença de outros textos dentro de um texto, causada pela inserção do autor num contexto que já inclui previamente textos anteriores que lhe inspiram ou influenciam. A polifonia é um fenômeno também identificado como heterogeneidade enunciativa, que pode ser mostrada (no caso de citações de outros autores em obras acadêmicas, por exemplo) ou constitutiva (como a influência de dramaturgos clássicos em Shakespeare, que não é mencionada diretamente, mas transparecida). Bakhtin usa o conceito de polifonia para definir a forma de um tipo de romance que se contrapõe ao romance monológico. Os textos que serviram de base às suas reflexões acerca desta temática são os de Fjodor Dostojevski. Romance polifônico é aquele em que cada personagem funciona como um ser autônomo com visão de mundo, voz e posição própria no mundo. Desse modo, esclarece, em primeiro lugar, com base nos enunciados de Bakhtin, que dialogismo não se confunde com interação face a face, isto é, o dialogismo não se reduz ao diálogo como forma composicional. O diálogo é uma das manifestações do dialogismo. Quanto ao segundo ponto, não há dois dialogismos entre interlocutores e entre discursos. O dialogismo é sempre entre discursos, enquanto que o interlocutor só existe enquanto portador do discurso. Assim, sintetiza em dois sentidos aquilo que é efetivamente dialogismo em Bakhtin: é o modo de funcionamento real da linguagem e, portanto, é seu princípio constitutivo; é uma forma particular de composição do discurso. Portanto, todo discurso dialoga com outro discurso, manifestando-se em enunciados. Vale mencionarmos o pensamento de Bakhtin, destacando que o enunciado não existe fora do dialogismo, pois este é constitutivo do enunciado: Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo: ela os rejeita, confirma, completa,baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta (BAKHTIN, 2003:297). Aponta-se, assim, aqui, o primeiro conceito sobre dialogismo, expresso por Bakhtin, de que o dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem, princípio constitutivo do enunciado. Conforme o pensador russo, todo enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica a outro enunciado e, em cada enunciado ouve-se pelo menos duas vozes. Toda palavra está relacionada à outra, à de outro locutor, existindo assim uma interação entre um discurso atual e outros formulados anteriormente. Conforme Bakhtin: O fato de ser ouvido, por si só, estabelece uma relação dialógica. A palavra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder a resposta, e assim ad infinitum. Ela entra num diálogo em que o sentido não tem fim. (BAKHTIN, 1981). Bakhtin também distingue, de forma bem abrangente, dois tipos de gêneros do discurso: os gêneros primários (identificados pelo autor pelo adjetivo "simples") são aqueles constituídos nas circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea (réplica do diálogo cotidiano ou a carta, por exemplo) e os gêneros secundários (qualificados como complexos) são aqueles que "surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) ? artístico, científico, sociopolítico, etc." (BAKHTIN, 2003, p. 263) Para Bakhtin, os gêneros secundários (romance, teatro, discurso científico, discurso jornalístico etc.) que se constroem em circunstâncias complexas de comunicação, absorvem e modificam, durante o processo de sua formação, os gêneros primários. É, portanto, o diálogo, que se instaura desde o início, também nos gêneros secundários. As palavras por si só são neutras, elas somente adquirem expressividade no interior do discurso, pois, ao serem selecionadas em função das especificidades de um gênero, recebem expressividade determinada, típica, própria desse gênero. A expressividade da palavra não pertence à própria palavra, ela se materializa no enunciado, atualizando-se no seu contato com a realidade efetiva, nas circunstâncias de uma situação real de discurso. (...) pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos: como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos outros cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra, porque, uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada em minha expressão. (BAKHTIN, 2003, p. 294) Palavras, obras e enunciados refletem as tradições de cada época, de cada esfera da vida e da realidade. A experiência verbal ? discurso ? individual do homem toma forma e evolui na interação com os enunciados individuais do outro. A expressão das palavras dos outros é assimilada, reestruturada, modificada pelo outro. Como elos na cadeia de comunicação verbal, os enunciados conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente, são reações-respostas a outros enunciados numa dada esfera da comunicação verbal. Essa expressividade, embora varie de intensidade em função das diversas esferas de comunicação, está presente em todos os gêneros, pois um enunciado totalmente neutro é impossível. A experiência discursiva e a interação com o outro compõem o plurilinguismo; este, ao penetrar no romance, é submetido à elaboração literária, seguindo as especificidades dos gêneros secundários e a organização autoral. Observa-se que, segundo Bakhtin, a polifonia dos romances de Dostoiévski era decorrente, em boa medida, da forma como as personagens se inserem no mundo. Não importam suas características físicas, psicológicas ou sua posição social; o que é mais expressivo é o ponto de vista delas sobre a realidade que as cerca, "sua consciência e autoconsciência (...) a última palavra da personagem sobre si mesma e seu mundo". Por isso o leitor não vê propriamente a personagem, mas sua cosmovisão e suas referências sobre si expressadas na obra da qual faz parte. A personagem se torna, então, não uma biografia, mas um ponto de vista sobre o mundo, pois incorpora o próprio dinamismo humano, reflete um determinado gênero discursivo e interage com enunciados de outros. Em cada época, em cada círculo social, em cada micromundo familiar, de amigos e conhecidos, de colegas, em que o homem cresce e vive, sempre existem enunciados investidos de autoridade que dão o tom, como as obras da arte, ciência, jornalismo político, nas quais as pessoas se baseiam, as quais elas citam, imitam, seguem.(...)Eis porque a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros. (BAKHTIN, 2003, p. 294). Observe-se que dizer, por exemplo, "Político Fulano, para não perder o costume, roubou a cena no debate" pode tanto estar elogiando, como sugerindo, ironicamente, que Fulano é conhecido por sua desonestidade. A segunda interpretação, porém, protege o enunciante de eventuais efeitos responsivos, pois o modo de enunciar lhe permitiria alegar que estaria querendo apenas elogiar. As vozes, porém, que, na ironia, o enunciante convida à interação, são aquelas que, pelo fato de operarem com os mesmos instrumentos de interpretação e de avaliação, tornam-se cúmplices da voz que critica e, assim, fortalecem os efeitos da agressão. E é essa cumplicidade que multiplica a força de uma voz, o que explica que a ironia é, antes de tudo, a manifestação de uma ou outra voz social de que o enunciante se apropriou para firmar a posição de que ele também não está de acordo com certos valores e finalidades. E a tentativa de encontrar cúmplices representa um esforço que faz o enunciante, conforme diz Lukács (1979), para "induzir outra pessoa (ou um grupo de pessoas) a formular e adotar [...] determinadas posições teleológicas", explica que ele, na objetivação, atua com determinadas pressuposições, uma das quais é fundamental para armar estratégias e modos de enunciação: a de que os indivíduos podem ter como meta diferentes posições teleológicas e que só poderá atuar sobre elas com sucesso se conhecer os valores e as referências com que operam o(s) outro(s). A pressuposição contém, pois, a noção de alteridade, ou seja, o enunciante deve considerar que o receptor pode também atuar com referências diferentes das dele. E é precisamente isso que sinaliza a ironia: a ironização do enunciado de outrem significa que o enunciante acionou dadas referências para compreender, sim, o dito citado, mas abandona essas referências e escolhe outras orientações para construir e manifestar um julgamento. E o modo como o enunciante manifesta seu julgamento, ou seja, a opção pela ironia indica um tipo de estratégia para evitar possíveis réplicas que poderiam criar-lhe dificuldades ou embaraços. Em outros termos, em qualquer tipo de interação, seja ela mediada pela ironia ou não, "a palavra do outro impõe ao homem a tarefa de compreender esta palavra" o que torna a atividade discursiva uma "complexa relação com a palavra do outro, em todas as esferas da cultura e da atividade [...]" (BAKHTIN, 1992, p.384). A compreensão e a avaliação dessa relação dialógica entre uma voz que se manifesta e as vozes que a manifestação pode acionar, resultam, portanto, de avaliações das referências sociais de "todas as esferas da cultura e da atividade" que, exatamente por serem lugares de geração de referências, tornam-se recursos mais ou menos estáveis com que opera o enunciante. Assim, um procedimento equivocado do enunciante, na armação das estratégias interativas, pode conduzir a (re)ações que, por não serem previstas, anulam os efeitos do esforço para conseguir a adesão do outro a determinadas finalidades, o que revela que um discurso, no momento de sua produção, submete-se a um processo de contextualização particular, o que lhe valerá um certo universo de receptores que, partindo de dadas referências, constroem os sentidos que possibilitam uma interpretação mais ou menos aproximada da do enunciante. Quando, porém, esse discurso passa à condição de citado e quem foi receptor passa a atuar como enunciante, outros elementos contextuais são alocados, um outro discurso é produzido e uma nova interação entra em curso. E, assim como na origem do discurso citado haverá casos de interlocutores que, inevitavelmente, discordarão do enunciante, também haverá aqueles que não aceitarão a citação do modo como é feita, o que reforça a idéia de que se o contexto se impõe como elemento indispensável à produção de sentidos, ao enunciante o universo social polifônico oferece a possibilidade de opção. Entende-se, pois, que uma interação bem conduzida exige do enunciante uma capacidade especial para fazer as leituras corretas das vozes dos outros para, assim, orientar-se quanto à maior ou menor complexidade da relação com a voz com a qual estabelecerá o diálogo. Isto porque a cada voz corresponde um universo polifônico de vozes sociais, a avaliação do enunciante está sujeita a não tão raros equívocos, o que dá à mediação do discurso a importante função de, por seu caráter dialógico, possibilitar a superação do que as diferenças poderiam representar como obstáculo às interações sociais, já que [...] é preciso que qualquer material linguístico (ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. Só assim é possível responder [...], isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la. (FARACO, 2003, p.64) Na interação, portanto, as vozes que, explícita ou implicitamente, dão forma