A Administração Pública: uma análise de sua história, conceitos e importância.

Fernanda de Quadros Carvalho ¹
Dilcélia Almeida Sampaio ²


RESUMO

O presente artigo busca demonstrar, por meio de pesquisa bibliográfica, a relevância da Administração Pública para os estudantes de Administração de Empresas, apresentando os principais conceitos pertinentes à matéria, seus conflitos e a necessidade de modernização da área para melhor atender às necessidades públicas. Serão trabalhados, dentre outros, os conceitos de políticas públicas, necessidades públicas e modernização gerencial.

Palavras-chave: Administração Pública. Modernização. Políticas Públicas.



Introdução

A expressão "Administração Pública", tecnicamente, pode ser definida tanto em sentido objetivo quanto em sentido subjetivo. Objetivamente, é atividade desenvolvida pelo Estado voltada à consecução do bem coletivo. Em sentido subjetivo, é o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas a quem a lei atribui o exercício daquelas atividades.
Partindo das noções de Administração Pública em sentido subjetivo, objetivo e formal. Sob o aspecto subjetivo, a Administração Pública é o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas; sob o aspecto objetivo, compreende as atividades do Estado destinadas à satisfação concreta e imediata dos interesses públicos; e sob o aspecto formal, é a manifestação do Poder Público decomposta em atos jurídico-administrativos dotados da propriedade da auto-executoriedade, ainda que de caráter provisório. (Oliveira ,1975, p.14).

Ao longo do processo de evolução do Estado, a teoria da burocracia perdeu a sua função inicial que era a de orientar e organizar o trabalho administrativo, baseada na racionalidade, dando origem ao que se chama de disfunção burocrática. Segundo Weber (1967, apud CHIAVENATO, 2000, p. 309): "A burocracia é a organização eficiente por excelência" . As disfunções burocráticas correspondem a anomalias e imperfeições no funcionamento da burocracia, onde se observa a falta de eficiência da organização, desperdícios dos recursos de materiais, rotina e apego dos funcionários a seus cargos e funções, bem como lentidão na resolução dos problemas.

A administração pública, ao longo dos anos, não mudou substancialmente de acordo com as transformações das teorias administrativas. O enfoque dessas teorias voltou-se preponderantemente para a melhoria dos processos na administração empresarial. Não se pode dizer, entretanto, que a Administração Pública não tenha sofrido influências da evolução teórica no âmbito da Ciência da Administração. Ocorre que seu desenvolvimento, em direção à crescente eficiência, é mais lento, se comparado à Administração de Empresas.

O Estado brasileiro, bastante jovem e de industrialização tardia, teve que se modernizar para propiciar o crescimento do país. Esse processo ganhou impulso a partir de 1995, através do Plano Diretor da reforma do aparelho do Estado e, mais tarde, com a aprovação da Emenda Constitucional nº. 19 em 1998, conforme será discutido no tópico no qual que será enfrentado o tema da Administração Pública nos dias atuais.

Dessa forma, nota-se um esforço da gestão pública no sentido da modernização, procurando solucionar as disfunções burocráticas e, assim, contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos, com limites nos ditames constitucionais e obedecendo aos princípios da impessoalidade, da legalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

O presente artigo apresenta considerações sobre a Administração Pública e discorre sobre a sua relevância. Tem o objetivo de analisar a aplicabilidade dos conceitos que regem a administração pública, os quais ajudarão a criar mecanismos para viabilizar a implantação das políticas públicas em atendimento às necessidades da sociedade.

Dentre os vários métodos disponíveis, o escolhido para nortear este trabalho foi o método dedutivo com uma pesquisa descritiva e bibliográfica.


1 Conceitos necessários ao entendimento do tema Administração Pública

É relevante a definição de alguns conceitos para o entendimento do tema Administração Pública. A seguir, procura-se delimitar o espaço de compreensão acerca do objeto para que não haja distanciamento da questão proposta. Muitas são as definições para a palavra administração. O vocábulo abrange tanto a atividade superior de planejar, dirigir, comandar, como a atividade subordinada de executar. (Di Pietro, 2003, p.53).

