"José" existencialista?

O famoso poema "José", de Drummond, já foi aproveitado como letra de canção popular. Graças a ele, a expressão "E agora, José?" se popularizou como sinônimo de beco sem saída ou busca de solução.

Sem nenhum exagero, podemos falar aqui em intenções existencialistas, já que "José" (uma máscara sob a qual o poeta se esconde) se encontra numa situação bastante conflituosa, semelhante às situações-limite tão comuns na filosofia da existência. Isolado no seu cantinho de solidão e tristeza, ele se presta a um questionamento sobre o sentido da existência humana, etc. Senão, vejamos.

"E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?"

Algo semelhante, aliás, vamos encontrar nos personagens de Franz Kafka, autor que se tornou mundialmente conhecido por ter criado tipos literários extremamente angustiados. Assim, as obras O Processo e A Metamorfose podem ser vistas como existencialistas, na medida em que são construídas tendo como pano de fundo uma situação para lá de esdrúxula: o absurdo subjaz a todas as situações narradas, mesmo aquelas de aparente normalidade. Tudo isso é fruto, possivelmente, das constantes leituras que Kafka fez de autores pré-existencialistas como Sören Kierkegaard e Dostoievski.

Por sua vez, não consta que Drummond tivesse feito leituras desse tipo, apesar de ter sido contemporâneo dos grandes nomes do movimento existencialista: Heidegger, Sartre e Camus. No entanto, toda grande literatura tem sempre uma grande filosofia por trás. Só para ficarmos num exemplo bastante conhecido: A Divina Comédia, de Dante, tinha o pensamento de Tomás de Aquino como pano de fundo. Recentemente, falando à revista eletrônica Trópico, o filósofo Bento Prado Jr. Destacou que é "surpreendente a coincidência temporal da emergência de temas, escolhas teóricas, práticas e estilísticas entre os dois autores [Drummond e Sartre], sem que se possa falar de influência...". Assim, "José" está para a escola existencialista, se se fizermos um esforço para perceber isso.Afinal, é através da conflituosa relação eu/mundo que o autor enumera as carências vivenciadas por "José" no momento. Veja os versos:

"... Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode..."

Os quais testemunham a situação-limite em que se encontra "José", que é a persona do autor, mas poderia ser também a máscara de qualquer pessoa. Uma existência privada de tudo, "do riso", "do bonde" e "da utopia". Ainda assim, "José" insiste, na condição de anti-herói que não vê saída à vista senão a realidade dura e crua que se lhe estampa num misto de "incoerência, febre e ódio". Agora:

"Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse..."

A angústia é, no existencialismo, o sentimento que faz com que o homem desperte para a existência autêntica, tomando consciência da própria liberdade, seja em situações cruciais ou naquelas mais triviais. Mas, ao contrário de Sartre – que pela angústia era capaz de tomar consciência de que era absolutamente livre para escolher entre a vida e a morte –, o nosso "José" deixa-se deprimir permanentemente. E, perdido nesse mar de tédio, continua conjugando o verbo existir...

Porém, sem teogonia e ideologia, ele é incapaz de reagir com bravura à problemática em que está metido. Pelo contrário, se submete, se entrega ao "nada". Entenda-se: o nada, enquanto negação de toda e qualquer ação positiva. Trata-se do oposto do "nada" sartreano, pelo qual o ser se descobre cheio de possibilidades de mudança. O nada aqui limita "José", anula-o, fazendo dele um "zé-no-mundodesprovido-de-qualquer-iniciativa".

"José" constitui a alegoria do indivíduo que não conseguiu ultrapassar os limites de sua precária imanência e, por isso, preferiu se entregar à segurança" de uma vida medíocre e previsível, em vez de "se situar" consciente e criticamente diante de uma situação histórica real, para tentar mudá-la ou denunciá-la, subjugado que está pelo tripé medo-vazio-indecisão. Em outras palavras, "de te fabula narratur".

(A. Zarfeg)