ao discurso, refletem não só uma intenção do enunciante, mas, sobretudo, os sentidos e os valores que estruturam a sociedade, pois os elementos contextuais incluem "as tendências sociais estáveis características da apreensão ativa do discurso de outrem que se manifestam nas formas da língua" (BAKHTIN, 1986, p. 146). Entender a interação como um processo polifônico de que não participam apenas as vozes dos interlocutores "frente a frente", mas também as que, como referências, são reflexos de "tendências sociais estáveis", significa que os interlocutores atuam, antes de tudo, como representantes de um ou outro grupo social. E, ao buscarem superar diferenças e harmonizar as suas vozes, fazem do processo necessariamente um jogo dialógico também social, em que a palavra vai à palavra, a referência vai à referência, de modo que o receptor, enquanto representante de um certo universo polifônico, assume um papel que não é menos importante do que o do enunciante. É exatamente nessa avaliação das condições de produção do discurso que o enunciante descobre no receptor também uma garantia avalizadora de dadas referências e um limite das possibilidades da interação. E é impossível, por isso, imaginar um discurso que não se constitua como produto e processo de dialogia, o que Bakhtin enfatiza ao afirmar que "por mais monológico que seja o enunciado [...], ele não pode deixar de ser também, em certo grau, uma resposta ao que já foi dito sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo problema, ainda que esse caráter de resposta não receba uma expressão externa bem perceptível" (1992, p. 317). Lukács lembra, por isso, que acordos sempre podem representar enormes dificuldades para a interação: Há, porém, uma diferença qualitativa entre se a alternativa tem apenas uma dimensão reconhecível em termos de certo ou errado, ou se a fixação de finalidades resulta de alternativas sociais disponíveis. Pois está claro que, após a divisão da sociedade em classes, a cada problema se apresentam diferentes soluções, a depender de que lugar social se parte em busca de uma resposta ao problema. (LUKÁCS, 1982) E desse processo resulta uma diversidade potencialmente explosiva de conflitos de valores, ou seja: Nesses mundos de mediações nascem gradualmente os mais diversos sistemas de valores humanos [e] cada uma dessas mediações está em relação de heterogeneidade com a economia propriamente dita, sendo capaz de cumprir sua função mediadora precisamente por causa dessa heterogeneidade [que] pode aumentar e se tornar contraditoriedade, o que tem lugar quando os dois sistemas de valores conduzem a alternativas que aguçam a diferença resultante da heterogeneidade e a transformam em contraposição. (LUKÁCS, 1979, p. 157) Assim, para que o aluno do Ensino Médio tenha embasamento para desenvolver suas habilidades na compreensão de textos de diferentes épocas, faz-se necessário que detenha o conceito fundamental de ideologia, o que passaremos a definir e comentar. 3.4 A ideologia Ideologia é um "conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas". Segundo Karl Marx, a idelogia pode ser considerada um instrumento de dominação que age através do convencimento, de forma prescritiva, tornando alienada a consciência humana e mascarando a realidade. Os pensadores que seguem a Teoria Crítica Frankfurtiana consideram a ideologia como uma ideia, discurso ou ação que mascara um objeto, mostrando somente sua aparência e escondendo suas demais qualidades. A origem do termo "ideologia" surgiu com Destutt de Tracy , que criou essa palavra e deu-lhe o primeiro de seus significados: ciência das ideias. Mais tarde, essa palavra ganharia um sentido pejorativo quando Napoleão chamou De Tracy e seus seguidores de "ideólogos" no sentido de "deformadores da realidade". Porém, os pensadores da antiguidade clássica e da Idade Média já entendiam ideologia como o conjunto de ideias e opiniões de uma sociedade. Karl Marx desenvolveu uma teoria a respeito da ideologia, que a concebe como uma consciência falsa, originária da divisão do trabalho intelectual e manual. Nessa divisão, surgem os ideólogos ou intelectuais que passam, por meio de ideias impostas a dominar, das relações de produção e das classes que eles criam na sociedade. No entanto, a ideologia gera, inverte ou esconde a realidade, para os ideais ou vontades da classe dominante. Vários outros pensadores, contemporâneos a Marx, abordaram a temática da ideologia. Muitos mantiveram a definição original de Marx (Karl Korsch, Georg Lukács), outros passaram a tratar a ideologia como sendo sinônimo de "visão de mundo", inclusive alguns pensadores marxistas, tal como Lênin. Vários pensadores desenvolveram análises sobre o conceito de ideologia, tal como Karl Mannheim, Louis Althusser , Paul Ricoeur, Nildo Viana. Dentro da perspectiva marxista, o conceito de ideologia de Marx e Engels indica a relação entre formas invertidas da consciência e a existência material dos homens, isto é, haveria, no caso, uma distorção do pensamento, cuja origem se daria em função das contradições sociais. Essa distorção teria como função principal camuflar essas próprias contradições. Essa formulação, no entanto, foi sofrendo mutações dentro do próprio trabalho desenvolvido por Marx, e também pela influência de outros autores como Lenin e, mais tarde, nas releituras feitas de Marx por autores como: Althusser, Gramsci e Luckács. Althusser (1980) propôs aquela que pode ser considerada a mais influente visão das duas últimas décadas. Segundo esse autor, uma das grandes contribuições do pensador francês foi o de distinguir: "uma teoria da ideologia geral, na qual a função da ideologia é assegurar a coesão na sociedade, da teoria das ideologias específicas, na qual a função geral já mencionada é sobredeterminada pela nova função de assegurar a dominação de uma classe" (ALTHUSSER, 1980). Ele afirma que isso só foi possível graças à formulação do conceito de ideologia como "uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência" (Althusser: 1980), e na proporção em que ela interpela os sujeitos e os constitui, aceitando, assim, seu papel dentro do sistema das relações de produção. Ainda segundo Althusser (1980), é "a natureza imaginária da relação entre os homens e as suas condições reais de vida que fundamenta toda a deformação imaginária que se pode observar em toda ideologia". A partir da leitura de Althusser, seu conterrâneo Pêcheux vai pensar nas relações entre discurso e ideologias. Partindo das contribuições do materialismo histórico no que diz respeito à superestrutura ideológica em sua ligação com o modo de produção e realizando um novo deslocamento, Pêcheux mostra o importante papel que a ideologia representa no processo de interdição dos sentidos. Propondo o conceito de "condições de produção", ele mostra que o discurso é efeito de sentidos entre os interlocutores. Assim, temos que o indivíduo não está livre para escolher deliberadamente, numa determinada situação, o que falar, pois o seu dizer estará sendo afetado por este "já lá", que Pêcheux denomina de interdiscurso ou "o todo complexo com dominante das formações discursivas" (1988). Esse "já?lá" são sentidos que foram se construindo historicamente a partir da constelação das relações de poder, que podem ser assumidos ou não pelo sujeito, a depender das posições discursivas que este poderá ou não ocupar em função do funcionamento da ideologia. (TFOUNI e PANTONI, 2004) Pêcheux vai mostrar que o "caráter material" dos sentidos somente é possível porque "a materialidade concreta da instância ideológica existe sob a forma de formações ideológicas, que, ao mesmo tempo, possuem um caráter ?regional? e comportam posições de classe". Isso quer dizer que na luta de classes, não há "posições de classe que existam de modo abstrato e que sejam aplicadas aos diferentes ?objetos? ideológicos regionais das situações concretas". (Pêcheux, 1988). Pêcheux afirma ainda que a materialidade ideológica só é possível de ser apreendida a partir da materialidade lingüística, que aparece nas formações discursivas; dizendo de outro modo, que aparece no dizer concreto de cada sujeito. Segundo o autor, a modalidade particular do funcionamento da instância ideológica consiste justamente nesse assujeitamento ideológico que conduz cada pessoa a acreditar que, a partir de sua livre vontade, pode se colocar, sob a forma discursiva, no lugar de uma ou outra classe social, antagonistas no modo de produção. (TFOUNI e PANTONI, 2004) Segundo Pêcheux, essa interpelação do sujeito em sujeito ideológico, ou sujeito do discurso: "se efetua pela identificação do sujeito com a formação discursiva que o domina, isto é, na qual ele é constituído como sujeito. Essa identificação, fundadora de unidade imaginária do sujeito apoia-se no fato de que elementos do interdiscurso (...), são reinscritos no discurso do próprio sujeito" . (idem). No processo descrito pelo autor, ele usa o artigo definido "a" para referir-se à formação discursiva que, na articulação com o sujeito, o constitui. Isso não é à toa, pois não é possível ser uma formação qualquer, mas sim uma específica, que se relaciona com a posição possível para o sujeito ocupar, e que por sua vez, relaciona-se com a forma-sujeito, que é a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas sociais. Assim, essa unidade imaginária ? sistema de evidências e de significações percebidas - que fornece a cada sujeito a "sua realidade", só é possível através de uma submissão aos significantes da língua, ao pré-construído; o que equivale a dizer que a língua funciona no sujeito cada vez de modo diferente, pois esse assujeitamento não se dá da mesma maneira para cada falante da língua. Daí a noção de que não há uma relação direta e automática do discurso com uma dada situação empiricamente descritível. (TFOUNI e PANTONI, 2004) Portanto, para a análise do discurso, segundo Orlandi, "a ideologia não é ?x? mas o processo de produzir ?x? " (Orlandi,1995). Ao ser interpelado, o sujeito produz esse efeito de evidência e de unidade, a ideologia produz um processo de naturalização dos sentidos. Apoiando-se no "já-dito" e apagando a história, os sentidos vão se instalando na sociedade e vão sendo concebidos e apropriados no intradiscurso, como naturais. Assim, como coloca Orlandi (...) ocorre uma simulação (e não ocultação de conteúdos) em que são construídas transparências (como se a linguagem não tivesse sua materialidade, sua opacidade) para serem interpretadas por determinações históricas que aparecem como evidências empíricas (ORLANDI, 1995) Essa determinação histórica faz com que os sentidos sejam interpretados numa determinada direção ("em seus mecanismos imaginários") e não em outra. Portanto, a definição de ideologia e, consequentemente, de sujeito pode ser dada assim: "Ideologia não se define como o conjunto de representações, nem muito menos como ocultação de realidade. Ela é uma prática significativa; sendo necessidade da interpretação, não é consciente ? ela é efeito da relação do sujeito com a língua e com a história em sua relação necessária, para que se signifique" (Orlandi, 1998). Desse modo, temos que o sujeito pode, através de seu discurso, evidenciar uma identificação com a ideologia da classe dominante, mesmo não pertencendo a essa classe, e sem ter consciência disso. É isso também que procuraremos mostrar nas propostas de trabalho com essa disciplina junto aos alunos do Ensino Médio. 