WERNER SCHROR LEBER

6 aulas resumidas de filosofia: itinerário histórico

Dos Pré-socráticos a Platão: aula I e II

A filosofia ocidental, a mãe, digamos assim, de nossas ciências atuais, nasceu lá pelo século VII antes de Cristo, com uma figura que chamava Tales de Mileto. Mas até se chegar aos primeiros filósofos a Tales, muitas coisas aconteceram. A Grécia formou-se como nação, tornou um importante centro comercial do mundo Antigo. Sobretudo a Cidade-Estado Atenas. O primeiro grande veículo que levou à filosofia foi o Mito. Ele é, certamente, uma maneira simbólica de referir-se ao mundo físico e psíquico anterior à explicação causal ou de nexos coordenados logicamente, como fariam os primeiros filósofos. Mas o que é um mito? Assim explicam as pensadoras: Como processo de compreensão da realidade, o mito não é lenda, pura fantasia, mas verdade. Quando pensamos em verdade, é comum nos referirmos à coerência lógica, garantida pelo rigor da argumentação e pela apresentação de provas. A verdade do mito, porém, resulta de uma intuição compreensiva da realidade, cujas raízes se fundam na emoção e na afetividade. Nesse sentido, antes de interpretar o mundo de maneira argumentativa, o mito expressa o que desejamos ou tememos, como somos atraídos pelas coisas ou como delas nos afastamos. Segundo alguns intérpretes, o "falar sobre o mundo" simbolizado pelo mito está impregnado do desejo humano de afugentar a insegurança, os temores e a angústia diante do desconhecido, do perigo e da morte. Para tanto, os relatos míticos se sustentam na crença, na fé em forças superiores que protegem ou ameaçam, recompensam ou castigam (ARANHA; MARTINS, 2015. p. 27). Teriam os mitos desaparecidos entre nós? Não, claro que não. Freud recorreu aos mitos para fundamentar sua Psicanálise. A antropologia, uma ciência moderna, dá a eles um valor fundamental. O estruturalismo representado por Claude Levi-Strauss, por exemplo, procurar explicar os elementos culturais das sociedades atuais por meios dos mitos. Sobre isso nossas pesquisadoras dizem que: O mito não se reduz a simples lendas, mas faz parte da vida humana desde seus primórdios e ainda persiste no nosso cotidiano como uma das experiências possíveis do existir humano, expressas por meio das crenças, dos temores e desejos que nos mobilizam. No entanto, hoje os mitos não emergem com a mesma força com que se impuseram nas sociedades tribais, porque o exercício da crítica racional nos permite legitimá-los ou rejeitálos quando nos desumanizam (Id. ibid., p. 33). Por que, então, o Mito, pelo menos o Mito como narrativa para explicar os fenômenos físicos e psicológicos, as doenças e desgraças, enfim, o Mito como verdade e sentido desapareceu? Ou só se modificou. Na Grécia, por quê? Por vários motivos, a Grécia tornou-se um importante centro comercial, possuía uma moeda forte, tinha uma língua “universal” para aqueles tempos, tinhas portos por onde a cultura oriental chegou aos gregos. Outro fator é religião, cuja capacidade sistematização das coisas, a produção conceitual deu aos gregos uma característica não havida, dessa forma, em nenhuma outra civilização. Afinal, o que faz a filosofia? Desde seu surgimento, a filosofia tem se preocupado com o fundamento racional que sustenta o que denominamos realidade. O que é isso que existe? Como podemos definir o que existe? Por que há algo e não, antes, nada, já perguntava Parmênides? A filosofia surgiu diferenciando do mito na forma. Enquanto o mito é uma narrativa sobre algo, quase sempre com um fundo moral baseado na autoridade de um narrador, a filosofia só conhece a razão como fundamento. Para dizer que sabe ou não se sabe, é preciso encontrar um argumento convincente. Dessa forma, nossas autoras nos dizem que a filosofia tem as seguintes características: a) Radical. A filosofia é radical, não no sentido corriqueiro de ser inflexível- nesse caso seria a antifilosofia! -, mas porque busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos do pensar e do agir. Por exemplo, a filosofia das ciências examina os pressupostos do saber científico: é ela que reflete sobre o que a comunidade científica define como ciência, como a ciência se distingue da filosofia e de outros tipos de saber, quais são as características dos diversos métodos científicos, qual a