A ALTA DOS PREÇOS DE COMBUSTÍVEIS SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA KEYNESIANA 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A alta nos preços dos combustíveis após a pandemia do Coronavírus tem ocasionado, de forma inquestionável, uma pressão inflacionária na economia nacional que de forma alguma se restringe aos postos de abastecimento e aos veículos. O transporte rodoviário é a grande matriz de abastecimento empregada no Brasil, país que não evoluiu na adoção de formas menos custosas de carregamento de mercadorias.

De acordo com informações veiculadas pelo “Jornal do Comércio” em 2019, temos que “quase 82% da carga (exceto grãos e minério) é feita por caminhão, segundo estudo do professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.” Esse imenso desequilíbrio, principalmente se comparado à estrutura vigente em outros países considerados desenvolvidos, é fruto de um baixo investimento destinado à infraestrutura e à política de incentivo à indústria automobilística, tendo como consequência o aumento no número de caminhões (QUASE..., 2019).

Por outro lado, o incremento da frota de veículos de transporte de carga não veio acompanhado de aportes governamentais voltados à infraestrutura. Segundo a ADIB (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base), os investimentos necessários à expansão estariam em torno de 2,26% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto nos últimos quinze anos a média de investimento teria representado apenas 0,5% do PIB (QUASE..., 2019).

A dependência em relação a um único meio de transporte, no caso o que mais consome combustíveis derivados do petróleo, aliada à precariedade da infraestrutura existente, exacerbam os gastos necessários para o deslocamento de cargas desde o local da produção até o consumidor. Conforme aponta Cortes (2021, p. 01), há uma forte correlação entre a alta dos combustíveis no país e a alta do dólar, e isso se deve ao fato de que a Petrobrás, a partir de julho de 2017, passou a basear o valor do barril do petróleo na cotação da moeda norte-americana para praticar seus reajustes. Além disso, o cálculo do seu preço compreende as cotações internacionais, taxas de câmbio e custos logísticos do produto.

O problema do impacto dos combustíveis na inflação é abordado no presente artigo a partir da Teoria Quantitativa da Moeda Keynesiana. Basicamente, a partir da teoria em questão e da problemática vivenciada, a circulação do dinheiro sofrerá incremento quando a renda de uma sociedade for relativamente maior, assim como menores forem os preços dos produtos ofertados (KEYNES, 1971).

A correlação das premissas expostas com o aumento dos preços ocasionados pela inflação nos remete à hipótese de que a alta dos combustíveis, dada a explícita dependência de nossa economia em relação ao petróleo, traria invariavelmente uma alta no preço dos produtos, a qual seria seguida por uma elevação na taxa de Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), com vistas à contenção da inflação. Esta elevação, por sua vez funcionaria como desestímulo ao crédito e, por conseguinte, como um freio à retomada do crescimento com inflação controlada.

Somada a tais fatores, temos a crescente tendência em atribuir culpa aos impostos pela alta nos combustíveis. Por outro lado, uma estagnação econômica advinda da persistente queda no consumo, fruto da inflação ascendente e da relativa queda no poder de compra, poderia acarretar justamente uma menor arrecadação de impostos, pelo menos quando considerados os valores totais arrecadados, após corrigidos pela ascendente inflação. Em apertada síntese, o artigo sustenta a hipótese de que a alta dependência do petróleo, cotado em dólar, faz a economia nacional andar em círculos, adotando ora um liberalismo extremo, ora um intervencionismo nos preços desta commodity, o que se repete em relação à economia como um todo.

 

  1. DESENVOLVIMENTO

 

2.1      A Teoria Quantitativa da Moeda

 

De acordo com Keynes (apud Naves de Deus, p. 17) ao conceber sua Teoria Quantitativa da Moeda, este entende que a quantidade deste ativo disponível pelo público irá variar em função do seu poder de compra, que por sua vez será impactado por alterações na riqueza de uma sociedade e pelos hábitos dos indivíduos. Em suas concepções, o autor determina que as unidades de bens de consumo a serem demandadas seriam expressas pela variante “K”. A quantidade de moeda circulante seria representada por “N” e o preço de cada unidade de produto seria representada por “P”. Teríamos então uma equação representada da seguinte maneira: N = P.K, considerando ainda que, segundo esta, o número de unidades de consumo a ser demandado permaneceria estável (K), alterando-se de forma proporcional apenas a quantidade de moeda circulante (N) e o preço (P) de cada unidade de produto.