3.5 A mediação Sabe-se que para a continuidade ou sobrevivência do gênero humano são necessários dois processos interdependentes: o da reprodução, não necessariamente a biológica, mas tudo o que o homem já produziu; e o da superação, ou transformação, que tem como ponto de partida tudo o que foi reproduzido. Dessa forma, o homem toma como referência o que historicamente resultou da atividade humana para atuar diante das necessidades da contínua modificação da realidade social. Para que esses dois processos possam se realizar, o homem se utiliza de um processo extremamente eficaz: a linguagem. Ela gera o discurso que, por sua vez, apoia-se na materialidade linguistica, assumindo o papel de produtor de sentidos. Assim, o discurso, nessa ótica, constitui-se em mediação do desenvolvimento do gênero humano. A categoria de mediação. Segundo a teoria marxista, é inerente ao trabalho e foi por meio dele que se modificou o meio social e o próprio homem. Na definição de Bakhtin (1995), o signo é um objeto físico (por exemplo: imagem, palavra, gesto, pirâmide, pão) pertencente a uma determinada realidade, mas que, por ser ideológico, reflete e refrata uma outra que lhe é exterior. Assim um objeto natural torna-se signo, quando ele ganha um sentido na relação social que ultrapassa as suas próprias particularidades. Como ele reflete e refrata uma outra realidade, ele pode distorcê-la, por isso, todo signo é ideológico. Para explicar a "refração" da realidade, o autor nos incita a pensarmos como os signos são utilizados pelos diversos campos ideológicos. Cada área do saber utiliza os signos de acordo com a sua realidade, refratando esta a sua própria maneira, todavia é seu caráter semiótico, isto é, os significados/ conceitos/ generalizações, que coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral. Os signos, completa o autor, têm uma encarnação material, por isso, sua realidade é objetiva, uma vez que pertence ao mundo exterior. De acordo com Bakhtin, os signos só emergem a partir do processo de interação social, assim como a consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico no processo de interação social. Assim, a ideologia reside no material social particular de signos criados pelo homem. Para o autor a palavra "é o fenômeno ideológico por excelência (...) é o modo mais puro e sensível da relação social". Em outras palavras, o discurso é mediação do processo de transferência de conhecimento e se oferece para mediar tanto a produção e a avaliação de metas e objetivos, como a administração da diversidade e complexidade das relações sociais. O uso da língua não deixa de se orientar por determinações que se referem ao desenvolvimento histórico do gênero humano, em que a uma simples conservação se sucede uma ininterrupta superação do que deveria ser conservado. Assim, a produção de enunciados deve ser entendida como demarcada por limites sociais e históricos, pois o homem, que produziu um determinado instituído social, só o fez porque se apropriou do que já havia sido produzido. Isso quer dizer que todos os atos humanos devem ser considerados como uma reprodução, por isso o discurso só pode preencher a função de mediação se os sentidos estiverem historicamente atualizados. (...) a apropriação da generidade humana é uma condição de produção (também do discurso) historicamente determinada e, por isso, essa concepção explica a importância dos elementos extralinguísticos e sugere que um texto, por mais bem elaborado que seja do ponto de vista linguístico e estrutural, (...) oferecerá enormes dificuldades para que um receptor, numa nova situação histórica, infira determinados sentidos mediadores. (VOESE, 2004, p. 64) Por isso, as palavras de Bakhtin (1986) são importantes orientações quando ele afirma que a língua, enquanto conjunto estruturado de elementos dos quais o enunciante se apropria para enunciar é reflexo da realidade social construída pelos homens. Quando acionada na interação social e completa o movimento paradoxal que se instala na produção do discurso, passa a ser refração. 3.6 A refração Ao produzir um discurso, o sujeito se inter-relaciona socialmente, apropriando-se da língua e inserindo-se em uma realidade social. Esta, por sua vez, apresenta alguns reflexos: o conjunto lexical de um grupo depende do que os elementos desse grupo fazem; os elementos gramaticais podem revelar costumes sociais; há o predomínio de uma determinada variedade linguística dentro do grupo; os conflitos sociais que envolvem disputas por poder remetem a dicotomias lexicais na língua; a polissemia do signo linguístico reflete a heterogeneidade social; o sentido genérico das palavras é resultado da atividade dos indivíduos que precisam de comunicar; a escolha de uma palavra produz efeitos diferentes dentro do grupo; e, por fim, os recursos expressivos da língua refletem a atividade interativa dos interlocutores. Esses exemplos representam a pressão da generidade humana sobre a língua. O uso desta significa uma refração, processo que abre a possibilidade para inúmeros jogos e arranjos sociais. Quer dizer, o que é reflexo da processualidade do gênero humano torna-se um movimento de retorno, um conjunto de recursos expressivos dos quais se valem a ação ideológica. São, portanto, exemplos de refração: a sedução, a mentira, a impessoalização, a utilização do caráter polissêmico e ambíguo das palavras, o deslizamento e o direcionamento de sentidos, a escolha comprometedora de determinados itens lexicais, a mistificação, a falsa generalização ? processo em que o enunciante faz passar por geral o que é singular, armando um raciocínio que privilegia interesses de um grupo ?, a mitificação , a implicitação ? entendida aqui como um processo em que se inclui um sentido que não está claro na expressão utilizada ?, a higienização, a citação do discurso de outro, a manipulação de dados estatísticos e a falsa analogia ? processo que visa a confundir a avaliação do interlocutor, por exemplo, quando se diz que a prostituição é um trabalho como outro qualquer. Os exemplos citados acima, de como se materializam como reflexo as determinações da generidade humana e de como, na mediação, concretiza-se o processo de refração dão a exata dimensão da relação entre dois complexos distintos, mas interdependentes, como são a língua e o discurso. Sobre isso, Voese afirma: Penso que os recursos linguísticos e discursivos apresentados são comumente utilizados pelos indivíduos nas ações ideológicas e representam sempre um instrumento extremamente poderoso, precisamente porque armam estratégias de manipulação para instalar um ideal de sociedade. (VOESE, 2004, p. 72) Assim, pode-se dizer que há um reflexo social na materialidade discursiva e, ao mesmo tempo, uma refração (um retorno) no processo de mediação. Por isso, afirma-se que não há atos interativos sem língua, não há língua sem discurso e não há discurso sem língua e sem atividade humana. 4. DISCURSO E SUBJETIVIDADE O conceito de subjetividade presente em um discurso pode se manifestar em três âmbitos: filosófico, linguístico e discursivo. Na primeira abordagem, discute-se a subjetividade enquanto representação, isto é, o significado, para os primeiros filósofos, existia tão-somente no mundo real. Portanto, para o homem era relegada a condição de reconhecer, não sendo possível a ele construir reflexivamente o saber. Podemos inferir, assim, que a subjetividade na filosofia grega está claramente associada à consciência, ou seja, à capacidade de reconhecer e produzir o sentido do real através de ideias. Na abordagem linguística, identificamos duas tendências: a positivista e a demonstrativa. A primeira afirma que o sentido está no real; não admite, pois, discussões acerca da significação. Para a última, ao contrário, a linguagem serviria como indicadora do sentido, sendo dependente de todo um contexto para que haja compreensão efetiva de qualquer texto. Na última abordagem, que nos interessa, propõe-se uma reflexão a respeito de sentido e sujeito em Pêcheux, a fim de identificar o estatuto dado às manifestações de subjetividade na Análise do Discurso. O analista do discurso ao qual fizemos referência possui três momentos de estudo importantes para o entendimento do sujeito. O primeiro discute a relação sujeito/estrutura, deixando claro que a estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos, em função da interpelação ideológica. O sujeito aqui é preso por amarras sociais significativas, já que não pode falar aquilo que deseja, mas aquilo que é determinado pela estrutura. O segundo momento enfatiza a noção de interdiscurso, reconhecendo que toda formação discursiva é constituída por outros discursos. Para Pêcheux, o sujeito se "esquece" e por isso se assujeita, o sujeito elege algumas formas, podendo ocultar outras e o sujeito, por fim, cria uma ilusão de que está dizendo o real. O último momento é marcado pela presença do outro, portanto, pelas várias posições assumidas por um sujeito. Devido a isso, é de grande valia refletirmos sobre a necessidade de buscar no cerne do discurso as marcas de uma ideologia dominante. Como já dissemos, Michel Pêcheux deixou-nos uma grande contribuição no campo de estudos da linguagem e, especialmente, para a constituição da Análise do Discurso enquanto disciplina. Argumentamos que, embora a noção de subjetividade já houvesse sido reincorporada aos estudos linguísticos, foi a partir de Pêcheux que a língua passou a ser analisada numa perspectiva histórica e social. Para construir a noção de discurso, Pêcheux apoia-se criticamente em Saussure, reconhecendo nele o ponto de origem da ciência linguística. Saussure atribui à língua, concebida como um sistema, o estatuto de objeto dos estudos linguísticos, excluindo a fala desse campo. A língua se opõe à fala, sendo a primeira sistêmica e objetiva e a segunda concreta, variável de acordo com cada falante e, por isso, subjetiva. Para Pêcheux, o deslocamento conceitual introduzido por Saussure consiste em separar a homogeneidade cúmplice entre a prática e a teoria da linguagem pois, sendo a língua pensada como um sistema, ela "deixa de ser compreendida como tendo a função de exprimir sentido; ela torna-se um objeto do qual uma ciência pode descrever o funcionamento" (PÊCHEUX, 1988). Pêcheux nota que a oposição língua/fala não poderia se ater ao problema do discurso, mas, para resolvê-lo, ele não procura diluir esta oposição, e, sim, refletir sobre a fala, ponto crucial da oposição menos desenvolvido por Saussure. Pêcheux põe o discurso entre a linguagem ? vista a partir da linguística, do conceito saussuriano de langue ? e a ideologia. Com a Linguística da Enunciação, aumentou o interesse pelo discurso, visto que, colocando a língua em funcionamento, ela a liberta do