O desafio da discusão da marginalização das Relações Étnico-Raciais se fundamenta na construção de novos paradigmas que norteiem a infiltração e a solidificação da Consciência Negra dentro do âmbito escolar como pressuposto para a disseminação e assimilação dos elementos da cultura e da identidade afrodescendente, de modo a criar mecanismos de redução das disparidades sociais e econômicas, de valorização das diferenças de cultura e de identidade que fazem parte do cotidiano escolar e de viabilização da coexistência intercultural sem desníveis hierárquicos, bem como, a formalização de pressupostos teórico-metodológicos que constituam subsídios para a elaboração de políticas públicas voltadas para a Educação das Relações Étnico-Raciais e Interculturais.

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Doravante, as maneiras como se tem enfrentado as problemáticas oriundas da utilização de conceitos afirmativos de racismos, de preconceitos e de estereótipos que transformaram o substantivo NEGRO em um adjetivo pejorativo, assim como, discutir a forma subserviente como se tem tratado a inserção da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo oficial de Ensino no Brasil fundamentam respostas para o problema da omissão da matriz religiosa africana no currículo do Ensino Religioso no e as implicações da marginalização da cultura e da identidade afrodescendente na dinâmica das Relações Étnico-Raciais e Interculturais que envolvem a comunidade negra e não-negra . 

Ao longo da História do Brasil, discriminação, racismo e preconceito sempre fizeram parte do cotidiano da vida da população afrodescendente, refletindo-se ainda mais na vida de mulheres, homens e crianças prodigiosamente desprestigiados social e economicamente, situação que, considerando mais de 500 anos de existência, pouco se alterou. Em 1854 o decreto nº 1.331 legitimou a não admissão de escravos nas escolas públicas, mais adiante, em 1878 o decreto nº 7.031-A determinou que os negros só poderiam estudar a noite e ainda assim, vários mecanismos foram desenvolvidos afim de, dificultar tal oportunidade de educação, se é que podemos chamar de oportunidade. Estabelecia-se, desde então, um divisor étnico-racial que se enraizou nos sistemas escolares e daí se dissipou para toda a sociedade brasileira. Muitos anos depois busca-se alterar este quadro, a partir do mesmo veículo- a Educação, mas, infelizmente, pode-se afirmar que o processo de desqualificação de um sistema tão arraigado de preconceitos e armado sobre os dormentes da segregação será uma luta difícil, longa e dolorosa.

Desde sempre a desqualificação de um em favor da afirmação de outro esteve presente nas relações étnico-raciais. A propósito, Borges (2002) afirma que ainda na Antiguidade Heródoto (século V a.C.) escrevia textos sobre os não-gregos, chamando-os de bárbaros, baseando essa denominação na superioridadedos gregos e na inferioridade dos estrangeiros, determinando a superioridade de sua cultura como justificativa das relações de dominação política, militar, econômica e cultural a qual foram submetidos os povos estrangeiros conquistados pela Grécia. Já na Europa do século XV, a dominação de africanos foi justificada pela culpa do pecado original dos descendentes de Cam. Não por acaso, Borges (2002) ainda coloca que, pelo ideologismo português das raças infectas (índios, negros, judeus e mouros), a história da colonização brasileira é marcada pela diferença entre homens, moldada desde o início por concepções racistas de superioridade e inferioridade.

A discussão sobre a invenção e a intenção de raça foi abordada por Kenski (2003), fazendo citação ao botânico sueco Carolus Linnaeus que criou a humanidade Homo sapiens e a dividiu em quatro grupos: os vermelhos americanos, geniosos, despreocupados e livres; os amarelos asiáticos, severos e ambiciosos; os negros africanos, ardilosos e irrefletidos e os brancos europeus, evidentemente, ativos, inteligentes e engenhosos, este procedimento, possivelmente, abril as discussões sobre a existência de raças humanas e o valor de cada uma delas, utilizando o termo RAÇA com suposta legitimidade científica, fator que, no mundo moderno, foi alterado pelo significado social do termo, posto de sua inexistência científica. Ainda assim, a teoria cientificista de Linnaeus encontrou muitos adeptos séculos afora, um deles foi o conde francês Joseph Arthur de Gobineau, que quase 100 anos depois de Linnaeus, coloca Kenski (2003), concluiu que a miscigenação causa a decadência dos povos e que os alemães eram uma raça superior às outras, contrariando amplamente o juízosocial e antropológico criado por cientistas sérios de que a miscigenação conduz a sociedade a ummaior potencial de desenvolvimento em virtude da associação cultural e genética.

A realidade brasileira de crença e absorção da divisão da sociedade em raças é um fato consumado que contrariao discurso nacional da democracia racial, isto porque, os brasileiros não só acreditam nas raças como também agem em consonância com elas, fundamentando preconceito, discriminação e segregação, ao passo que "o resultado da crença de que não temos racismo foi, de acordo com muitos cientistas, um dos piores tipos de racismo que se conhece. A forma mais eficiente de reforçar o preconceito é achar que ele não existe, que é natural" (KENSKI, 2003 p.49).