A equação que melhor expressa a Teoria Quantitativa da Moeda de Kelsen é ilustrada pela fórmula M.V = P.y. Nesta, “M” representaria a quantidade de moeda, enquanto “V” seria a sua velocidade de circulação, ao passo que “P” definira o nível de preços e a renda seria representada por “y”. Assim, esta outra equação reforça que a quantidade de moeda em circulação não afetaria outras variáveis de forma perene, impactando apenas, de maneira proporcional, o nível de preços. A renda estaria fora do alcance da alteração de tais variáveis e, considerando estável a velocidade de circulação da moeda, poderíamos prever variações no nível de preços de acordo com os movimentos em seu estoque. A inflação seria produto direto da quantidade de moeda, de acordo com esta concepção (SOUZA, 2017).  

Fica clara a correlação entre o aporte de papel moeda na economia e a pressão inflacionária exercida, considerando-se ainda a diminuição da taxa de juros que se aplica com tal propósito.

 

2.2      Incremento de papel moeda x Inflação Monetária

 

            A oferta de papel-moeda, quando não contraposta às reduções de taxa de juros ou ao aumento da produção, é potencial causadora do fenômeno inflacionário. A inflação que resulta de incrementos autônomos de quantidade de papel moeda pode ser definida como inflação monetária (GONTIJO, 1993).

            Segundo Araújo et. al. (2017, p. 13), Keynes não vislumbra a oferta de moeda no sistema monetário de forma negativa, desde que isto ocorra com um aumento das reservas bancárias, o que proporcionaria uma diminuição das taxas de juros. A partir da baixa dos juros, se teria um incremento no crédito e nos investimentos praticados, provocando um aumento de preços que poderia ser compensado posteriormente com um provável novo equilíbrio entre oferta de moeda e preços.

            Entretanto, a alta de preços ocasionada por fatores como o alto preço dos combustíveis, ocasiona uma inflação relacionada ao custo de produção, não à expectativa de lucro seguida de um superaquecimento da economia. Desta forma, estamos lidando com uma situação na qual os próprios produtores necessitam de mais dinheiro para adquirir insumos e equipamentos, já que todo o transporte em território nacional se baseia numa alta taxa de consumo de derivados de petróleo. Obviamente fatores como o dólar e diminuição de oferta no período pandêmico também vêm exercendo pressão inflacionária, mas ao recortarmos a variável “preço dos combustíveis”, ainda temos um elemento de forte impacto sobre a alta dos preços.

 

2.3      Alta dos combustíveis e oferta de moeda.

 

            Entende-se que a inflação causada pela alta dos combustíveis pode ser comparada ao que Davidson, citado por Araújo et. al. (2017, p. 18), classifica como “Inflação Importada”, definindo o contexto de sua ocorrência:

 

No caso das empresas que utilizam insumos importados, a elevação dos preços desses insumos se traduz em aumento dos custos internos, assim esse aumento pode gerar inflação quanto maior a capacidade da empresa em repassar esse aumento de custos para preços (Araújo et. al. 2017, p. 18).

 

O mesmo ocorre com o petróleo, já que os preços pela atual política adotada, são flutuantes conforme as variações externas, sendo influenciados inclusive pela alta do dólar.

O site do Banco Central do Brasil traz em breve artigo denominado “Mecanismos de Transmissão da política monetária”, que “ao elevar a Selic para conter pressões inflacionárias, o Banco Central sinaliza um nível de atividade mais contido não apenas no presente, mas também para o futuro.” O mesmo site traz a seguinte citação referente à utilização da taxa de juros para conter a inflação:

 

O canal de transmissão das taxas de juros para as decisões de consumo e investimento é o canal mais conhecido da política monetária. Quando a taxa Selic sobe, as taxas de juros reais também tendem a subir. A elevação da taxa real de juros, por sua vez, pode levar à diminuição de investimentos pelas empresas e à diminuição de consumo por parte das famílias – o que, por sua vez, tende a reduzir a demanda por bens e serviços da economia, contribuindo para a redução da inflação (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2021).

 

Sacramenta-se assim a contenção do crédito pela alta dos juros e, consequentemente, a dificuldade na obtenção de recursos financeiros para o crescimento econômico e o aporte de recursos que futuramente poderiam ajudar a controlar o aumento da inflação.

 

  1. CONCLUSÃO

 

A intenção do governo, desde o início da crise que só se agravou com a pandemia do Coronavírus, vem sendo tentar garantir os juros em patamares baixos, mas isto não tem logrado êxito após o abrandamento da crise sanitária. O percentual da taxa SELIC em 2%, o mais baixo da história, atingido em agosto de 2020, já foi elevado gradativamente até atingir 6,25% em setembro de 2021.