fechamento e da imobilidade da estrutura, pois, nesse conceito de língua como sistema, os valores são relativos e diferenciais, bloqueando todo o processo de significação. Na Linguística da Enunciação, a linguagem não é um instrumento externo de comunicação e transmissão de informação, mas uma forma de atividade entre os protagonistas do discurso. Na perspectiva de Benveniste, pode-se dizer que, como forma, a língua constitui uma estrutura, mas como funcionamento, a língua se transforma em discurso, que é o fenômeno temporal da troca, do estabelecimento do diálogo, é a manifestação interindividual da enunciação, é o seu produto. Este autor conceitua a enunciação como uma relação do locutor com a língua, apropriando-se dela e colocando-a em funcionamento. O sujeito de Benveniste é, em resumo, um eu que se caracteriza pela sua homegeneidade e unicidade e se constitui na medida em que interage com um tu ? alocutário ? opondo-se ambos à não-pessoa, ele (eu ? tu x ele). (BENVENISTE, 1991) Embora o tu seja complementar e indispensável, na relação é o eu que tem ascendência sobre o tu. Sendo a enunciação o ato individual de colocar a língua em funcionamento, ou de transformá-la em discurso, ela fica, na perspectiva de Benveniste, circunscrita ao espaço do subjetivo e do individual. Esta dimensão individual e subjetiva atribuída ao discurso vai ser contestada pela Análise do Discurso, que tem como objeto o discurso, considerado como uma instância integralmente histórica e social. O quadro epistemológico desenvolvido por Pêcheux apresenta-se como a articulação de três regiões do conhecimento científico: o materialismo histórico como teoria das formações sociais e suas transformações, aí compreendida a teoria das ideologias; a linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo, e a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos. 4.1 A construção da subjetividade No século XX, começou a surgir uma tentativa de valorização da autonomia e de uma subjetividade que unisse ao objeto à ciência. Aparece, assim, na modernidade, a subjetividade como eixo articulador desta, devendo ser entendida como a questão do sujeito numa perspectiva social, cultural e coletiva. O sujeito deixa de ser visto como o indivíduo com determinadas características pessoais e assume o papel do sujeito social, objeto de uma cultura, de um espaço, de um momento histórico-social. A subjetividade, então, vai de encontro a uma noção de sujeito oriundo, hoje de uma sociedade abrangente, competitiva e complexa. Ela se vale do estatuto do indivíduo, mas abre as suas lentes paras as inter-relações sociais que ele mantém com os outros sujeitos. Estamos querendo conhecer esse indivíduo histórico-social, que é também um ser biológico, se constitui através da rede de inter-relações sociais. Cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de inter-relações em movimento. O ser humano desenvolve através dessas relações, um "eu" ou pessoa, no qual o indivíduo se controla pela autoinstrução falada de acordo com sua autoimagem ou imagem de si próprio (BONIN, 1998). O mais significativo para nós, neste momento, está centrado na construção dessa subjetividade, verificando que papel a escola tem a desempenhar para que haja uma coerência e harmonia nas condições promotoras dessa construção. (GRINSPUN, 2004) A subjetividade, no que tange à Educação, precisa ser entendida no foco das dimensões de um novo paradigma que está surgindo nesta pós-modernidade, não apenas no sentido do conhecimento, mas no sentido do aluno/sujeito que está vivendo neste espaço/tempo. Essa nova perspectiva da psicologia precisaria rever seu objeto de estudo, pois como nos diz Gatti, Caberia a uma psicologia da educação tentar clarear as relações entre os fins da educação e o conhecimento que vem das teorias em psicologia, no bojo de um ambiente que contextua esses fins e esse conhecimento, o sistema escola, a escola, a família, uma comunidade...(GATTI, 1998) Essa é a visão que precisamos que ter dessa contemporaneidade: buscar novas perspectivas. Precisamos, hoje, por uma lado, entender essa sociedade contemporânea, com suas transformações, por outro, devemos permitir que os novos olhares surjam a partir dessas novas dimensões científicas em favor da melhoria do sujeito que produz aquele conhecimento. A Educação não se finda no aprendizado de metodologias ou de procedimentos que modifiquem o indivíduo em termos de aquisição de conhecimentos; ela forma o indivíduo enquanto sujeito de sua cultura e da sua história. A nova dimensão, hoje, está no espaço de se garantir ao sujeito a possibilidade de ele participar dessa transformação da sociedade, transformando-se também. Que novo olhar seria esse? Afirma Gatti: O olhar que se preocupa com a pessoa, ou o sujeito (não só no sentido daquele que é submetido a ... mas também daquele que simultaneamente atua) é a perspectiva com que um campo de conhecimento- a Psicologia- pode se apresentar no rol das formas com que nós tentamos compreender o homem e seu mundo, no caso o homem enquanto subjetividade, enquanto consci6encia agindo no e com o mundo. (GATTI, 1998) A Educação precisaria ser vista como um espaço da singularidade que objetiva promover as igualdades das oportunidades e respeitar as diversidades da homogeneidade. É exatamente nessa diferença que entra a subjetividade, a construção de identidades coletivas e individuais que não podem ser vistas como novas bandeiras dos educandos, mas sim como novas perspectivas pedagógicas/sociais emergentes na formação do cidadão. Não pretendemos, aqui, aprofundarmo-nos nessa discussão, apenas levantar o problema que precisa ser discutido por especialistas a fim de proporem soluções para sua resolução. Esta proposta, objetiva, outrossim, o trabalho com a subjetividade do aluno na tarefa de compreender aquilo que lê. 5. A ANÁLISE DO DISCURSO E A LEITURA Em Análise do Discurso discute-se que a prática científica não está segmentada da prática política e vice-versa. Ambas são determinadas pelas condições sócio-históricas e ideológicas de uma dada formação social. Nessa visão, o discurso desses cientistas da linguagem nada mais é do que o discurso do poder impondo metas e objetivos a serem alcançados industrializando a escola, um espaço que deveria ser o da construção de conhecimento. Aos alunos é reservado espaço ainda mais silencioso do que o do professor. Enquanto este ainda é chamado para dar a sua opinião, àquele só resta calar e aceitar. Nos livros didáticos não existe um trabalho que promova a construção de sentidos pelo aluno, cuja história de leituras é apagada pelo silêncio do tratamento dado ao texto que não possibilita a exploração das significações possíveis para a construção do sentido dos textos, como uma produção sociocultural. Isso quer dizer que os textos são retirados de sua esfera de produção/circulação/recepção de origem e postos em uma outra situação de produção, em uma esfera que tem fim específico de ensino de um item escolar, seja um conhecimento, seja uma capacidade leitora, seja uma prática letrada. O estudo da língua restringe-se, muitas vezes, ao estudo da gramática normativa. O ensino da língua, nesses termos, limita-se ao reconhecimento, à transmissão ao aluno de um conhecimento que foi construído por alguém e que não está ali para ser modificado, mas para ser assimilado como autoridade que é. Então, como exigir dos alunos a capacidade leitora em "analisar, raciocinar e refletir ativamente sobre seus conhecimentos e experiências, enfocando competências que serão relevantes para suas vidas futuras", ou que "demonstrem habilidades de leitura de textos argumentativos mais complexos, relacionem tese e argumentos em textos longos, estabeleçam relação de causa e consequência, identifiquem efeitos de ironia ou humor em textos variados, efeitos de sentidos decorrentes do uso de uma palavra, expressão e da pontuação, além de reconhecerem marcas lingüísticas do código de um grupo social"? Isso é o que se espera de alunos candidatos a exames de seleção a cursos superiores, bem como são pressupostos exigidos para a conclusão do curso regular de Ensino Médio. Por outro lado, em sala de aula, o material usado não aborda nenhum desses pressupostos. Se na escola o aluno é levado a apagar a sua constituição leitora, pois em nenhum momento é requisitada? Se a voz do professor é apagada da cena político-educacional, alijado de atuar ativamente nas decisões que concernem ao ensino: quantos professores foram ouvidos sobre os PCNs , quantas e quais sugestões deles foram levadas em consideração? Estes dados não são disponibilizados. A introdução do livro didático no Ensino Médio se deu sem que os professores fossem consultados sobre a sua real necessidade, relevância, nem opções são oferecidas em lugar desse recurso. Aos professores restou adotar o livro e usá-lo da melhor forma possível. Existem outras variantes nesse cenário que devem ser levadas em consideração para a compreensão da situação leitora dos alunos. Assim, este trabalho objetiva não só apresentar propostas de inclusão de teorias discursivas nas aulas de Língua Portuguesa do Ensino Médio, mas também mostrar como isso pode se dar por meio dos livros didáticos, principais fontes de consultas e atividades desses alunos. 6. ANÁLISE DO DISCURSO: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO Os conceitos teóricos trabalhados até aqui servirão para dar uma certa segurança ao que for proposto a partir de agora. Marcaremos um roteiro e proporemos uma metodologia que operacionalize esses conceitos dos quais alunos e professores do Ensino Médio possam se beneficiar para sanar, totalmente ou em parte, as dificuldades encontradas nos trabalhos com textos em sala de aula. No entanto, é necessário deixar claro que se trata de uma metodologia, por isso é preciso salientar que a Análise do Discurso não trabalha com a ideia de uma única metodologia, também não se deve entender que se possa dispensar o rigor da sistematização. A questão é se tudo é Análise do Discurso e se tudo vale como metodologia. Por isso, tal proposta revelará diferenças em relação a outras abordagens e a outras concepções. Isso, obviamente, não quer dizer que esta proposta deva ser cristalizada e uniformizada, já que, pelo que foi apresentado como conceitos teóricos, deduz-se que isso não seja possível. Esta proposta parte de um embasamento teórico que precisa resultar em operações sistematizadas, por isso é preciso que o analista do discurso sequencie corretamente as etapas de abordagem para tornar seu trabalho produtivo em sala de aula. È preciso ressaltar, ainda, que a proposta descarta o antissubjetivismo defendido pelos principais teóricos da disciplina, já que, de certa forma, perde sua postura dialética. Isso lembra que a Análise do Discurso não pode dispensar as aquisições e os estudos de diferentes campos porque a compreensão das condições de produção do discurso inclui, além da dimensão sócio-histórica, a observação das especificidades da língua e do texto, dos atos de fala e dos rituais culturais. A partir dessa dimensão dialógica, daremos