Zaratustra e nossos dramas

 

Com você já deve ter ocorrido algo semelhante ao que ocorre comigo: me pego pensando. E hoje, pensando me lembrei que ao escrever Assim falou Zaratustra Nietzsche trouxe à discussão algumas das questões e problemas que circulavam em seu dia a dia e também da sociedade na qual estava inserido: responder, comantar, criticar propor alternativas ao pensamento corrente de sua época. Quais eram esses problemas? Relacionados à moral, à religião, aos comportamentos.  E, da leitura desse livro polêmico – aliás como toda a filosofia nietzscheana – se compreende que a filosofia é uma possibilidade da demolição.

É a filosofia que nos mostra alguns caminhos a serem evitados. Não necessáriamente a filosofia acadêmcia (essa, por vezes rançosa, visto que atada como se estivesse condenada) a qual na maioria das vezes só funciona na medida em que repete as idéias e penamentos de alguns que foram alçados ao céus justamente porque souberam dizer algo diferente aos seus contemporâneos. Esses filósofos acadêmicos acabam, em nome da filosofia, matando-a por inanição visto que ao invés de alimentá-la com novas idéias apenas lhe fornecem (só para manter o espírito nietzsceano) o vômito das repetições.

Sabemos que para se manter viva, a filosofia precisa olhar os antigos, sim, mas também propor a destruição, como propõe Roberto Gomes na sua Crítica da razão tupiniquim; ou na perspectiva nietzscheana: “Aproxima-se o tempo em que o homem não mais arremessará a flecha do seu anseio para além do homem e em que a corda do seu arco terá desaprendido a vibrar. Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante. Eu vos digo: há ainda caos dentro de vós”. Há, ainda, caos!!!

Já chegou o tempo em que se desaprendeu a vibrar. Por isso é que se faz necessário instalar o caos a fim de que possamos fazer nascer uma “estrela dançante”.

Ou dizendo melhor, justamente por ter desaprendido a arremessar a flecha do seu anseio para além do homem, pois desaprendeu a vibrar, foi que o caos se instalou: a corrupção desmedida e descarada, as safadezas políticas de toda natureza, a sofisticação das artimanhas para roubar o bem público (desvio de dinheiro e outras adjacencias), a inoperância dos serviços públicos engessados pela burocracia ou desacreditados pela falta de verba (que existe mas que se esconde nos nichos da corrupção e nos desvios que nem mais são sutis), a segurança pública que se volta contra o cidadão, os impostos que deixaram de ser meios para assegurar o bem coletivo para se tornar uma ofensa abusiva. Por tudo isso é que o povo, cotidianamente é estuprado, violentado, agredido por aqueles que deveriam ser promotores da satisfação das necessidades sociais.

Por essas e muitas outras é que o caos se instalou.

Mas se ouvirmos o apelo nietzscheano, “é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante” veremos que estamos no ponto exato: o ponto de fazer nascer a estrela dançante. Porque? “Eu vos digo: há ainda caos dentro de vós”.

E do caos pode brotar o cosmo – ou mergulharemos, definitivamente não num caos maior, mas no inferno, como Dante descreveu... afinal, estamos numa encruzilhada. Nosso dilema se impõe: ou do caos fazemos brilhar novos rumos criando o cosmo, ou mergulhamos no inferno, do qual já estamos na porta.

E os primeiros a acenar para a “estrela dançante” desejosa de nascer, podem ser os estudantes, ou outros trabalhadores que levam a séria sua organização sindical ou de categoria. Notemos que recentemente, no Chile, estudantes mobilizaram as opiniões, em Rondônia, foram mais de dois meses de greve, na universidade federal de Rondônia... e vários outros exemplos poderiam ser mencionados os estudantes chamaram a atenção para o caos instalado. Mas os donos do inferno teimam em não permitir que a luz rejuvenecedora da “estrela dançante” se propague. Entretanto o movimento estudantil – assassinado em tempos tenebrosos de ditadura – começa a renascer, feito Fenix; ainda meio capenga, mas socode as cinzas...

É para isso que serve a filosofia. Não para alimentar os ranços das repetições em textos repetitivos, laudatórios aos grandes ícones do pensamento, mas para colocar o cotidiano em discusão. Não para se fechar na academia, falando às paredes, num diálogo de surdos, mas para se por nas ruas – aliás como nos tempos de suas origens – propondo a dúvida, ou colocando em xeque o poder establecido.

Mas é bom não esquecer que isso tem um preço: aqueles que que desejam manter seus privilégios sugando o sangue das coisas novas, são os mesmo que desejam impedir que o homem novo retese as cordas de seu arco; da mesma forma que mataram Socrates tantam desqualificar tudo que é novo, como as novas caras do movimento estudantil e desestabilizar a união de trabalhadores organizados – como deveriam ser os professores.

O fato é que tanto o caos, nietzscheano, como a crítica, marxista, têm um mesmo propósito: fazer brotar o novo com a explosão do rançozo. Mesmo que a novidade seja assustadora para aqueles que instalaram o caos. Nestas alturas não é demais lembrar que só tem medo da novidade quem tem privilágios a perder!!!

 
Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
Rolim de Moura