Pode-se conceituar administração como
O processo ou atividade dinâmica que consiste em tomar decisão sobre objetivos e recursos. O processo de administrar é inerente a qualquer situação que haja pessoas utilizando recursos para atingir algum tipo de objetivo. A finalidade última do processo de administrar é garantir a realização de objetivos por meio de aplicação do recurso. (Maximiano, 2000, p. 54)

Ao se definir Administração Pública, necessita-se classificar a expressão dentro dos sentidos existentes, o objetivo e material e o subjetivo e formal. Em sentido amplo:
A Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incube traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incube executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa. (Di Pietro, 2003, p.54).

A definição para Administração Pública em sentido estrito compreende, sob aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos, e sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política. (Di Pietro, 2003, p.54)

É necessário distinguir as funções do Estado. As funções são: legislativa, judiciária e executiva. Predominantemente, cada Poder exerce uma dessas funções. Precisa-se focar, entretanto, na função executiva que é, em última análise, a própria função administrativa do Estado.

A Administração Pública, tomada a expressão em seu sentido subjetivo, ganha corpo e atuação através das entidades, órgãos e agentes que a compõem. Doutrinariamente, costuma-se dividi-la em: (i) administração direta e (ii) administração indireta. São entidades da administração direta a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Essas pessoas jurídicas são divididas em órgãos, que são parcelas de competência dentro das entidades, não sendo classificadas como pessoas jurídicas (exemplos: Ministérios, Secretarias, Departamentos). Já a administração indireta é composta por pessoas jurídicas que, apesar de não fazerem parte da estrutura das entidades da administração direta, a elas são vinculadas. Fazem parte da administração indireta as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Toda essa estrutura tem por finalidade satisfazer as necessidades públicas. Harada (2008, p.5) define necessidade pública como:
Aquela que é de interesse geral, satisfeita sob o regime de direito público, presidido pelo princípio da estrita legalidade, em contraposição aos interesses particulares ou coletivos, satisfeitos pelo regime de direito privado, informado pelo princípio da autonomia da vontade.

Dentro das necessidades públicas básicas, está a prestação de serviços público. Celso Antonio Bandeira de Melo (2004, p.620) define:
Serviço público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público ? portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais ?, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

O Estado atua através da execução de políticas públicas. Segundo Maria Paula Dallari Bucci (2002, apud OLIVEIRA, 2005, p. 66) políticas públicas são:
"Programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas públicas são metas coletivas conscientes".

2 Histórico ? A evolução da Administração Pública no Brasil

Para se entender a evolução da Administração Pública e da construção da máquina administrativa, torna-se necessário um breve histórico, que se inicia no ano de 1821.
O quadro abaixo ilustra as formas da sociedade, estado, regime político e classes de dirigentes, divididos por períodos, no Brasil. Dessa forma pode-se entender o processo de desenvolvimento do Estado brasileiro.
Quadro 1: Processo de desenvolvimento do Estado.
Fonte: Bresser, 2008.

Na primeira fase, que corresponde ao período desde o início do Brasil Império até o início do Estado Novo, o Estado brasileiro tinha um regime político oligárquico em que o poder era confiado a um número restrito de pessoas. O país era governado em função dos interesses de quem detinha o poder e em detrimento dos interesses da coletividade. Existia a divisão de classes, onde o nascimento terminava a qual classe as pessoas pertenciam. A administração era patrimonialista.
No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como extensão do poder soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. [...] Em conseqüência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a este tipo de administração. (MARQUES, 2008, p.34).

A administração pública burocrática, inspirada no modelo weberiano surge como forma de combater a corrupção e o nepotismo do modelo anterior. Seus princípios orientadores são a impessoalidade, o formalismo, a hierarquia funcional, a idéia de carreira pública e a profissionalização.
A despeito disso, naquele período, a máquina administrativa voltou-se para si mesma, deixando à parte seu objetivo principal que é de atender os anseios da sociedade, tornando-se ineficiente. Para Marques (2008), na administração pública burocrática, o Estado limitava-se a manter a ordem e administrar a justiça, a garantir os contratos e a propriedade.

O Estado torna-se nacional desenvolvimentista no período que compreende entre 1930 e 1980 (Bresser, 2008). A classe dirigente é formada pela aliança entre a burguesia industrial e a burocracia pública. Neste período, o país experimenta um grande desenvolvimento econômico. O patrimonialismo, entretanto, ainda que sofresse um processo de transformação, mantinha sua própria força no quadro político brasileiro (Marques, 2008).

