Nestes tempos de pandemia, uma característica de comportamento do cidadão moderno tem se acentuado. Estou falando da ausência de interações humanas totalmente despretensiosas. Atualmente, de modo agravado pelas redes sociais e o modismo das Lives, as pessoas estão se dirigindo a seus pares sempre com uma segunda intenção de lhe “vender” algo. Sejam um produto, um serviço ou mesmo uma opinião visando colher fiéis seguidores na web. As atitudes puramente despretensiosas, movidas por amizade, caridade ou solidariedade estão se tornando cada vez mais raras e difíceis de identificar. Tais comportamentos, de eternos vendedores, vêm subtraindo a confiança do próximo e minando antigas amizades bem como criando polarizações e guetos virtuais. Como bem descreve o autor Tom Nichols no livro “The death of expertise”, as pessoas, especialmente as mais jovens, buscam hoje argumentos na Internet que apenas validem suas opiniões e paradigmas já consolidados, e se sentem capazes de contrapor seus argumentos num debate direto com a ciência e com os verdadeiros especialistas. Com este entendimento, passam a se considerar exímios vendedores de suas visões de mundo e dos produtos e serviços de sua própria criação. Ao mesmo tempo, a rapidez da disseminação de informações de qualquer natureza pelas redes sociais tem também dado destaque a falsas verdades mais de que aos fatos e opiniões técnicas que as desabonem. Assim sendo, sempre haverá mais chance de se encontrar na web algo que confirme sua teoria e reforce seus argumentos. Pra complicar um pouco mais, as mídias digitais modernas, diferentemente da imprensa oficial clássica, lucra mais com a volumosa disseminação de informações, sejam falsas ou verdadeiras, do que com a cuidadosa verificação e revisão da notícia. Neste cenário, apenas nós mesmos temos a capacidade e a obrigação moral de buscarmos essa verificação antes de apenas absorvermos as opiniões, comprarmos idéias, produtos ou serviços e ainda disseminarmos aos nossos pares (amigos e familiares) como sendo a máxima descoberta do dia. Mas não quero, com isto, fazer crer que tenham desaparecido todas as formas autênticas e despretensiosas de interação humana. Ao contrário, essas interações se tornam ainda mais valiosas num mundo assolado por “vendedores”. Um bom dia e um sorriso sincero, um brinde mesmo que virtual, uma vídeo-chamada pra matar a saudade de um parente ou amigo distante, uma campanha de solidariedade, sempre serão formas agradáveis de contato humano, hoje bastante facilitado pelo advento da Internet. Seja você mesmo e reparta com seus contatos suas sensações de tristeza ou felicidade sem esperar nada em troca, apenas o ombro amigo. Muitas vezes estas atitudes reforçam a confiança mútua de forma mais espontânea e natural e podem acabar até lhe trazendo benefícios indiretos nos momentos em que estiver de fato precisando “vender” alguma coisa.