1964 , golpe ou contra golpe?

A revolução de 1964 faz 50 anos este ano. Não dá para falar tudo sobre este fato em um artigo, mas depois de longas pesquisas e estudos que eu realizei acho que podemos fazer algumas considerações.

Os anos 60 eram palco da Guerra fria, aliás, no inicio vivemos o auge da Guerra que travavam Estados Unidos e a então União Soviética. Imperialistas, internacionalistas, não importa o rótulo, ambas as nações mais poderosas do mundo tinham interesses territoriais e busca de aliados ao redor do mundo. Havia sim por parte deles,  abundância de recursos financeiros, espionagem e muita ação de ambos os lados para seus objetivos e consolidação de suas soberanias. Existia a dicotomia entre o liberalismo americano e o comunismo soviético. Qual era o melhor regime, depois, ficou claro com a queda do muro de Berlim em 1989 após a Perestroica de  Mikhail Gorbachev iniciada em 1985 devido a total falência do regime de economia planificada.

Investidas e recursos da União Soviética e de Cuba, já comprovados eram derramados aqui no Brasil, além de intercâmbio de lideranças que usavam campos chineses e cubanos para treinamento de táticas de guerrilha e ataques. Isso também é abundantemente comprovado pela história.

Alguns estados brasileiros, talvez devido as suas fortes e competentes lideranças, tiveram maiores influência e engajamento nesta relação com as nações, digamos, da esquerda, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Francisco Julião com as ligas camponesas e Gregório Bezerra, Miguel Arraes e outros mais em Pernambuco e Leonel Brizola, Jango no Rio Grande do Sul. Não quero rotular nenhum deles de comunista, apesar de alguns serem confessadamente, mas todos com tendências esquerdistas. Aqui se faz necessária a consideração de que havia nas forças armadas celebres personagens ligados a estas lideranças e declaradamente esquerdistas, como o almirante Aragão, o general Machado Lopes e alguns outros. Um problema sério era com a infiltração no movimento dos sargentos que foram personagens de vários levantes e problemas disciplinares nas forças armadas.

Jango foi ministro de Vargas, inclusive com o apoio deste,  havia fortalecido muito o sindicalismo, e este segmento naturalmente foi também contaminado pela Guerra fria e as tendências esquerdistas.

Algumas destas lideranças eram mais radicais e usavam métodos mais agressivos, como as Ligas Camponesas de Julião e a criação dos G-11 de Brizola. Julião e seus comandados se armaram e receberam treinamento de Cuba e o G-11 de Brizola, inspirado na revolução russa de 1917, chegou a arregimentar 50 mil pessoas com 5 mil células. O G-11 de Brizola, fartamente documentado, tinha um estatuto revolucionário radical que previa inclusive o assassinato de seus opositores.

Após grande prosperidade do governo JK, o Brasil entra em grave processo de crise política e econômica. A renúncia até hoje inexplicada de Janio, o tumulto do endossamento a posse de Jango, o parlamentarismo passageiro e finalmente uma inflação galopante e baixo crescimento econômico acabaram por fortalecer estas forças políticas. Nitroglicerina pura para levantes e insatisfação de vários setores, inclusive das forças armadas que ainda viviam as ressacas de 1945 com a deposição de Vargas e 1955 com a tentativa de barrar a posse de JK.

Jango era extremante popular, para derrubar o parlamentarismo com a volta do presidencialismo, o plebiscito com sua  influência teve 80%  votos a favor da volta do sistema presidencialista. O plebiscito antecipado para janeiro de 1963, a data original seria 1965,  e o aumento do salário em 75% como jogada política de Jango acirrou ainda mais os ânimos dos movimentos contrários a ele.

Havia grande incerteza institucional, Guerra fria, crise econômica e o populismo de Jango que inventa a tal das reformas de base, sem entrar novamente no mérito da qualidade destas reformas. Basicamente ele queria fazer a reforma agrária, tomar medidas de restrição ao capital estrangeiro e medidas que aumentariam a forca dos sindicatos, já com grande influência política sobre Jango e estranhas relações com os países esquerdistas em função da Guerra fria.

Nas minhas pesquisas e estudos que venho realizando para meu próximo livro sobre esta temática, posso inferir algumas coisas:

  1. Havia a nítida divisão nas forças armadas e infiltração esquerdista
  2. Movimentos radicais como As ligas Camponesas e o G-11 de Brizola tinham interesses belicosos e revolucionários, bem aos moldes dos anos 50 e 60, motivados pela guerra fria.
  3. Uma pergunta pode responder a real intenção golpista, afinal, no caso do G-11, porque arregimentar 50 mil pessoas em 2000 células de operação nos principais centros brasileiros ou mesmo armar e treinar camponeses em Pernambuco?
  4. Criada pelo Partido Comunista Brasileiro as ligas camponesas de Julião e Bezerra  tinham inspiração chinesa e se preparavam para um conflito.
  5. Não posso dizer que Jango tinha este radicalismo de Brizola e das Ligas Camponesas, mas ele acreditava nas forças armadas e seus escudeiros. A sua popularidade e seu grupo político faziam com que ele pensasse em um golpe, digamos, legalista, via fechamento do congresso ou mesmo a convocação de uma constituinte que lhe desse os poderes necessários para as reformas de base que pretendia.
  6. A direita, digamos assim, já estava articulada desde 1945 com a deposição de Vargas e o levante contra a posse de JK e, 1955, motivados por Jango que se elegeu vice-presidente de JK. Fica claro para mim, que JK tinha algumas restrições no meio militar, principalmente depois de lançar açodadamente a campanha JK 65, O grande problema dele entretanto foi a resistência a Jango.
  7. Quando Janio renunciou em 1961 e começa a celeuma para empossamento de Jango, o mesmo se encontrava na China comunista.  
  8. João Goulart  deu um golpe na antecipação do plebiscito que decidiria a volta ou não do presidencialismo. O parlamentarismo tinha sido a solução legalista encontrada para a posse de Jango no lugar de Janio Quadros.
  9. Parece que Jango era brigado com Brizola, cunhados e amigos, mas com posição distinta na condução destes planos revolucionários e golpistas. Brizola tinha grande influência sobre o cunhado presidente e este não se oporia a uma ação mais radical de Brizola.
  10. Documentos encontrados após o golpe de 31/03/1964, na verdade antecipado pelo General Mourão Filho, mostram claramente que Brizola planejava o seu golpe para dia primeiro de maio, dia internacional do trabalho e com grande simbologismo aqui no Brasil e nos países esquerdistas.
  11. Uma missão chinesa teve documentos apreendidos que mostravam seus interesses revolucionários já em linha paralela a de Brizola. Houve grande polêmica na época envolvendo o advogado Sobral Pinto que defendeu os chineses acusando os militares de forjarem documentos para incriminar os chineses. Nunca foi provado nada contra ou a favor dos chineses, mas houve em grande entrevero diplomático entre o Brasil e a China de Mao Tsé Tung, com ameaças graves contra o Brasil.
  12. Os militares organizados e preparados se anteciparam e deram o golpe que na minha visão salvou o Brasil das garras comunistas.

Para concluir, posso inferir e afirmar que tínhamos quatro grupos distintos para tomar o poder no Brasil.

  • O grupo influenciado pela China, fortemente arraigado no nordeste, mas sem muita clareza do envolvimento do governador da época Miguel Arraes que mesmo com diversas ações que poderiam suscitar este envolvimento, não ficou muito claro via documentação histórica.
  • O grupo de Brizola com o G-11, com dinheiro Cubano e Soviético, o mais belicoso e radical que se preparava para o golpe dia primeiro de maio de 1964.
  • O grupo de Jango que pensava de forma legalista, via mudanças constitucionais para a reeleição de Jango, constituinte, ou outra forma de manutenção e aumento de seu poder para fazer as reformas de base que ele sonhava. Confiava na divisão das forças armadas e em seus asseclas.
  • O grupo da direita, instalado no IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais que era flagrantemente de direita e tinha o intuito de frear o ímpeto comunista na América do Sul. Financiado pelos EUA e por empresários brasileiros foi o quartel general da revolução de 1964.

O famoso comício do dia 13 de março na Central do Brasil com intensa movimentação dos sindicalistas e do esquerdismo nacional serviria de palco para simular o apoio popular as intenções de cada um, mas logo teve seu contraponto na famosa Marcha da Família em 22/03/1964, mostrando que o povo não estava tão sintonizado com as ações esquerdistas.

A crise econômica com inflação alta, chegando a 40% ao ano, baixo crescimento, greves e muita baderna acabaram por desestabilizar os movimentos golpistas.

Para finalizar, eu posso afirmar com toda convicção que o golpe de 1964 foi um contra golpe, pelo grupo mais organizado e legitimado pela população e as principais instituições nacionais.

Existe farta documentação a respeito e as conclusões podem ser feitas.

Não quero julgar os vícios e as virtudes do regime militar que ficou por 21 anos no Brasil. A essência dele era a reorganização do Brasil, mas a linha dura venceu a batalha e implantou a ditadura.

Não se pode demonizar a revolução não se pode apagar a história, mas não podemos nos abster de criticar os erros e vícios que os militares cometeram.

A luta armada que se seguiu no final dos anos 60 e 70 nada mais foi do que resquícios dos militantes que perderam a oportunidade do golpe pretendido e não consumado. Dinheiro russo, chinês e cubando havia, assim como treinamento e lideranças externas. Alguns atribuem o recrudescimento do regime militar a estas ações terroristas, pode até ter sido.

Julgar regimes e governos, em épocas distintas, com erros e acertos, vícios e virtudes inerentes a cada um, com fatores exógenos sempre presentes, é muito complexo e difícil.

Para fazer este  julgamento é preciso traçar referências e ter muito critério para não ser desonestidade intelectual ou interesses dos interlocutores.

Uma coisa é certa, não podemos apagar a história e não dar o merecido mérito a revolução de 1964. Na minha modesta opinião um contra golpe que nos salvou das garras comunistas e mesmo com os abusos e erros cometidos, merecem nossos aplausos, pela essência e por diversos feitos, principalmente na infraestrutura nacional.

Houve sim a influência americana, mas muito melhor do que teria sido a comunista soviética ou chinesa. Como alegam alguns que fomos expropriados pelos americanos, teríamos sido pelos russos ou chineses.