A década de 30 do século XX foi um período de aceleração da industrialização brasileira, com as medidas empreendidas pelo governo Vargas. Em 1937, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço público ? DASP, que era diretamente subordinado à Presidência da República, com o objetivo de aprofundar a reforma administrativa destinada a organizar e a racionalizar o serviço público no país. Uma das ações importantes foi a seleção e aperfeiçoamento do pessoal administrativo por meio da adoção do sistema de mérito, diminuindo as imposições dos interesses privados e político-partidários na ocupação dos cargos e empregos públicos. A criação da DASP pode ser considerada a primeira reforma administrativa do país, reafirmando os princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica (Bresser, 2007). Em 1938, é criada a primeira autarquia; surgia, assim, a idéia da descentralização de alguns serviços públicos. Em 1967, há uma tentativa rumo à administração gerencial no Brasil, com a publicação do Decreto de Lei nº. 200/67, que tentava superar a rigidez burocrática. Esse decreto determinava a transferência de atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, dando maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. Na década de 70, foi lançado o Programa Nacional de Desburocratização, durante o governo Figueiredo. Os decretos 83.740 e 83.936/79 simplificam exigências de documentos, dando mais alguns passos no sentido da flexibilização. "Buscava-se melhorar as relações entre o Estado e a sociedade por meio da simplificação dos procedimentos na prestação dos serviços públicos". (SILVA, 2007; AMARAL, 2007, p.10).

Já na década de 80, foi promulgado o decreto de lei nº. 2.300 de 1986 , estatuto jurídico das licitações e contratos administrativos. A Constituição Federal de 1988, resultado de amplas lutas democráticas, consolidou o sistema capitalista no âmbito da economia e adotou um modelo de Estado bastante aparelhado e rígido, afirmando-se como intervencionista, e, por outro lado, instituindo regras de transparência e moralidade, como, por exemplo, a necessidade de concursos públicos para o provimento dos cargos efetivos e dos empregos públicos.
A elaboração da Constituição de 1988, como produto dos embates pela redemocratização, expressou mudanças significativas para administração pública.
Ao mesmo tempo em que reconhece o valor político do cidadão e de sua participação no controle dos serviços públicos, redistribui tarefas e recursos orçamentários para estados e municípios. Com a desconcentração e a descentralização, a decisão pública passa a situar-se mais próxima do local da ação, com impactos sobre a gestão pública. (SILVA, 2007; AMARAL, 2007, p.10).


A administração pública gerencial surge com o propósito de solucionar os entraves causados pela burocrática, apesar de estar apoiada nela. Prioriza-se a eficiência, o aumento da qualidade do serviço e a redução dos custos.

Em meados da década de 90, surge a idéia da reforma ou reconstrução do Estado, com o Plano Diretor de reforma do Estado em 1995; este foi o instrumento utilizado para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia. Com as sucessivas crises econômicas pelas quais o país passou, a ineficiência dos serviços prestados pelo Estado ficaram aparentes.

O aparelho estatal era tido por ineficiente na tarefa de levar adiante o desenvolvimento do país e de prover satisfatoriamente as necessidades públicas. O cidadão passa a ver-se como cliente e não mais como uma espécie de subordinado do Estado. A República Federativa do Brasil passava por uma nova fase: superado o regime ditatorial e já promulgada a Constituição, o cidadão passa a ver no Estado um provedor de necessidades.
O conceito de cidadão como cliente surge no intuito de provocar uma mudança nas organizações públicas, das quais se exige maior eficiência, desburocratização de procedimentos e efetividade dos serviços.
Ainda em 1995, foi criado o MARE, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. O Estado liberal dependente, como denomina Bresser (2008), precisava atender aos desejos da globalização econômica, com o objetivo de promover o desenvolvimento tecnológico e expandir a economia.

Em 1998, o plano foi consolidado através da Emenda Constitucional nº. 19, que promoveu diversas medidas com o objetivo de melhorar a eficiência da máquina pública.