lugar à polifonia que, por sua vez, deverá servir de referência a cada etapa da análise textual. E, ao orientar-se pela dimensão polifônica do discurso, a Análise do Discurso é coerente com a ideia de que as apropriações e as enunciações dos sujeitos são atividades mediadoras da reprodução e da transformação da generidade humana, isto é, o que se entende por reprodução corresponde à apropriação das vozes ou enunciados dos outros, enquanto a transformação pode ser observada na enunciação, pois ela revela como os ditos dos outros foram incorporados pelo sujeito. Voese nos mostra que isso ocorre de duas maneiras: 1. as apropriações de recursos da língua, de regras interativas e de determinações históricas precisam ser descritas e avaliadas quanto ao que significam como resultado e possibilidade da reprodução e da transformação social; 2. as enunciações, por sua vez, deverão ser observadas como resultado do modo como essa apropriação foi feita, o que significa buscar localizar nelas marcas ou pistas tanto da manutenção como da superação do instituído, ou seja, pistas da relação entre o instituído social e as atividades dos indivíduos em interação. (VOESE, 2004, p. 107) No entanto, é preciso considerar que as apropriações se referem a sentidos genéricos, por isso devem ser consideradas vagas, limitadas, imprecisas e difusas e que, no máximo, podem apenas sugerir pistas ao receptor. Essas pistas, portanto, devem ser vistas como um tipo de leitura que não é verdadeira e única, porque negaria uma das funções da língua, mas precisa ser argumentada e justificada. A análise textual também deve levar em consideração que as apropriações se dão em dois níveis: o mediato e o imediato. Este se refere à relação do enunciante com o outro em sua imediaticidade, por isso interessa observar o que este disse e o que não disse. Mas é sobre o mediato que a Análise do Discurso deve operar, pois leva a ângulos mais amplos, referindo-se à generidade humana e às ações do sujeito para reproduzi-la ou superá-la. Assim, torna-se possível saber como o sujeito reage às manifestações externas, como a violência, a marginalização, a exclusão, a mentira etc. Bakhtin (2003) afirma que "o querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso" que é um modelo padrão da construção do sentido de um todo verbal, isto é, o modo de enunciação remete ao lugar de enunciação. Sobre isso, Voese afirma que: Desse modo, considerar-se-á que se inscrevem, no objeto, marcas tanto da atividade do enunciante, como das determinações do gênero humano, o que quer dizer que o indivíduo se constitui sujeito na relação dialógica com os outros, ou seja, ele não se individua sem as apropriações e as enunciações de seus interlocutores: o enunciado liga-se, sempre, tanto a enunciados que o precederam, como aos que responsivamente poderão sucedê-lo. (VOESE, 2004, p. 109) Nota-se que fica claro que um enunciado, tido aqui como um texto verbal, pode depreender diversas compreensões, que interdependem do tempo e das condições em que foi produzido, bem como do receptor e de seu conhecimento de mundo. Esse aspecto nos parece dificultar, em termos, o trabalho do professor enquanto analista de discurso em sala de aula, mas, por outro lado, possibilita ao aluno ter essas múltiplas visões de ideologias e contextos históricos presentes nesse tipo de texto, o que, facilmente, levá-lo-ia a um domínio mais amplo e significativo dessa habilidade. Por outro lado, a noção de dialogia vai influir no modo de abordar o objeto em termos de estabelecer que todo discurso tem uma "entrada" que cabe ao analista localizar, isso quer dizer que o analista deve ter cuidado ao indicar o lugar de onde vai fazer a leitura do que foi enunciado. Isso não quer dizer que só exista uma "entrada", o sujeito-leitor deve ter consciência de que pode encontrar outras "entradas" e realizar leituras e compreensões diferenciadas. Assim, é possível perceber a importância da noção de dialogia para a Análise do Discurso. O sujeito-analista não pode prescindir do outro, sem o que não há compreensão. As noções de subjetividade e de dialogia, aqui já trabalhadas, devem alinhar-se com as noções de movimento e de processo histórico do gênero humano e, por isso, deve-se incluir a observação de pistas do conflito social e de ideologia. Um enunciante, ao enunciar, avalia seu enunciado quanto aos efeitos que poderá provocar em suas relações dialógicas, por isso ele se torna incontrolavelmente repetitivo. Essa redundância, originária desse processo, acaba se configurando em uma das consequências da aplicação dos conceitos teóricos vistos até aqui. Essa repetição se dá por meio da mediação, ou seja, o enunciante, ao entrar em processo dialógico, torna-se repetitivo, quer no uso dos recursos expressivos, quer na apropriação de vozes de outros indivíduos. 6.1 O processo de análise discursiva A Análise do Discurso parte do pressuposto de que a compreensão de um texto se inicia pela escolha da "entrada" apropriada. Uma vez definida, o analista passa a descrever o dito, observando o jogo de associações e de rejeições semânticas que se constroem, primeiro porque, como dissemos, ocorre uma redundância que marca a ação de apropriação e de subjetivação do enunciante; segundo porque há a presença de diferentes vozes que o enunciante traz para dentro de seu texto. Uma vez estabelecido que o texto diz isto e não aquilo, o analista passa a localizar as pistas que se referem às regras interativas e às determinações sociais que passam a contextualizar o dito, que são consideradas como elementos extralinguísticos. Assim, é o dito que interessa em um primeiro momento. Essa leitura deve ter o cuidado de não ir além nem aquém do que há de informações nas expressões linguísticas utilizadas pelo enunciante, pois isso prejudicaria o próximo passo, quando deverão ser colocados os procedimentos que levem o analista a sair do texto para o que se poderia chamar de contexto. Como já foi observado, o próximo passo é sair do texto. Essa saída, que não deve ser equivocada, pode se beneficiar da noção de dialogia, pois a operacionalização desse conceito permite ultrapassar a descrição e a interpretação textual, alcançando, assim, sua compreensão. Nota-se que a Análise do Discurso se preocupa com o compreensível e não com o inteligível muito menos com o interpretável. O compreensível ocorre quando o analista define os motivos que levaram o autor a dizer aquilo, e isso não está no texto: é o contexto de significação. Em outras palavras, cabe ao analista, a partir desse ponto, identificar as condições de produção do texto, associando-o aos dois pontos importantes dessa disciplina: a ideologia e o contexto histórico-social. A partir de então, o analista passa a construir dois pares de procedimentos de análise: o primeiro em relação ao dito, localizando diferenças e contradições do texto em relação ao que outros dizem sobre o mesmo tema; e o segundo em relação ao modo de dizer, descrevendo pistas da polifonia discursiva, interpretando as escolhas do enunciante e analisando a discursividade do texto, o que envolve justificar as descrições e as interpretações realizadas. (VOESE, 2004) Feito isso, é o momento de o analista, após saber que o enunciante disse isso e não aquilo, dirige-se ao modo de enunciação, ou seja, analisar como o dito foi dito. Nesse momento, a atividade de análise deve dar conta tanto das escolhas de gênero e dos recursos da língua, como das singularizações que a objetivação pode representar diante das diferentes esferas da realidade social. Após descrever o que se diz em relação a determinado tema, a análise abordará o modo de dizer isso, tomando como referência o fato de que os indivíduos dos grupos sociais fazem acordos para fixar um modelo de enunciação e o fazem dentro de um universo semântico preestabelecido. Assim, o analista tem que construir relações pertinentes entre o dito e o modo como o dito foi dito, retirando delas as respostas para os motivos por que o dito foi dito do modo como foi. Em outras palavras, considerando-se que cada segmento social estabelece um modo de dizer, faz-se necessário que cada membro desse grupo se aproprie desse modo de dizer para poder participar do referido grupo. Essas escolhas do enunciante aparecem em forma de pistas de sua dada esfera social, quando são operacionalizadas as noções de gênero discursivo, variedade linguistica, sintaxe, modalização e operadores argumentativos. É isso que acontece no discurso: o jogo de associações e rejeições semânticas, o modo de enunciar e a presença da redundância são as pistas que apontam para os processos dialógicos por meio dos quais o enunciante, em determinada época e circunstância e de um determinado grupo social, procura mediar suas relações com o outro. A forma de discursividade (ou a discursividade do texto) poderá, portanto, ser analisada tomando como referência o tema e o modo de enunciação já descritos, quando a atenção se volta a observar o lugar social, a época e as circunstâncias históricas de enunciação. Isto é: a descrição do tema e do modo de enunciação permite interpretações que podem conduzir, finalmente, à compreensão do texto. (VOESE, 2004, p. 113) Podemos, então, elencar as atividades do analista do discurso ao analisar um texto: ? Perceber a relação entre língua e discurso; ? Localizar a "entrada" do texto; ? Tratar da relação entre o texto e o discurso; ? Analisar o sujeito interpelado pela ideologia; ? Analisar a materialidade linguística; ? Observar a construção do texto quando à sintaxe; ? Citar trechos do texto que justifiquem sua análise; ? Conhecer o autor literário; ? Identificar a formação discursiva; ? Explicitar a posição ideológica do autor; ? Identificar as condições de produção do texto; ? Reconhecer as pistas que apontam para o processo dialógico; ? Sair do texto, buscando o contexto; ? Mostrar as noções de sujeito e de ideologia. Portanto, a Análise do Discurso aqui proposta diz respeito, em primeiro lugar, à descrição do dito e dos silenciamentos e das escolhas dos modos de dizer, ou seja, explicita-se que o sujeito-autor disse isso e silenciou aquilo, disse assim e não de outro modo. Em segundo lugar, para compreender por que o dito foi dito assim, a análise localiza o lugar social e as determinações históricas que constituem o contexto mediato. 