O ÚNICO GOVERNO TRANQÜILO

Para muitos de nós a expressão "paz aparente" já não carrega nenhum espanto nem causa mais qualquer espécie. Mas a união destas duas palavras merece um entendimento introdutório. O que significa uma "paz aparente"? Até que ponto compreendemos a extensão de seu significado?

Nos países ou regiões onde a guerra é explícita, é provável que a idéia de paz seja bem entendida, e esteja associada com justiça aos conceitos de silêncio, sombra e água fresca, no que caberia ser chamada de "paz clássica". Mas a idéia da paz "clássica" é, na certa, uma idéia ingênua. Ter paz aqui significaria apenas não estar em guerra, e isto é realmente "clássico". O simples fato de a modernidade pensar num outro tipo de paz parece pressupor não uma evolução da humanidade, mas uma involução. Com efeito, um tempo onde a guerra explícita é mais freqüente é uma época no mínimo mais honesta, na qual a paz (o intervalo entre as guerras) tem um sabor todo especial e é muito mais degustada e muito mais aprazível. E ainda há o bem de se "esperar" a paz, que sempre viria como vem o sol a cada manhã.

Aqui, portanto, encontramos um bom argumento em favor daqueles autores que admitem que a humanidade vem involuindo, e não evoluindo, apesar dos avanços tecnológicos. Segundo eles, os progressos da técnica nada mais fizeram que munir o velho homem (o mesmo bicho homem de sempre) de recursos muito mais exatos de praticar os mesmos males que marcaram, infelizmente, toda a História humana. A violência do macaco chefe sobre o macaco fraco ficou mais desumana com as lâminas de pedra polida da era seguinte e os instrumentos de tortura da Idade Média tornaram-se diabólicos na modernidade, com as sessões de choques elétricos e o auxílio da Psychologie de la Cruauté. Os canhões da Primeira Guerra, e até da Segunda, nada destróem em comparação com as novas armas de destruição em massa.

Isto faz com que muita gente pense seriamente nas "vantagens" da guerra explícita e na hedionda injustiça da paz aparente. E não podemos negar-lhes razões, mesmo admitindo os atuais governos do mundo como únicos na realidade. Com efeito, uma guerra explícita, por ser honesta como a luz do dia (ela grita alto os seus ais e brada o brado retumbante: "eu estou aqui! Estou viva e matando gente na tua frente!"), deixará sempre uma chance de fuga, uma esperança de defesa ou de futuras reparações judiciais, cujas possíveis indenizações podem deixar bem os familiares das vítimas, se é que se pode falar em "ficar bem" após a morte de um irmão ou de um filho. Por outro lado, uma guerra explícita mostra logo o rosto e as armas do inimigo, e, quase sempre, o motivo da contenda que, sendo justo, até chega a animar certo patriotismo salutar.

Entrementes, o que há de justo numa "paz aparente"? Nada! Ou, como dizem os técnicos, qual a justiça de uma guerra que continua no meio da paz? Nenhuma! Pois aqui é tudo obscuro, nada revelado, e até a justiça não pode ser reivindicada pela dificuldade em se provar concretamente a existência do inimigo ou mesmo da inimizade. A guerra explícita poderá beneficiar o seu vencedor, mas a paz aparente não beneficia a ninguém, já que deixa em todos a angústia de um não-sei-o-quê, de um não-se-muda-nada, de um não-tem-jeito, de um não-amanhã eterno.

Se formos mais atentos ao cotidiano, além do que o parágrafo anterior aludiu, poderemos estar bem perto ou vislumbrando uma espécie de paranóia absolutamente sui generis diante dos nossos olhos. Como num quadro de Salvador Dali. Ora, se a guerra explícita está sendo paulatina e sutilmente substituída pela paz aparente, ou, antes, se aquela sempre existiu ao lado desta, é lícito supor que alguém estaria interessado em manter o atual estado de coisas, já que a paz aparente nunca foi contestada e muito menos obstaculizada, desde que o mundo é mundo.

Que "lucro" poderia advir de uma insuspeitada "endless war"? Sem dúvida um lucro inimaginável, mesmo na mente do mais cruel nazista ou do mais inventivo ficcionista de Hollywood. Todavia, como no caso de JFK, onde se perguntava "o irrespondível" por 99% dos mortais: "Por que mataram JFK?", aqui também há uma pergunta que não quer calar: "quem poderia estar 'lucrando' com a paz aparente?"... Única resposta: só um tipo de governo para quem os resultados visíveis do conflito oculto nada significassem, não importando quem vença ou perca, quem ria ou chore, quem viva ou morra!. Um governo forte, inexorável e até certo ponto bastante popular, contra o qual de nada adiantaria qualquer tentativa de rebelião, civil ou militar. Só 1 (um) governo poderia ser este.

Jamais um governo desmascarado pela Ciência, jamais um governo desconhecido dos evangélicos (justiça seja feita), jamais um governo temporal. Jamais um governo preocupado com crises da moeda ou com a perda de votos. E como o lucro de manter o status quo não tem concorrentes (a própria entropia natural ajuda bastante), seria um Governo absolutamente tranqüilo, com todos os "direitos de despreocupação" outorgados pela legião de alienados que a mídia produz.

Prof. João Valente de Miranda.