TEOLOGIA: ETIMOLOGIA E DEFINIÇÕES

Explicar o "que é a teologia" não é uma tarefa nada facil. Tal desafio tem gerado opiniões diferentes no mundo teológico, e isso não somente no meio acadêmico, mas também dentro da própria igreja. Contudo, embora as divergências teológicas sejam reais, a maioria dos teólogos(as), tanto católicos quanto protestantes, grosso modo, costumam definir a teologia como sendo o "estudo de Deus". Vejamos algumas definições clássicas a respeito da teologia apresentadas por alguns teólogos:

1. "é a ciência dos fatos da revelação divina até onde esses fatos dizem respeito à natureza de Deus e à nossa relação com ele, como suas criaturas, como pecadores e como sujeitos da redenção" - Charles Hodge .
2. " é a ciência que extrai o conhecimento de Deus de Sua revelação, que estuda e pensa sobre ela sob a orientação do Espírito Santo, e então tenta descrevê-la de forma a honrar a Deus" - Herman Bavink .
3. "é a ciência de Deus e das relações entre Deus e o universo." ? Augustus Strong .
4. "De maneira sintética, dizemos que a teologia cristã é uma reflexão, sistemática e crítica, esperançada e sábia, sobre a fé cristã, vivida e transmitida nas comunidades eclesiais, a serviço da evangelização". Afonso Murad.

A palavra "teologia", assim como outros termos teológicos (Trindade, por exemplo) não se acha escrito na Bíblia. O termo é mais uma das heranças que o cristianismo adquiriu do mundo grego antigo no correr da sua história. Antes mesmo do surgimento do cristianismo, na Grécia clássica, os poetas gregos já recebiam o título de "teólogos" por compor e discursar versos para os deuses. "Homero e Hesíodo narraram as estórias a respeito dos deuses usando o veículo especial do mito; a teologia deles era mítica".

Do do período clássico da Grécia Antiga, "Sócrates se referia a uma das três disciplinas da filosofia teórica como "teologia". Essa disciplina ficou conhecida mais tarde como "metafísica" ou "metà ta physiká". Platão (427-347 a.C), por sua vez, usou o termo "teologia" para exprimir o discurso crítico-racional sobre os deuses da mitologia. Com Aristóteles (384-322 a.C), o termo já é usado para se referir ao estudo do "Ser" mais excelente ou supremo. Neste caso, "Aristóteles já delimita para a teologia determinado campo de saber, além de, às vezes, usá-lo também no sentido de fábulas mitológicas" .
Ao que se sabe, no início das primeiras comunidades cristãs, não "existia" teologia nesse sentido organizado e sistemático como se conhece hoje, não havia sequer o emprego da palavra teologia pela comunidade cristã. No cristianismo, o uso do termo teologia começou a ser usado primeiro pelos cristãos do Oriente, mais precisamente na Escola de Alexandria (Clemente e Orígenes) para se referir ao conhecimento cristão de Deus. "No Ocidente, até a Idade Média pouco se falava em "teologia". Faz-se teologia sob o nome agostiniano de Doutrina sagrada". Para Santo Agostinho (354-431?) - bem como outros pensadores cristãos de sua época - a teologia não se ocupava de todo o corpo da doutrina cristã, mas somente da "Doutrina de Deus". Nesta época, a "Doutrina de Deus" era uma disciplina específica que estudava o "Ser de Deus" da mesma forma que hoje, por exemplo, a "eclesiologia", estuda tão somente sobre um único assunto, a saber, a Igreja.
É na escolástica que o termo teologia passa a ser usado para se referir não apenas ao estudo do "Ser de Deus", mas dessa vez a "todo o corpo da doutrina cristã". Esta mudança tem possivelmente uma relação com o desenvolvimento das primeiras universidades que surgiram na Europa por volta dos séculos XII e XIII . Sobre isto o teólogo Alister McGrath faz a seguinte observação:

"Embora inicialmente o termo "teologia" significasse a "doutrina de Deus", o termo adquiriu sutilmente um novo sentido, nos séculos XII e XIII, à medida que a Universidade de Paris começou a se desenvolver. Era necessário encontrar uma designação para o estudo sistemático de nível universitário, voltado à fé cristã. A expressão latina theologia, sob a influencia de escritores parisienses como Pedro Abelardo e Gilberto de la Porree, passou a significar "a disciplina da ciência sagrada" que abrangia a totalidade da doutrina cristã, e não somente a doutrina de Deus"(MCGRATH, 2005. p.176).