É bem verdade que muitas das mudanças implementadas com a edição da EC n.°19/98 dependem de atos legislativos e administrativos posteriores, mas já há uma sinalização no sentido de uma melhor gestão da coisa pública.
É sintomática das exigências de modernização do serviço público a inclusão, no art. 38 da Constituição Federal, do princípio da eficiência, que não existia na redação original do texto.

Paralelamente, a máquina pública é forçada a um enxugamento dos seus quadros. A intromissão do Estado na atividade econômica passa a ser vista com desconfiança pela classe empresarial e pela opinião pública. Tem início um grande movimento de privatizações, com a venda de empresas estatais de telecomunicações, mineradoras, siderúrgicas e bancos. São os ventos do chamado "neo-liberalismo" econômico.
Entre 1995 e 2002, assegurar a estabilidade econômica e a governabilidade ganha mais relevância, superando o Estado interventor e empresarial e, ao mesmo tempo, aproximando o governo da sociedade por meio do controle social das políticas públicas. Escolhas nas formas de integração ao mercado internacional levam a diminuição do papel do estado, assim como a privatização de empresas e serviços públicos. (SILVA, 2007; AMARAL, 2007, p.11.).

A administração pública gerencial imprime mudanças culturais, estruturais e de gestão. Exige um novo olhar para os interesses da sociedade. O interesse público é o interesse da coletividade, o cidadão é o cliente dos seus serviços e seu contribuinte de impostos. Por esse motivo, a avaliação dos resultados das ações do Estado é positiva se atender os anseios do cidadão. Esse modelo, atualmente, vem sendo consolidado, e mostra-se, cada vez mais, capaz de promover o aumento da qualidade e da eficiência dos serviços oferecidos pelo setor público.


3 Administração Pública no Brasil e as teorias administrativas

A Ciência da Administração surge no inicio do século XX, como a contribuição de Taylor e Fayol, através, respectivamente, da administração científica e da teoria clássica, com uma visão mecanicista, cujo objetivo era alcançar a eficiência organizacional mediante a divisão do trabalho. O taylorismo tinha ênfase nas tarefas, objetivando-se aumentar a eficiência da empresa através da especialização do operário. Já a teoria clássica de Fayol caracterizava-se pela ênfase na estrutura organizacional, pela visão do homem econômico e pela busca da máxima eficiência. A teoria clássica submeteu o homem a um sistema rígido, encarando o homem como um ser econômico, levando ao desgaste do sistema. A teoria das relações humanas surgiu com a proposta de humanização da administração, o homem social, porém estereotipou o operário de ingênuo e romântico.

Diante da necessidade de uma teoria da organização sólida que servisse de orientação para o trabalho do administrador, surgiu, por volta de 1940, a Teoria da Burocracia, em função dos seguintes aspectos (Chiavenato, 2000, p. 303):

i. Fragilidade e parcialidade da Teoria Clássica e da Teoria das Relações Humanas, ambas oponentes e contraditórias, porem sem uma abordagem global e integrada da organização.
ii. Necessidade de um modelo de organização mais racional, abrangendo todas as variáveis de uma empresa, bem como o comportamento de seus empregados.
iii. Crescimento do tamanho e da complexidade das empresas exigiu um modelo que permitisse um maior controle e direção dos seus funcionários e dirigentes.

A teoria da burocracia tem como função inicial orientar e organizar o trabalho administrativo. Para Chiavenato (2000), baseado no modelo de Weber, as características principais são:

i. Caráter legal das normas e regulamentos;
ii. Formalidade na comunicação;
iii. Racionalidade e divisão do trabalho;
iv. Impessoalidade nas relações;
v. Hierarquia de autoridade;
vi. Rotinas e procedimentos estandarizados;
vii. Competência técnica e meritocracia;
viii. Especialização da administração que é separada da propriedade;
ix. Profissionalização dos participantes;
x. Completa previsibilidade de funcionamento;

Ao longo dos anos, porém, a administração pública não mudou substancialmente em conformidade com transformação das teorias administrativas; sofreu, entretanto, suas influências. Em razão da tradicional ausência de foco nos resultados, a Administração Pública adapta-se mais lentamente às modificações em busca da eficiência exigida.

Bresser Pereira informa que a burocracia sempre foi responsável pela administração do Estado; ela constitui ou integra o aparelho administrativo do Estado e por este motivo, muitas vezes, confunde-se o Estado com a própria burocracia pública.