dimensão de verdade das teorias científicas e assim por diante. O mesmo se dá com a psicologia, ao abordar o conceito de liberdade: indagar se o ser humano é livre ou determinado já é fazer filosofia. b) Rigorosa Os filósofos desenvolvem um pensamento rigoroso, justificado por argumentos, coerente em suas diversas partes. O uso de linguagem rigorosa evita as ambiguidades das expressões cotidianas, o que permite a interlocução com outros filósofos a partir de conceitos claramente definidos. Por isso criam expressões novas ou alteram o sentido de palavras usuais. Por exemplo, enquanto o termo ideia no grego arcaico (eidos: "forma") significava a intuição sensível de uma coisa (aquilo que se vê ou é visto), Platão criou o conceito de ideia para referir-se à concepção racional do conhecimento, a forma imaterial de uma coisa. Por exemplo, as pessoas e as coisas belas são percebidas pelos meus sentidos, mas a beleza é uma ideia pela qual compreendo a essência - ou seja, aquilo que faz com que uma coisa seja bela. Nesse sentido, para ele as ideias são mais "reais" que as próprias coisas. No entanto, o conceito de ideia seria reinventado ao longo da história da filosofia, assumindo conotações diferentes em Descartes, Kant, Hegel e assim por diante. É pelo rigor dos conceitos que se inovam os caminhos da reflexão. E isso não significa que um filósofo "suplanta" outro, porque qualquer um deles pode e deve - ser revisitado sempre. c) De conjunto. A filosofia é um tipo de reflexão totalizante, de conjunto, porque examina os problemas relacionando os diversos aspectos entre si. Mais ainda, o objeto da filosofia é tudo, porque nada escapa a seu interesse. Por exemplo, o filósofo se debruça sobre assuntos tão diferentes como a moral, a política, a ciência, o mito, a religião, o cômico, a arte, a técnica, a educação e tantos outros. Daí o caráter transdisciplinar da filosofia, ao estabelecer o elo entre as diversas expressões do saber e do agir. Desse modo, o avanço da biologia genética desperta a discussão filosófica da bioética; a produção artística provoca a reflexão estética e assim por diante (Op. cit., páginas 20-21). Quem foram os primeiros filósofos e o que queriam? Veremos resumidamente esses pontos. Aula 02 Os primeiros pensadores ocidentais receberam o nome genérico de pré-socráticos. Isso porque Sócrates é um capítulo novo dentro dessa trajetória. Os tais pré-socráticos provinham de várias regiões de fala grega, como a Jônia (sul da Turquia), na qual encontravam-se as cidades de Éfeso, Samos e Mileto. Sul da Itália também (Eleia), Macedônia e a própria Grécia e suas várias cidades, mas tendo seu foco em Atenas, a mais desenvolvida culturalmente. O que é importante saber é que os pré-socráticos foram naturalistas, chamados também físicos ou Cosmólogos pelo fato de buscarem na natureza (no Cosmo) a ARCHÉ (o princípio que dá origem) ao que chamamos realidade. Os principais foram: Pitágoras, Parmênides, Heráclito, Anaxímenes, Anaxágoras, Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Demócrito. Todos eles associavam o Ser a um elemento natural, água, ar, água, ápeiron, átomo. Destes, Tales é nosso primeiro filósofo ocidental. Aula 03. Dos pensadores pré-socráticos, dois se destacam pela visão oposta em relação ao que seria a realidade ou aquilo que consideramos realidade. De certo modo, eles se opunham sobre o que chama-se realidade, ou sobre a maneira como percebemos o real, isto é, o que é, o que existe, o que está aí e podemos ver, tocar, cheirar, imaginar, enfim, o mundo percebido em sua forma física e intelectual. Para Parmênides, o que há é o Ser – que é imóvel, imutável. O que (é) sempre (é) – sempre será-, e nunca deixa de ser, de existir. Se deixasse de existir, não poderia ser eterno, permanente, imutável. O Ser que às vezes (é) e, também, às vezes (não-é), não tem consistência. Portanto, o Ser é imutável, imóvel, enfim, eterno. Dito isso, segue-se que para Parmênides, o ser, isto é, o que dá consistência à realidade é formada de uma essência existente, real, verdadeira e eterna. Platão seguirá Parmênides neste aspecto: o importa é o conceito, a essência e não a aparência. Mas Heráclito discordou. Argumentou que há um fluxo eterno de vir-a-ser que se transforma a cada segundo, a todo momento, o tempo todo, sem