Embora Pedro Abelardo (1079-1142) tenha usado o termo teologia para se referir ao estudo "científico da fé", abrangendo assim a totalidade da doutrina cristã, Tomás de Aquino (1225-1274) preferia usar o termo "Doutrina Sagrada" em lugar do termo teologia . Referindo-se ao modo como era usado o termo teologia no período da escolástica, o teólogo João Batista Libanio faz a seguinte observação:

"No mundo latino, Abelardo usa-o em sentido teológico cristão para referir-se ao tratado sobre Deus, enquanto se empregava o termo "beneficia" para a teologia sobre Cristo. Apesar desse uso de Abelardo, a escolástica preferiu outros nomes para teologia: ?doctrina crhistiana", "doctrina divina", "sacra doctrina", "divina institutio", "divinitas", "scriptura", "sacra Pagina". Santo Tomás manuseia os termos "sacra doctrina" ou "doctrina crhistiana" e raramente o termo "theologia", e num sentido diferente do atual. O termo "theologia" não se firmara na alta escolástica"(LIBANIO, 1996, p. 66).

Parece que aqui a "divergência" estava apenas na questão da escolha do termo adequado para se referir ao conjunto de ideias que davam origem ao estudo das "coisas sagradas" - "doctrina crhistiana", "doctrina divina", "sacra doctrina", "divina institutio", "divinitas", ou "teologia". No mais, vê-se que neste período, independente do termo que se usava, já se pensava teologia como uma "discussão sistemática das convicções cristãs em geral, e não apenas, e somente, de crenças acerca de Deus" .
Esta conclusão pode ser evidenciada em trabalhos como, por exemplo, a obra "Quatro livros de sentenças" do teólogo Pedro Lombardo (1100-1160 ?) . Combinando textos da Bíblia com autores patrísticos, esta obra foi dividida em quatro tópicos: o primeiro tratava da Trindade; o segundo, da criação e do pecado; o terceiro, da encarnação e da vida cristã; e o quarto e último livro, sobre os sacramentos e os últimos dias . Percebe-se que neste período já era possível encontrar um trabalho teológico organizado que discutia sobre vários temas relacionados à fé cristã .
Um desdobramento posterior ocorreu mais tarde no campo da teologia. O romper da "modernidade" provocou uma série de mudanças no campo das ciências, sobretudo na área teológica . Neste período a teologia passou também a se ocupar com o estudo do fenômeno humano da religião . Por fenômeno humano da religião se entendia o estudo teológico por um viés antropológico e sociológico das religiões . "Mais tarde abriu-se uma brecha entre as abordagens histórica e dogmática da teologia. A pesquisa histórica optou por uma completa liberdade dos controles dogmáticos também no Seminário Teológico" . O teólogo alemão Friedrich Schleiermacher (1768-1834) , tido como o pai do liberalismo teológico, foi talvez o primeiro teólogo protestante a propor mudanças "radicais" na ortodoxia para harmonizar o cristianismo com o Zeitgeist (o espírito da era) do iluminismo . Contudo, o objetivo de Schleiermacher não era, como se pensa, negar certas crenças tradicionais, mas antes transformar o pensamento cristão à luz da filosofia, da ciência e da erudição bíblica moderna . Aos poucos o estudo teológico que se ocupava com os dogmas referentes ao Deus Triúno e a fé cristológica da Igreja foram dando lugar a novos aportes.

___________________________
Bibliografia

AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. A Cidade de Deus: contra os pagãos. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. 12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

BRAATEN, Karl; JENSON, Robert. Dogmática cristã. São Leopoldo: Sinodal, 2002.

GIBELLINI, Rosino. A Teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 2002.

GONZALEZ, Justo. Breve dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.

HOMERO, A Ilíada .6.ed. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1996.

LIBANIO, J.B; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 12. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

MCGRATH, Alister. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2000.

MCGRATH, Alister. Uma introdução a história do pensamento cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

MASPOLI DE ARAUJO, Antonio (org.). Teologia: ciência e Profissão. São Paulo: Fonte Editorial, 2007.

MATOS, Alderi. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

OLSON, Roger. Historia da teologia cristã: 2000 mil anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001.

PANNENBERG, Wolfhart. Teologia Sistemática. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2009.

PLATÃO, A República. 378b-e; Platão, As Leis, Bauru,SP.:EDIPRO, 1999.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: patrística e escolástica. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002.

TILLICH, Paul. História do pensamento Cristão. 4. ed. São Paulo: ASTE, 2007.

VERGOTE, Antoine. Modernidade e Cristianismo: interrogações e criticas recíprocas. São Paulo: Loyola, 2002.

KORTNER, Ulrich H. J. Introdução a hermenêutica teológica. São Leopoldo: Sinodal/ EST, 2009.