6.2 Uma análise textual como exemplo Para exemplificar tudo o que foi exposto até aqui, vamos fazer uma análise textual seguindo o roteiro proposto. Evidentemente, essa análise deve ser entendida como o início de um caminhar em que, talvez, ainda se descubram muitas dúvidas e apenas poucas certezas. Escolhemos um poema selecionado da obra Anel de vidro de Vicente Guimarães (s.d.) . Obviamente, a aplicabilidade desta análise às aulas de Língua Portuguesa só poderá ser testada uma vez feitas as necessárias adaptações didático-pedagógicas. O texto: O trabalho Quem não trabalha é vadio. É malandro, é preguiçoso. Torna-se um ser doentio E, por vezes, perigoso. O trabalho é uma beleza. É, na vida, uma ventura: Ele afugenta a pobreza Dá-nos conforto e fartura. O trabalho é um dever Que temos nós todo dia; Porém, será um prazer, Quando feito com alegria. (GUIMARÃES, s.d.) 6.2.1 O dito: o que diz o enunciante do tema? O poema tem como tema o trabalho. Podemos, inicialmente, organizar um jogo de associações e rejeições semânticas da seguinte forma: 1. "Trabalho" se associa à ideia de dever, que remete às ideias de beleza, alegria, prazer, ventura, conforto e fartura; 2. As ideias de "vadio", "malandro", "preguiçoso", "doentio", "perigoso" e "pobreza" formam uma associação que rejeita a ideia anterior; 3. O termo-chave do texto é "dever": é preciso cumpri-lo para ser bem-sucedido na vida; 4. Há várias paráfrases que explicitam a noção de "trabalho": o trabalho é uma beleza, é um dever, é um prazer, afugenta a pobreza, é o que dá conforto e fartura, por outro lado há outras que rejeitam essas ideias: quem não trabalha é "vadio, malandro, preguiçoso, doentio e perigoso". Assim, numa leitura constrativa, nota-se que o enunciante diz isso e não aquilo, e se apoia num jogo de associações e rejeições, além das paráfrases. Basicamente, o que está dito baseia-se em três ideias genéricas: o trabalho é um dever, esse dever produz riqueza e essa riqueza traz felicidade. 6.2.2 O não-dito: o que silencia o enunciante? Segundo Bakhtin (2003), a dimensão dialógica explica que o texto não tem apenas vínculos com outros que concordam com o que seu autor diz, mas também com aqueles que se opõem ao dito. Por isso, a Análise do Discurso propõe-se a uma intertextualidade que deve revelar diferenças que serão tratadas como silenciamentos. Essa intertextualidade tem o objetivo de caracterizar diferentes modos de compreender um tema ? nesse caso, o trabalho ? orientado por sistemas de referência cujas diferenças se originam na heterogeneidade sociolinguística. (VOESE, 2004) Uma intertextualidade entre os recortes do texto em análise com os de outros textos, como por exemplo noticiários de jornais e revistas ou mesmo livros teóricos, deverá não só confirmar os resultados da análise feita até aqui, mas também apontar silenciamentos que, por sua vez, num movimento de retorno ao texto, poderão esclarecer certas questões que ainda permanecem sem resposta. Assim, podemos remeter cada uma das estrofes do poema a recortes de outros textos teóricos. Por exemplo, a primeira estrofe pode remeter a Um desempregado, hoje, não é mais objeto de uma marginalização provisória, ocasional, que atinge apenas alguns setores; agora, ele está às voltas com uma implosão geral, com um fenômeno comparável a tempestades, ciclones e tornados, que não visam a ninguém em particular, mas aos quais ninguém pode resistir. Ele é objeto de ma lógica planetária que supõe a supressão daquilo que se chama trabalho; vale dizer, empregos. (FORRESTER, 1997) O ponto crucial é que o fato de a nova e fantástica base técnica, potenciadora das forças produtivas, dar-se sob relações de exclusões sociais, ao contrário de liberar tempo livre enquanto mundo da liberdade, produz tempo de tensão, sofrimento, preocupação e flagelo do desemprego estrutural e subemprego. (FRIGOTTO, 2000) Essa intertextualidade, entre outras, permite alistar alguns silenciamentos, como: quem não trabalha pode estar impedido por razões que fogem à sua decisão; quem não trabalha não se torna necessariamente doentio, que o desemprego é mais culpa de um sistema do que do próprio desempregado; quem não trabalha só é nocivo à sociedade porque não dá lucro a quem o emprega e responsabilizar apenas o indivíduo que não trabalha é uma forma de esconder e de mascarar a crueldade de um sistema social. Já a segunda estrofe pode ser associada aos seguintes recortes intertextuais: É fato sabido que a escola, qualquer que seja o aspecto e o conteúdo que assuma, permanece o lugar da formação das jovens gerações pertencentes à classe dominante e que as classes subalternas a ignoram. (MANACORDA, 2000) Como resultante da forma de trabalho na sociedade capitalista tem-se a desrealização do ser social. O resultado do processo do trabalho, o produto, aparece junto ao trabalhador como um ser alheio, como algo alheio e estranho ao produtor e que se tornou coisa. (ANTUNES, 2000) Os principais silenciamentos que podem ser retirados são: que o trabalho nem sempre, ou quase nunca, é uma "ventura"; que há pessoas que não trabalham, mas têm fartura e riqueza; que da fartura e da riqueza se beneficiam aqueles que se valem do trabalho de outros e que o sistema tem como lógica gerar riqueza para poucos. E, por fim, à terceira estrofe podemos associar os seguintes recortes: Pela primeira vez, a massa humana não é mais necessária materialmente, e menos ainda economicamente, para o pequeno número que detém os poderes e para o qual as vidas humanas que evoluem fora de seu círculo íntimo só têm interesse, ou mesmo existência ? isso se percebe cada dia mais ? de um ponto de vista utilitário. (FORRESTER, 1997) Isso ainda pode ser observado em muitas indústrias atuais, onde a função do operário reduziu-se ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade de produção. Tudo transcorre sem que o operário tenha comando sobre o resultado final do seu trabalho nem controle algum sobre a finalidade do que fabrica. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, o trabalhador produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas atividades. (COTRIM, 2000) Neste caso, podemos indicar os seguintes silenciamentos: que diferentes tipos de trabalho são valorizados diferentemente; que trabalhar todo dia significa não ter o direito ao descanso nem ao lazer; que o trabalho de um operário tornou-se monótono e entendiante; que o trabalhador é, na maioria das vezes, explorado; e que o trabalho tornou-se sinônimo de desprazer e de sofrimento. Podemos, então, afirmar que o poema em análise, observadas as intertextualidades, silencia a responsabilidade do sistema social pelas mazelas do desemprego e da exploração do trabalho humano, da subvalorização de determinadas atividades, do desprazer e do sofrimento de alguns tipos de trabalho, da negação ao lazer entre outros. Isso abre a possibilidade de se falar em contradições, ou seja, entre o que está dito e o que os outros dizem, o que revela o conflito social. 6.2.3 O modo de enunciação: como atua o enunciante? Podemos observar, no poema, as seguintes escolhas do autor quanto ao modo de enunciação: 1. Expressões como "vadio", "doentio", "perigoso", "conforto e fartura", "prazer" e "alegria" revelam vozes de diferentes segmentos sociais que podem pertencer a grupos como médicos, psicólogos, sociólogos, economistas entre outros; 2. O texto é um poema, cuja estrutura e rimas são simples, por isso fácil de memorizar, o gênero escolhido é o literário; 3. As escolhas lexicais, tanto na condenação de quem não trabalha (vadio, malandro, preguiçoso, doentio, perigoso) quanto nas que valorizam o trabalho (beleza, ventura, afugenta a pobreza, conforto, fartura) formam imagens muito fortes, o que deve ser considerado como pistas de que o autor se empenha em controlar e fechar as possibilidades do que o texto pode produzir em termos de sentido; 4. O emprego do verbo "ser" no presente e no futuro do presente reforça a pista de que o autor tenta fechar as possibilidades da contradição, indicando uma adesão máxima do locutor a seu enunciado; 5. Somente uma vez as escolhas lexicais recebem um modalizador que reduz o empenho argumentativo: "por vezes"; 6. No momento do texto em que "trabalho" poderia remeter à ideia não muito agradável (terceira estrofe), o autor recorre ao operador argumentativo "porém", que, ao destacar "prazer", ameniza "dever de todo dia". No entanto, ao usar "quando", o enunciante constrói uma argumentação em que impõe uma condição: fazer com alegria; 7. O texto é sucinto e parece ser claro e convincente na abordagem de um tema importante não só para o indivíduo que se prepara para a vida, mas também para todos os que convivem com os problemas e com as dificuldades da atual situação social; 8. O modo de enunciação não contradiz certas regras interativas formuladas pela teoria dos Atos da Fala: é relevante, claro e sucinto e pode ser entendido como verdadeiro, já que as três ideias principais do texto são justificáveis, por pertencerem ao instituído social. Houve, pois, escolhas que podem ser justificadas, porque se baseiam em valores que circulam pela sociedade, ou seja, o dito faz parte de um discurso social sobre o trabalho, o que permite afirmar que o autor foi sincero; 9. A estrutura sintática do poema é simples e privilegia o arranjo de frases nominais curtas. A ordem dos termos é direta, o que facilita a compreensão; 10. O texto, quando constrói afirmações elogiosas ao trabalho e acena para o atendimento de expectativas de maior parte da população, assume as formas de um discurso sedutor que se estrutura dentro da seguinte sequenciação: o autor condena quem não trabalha, elogia o trabalho e promete riqueza a quem tiver um emprego, atuando sobre os desejos e expectativas das pessoas, em especial às que enfrentam dificuldades financeiras. 6.2.4 Por que o autor diz o que diz do modo como diz? A análise permite afirmar que o autor preocupou-se em construir o tema utilizando-se de uma linguagem simples e "fechada", não abrindo outras possibilidades de interpretação, pois o seu objetivo é de conseguir a rápida adesão de seu interlocutor. Ao optar por itens lexicais que se colocam no topo da escalaridade da língua e por modalizações que não permitem a possibilidade de discordância, o autor mostra claramente sua intenção: não abrir espaço para a discussão, ou seja, impedir o diálogo. Por isso, pode-se afirmar que a sua postura é dogmática. Isso não retira, no entanto, o caráter dialógico do seu texto, pois, uma vez publicado, por mais dogmático que seja, o produto do autor foge a seu controle, perde-se na imprevisibilidade dos efeitos e pode provocar a discordância. O dito, os silenciamentos e o modo de enunciar apontam para o lugar social que o autor ocupa (ou pensa ocupar). A etapa da análise prevê, neste momento, a tarefa de localizar as relações do autor com outros indivíduos do grupo que lhe deem o aval para o que disse do modo como disse. Assim, temos, no poema, pistas que sugerem que: 1. O autor do texto é um adulto que se dirige, num livro, a crianças. Isso permite afirmar que o autor ocupa ? ou acha que ocupa ? um lugar social privilegiado e que lhe oferece condições de apropriação de certos instrumentos culturais de prestigiamento, os quais ele usa como apoio ao discurso dogmático, ou seja, o lugar social possibilita ao autor o acesso ao prestígio da escrita, do livro, do gênero discursivo e do discurso em tom professoral; 2. O autor manifesta, ainda, ter feito a apropriação de determinado gênero de discurso educacional ? o autoritário ? em que se estabelece que alguém sabe e outro não, isto é, o primeiro tem o direito e o dever de fazer o segundo aceitar, como se fosse um depósito bancário, aquilo que lhe parece ser a única coisa importante reproduzir e/ou transformar. Nota-se, assim, que fica exposta a dimensão polifônica do discurso e os enunciados de outros sujeitos são incorporados ao texto, o que garante, de certa forma, um aval, porque, sem essa incorporação, o texto teria menores condições de produzir os efeitos desejados. Assim, o autor apropriou-se de um modelo de dizer que tem origem em determinado lugar social para o qual selecionou, como recurso, a estratégia da sedução. E seduzir alguém deve ser entendido como uma estratégia discursiva que nega a máxima da sinceridade, pois o autor finge atender aos desejos do indivíduo a ser seduzido para iludi-lo e submetê-lo. Feita a sedução, o autor pode fazer as imposições ("é um dever... feito com alegria") que lhe parecem mais apropriadas. 