A velha máxima popular que diz que o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre é abortada em um livro que trata as cidades como epicentros do turbilhão contemporâneo em que vivemos. CONFIANÇA E MEDO NA CIDADE (Fiducia e pausa nélla citta, tradução de Eliane Aguiar, Zahar, 96 páginas, RS 14,90), escrito pelo político sociólogo polonês Zygmunt Bauman, concorda com o bordão. Nas grandes áreas urbanas se encontram os avanços capitalistas, tornando-as objetos de novos e intensos fluxos populacionais que deliberam uma elite desfrutando as oportunidades da economia de mercado e uma base periférica, pobre, senão miserável, degradada e marginal. Em meio a essa tensão está a classe média, vítima do processo num todo. Assim, qual a seria o caminho para solucionar e equilibrar o processo urbano em relação aos segmentos sociais opostos?

"(...) as cidades se transformam em depósitos de problemas causados pela globalização (...)" página 32

Respostas o ensaio de Barman não traz, mas analisa as possibilidades de implantação das transformações na vida e na arquitetura das metrópoles. Mas antes de abordar essa possibilidade, o livro analisa a situação das grandes cidades que se enrijecem diante do medo e a insegurança que passaram a dominar a vida urbana na modernidade liquida.


Com apresentação de Maudo Mogatti, o livro faz parte da coleção que a Zahar lança periodicamente com o pensamento deste intelectual polonês radicado na Inglaterra desde 1971 e empenhado há quase 50 anos em expor e traduzir o mundo em textos. Considerado um dos poucos sociólogos contemporâneos que, segundo seus próprios críticos, "nos quais ainda se encontram idéias", Bauman, ao lado de Peter Berger, Thomas Luckmann e John o'Neill, faz parte da Sociologia humanística, uma vertente que aproveita uma gama de abordagens para refletir sobre a própria complexidade e a diversidade da vida humana.

Barman em texto douto conjuga o indivíduo urbano, supervalorizado, fragilizado e vulnerável, para explicar o que o Estado moderno faz para enfrentar o medo, resultado dos confrontos individuais, criando fortalezas e dispositivos seguros para sua população, ao mesmo tempo em que polariza os espaços. Pensando o que chama de "modernidade liquida", discute as relações entre os seres que habitam os centro urbanos. De acordo com sua narrativa, nos últimos anos, o medo e a obsessão por segurança ganharam lugar. De forma paradoxal, citando Castel, afirma que vivemos em algumas "das sociedades mais seguras que jamais existiram". Ainda mais contraditoriamente, nos sentimos cada vez mais "ameaçados, inseguros e assustados".

"O quadro que emerge dessa descrição é o de dois modos-de-vida separados, segregados" página 27 Diagnosticando a descrição da cidade moderna, Bauman nos apresenta um lado pessimista justificado pela própria sociedade que não se questiona verdadeiramente sobre seus problemas.

"As cidades contemporâneas são os campos de batalhas nos quais os poderes globais e os sentidos e identidades tenazmente locais se encontram, se confrontam e lutam (...)" página 35 A cidade de São Paulo, se coloca dentro desta análise de Bauman, sua desumanidade perante seus cidadãos é crível. A metrópole com sua abundância de muros ao redor de residências, prédios, parques... mostra-se com o seu lado cru, inescrupuloso e brutal da segregação das cidades metropolitanas.

Assim, Confiança e medo na cidade é uma obra indispensável a todos que pensam o contemporâneo, principalmente àqueles que refletem a contextualização urbana e a sociabilidade condicionada. Indicada não somente aos sociólogos, mas todos aqueles que desejam entender a violência que vemos nas cidades modernas e ainda mais aos seus moradores que aprisionados pelo cotidiano urbano não encontram meios de confiar na cidade que habitam.

Enfim, para Bauman, como a sociedade humana nasceu com a composição e com o cuidado do outro, a solução dos problemas está na retomada dessa tendência. Contudo, o desafio dos pensadores e políticos contemporâneos é recuperar a dimensão comunitária do espaço público, como forma de aprender a arte de uma coexistência segura, pacífica e amigável. Como ele já perfilou em outros trabalhos, o mundo pode ser diferente e melhor do que é, basta acreditar em seu objetivo.