A ABÓBORA E A JABUTICABA

 

Era uma vez, num sítio em que abundavam diversas plantas e árvores frutíferas, uma silenciosa abóbora que dormitava em seu canteiro ... e lá no alto, uma radiante jabuticaba, presa a um galho de sua jabuticabeira.

            Diante do silêncio da abóbora meio oculta entre suas folhagens, a jubuticaba resolveu puxar conversa e falou:

            -- Ó minha gorda e pesadona abóbora, por que vives a dormitar sempre no mesmo lugar, escondida entre tuas folhagens?  Por que não te exibes alegremente como eu, ao sabor da brisa cá nas alturas, de onde posso avistar todo este quintal e mais além?

            E a abóbora respondeu:

            -- É que a natureza nos fez diferentes ...  eu, uma humilde abóbora que cresce e amadurece cá na terra entre as folhagens deste canteiro; e tu, jabuticaba, essa linda fruta que habita as alturas com suas irmãs, cada qual mais bonita, com sua pele viçosa e colorida.  Eu, sem invejar-te, me resigno a esta condição de simples abóbora, à espera de ser colhida e servir de nutritivo alimento à mesa de meus donos ...

            -- Ah, mas não sabes o que estás perdendo, minha lamentável abóbora!  Eu aqui estou a salvo de ser pisoteada ou de ser transformada em máscara ridícula, oca e recortada com olhos, nariz e boca, e com uma vela acesa dentro, no dia das bruxas ...

            -- É verdade ...  Mas o que vou fazer?

            -- É, não podes fazer nada.  Nem mover-te em tua inferioridade ...  Mas eu, que vivo nas alturas, posso dizer o quanto estás perdendo.  Eu olho de cima para baixo, sobranceira, contemplo a aurora e o crepúsculo; banho-me com os raios prateados da lua cheia e com os raios dourados do sol, que realçam a minha beleza, e as brisas matinal e noturna mantêm o frescor da minha pele ...

            -- E contudo, minha querida jabuticaba, o teu destino é pior do que o meu ... – disse a abóbora.

            -- Como podes afirmar isso?

            -- Apenas pelo fato de eu viver na terra e tu nas alturas ...

            -- Explica-te!

            -- Sim, jabuticaba ...  Já ouviste dizer que “quanto mais alto é o pedestal, maior o tombo?”

            -- E o que tem isso a ver comigo?!

            -- Similarmente corres o risco de amadurecer e apodrecer aí em cima ...  Se engordares muito e ficares pesadona, cairás e te espatifarás aqui em baixo e servirás de alimento às formigas; se ficares muito vistosa e presa ao caule, os pássaros te bicarão e abrirão buracos em tua delicada pele, e nela se introduzirão os vermes que te devorarão por dentro ...  E se nada disso acontecer, e ainda ficares aí, de menina que foste, e de bela rapariga que és, envelhecerás, apodrecerás e murcharás, e te transformarás num fruto seco e horroroso, morto e insepulto, esquecido no pé, cuja feiúra será realçada ao sol e ao luar, e tuas  sementes não gerarão novas árvores ... 

            -- Oh, como és impiedosa em tuas palavras!

            -- Eu lamento, minha irmã Jabuticaba.  Eu estava quieta e tu me fizeste falar ...  Enquanto a mim, simples abóbora, não tenho receio de cair das alturas, nem de apodrecer em vida.  Serei colhida, servirei de alimento sadio e minhas sementes garantirão a minha descendência ...  E, sabendo-me assim, a nada mais aspiro do que continuar sendo uma abóbora.

            A partir de então, a abóbora e a jabuticaba nunca mais se falaram ...

 

                                                                                                              Luciano Machado