6.2.5 A compreensão da discursividade Considerando-se a análise feita até aqui, é possível levantar algumas questões que determinam as possibilidades e os modos de enunciação e que merecem ser discutidas dentro de um contexto mais amplo. Assim, por que o autor escreveu um poema sobre o tema do modo como escreveu, recorrendo à sedução e radicalizando o elogio indiscriminado ao trabalho e afirmando que ele produz riqueza e que traz a felicidade? A análise oferece elementos suficientes para afirmar que o texto reflete uma concepção de educação para o trabalho de modo que se reproduzam ideias e concepções como: o trabalho é sempre um dever, a criança deve ser educada para o trabalho e para o consumo e a possibilidade de consumir é o caminho para a felicidade. Ao dirigir-se a crianças, o autor, num processo de refração, faz do texto a mediação de objetivos educacionais que se alinham com um determinado processo de socialização. Por isso, podemos afirmar que o texto tem marcas do projeto social de um determinado grupo social e que considera válida uma lógica para o processo de educação para o trabalho, que poderia ser escrito assim: O adulto, quando quiser educar a criança, o faz com o objetivo de que ela possa se apropriar do modelo de sociedade atual, por isso deve descrever o trabalho sempre como uma prática positiva, já que a criança, ao acreditar que qualquer trabalho produz riqueza que traz a felicidade, torna-se obediente e dócil e aceitará, com certeza, qualquer tipo de trabalho no futuro. Portanto, o educador deve recorrer a modos de enunciação como ser simples e objetivo, autoritário, disciplinador, sedutor e dogmático. Por outro lado, essa criança leitora não tem acesso ao que se inscreve no texto como reflexo da realidade social, então não será capaz de atuar, como refração, sobre essa realidade. Em outras palavras, ela não terá acesso aos silenciamentos propostos nesta análise, o que mostra a importância desses silenciamentos. Tomando-os como tentativas de apagamento de vozes, eles podem ser considerados pistas de uma ação ideológica que procura aceitar um determinado projeto social. Ou seja, os silenciamentos são pistas de uma tentativa de acomodamento do que é heterogêneo por meio da reprodução de uma hierarquia social. Assim, ao tentarmos compreender a discursividade do texto, podemos fazer várias considerações sobre o autor e seus diferentes recursos linguísticos, discursivos e institucionais, a saber: a) deixa explícito que apenas o indivíduo é responsável pelo seu sucesso profissional; b) procura impor, por meio do autoritarismo, uma ideia de trabalho, não permitindo o diálogo; c) constrói falsas generalizações quando se refere ao trabalho; d) seduz pela promessa enganosa de felicidade; e) procura apagar o conflito que o não-dito poderia provocar; f) vale-se do prestígio de certos modos de enunciação para reproduzir e fortalecer uma proposta de educação; g) mistifica a relação de trabalho e felicidade; h) trabalho é parafraseado como sinônimo de beleza e ventura e possibilita uma situação material confortável; i) quem não trabalha não tem conforto nem riqueza e é considerado doentio e perigoso; j) a culpa pela miséria do indivíduo é dele mesmo; k) o tom dogmático deixa a entender que o autor não está aberto a contra-argumentações; l) o homem precisa ser seduzido e preparado para servir ao sistema, ou seja, ele precisa se ajustar às convenções sociais e habituar-se ao consumismo; m) ele precisa aceitar o trabalho como forma de ter acesso à riqueza e ao consumo e não como forma de se desenvolver como pessoa; n) ele não deve ser educado para ter consciência de sua capacidade de concordar ou de discordar, mas sim de ter competência para a geração de lucros; o) o grau de consciência do indivíduo não deve ultrapassar a dimensão da sobrevivência que caracteriza o cotidiano. Em resumo, a análise das pistas permite estabelecer algumas características básicas da atividade do enunciante e da formação social em que o texto circula. É óbvio, outrossim, que a análise de apenas um texto não possibilita revelar as características da formação social na sua totalidade, entretanto ficam sinalizados, como pistas, o autoritarismo, o conflito social, a sedução de uma sociedade consumista, o predomínio do ter sobre o ser e a tentativa de educar o ser humano para ser submisso e aceitar aquilo que as regras sociais lhe impõem. Fica evidente que o autor apropriou-se de um discurso sobre o trabalho que pode ser considerado estranho à dignidade do homem e, ao enunciar de forma dogmática, o autor fecha os espaços para a atividade argumentativa do interlocutor. Mesmo no caso de enunciados dogmáticos, a natureza dialógica do discurso se opõe a esse fechamento em relação a juízos de valor e impede a homogeneidade pretendida pelo monólogo do autor. Isso quer dizer que, ao conceber a objetivação do autor desse texto como um ato de refração, a atividade do interlocutor pode se multiplicar em outros atos significativos, podendo ele, o interlocutor, concordar ou discordar do enunciante. No entanto, é notório que o enunciado recebe outras "cores" enquanto ato ideologicamente marcado, de modo que diferentes interlocutores poderiam atuar na divergência ao autor, já que este pode educar ou deseducar, disciplinar ou domesticar, orientar ou enganar, esclarecer ou mistificar. Portanto, a dimensão dialógica do discurso explica que, em textos "fechados" e dogmáticos, não aparecem apenas a reprodução e a consolidação de um instituído social, mas também a possibilidade de mediação da transformação que o enunciado possibilita ao seu interlocutor. Assim, pudemos mostrar como se processa uma análise discursiva no âmbito como é proposta, valendo lembrar que essa atividade demanda um trabalho árduo e responsável por parte do professor que, ao estimular seu aluno, desenvolve nele uma habilidade fundamental para o exercício de sua cidadania. 7. A ANÁLISE DO DISCURSO E O ENSINO Não é de agora que o ensino de português vem sendo discutido por docentes e acadêmicos. Nessa discussão, em que se questiona a intervenção de novidades teóricas e metodológicas mal-aproveitadas em sua maioria, acaba-se por supervalorizar a gramática, ou seja, a nomenclatura gramatical, tornando-a a maior responsável pelo fracasso escolar no que se refere à propagação de um domínio eficiente da língua portuguesa e de sua potencialidade expressivo-comunicativa. Da ineficiência da aprendizagem da língua decorre o baixo rendimento nas demais disciplinas. Assim, considera-se que a assimilação dos conteúdos em geral depende da competência de leitura e de expressão escrita do estudante. Diante disso, esta proposta leva a uma prática diferenciada e pretende contribuir para melhorar os resultados das aulas de Língua Portuguesa e, por extensão, do ensino em geral. Para isso, é necessário reconstruir a reflexão sobre os conceitos apresentados, reavaliando a situação atual do ensino. Ou seja, é necessário observar as funções que a escola assume e reconhecer que, quando ela garante que prepara o indivíduo para a vida, verificar se isso realmente tem ocorrido. Isso pode ser ilustrado com dois exemplos. O primeiro é uma notícia publicada recentemente no jornal Zero Hora. O próprio título chama a atenção porque retoma um fato, reconhecido como "problema" a resolver, apesar das reiteradas políticas públicas. "A alfabetização continua um problema", é o título. A "língua culta", cujo acesso depende da leitura e escrita alfabética, não pode fazer parte dos "acontecimentos discursivos" para a parcela da população que não se alfabetiza. Assim, esses sujeitos continuam a viver sem o diferencial oferecido pela alfabetização, seu processo de letramento é prejudicado e o acesso às formas discursivas legitimadas socialmente que exigem a leitura e a escrita alfabética e ortográfica não se dá. Porém, eles também se inscrevem em discursos que se manifestam através da língua oral. É na modalidade oral que se materializam os acontecimentos discursivos nesse caso. Outro exemplo é o de uma professora da terceira série do Ensino Fundamental, que relatou, recentemente, um fato bastante ilustrativo sobre o uso das formas verbais por seus alunos. Na volta do recreio, após disputado jogo de futebol, os meninos que ganharam a partida, muito animados, se dirigiam a todos e, principalmente, aos colegas do time adversário, alvo de suas zombarias, bradando: "ganhemu, ganhemu, nóis ganhemu!" Como constatou a professora, essas formas se repetiam, junto com a barulheira das crianças sempre que voltavam do pátio, apesar de sua insistência em explicar, imediatamente às manifestações de "ganhemu", que a forma certa do pretérito do indicativo é ganhamos. Ela refletiu, no entanto, que o fato relatado não impedia que os alunos usassem a forma correta nos exercícios e redações solicitados. Interessante, pois: os alunos sabem fazer distinção entre duas formas de usar os verbos: nas práticas da vida "real", vale a forma verbal "ganhemu", já no discurso pedagógico em que ocupam a posição de alunos, vale "ganhamos"! Eles não preencheriam a lacuna no exercício escolar com a forma "nóis ganhemu", assim como "nós ganhamos" soaria artificial numa comunicação espontânea entre parceiros de um jogo. A questão é: como compatibilizar conteúdos curriculares e autoria dos alunos e do professor? Como fazer com que esses pré-construídos dos diferentes campos de conhecimento ? discursos dos outros ? façam sentido para os estudantes que se deparam com eles? De que modo os discursos dos outros passam a ser internalizados pelos sujeitos, professor e alunos, como seus próprios sentidos? A escola é o lugar por excelência de manifestação de práticas discursivas escolarizadas. A sociedade legitimou essa instituição para tratar da educação sistematizada e hierarquizada. A preocupação com a língua, como apontou Geraldi (1996), sempre foi uma constante na história da educação. Na instituição escola, desenvolvem-se práticas discursivas que são protagonizadas por sujeitos, tendo como um objetivo primordial a conservação do acervo de conhecimentos. Esses conhecimentos, que fazem parte dos currículos, ali constam porque já sofreram um processo de validação, o que significa que sempre existem conhecimentos excluídos desse conjunto. Estes não serão transmitidos e conservados, pertencem a culturas negadas ou dominadas. É preciso refletir sobre a relevância dos conteúdos que ensinamos. (MUTTI, 2009) Os textos