O autor afirma, ainda, que:
A burocracia pública, porém, é apenas um dos setores sociais que buscam influenciar o Estado. Por outro lado, o Estado é muito mais do que o simples aparelho ou organização: é o sistema constitucional-legal - é a ordem jurídica e a organização que a garante. E, nessa qualidade, o Estado é o instrumento de ação coletiva da nação. Suas leis e políticas são o resultado do complexo sistema de forças sociais, entre as quais a burocracia pública é apenas uma delas. O Estado, portanto, jamais é autônomo, ele reflete ou expressa a sociedade. (BRESSER PEREIRA, 2007, p.30.)

4 Administração Pública no Brasil dos dias atuais

Conforme já visto no item referente ao histórico da Administração Pública no Brasil, a partir dos anos 90 do século passado, tomou fôlego a reforma do Estado. Nesse contexto, a Emenda Constitucional n.º 19 promoveu diversas mudanças no sentido da modernização do aparelho estatal, entre as quais se destacam:

i. limitação da remuneração dos servidores públicos, agentes políticos e empregados públicos das empresas e sociedades de economia mista que recebam recursos dos entes federativos, cujo teto passou a ser o subsídio percebido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal;
ii. possibilidade de aumento da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta, mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade;
iii. fixação (por lei complementar) de um limite de gastos com pessoal, a ser observado por todos os entes federativos (Estados, Municípios, União e Distrito Federal);
iv. previsão da criação das "Escolas de Governo" no âmbito da União, dos Estados e do Distrito Federal, com a promoção de cursos, cuja participação constitui um dos requisitos para promoção na carreira;
v. previsão da instituição dos conselhos de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes da União, Estados, Municípios e Distrito Federal;
vi. previsão de lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a fim de disciplinar a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.

Aos poucos, algumas das diretrizes da EC 19 vão sendo implementadas, principalmente no âmbito do governo federal. O foco na qualificação dos agentes públicos, com a criação de várias escolas de governo, tem sido um dos destaques desse processo de modernização (veja-se, para tanto, o número de instituições participantes da Rede Nacional das Escolas de Governo, disponível em http://www2.enap.gov.br/rede_escolas/index.php?option=com_content&task=view&id=14&Itemid=28)

Outros sinais de modernização gerencial podem ser vistos na criação das agências reguladoras, que são autarquias especiais, com autonomia financeira e gerencial, destinadas a controlar as concessionárias de serviços públicos e com a criação das chamadas "parcerias público-privadas" pela Lei Federal 11.079/2004, destinadas a promover investimentos de grande vulto (acima de 20 milhões de reais) contratos de prestação de serviços de longo prazo (acima de 5 anos).

Dentro do modelo gerencial, o atual governo vem implantando uma gestão norteada para o crescimento e empenhada com a diminuição da desigualdade social. Silva e Amaral (2007) destacam as seguintes ações da atual gestão federal: a inauguração de processos inclusivos de tomada de decisão, como ampliação dos espaços de discussão das políticas públicas junto à sociedade e o reconhecimento da necessidade de investimento no fortalecimento dos quadros públicos. Alguns programas como o Bolsa Família, que visam a atender um público específico, dando possibilidades de inclusão e participação na sociedade e retirando essas pessoas da situação de indigência; o PAC ? Programa de Aceleração do Crescimento, que busca promover o crescimento do país, com gestão integrada de medidas institucionais de investimento público e privado em infra-estrutura logística, energética, social e urbana.

Reconhece-se que ainda há uma grande defasagem de grande parte das entidades públicas no tocante à cultura organizacional. A União é o ente federativo que mais vem dando demonstrações de vontade no sentido de modernizar a gestão pública. Por outro lado, os Estados mais atrasados e a grande maioria dos Municípios brasileiros, carentes de recursos e de pessoal qualificado, encontram muitas dificuldades para implementar um modelo moderno de gestão.

Motta (2007) nos informa que, hoje, o desafio maior da gestão pública é a eficiência eqüitativa, ou seja, garantir igualdade de acesso com eficiência no uso dos recursos públicos. Os próprios entes federativos, entretanto, têm capacidades de gestão diferentes, o que dificulta, em muito, a implementação dessa eficiência eqüitativa.