Para Borges (2002), o fato é que a sociedade brasileira encontra-se marcada pela exclusão social e pela discriminação racial. Essa situação reflete a existência de um racismo efetivo, com repercussões negativas na vida cotidiana da população negra, principalmente quando cidadania é o tema em questão.

De acordo com o Relatório do Conselho Nacional de Educação quando da aprovação das Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente poderão romper o sistema que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de prestígio e privilégios para uns em detrimento do desprestígio de muitos.

Chiavenato (1999), acerca da culturalização da teoria de inferioridade de indivíduos negros, faz citação à publicação no Caderno de Folclore, nº 7 do Ministério da Educação e Cultura (MEC) em que publicou-se: " a entrada do negro no Brasil foi simultânea com a descoberta do país. Ele conhecia a escravidão, cultiva-a, e praticava-a como um sistema político. A escravidão era praticada na própria África. Os próprios africanos transplantaram-na para a América". Neste discurso, a responsabilidade pela escravidão é transferida para os negros, livrando nossas elites de qualquer responsabilidade ou prática racista e preconceituosa contra os povos que denominavam de mouros. Aqui já se evidencia que para que o processo educacional alcance os objetivos das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, é fundamental que o sistema de ensinotenha discernimento, quanto à importância de se coibir a dissipação de teorias que deturpam a realidade e negam aos afrodescendentesqualquer direito de reivindicação por reparações, sendo, importantíssima a construção de uma identidade nacional pautada na coexistência de diferentes culturas que propiciem o Relacionamento Étnico-Racial e Intercultural sem desníveis ou lacunas que ultrapassem o campo ideológico.

Em razão da Educação para as Relações Étnico-Raciais, Inocêncio da Silva (2001) celebra a diferença afirmando que o reconhecimento da importância de uma educação pluricultural, pluriracial e não-eurocênctrica constitui-se em um dos pilares de uma sociedade brasileira verdadeiramente democrática.

De acordo com Trevisan (1988) toda sociedade que está marcada por desigualdades muito visíveis, mantidas por certa violência, precisa sempre escolher alguém- individualizado ou em grupo- como inimigo, a quem se deve ofender quando possível, a quem deve temer quando inferiorizado, e a quem se deve humilhar sempre, principalmente utilizando a marca do plural. É, justamente, em contraposição a esse comportamento ideológico-social que, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), se entende que para promover a reeducação das relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros e, então, decidir que sociedade queremos construir. Assim sendo, ainda pelas Diretrizes (2004) a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual e equânime.

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações devem ser elaboradas com o objetivo de fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Para Borges (2002) a própria noção de identidade de uma cultura se dá por meio da consciência de suas diferenças em relação às outras culturas, sem que, para tanto, se criem juízos de valor que desqualifique uma em detrimento de outra .

As afirmações de Oliveira (2003) confirmam que tem sido difícil introduzir o tema afro na esfera das políticas públicas e jurídicas. Foi necessário que se abrissem espaços de discussão contra impérios conceituais que apagam nossas realidades com as concepções de que todos somos mestiços e, portanto, somos iguais, concluindo assim que vivemos em uma democracia racial, nada mais conveniente quando se pretende manter um padrão de hierarquização social e racial orientado na acentuação da pejoratividade das diferenças. Para alterar os paradigmas construídos por tais impérios conceituais, Oliveira (2003) defende a idéia de que precisamos garantir a vez e a voz dos marginalizados da cultura dominante, aprendendo a compreender a diferença e a diversidade como fator de acréscimo e não de exclusão. Portanto, se a escola se pretende democrática, não deve homogeneizar saberes e crenças, muito menos impor um padrão cultural sem tentar perceber nuances culturais e étnicos de todos os participantes do processo educacional.

Referencias

·BORGES, Edson, et al..Racismo, preconceito e intolerância.. São Paulo: Atual, 2002;

·CHAIB, Lídia. Ogum, o rei de muitas faces e outras histórias dos orixás.São Paulo: Cia das Letras, 2000;

·CHIAVENATO, José Júlio. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Moderna, 1999;

·DEL PRIORE, Mary e VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Ancestrais: uma introdução à História da África Atlântica;

·GENOVESE, Eugene Dominick. Da Rebelião à Revolução: as revoltas de escravos negros nas Américas.São Paulo: Global, 1983;

·INOCÊNCIO da SILVA, Nelson Fernando. Consciência negra em cartaz. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001;

·KENSKI, Rafael. Vencendo na Raça. In: Revista Superinteressante, edição 187, p. 42-50. São Paulo: Abril, 2003;

·MARQUES, Adhemar, et al.. História do Tempo Presente. São Paulo: Contexto, 2003;

·MEC/SEPPIR. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racias e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Seppir/MEC, 2004;

·MJ/SEDH/DPDH. Discriminação- crimes por raça e cor. Brasília: MJ, 2001;

·NEVES, MARIA DE Fátima Rodrigues das (org.). documentos sobre a escravidão no Brasil.São Paulo: Contexto, 2006;

·OLIVEIRA,Iolanda (org.). Relações raciais e educação: novos desafios. Rio de Janeiro: DP&A, 2003;

·SENADO FEDERAL(Sebastião Rocha). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: SEEP,2000;

·TREVISAN, Leonardo. Abolição: um suave jogo político. São Paulo: Moderna, 1988.