Ao analisarmos a alta dos preços do petróleo podemos concluir que, ao apresentar sinais de crescimento e recuperação, a sociedade começa a utilizar o maior aporte de dinheiro disponível a partir da baixa taxa de juros, outrora utilizada para fomentar a atividade empreendedora. Entretanto, quando a atividade empresarial depende dos custos de insumos e transportes em notável elevação, necessita repassar estes custos ao consumidor, gerando a tão conhecida inflação. Neste contexto, a Teoria Quantitativa da Moeda de Kelsen é plenamente aplicável, pois a inflação é produto direto da quantidade de moeda ofertada, o que de fato ocorre durante as crises econômicas, mas não tem seus efeitos amenizados pelo equilíbrio entre oferta e demanda, já que os investimentos se perdem junto aos custos de produção e transporte exorbitantes.

Tal fenômeno ocorre em países nos quais os setores da economia dependem diretamente de variáveis cujo preço foge ao controle do governo e da própria população. Embora o controle de preços pelo governo seja algo questionável do ponto de vista da obtenção de lucros pelas empresas, sendo rechaçado pelas correntes econômicas que combatem o intervencionismo, devem existir alternativas que visem à diminuição dos impactos provocados por tais preços na quase totalidade dos produtos ofertados à população.

Assim, uma flutuação de preços dos combustíveis poderia ter seus efeitos estancados pela adoção de níveis mínimos e máximos aceitáveis, a partir dos quais haveria a tomada de medidas como o aumento interno da produção e o controle das alíquotas de impostos de acordo com a alta ou baixa dos preços vigentes. Não obstante, a medida mais importante seria mesmo criar infraestrutura para que o Brasil pudesse usufruir de extensa malha ferroviária e hidroviária, alternando meios de transporte pelos portos intermodais.

Somente pelo desenvolvimento de transporte a baixo custo, indústria de base para produção de insumos, equipamento a preços justos e políticas que diminuam a dependência de nossa economia em relação a fatores adversos internos e externos, poderemos sair do ciclo de altos e baixos envolvendo juros, inflação e falta de estabilidade da economia. Este cenário traria tranquilidade e confiança para investidores externos e internos e, quem sabe um dia, a prosperidade e as condições dignas de vida que o povo brasileiro merece.

 

  1. REFERÊNCIAS:

 

ARAÚJO, R.F; OMIZZOLO, J. A.; MACHADO, J. V. Moeda e inflação: uma contribuição a partir de Keynes e pós-keynesianos. Revista Debate Econômico, v.5, n.1, jan-jun. 2017. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/621-Texto%20do%20artigo-2940-3-10-20181119.pdf . Acesso em 15/10/2021.

 

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Mecanismos de Transmissão da política monetária, 2021. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/transmissaopoliticamonetaria . Acesso em 15/10/2021.

 

CORTES, Andrea. Como a alta do dólar impacta o valor dos combustíveis? Remessa Online. 17/03/2021. Disponível em: https://www.remessaonline.com.br/blog/alta-do-dolar-vs-valor-dos-combustiveis/ . Acesso em 15/10/2021.

 

QUASE 82% das cargas circulam por caminhões no País. Jornal do Comércio. Porto Alegre, 31/05/2019. Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/jc_logistica/2019/05/686263-quase-82-das-cargas-circulam-por-caminhoes-no-pais.html . Acesso em 15/10/2021.

 

KEYNES, J. M. A Treatise on Money: the Pure Theory of Money. 1930. (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. V), London: Royal Economic Society, 1971.

 

NAVES DE DEUS, L. A Política Monetária na Perspectiva Pós-Keynesiana. Dissertação (mestrado em Economia). Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, p. 110, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13589/1/PoliticaMonetariaPerspectiva.pdf . Acesso em 15/10/2021.

 

SOUZA, Bruna Carolina Pereira de. Does money matter? Um contraponto pós-keynesiano ao modelo neo-wickselliano de Woodford. 2017. vii, 42 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Econômicas)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/19921/1/2017_BrunaCarolinaPereiraDeSouza_tcc.pdf . Acesso em 15/10/2021.

 

GONTIJO, C. Moeda, juros e inflação: uma abordagem clássica. Texto para discussão. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1993, 34p. Disponível em: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%2067.pdf . Acesso em 15/10/2021.