4.1 Participação popular na gestão administrativa do Estado

No campo político, observa-se que, ao longo do processo de redemocratização do Estado, houve um incremento na participação da sociedade civil. Tal afirmativa pode ser constatada através dos números de entidades sem fins lucrativos criadas com o objetivo de fiscalizar as políticas públicas.

Em 2005, foi publicado um levantamento sobre Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil - FASFIL , a pesquisa foi desenvolvida a partir da parceria entre IBGE ? Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas - IPEA, a Associação Brasileira de ONGs ? ABONG e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas ? GIFE. Com base em dados do Cadastro de Empresas ? CEMPRE de 2005, a pesquisa demonstra que existiam em 2005, no Brasil, 338 mil organizações sem fins lucrativos em diversos seguimentos.

O crescimento do número de organizações e sua diversificação são reflexos da democracia brasileira. As entidades de defesa de direitos e interesses dos cidadãos foram as que mais cresceram no período: em 2005, o número das FASFIL atuantes na área era cinco vezes maior do que em 1996. Entre 2002 e 2005, o crescimento das FASFIL foi mais acelerado nas regiões Norte (38%) e Nordeste (31%), (IBGE/2008). Segundo os gráficos a seguir:


Gráfico1: Número de FASFIL, em 1996, 2002 e 2005
Fonte: Adaptado pelo IPEA, 2008.


Gráfico2: Distribuição das FASFIL por Região, em 2005
Fonte: Adaptado pelo IPEA, 2008.
Dessa forma o Estado consegue se aproximar da sociedade, possibilitando ao cidadão contribuir com a administração pública, fazendo parte desse processo democrático. O objetivo de construção de políticas públicas é atingido quando assim é feito, discutido e adaptado a realidade social. O Estado consegue atender as necessidades específicas de cada lugar e deixar satisfeito o cidadão.

Uma outra ação para inserção da sociedade civil nos processos democráticos do Estado foi a aprovação da lei nº. 9.784, de 1999, onde foi instituído a participação sociedade cível no processo administrativo por meio de participação da audiência pública. A realização de audiências públicas está intimamente ligada às práticas democráticas, e deverá assim ser feita quando houver grande relevância do tema e este for caso de interesse público, promovendo o debate sobre a questão.

Na Administração Pública, a audiência pública é instrumento de conscientização comunitária e funciona como veículo para a legítima participação dos particulares nos temas de interesse público. A audiência pública é um mecanismo de participação e controle popular.

Hoje esse instrumento é amplamente utilizado por diversos órgãos do governo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Está cada vez mais arraigada, na opinião pública, a idéia de que a Administração Pública burocratizada não é capaz de atender às demandas da sociedade civil.

Com o mercado globalizado e competitivo, resta ao Estado o papel de agente catalisador das forças produtivas, desenvolvendo políticas de incentivo à produção, à inovação tecnológica, à exportação. Tornam-se fundamentais relações mais democráticas, transparentes e participativas entre o governo e os cidadãos, bem como entre a administração e o administrado, sendo requisitos para a eficiência das políticas públicas.

O processo de modernização do Estado exige que a Administração Pública de hoje, com o aumento da importância dos serviços fornecidos, seja eficiente. Para tanto, verificou-se que deve-se aderir às propostas de adaptação e flexibilização advindas da modernidade. Muitos foram os progressos, mas a Administração Pública ainda é reflexo de um sistema político com características tradicionais, onde a forma processualista, uniforme e rígida, imposta para um maior controle de poder, impede, ou, no mínimo, dificulta a atividade dos servidores ou empregados pró-ativos, atentos à necessidade de modernização. Sendo assim, não há como pensar o exercício da gestão pública por pessoas desqualificadas. O novo servidor tem que reunir algumas qualidades como boa formação técnica, compromisso ético e sensibilidade social e política. Dessa forma, o novo gestor público poderá criar mecanismos que possibilitarão o atendimento das necessidades do cidadão, executando e muitas vezes criando possibilidades de implantação das políticas públicas.

Muito ainda falta a ser feito dentro das varias esferas administrativas (municipal, estadual e federal), mas já sabemos que com a modernização da Gestão Pública consegue-se atender as necessidades do cidadão brasileiro.


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