Amizade! Quantos anos podemos ainda falar sobre esse sentimento tão nobre Nutrir esse sentimento é vital para a continuidade da espécie humana. Martha Medeiros praticamente chama de relapsos as pessoas que não tem amigos. Diz que amizades devem ser cultivadas. Penso que tem pessoas que não querem ter amigos. O medo os faz retrair quando alguém lhes oferece um abraço amigo. Eu tive muitos amigos de infância e ainda tenho mais de três amigos de verdade. Vou falar de dois amigos nada convencionais, meu cachorro Migo e um Cinamomo que tínhamos na propriedade rural em que cresci.
O cinamomo era um gigante que ficava imóvel olhando para nossa casa, esperando que viéssemos tomar chimarrão a sua sombra. Depois da sesteada íamos até sombra contar causos entre familiares e alguns visinhos. Eu observava aquele cinamomo. No inverno ele perdia as folhas. Quando as folhas começavam a apodrecer e se tornar húmus já tinha se passado o inverno e nós íamos varrer e limpar tudo ao seu redor. Varríamos as folhas, e o Cinamomo morria lentamente. Porem nas laranjeiras colocávamos folhas e merda curtida de gado. Eu comparo o Cinamomo a um ser humano. As folhas secas são como experiências positivas ou negativas que devem apodrecer e se torna húmus de sabedoria para tocar a vida à diante. Porém nós varríamos as folhas para poder sentar junto dela. Parece que Oscar Wilde tem razão quando diz que destruímos sempre o que mais amamos. De tanto varrer apareceram as raízes, deu erosão. As folhas começaram a amarelar mais cedo e quando o vento leste soprava elas caiam eu pressentia que o velho Cinamomo estava se entregando.
Em contrapartida nas laranjeiras, nós colocávamos folhas, palha de milho e contínhamos a erosão. Nós cultivávamos as laranjeiras, porque queríamos retorno em forma de frutas. Elas proporcionavam alimento. Tem uma questão muito antiga na cultura que é "por que plantar flores se são as batatas e o trigo que nos alimentam". Acho que aqui na nossa sociedade moderna líquida não valorizamos nem as laranjas as batatas e nem as flores, simplesmente damos atenção aos nossos desejos egoístas.
Eu percebi que aqui na cidade tem parques, mas as pessoas não sentam embaixo de cinamomos. Aqui as pessoas sofrem de uma solidão terrível. Mas não conseguem sentar se juntos em baixo de um cinamomo. E medo mais contemporâneo mais comum, é o da solidão e do envelhecimento. Nos dias atuais tem pessoas que se ficarem sem o celular ou internet entram em pânico. Qual a explicação? Elas perderam a amizade consigo mesmas. Perderam o contato com seu mundo interior. Eu não sei como se explica esse fenômeno. Eu penso que a indústria do entretenimento e a mídia está atrofiando as habilidades interpessoais e intrapessoais. Tem pessoas que nem pertencem a si mesmas, terceirizam o serviço de pensar de se relacionar. Qual o resultado? Solidão, angústia, desamparo.
Ora, minha vovó morava sozinha, na sua casinha, e não se queixava de medo e de solidão e muito menos medo da velhice. Ela morava na sua casinha, mas havia galinhas, cachorros e gatos e netos que a rodeavam. Ela tinha a si mesma. Tinha segurança psicológica e conexão com a natureza.

Eu penso que o único que tinha medo de ficar sozinho lá onde eu morava na minha infância. era nosso cachorro. o Migo. Lembro que fui brincar de luta marcial com um amigo e ele se avançou sobre ele e por pouco não o mordeu. Quando envelheceu, ficava na sombra do cinamomo quietinho. Enquanto todos os outros cachorros abanavam o rabo espantando as moscas, ele nem sequer se mexia. Ficava olhando para as moscas. Por isso ele sempre estava cheio de bernes. Eu acho que as moscas eram suas companhias, não as espantava para não ficar sozinho. Quando íamos trabalhar. Lembro-me quando o Migo era jovem, ele não tolerava raposas. Tinha uma raposa na caixa do forro da nossa casa. Eu até conseguiria matá-la, mas não conseguiria tirá-la de lá depois de morta, imagina um bicho morto no forro da casa. Era melhor deixar ela viva. Mas ela inventava de passear de noite no sótom e urinava para baixo. Era uma nojeira. O que fazer? Lembrei do Migo. Subi as escadas, ele ficou apavorado, mas ficou quietinho. Meti a cabeça dele no buraco quando viu a raposa se transformou, foi lá buscar. Segurei-o pelas pernas traseiras, abocanhou o bicho. Puxei-o de volta com a raposa na boca. Eu conhecia o temperamento do companheiro. Depois de velho perdeu o seu vigor, mas não o ódio às raposas. Porém ele se dava mal com os ouriço, porcos espinho, ele também não deixava por menos. Matava a mordidas e depois ficava a boca cheia de espinhos, eu tentava arrancar, mas devia doer muito, eu cortava as pontas dos espinhos e colocava vinagre nas pontas. Cachorro nenhum se avançava sobre ele, poderia ser, poderia se o dobro de tamanho dele que ele o espantava. Ouriçava o pelo e com a dignidade e um monarca ele dava uma rosnada e o outro cachorro ia embora com o rabo entre as pernas.
Mário de Andrade já dizia que amizade é um amor mais nobre que o amor conjugal. Não há o ingrediente ciúmes e não se exige exclusividade. Acredito nisso e digo que devemos procurar ser amigos e não ter amigos Ter amigos pressupõem propriedade. Sem amizade não encontraremos o equilíbrio emocional e existencial. E para continuarmos a ser amigo de alguém devemos ter uma profunda amizade com a natureza. A terra é um ser vivo e inteligente e sabe quem é seu amigo.
Mantenhamo-nos unidos e conservemos a ternura. De mãos dadas o cenário fica mais bonito, mais belo.
Abraço