carregam discursos que são movimentados a cada leitura do aluno, de forma que o sentido original se reformula, adquirindo uma nova versão; cada leitura é diferente, e não pode o professor impor simplesmente a sua interpretação ao aluno. Mas não é qualquer interpretação que vale, há sempre coerções quanto ao gênero, ao local, enfim, regras de uso e direções para a interpretação do sujeito. Nessa interlocução entre leitores e produtores de textos em situações reais de comunicação, encontra-se espaço para a reflexão sobre língua e discurso como trabalho dos sujeitos. O trabalho de reescrita ganha espaço, para promover ajustes quanto às dimensões textual e frasal. A originalidade se coloca no desafio de atender à forma textual posta em prática, respeitando-se as escolhas linguísticas de cada um, em atendimento à funcionalidade que o uso exige. Com a progressiva prática, esses procedimentos passam a ser naturais. A leitura, a produção do texto, a reflexão gramatical se tornam objetivos, por um lado, de um projeto visando ao uso da língua em situações "reais" de interlocução, bem como, também atendem ao objetivo específico de aprender. Exercícios gramaticais para sistematização e reforço da aprendizagem, nunca exclusivos ou sem relação alguma com o projeto, são válidos, em função do propósito de desenvolver a competência pela competência. (JOLIBERT, 1994). Orlandi (2001) faz algumas reflexões sobre a delegação hoje feita à escola de "formar o cidadão", ignorando que essa condição já é dada no estatuto da República. A escola tem assim que ?criar? a cidadania, fabricar a imagem da cidadania, colocando-a como um objeto, um fim desejado, ainda sempre não alcançado. Assim, a busca de uma designação para o "cidadão" a partir da escola condiz com a dimensão do político a ser desenvolvida no dia-a dia da sala de aula, representando um objetivo do ensino de língua; significa ênfase à interlocução pedagógica que favorece a manifestação da autoria. Ao propor uma teoria do discurso como um tipo de mediação de uma prática pedagógica libertadora, a questão fundamental parece referir-se às condições de apropriação que podem ser construídas para que, junto com o professor, o aluno possa encontrar na sua atividade a oportunidade e as mediações para viabilizar sua inserção no meio social. Para tanto, podemos, brevemente, elencar algumas contribuições de tal teoria para seu objetivo final, aqui proposto: (VOESE, 2004) 1. A aula de Língua Portuguesa pode construir, a partir da noção de discurso, que os enunciados não ocorrem sempre ligados a experiências e a situações que são históricas, são acontecimentos, o que implica ter que atuar com conceitos não-espontâneos; 2. A compreensão da relação de discurso, conflito e ideologia; 3. A compreensão do desenvolvimento histórico do gênero humano; 4. O reconhecimento de certas "armadilhas" ideológicas em determinadas estratégias discursivas; 5. O reconhecimento da importância da dimensão sociopolítica do caráter dialógico do discurso; 6. A importância da intertextualidade, da leitura e da pesquisa na construção da individualidade; 7. O entendimento do processo de negociação como forma de superação do conflito, quando são requeridos conceitos como justiça, cidadania, direito, dever etc; 8. O domínio do modo de raciocinar dialético que pode superar um discurso autoritário; 9. A concepção de língua como reflexo da realidade social que se faz, como discurso, refração e mediação facilitará entender a aula de Língua Portuguesa como uma atividade cujo objetivo principal é aprender a produzir um instrumento que requer reconfigurações que representam sempre apropriações de novas referências que produzem novas objetivações; 10. As noções de heterogeneidade social e polifonia que conduzem a modos de enunciação que se referem não só à de gênero, mas também à de variedades linguísticas. 11. A noção de polissemia, que afasta a concepção da língua como um código e obriga a que se atue com a noção de pista que, por sua vez, significa que há sempre diferentes possibilidades de interpretação e de compreensão de um texto; 12. Esse caráter polissêmico e vago do sentido de uma palavra obriga o usuário a dominar e exercitar a paráfrase, o que faz da enunciação um ato que está incluso nos recursos expressivos da língua; 13. A importância da noção de dialogia e do conhecimento que o indivíduo deve ter para saber se o que está sendo feito ou proposto é ou não importante para sua vida; 14. O reconhecimento de que essa dialogia, levada aos limites da prática pedagógica, desconstrói a ideia de que a coloração ideológica dos textos escolhidos pelo professor poderia "assujeitar" os alunos; 15. E, por fim, a concepção de que toda a atividade tem motivações que tanto podem ser necessidades como sentimentos, o que inclui uma abordagem das diferenças da prática restrita ao cotidiano e da que extrapola essa esfera, levando o aluno a apropriar-se das diferenças dos conceitos de necessidades pessoais e sociais, e de carência, entendida como sentimento voltado para si e para o outro. Não poderíamos de fazer alusão, neste estudo a Paulo Freire e sua Pedagogia da libertação. Uma mudança de situação inclui, evidentemente, consciências e mentalidades abertas e exige uma correta apropriação do problema e construção de condições de transformação, de modo que haja disposição para conviver com as diferenças e para cultivar relações dialógicas. Sobre isso, Freire nos diz que: A transitividade crítica por outro lado, a que chegaríamos com uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de explicações mágicas por princípios causais [...] por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque é novo e pela não-recusa ao velho só porque é velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. (FREIRE, 1991) Portanto, a educação dialogal e ativa, proposta por Freire e orientada por uma determinada teoria do discurso, deveria observar que a prática pedagógica, quando se propõe a ser mediação da constituição de sujeitos, deveria tomar como objetivo mediar a reprodução do instituído social e construir meios de superar esse instituído, especialmente daquilo que impede os homens de serem sujeitos. E, por isso, a pedagogia seria libertadora. Por outro lado, não existe uma pedagogia libertadora como prática do indivíduo encerrado em si mesmo, já que ela propõe o desenvolvimento conjunto de todos, em termos de prática em que a solidariedade se faz condição do desenvolvimento individual e social. (VOESE, 2004) Assim, a virtude pedagógica dos professores não está em cada ser humano isolado, mas depende de todo um conjunto social que determina a prática. Uma pedagogia libertadora toma como orientação que, apesar da determinação social e histórica da qual o ser humano não como se esquivar, ele pode atuar sobre ela. E para ilustrar o que pode significar a Análise do Discurso na aula de Língua Portuguesa como atividade interativa que pode reconstruir o indivíduo como sujeito, deixamos um texto de Larrosa que esperamos possa o professor extrair os melhores efeitos de seu trabalho: Da mesma forma que aquele que remete um presente ou uma carta, o professor sempre está um pouco preocupado para saber se seu presente será aceito, se sua carta será bem recebida e se merecerá alguma resposta. Uma vez que só se presenteia o que se ama, o professor gostaria que seu amor fosse também amado por aqueles aos quais ele o remete. E uma vez que uma carta é como uma parte de nós mesmos que remetemos aos que amamos, esperando resposta, o professor gostaria que essa parte de si mesmo, que dá a ler, também despertasse o amor dos que a receberão e suscitasse suas respostas. Mas a remessa do professor não significa dar a ler o que se deve ler, mas sim "dar a ler o que se deve: ler". Ler não é um dever no sentido de obrigação, mas no sentido de uma dívida ou de uma tarefa... que o professor dá quando remete ao texto... Por isso, dar o texto é oferecê-lo como um dom. (LARROSA, 1998) Larrosa não vê a atividade com texto como um dever, uma obrigação, mas como uma troca de gestos amorosos e que constituem os alunos como sujeitos, cujas ações devem ser carregadas de sensibilidade, colocando, em segundo plano, necessidades e desejos pessoais, transformando o texto em presente e em dom para tecer a relação de solidariedade e de amorosidade, necessária à sua atuação como sujeito social. CONCLUSÃO O problema existe, não se pode negar: alunos do Ensino Médio têm encontrado muitas dificuldades em interpretação e compreensão de textos. O professor, por sua vez, não tem conseguido lidar com esse problema por uma série de fatores. Mas, como todo problema, esse também pode ter uma solução que, convenhamos, não é muito simples. Ao propormos atividades de Análise do Discurso aplicadas a alunos do Ensino Meio, pretendemos tentar sanar, pelo menos em parte, esse problema. É evidente que se trata apenas de uma proposta, que não é para, pura e simplesmente, ser aplicada nas aulas de Língua Portuguesa. O professor deve, primeiramente, ter conhecimento das teorias que cercam essa disciplina. O estudo contínuo das teorias do discurso por parte do professor é tarefa indispensável para colocar em prática essa proposta. A leitura de autores como Michel Pêcheux, Eni Orlandi, Bakhtin, Michael Foucault, Lukács, Karl Marx, entre outros, é fundamental para se atingir os objetivos aqui traçados. Além disso, o professor deve se conscientizar de que precisa atuar como sujeito junto com o aluno, que assim também deve ser visto. Ele deve se colocar ao lado do aluno, viver suas mesmas dificuldades e aprofundarem-se, como parceiros efetivos, na análise textual. O professor sempre deve estar aberto a novas descobertas discursivas, deve aceitar o que seu aluno interpreta e, às vezes, questioná-lo em suas análises, sem, no entanto, negá-las. Nesta proposta, é necessário lembrar que o professor deixa de ser o centro do processo para caminhar ao lado do aluno. Cabe ao professor apenas apresentar o texto e suas formas de análise para, assim, dar liberdade ao aluno para que ele possa "fugir" do texto em si para poder compreendê-lo. Ficou claro que a disciplina Análise do Discurso abre muitos campos de estudo e análise, possibilitando diferentes formas de interpretação. Os conceitos de certo ou errado não devem ser utilizados nessa proposta. Tudo é válido, desde que estejam dentro de uma certa lógica. Diante disso, é notória a dificuldade que, a princípio, professor e aluno encontrarão. E, para saber se pode dar certo e atingir os objetivos inicialmente propostos, basta colocá-la em prática. O desafio está lançado. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. 3ª edição. Lisboa, Portugal. Editorial Presença/Martins Fontes. 1980. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? 9. ed. São Paulo/Campinas: Cortez/Unicamp, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara F. Vieira. São Paulo: Hucitec, 1981 _________. Problemas da Poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. _________. Estética da criação verbal. Trad. 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