interrupção. “Jamais uma pessoa banhar-se-á no mesmo rio”, dizia Heráclito. Como entender Heráclito? O mundo e tudo que os sentidos percebem ou a mente imagina, é atravessado por uma inconsistência eterna. Absolutamente nada é seguro e invariável para Heráclito. No século XIX, Nietzsche fez da filosofia de Heráclito uma porta para a sua (de Nietzsche) filosofia voluntarista. Essas questões de ontologia (estudo do ser) alimentou em grande parte a filosofia de Platão. Também é importante observar quem fazia parte dos “atomistas”. Eles tentaram responder as questões levantadas por Heráclito e Parmênides. Demócrito fala em “átomo”, termo hoje ainda presente entre nós. Os pensadores atomistas tentaram explicar as teses de Parmênides e Heráclito por meio de paralelos como o mundo natural. Para muitos deles a essência de tudo era a água (como para Tales, por exemplo). Para outros era o Ar, o Fogo (Heráclito também falava nisso), para outros eram os números (Pitagóricos; Pitágoras). Por esse motivo, os pré-socráticos foram chamados também físicos, fiscalistas, cosmólogos ou, simplesmente, naturalistas. Aula 04 Sofistas de Sócrates. Sócrates deve ter sido uma figura ímpar naquela Atenas; andava pelas ruas de Atenas, provocando furor, irritando os que se consideravam sábios, conversando com toda sorte de gente. Foi em uma dessas conversas de rua que Platão, ainda jovem, lhe conheceu e ficou encantado com o que Sócrates dizia e fazia. Recorreremos às nossas comentadoras para falar de Sócrates. Assim elas o descrevem: Lembremos a figura de Sócrates. Dizem que era um homem feio, mas que, quando falava, exercia estranho fascínio. Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praça pública. Interpelava os transeuntes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto: "O que é a coragem e a covardia?", "O que é a beleza?", "O que é a justiça?", "O que é a virtude?". Desse modo, Sócrates não fazia preleções, mas dialogava. Ao final, o interlocutor concluía não haver saída senão reconhecer a própria ignorância. A discussão tomava então outro rumo, na tentativa de explicitar melhor o conceito. Vejamos então esses dois momentos, que Sócrates denominou Ironia e Maiêutica (op. cit. p. 21). Sócrates buscava a virtude, uma interioridade ética, com a qual separamos o certo do errado. Sócrates tinha preocupações éticas e políticas também. Afinal, viver em sociedade, exige autoconhecimento para poder conhecer as outras coisas. Essa é a virada que Sócrates promove: os pré-socráticos estavam convictos de que a verdade é racionalmente encontrada na natureza, na Physis, no Cosmos. Sócrates vai buscar na alma (Psiché) o que há de mais importante para conhecer. A verdade está em nós como Virtude. Praticar o Bem significa conhecer a Virtude e agir em conformidade com ela. O erro advém da ignorância de não se autoconhecer, dirá Sócrates. Sócrates inaugura, podemos dizer assim, uma antropologia que se situa naquilo que chamamos IRONIA e MAIÊUTICA. Em linguagem formal, empregamos o termo ironia para dizer algo e expressar exatamente o contrário. Tirar sarro elegantemente. Por exemplo: afirmamos que alguma coisa é bonita, mas na verdade estamos chamando-a de cafona. Para Sócrates, porém, a ironia consiste em perguntar, simulando não saber. Desse modo, o interlocutor expunha sua (a dele) opinião, à qual Sócrates reagia com argumentos que faziam o interlocutor perceber a ilusão do que (o interlocutor) supunha conhecer. Sócrates era um “chato” mesmo!!! Ficava arrancando as pessoas do senso comum e de suas ilusões baratas. No processo da Maiêutica, Sócrates fazia novas perguntas para que seu interlocutor pudesse refletir. Portanto não ensinava diretamente, mas o interlocutor descobria o que já sabia (Maiêutica) – parir ideias. Sócrates dizia que, enquanto sua mãe fazia parto de corpos, ele ajudava a trazer à luz, ideias. AULA V ADENDO SOBRE OS SOFISTAS De certo modo, Sócrates buscava na virtude uma questão absoluta e inconteste. Nesse sentido, podemos até dizer que Sócrates via a verdade como algo fundamental e imutável que estava em nossa alma. Buscando-se nela (na alma) o que nela há, encontrar-se-ia a regra de ouro para conhecer a verdade, que, para Sócrates, era o Bem e a Justiça (esse é o tema depois continuado por Platão). Portanto, praticar a verdade e a justiça equivale a conhecê-la em essência. Essa era a temática socrática, depois levada adiante por Platão. Os sofistas se opõem a essa maneira única de verdade que Sócrates, depois Platão, edificaram. Para os sofistas a verdade não é algo que está pronto em nós, mas algo que se amolda em nós conforme as circunstâncias. Os sofistas eram professores da moda – a democracia que estava surgindo. Queriam divulgar a ideia de que a verdade é um discurso baseado na retórica, no bem falar, no bem expressar-se. Nesse sentido, a verdade é um consenso sobre algo percebido de diversas maneiras (veja Aula 04, página 02, coluna A). Sócrates e Platão, por isso mesmo, rotularam os Sofistas de Charlatões, Relativistas, Oportunistas e detratores da verdade. Classificaram eles como pessoas sem interesse na verdade, mas apenas nas circunstâncias e aparências. Lembremos que Sócrates e Platão (depois Aristóteles também) foram contra a Democracia que nascia entre os gregos naquela época. A quem vocês dão razão? Para outros, os Sofistas foram tão importantes à sociedade grega que ficaram conhecidos como os Iluministas Gregos. AULA VI Platão Platão (Aristocles era seu nome) é o escritor de quase tudo que sabemos sobre Sócrates. Outro escritor que nos narrou alguma coisa sobre Sócrates foi Xenofonte. Será que Sócrates existiu mesmo ou foi um personagem inventado por Platão? Muitos levantam essa suspeita. Creio que Sócrates deve ter existido. Todavia, como nada escreveu, Platão o retratou a seu modo. É difícil saber como Sócrates realmente agia e pensava. Estamos sempre presos ao que Platão nos narrou em A República, As Leis, O Banquete, Fédon, Apologia de Sócrates e outros textos mais. Platão é “filho” de Sócrates. A morte de Sócrates leva Platão à filosofia. O ensino de Sócrates sobre alma (virtude) leva Platão a buscar um governo que esteja livre dos erros que mataram Sócrates. Platão quer que os melhores cidadãos governem. Platão acredita que a realidade é dupla: a) uma parte vemos claramente com os sentidos; b) a outra podemos apenas intuir com a razão. Mas é essa segunda a melhor, a mais profunda, a que deve ser despertada para que haja governos justos, menos corruptos e mais paz. Platão quer que o ensino desenvolva nas pessoas as suas aptidões, das quais, conhecer as essências é o mais importante. Quem conhece as essências, não briga por aparências. Sabe que o ideal é uma luz que ilumina a razão tal qual o Sol ilumina as coisas terrenas e visíveis. Platão entende que os sentidos são enganosos. Daí que o bom governo deve ser formado por pessoas que foram treinadas para a abstração por meio da matemática, da aritmética, da lógica e da retórica filosófica. Só quem recebeu esse ensino, só quem tem uma alma predisposta a aprender as questões mais abstratas sabe o que as essências são, embora não posso contemplá-las, mas só intui-las. Quem chega a esse grau de saber, é sábio ou sábia e tem mais chance de ser politicamente mais bem-sucedido na gerência da República. Por isso diz-se que Platão queria uma SOFOCRACIA – uma República de sábios. Como Sócrates, Platão também vê o conhecimento como um caminho para conhecer o Bem, que a um só tempo significa a Verdade e a Justiça. A filosofia é o caminho que deveria levar as pessoas a despertar das aparências enganosas caracterizada pela Caverna e ver que as coisas que vemos pelos sentidos são apenas deformações do que há na Ideia – na Essência onde se encontram as coisas verdadeiras e que no mundo ilusório das aparências são apenas sombras do real. Nesse sentido, aquele que for despertado da ignorância, encontra em sua alma “as reminiscências” (as lembranças) que traz do mundo ideal – do mundo das Ideias. Conforme Platão, Demiurgo criou as coisas e as nossas almas. Platão é um místico, um criador de mitos ou um filósofo? De tudo um pouco. Ele utiliza várias formas para falar do Governo Ideal e da República justa e fraterna que queria fundar. Sua visão de Estado declara que as pessoas nascem “naturalmente” predispostas a determinados afazeres. Pelo ensino se detecta que alma cada indivíduo tem. E de acordo com essa alma, associa-se também os afazeres na república justa que ele imaginava. REFERÊNCIAS. ARANHA, Maria Arruda; MARTINS, Maria Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2015, páginas 12-42.