1 INTRODUÇÃO

Os sistemas criados dentro da órbita jurídica brasileira para proteger a economia nacional, independentemente de quem esteja no pólo passivo da relação jurídica, representou grande avanço para o cidadão brasileiro. De uma forma geral, tais implementações abstratas engendraram benefícios para o indivíduo e também para grupos, classes e categorias. O caráter positivo fica bem latente ao se analisar a gama de garantias e direitos que, hoje, vêem-se bem mais precisamente delineados para o indivíduo e para a coletividade.

Quando se busca, no entanto, em matéria penal, por meio da criação de normas incriminadoras, estabelecer no campo econômico garantias para os cidadãos, faz-se fundamental que não se deixe cair no esquecimento os direitos e garantias individuais que lhes são conferidos pela norma supralegal. Assim, se por um lado é importante que sejam criminalizadas condutas graves que afetem as relações econômicas, por outro se vê necessária a contenção da fúria legiferante que tenda a criminalizar comportamentos que nem sempre necessitariam de uma intervenção necessariamente penal.

Nesse passo, se a proteção jurídica do sistema econômico apresenta-se como uma intervenção necessária, mais necessário ainda é considerar que a liberdade individual também é bem jurídico tutelado pela Constituição Federal. A aceitação pura e simples dos mandamentos infraconstitucionais em inobservância ao inerente controle de compatibilidade vertical pode trazer consequências danosas e precipitadas para o sistema jurídico e para a aplicação da justiça ao caso concreto. Não se pode relegar o fato de que, quando se cria in abstrato normas que ameaçam a liberdade individual e é assim que por uma vertente age a norma penal incriminadora nasce também uma relação que colocará em confronto o jus puniendi com o jus libertatis. Este direito de liberdade, ameaçado pelo direito de punir que tem o Estado, somente pode ser tangível quando a conduta ilícita seja tão grave que mereça a intervenção penal, sob pena de se estar violando a proporcionalidade de tal maneira que a inconstitucionalidade na norma complementar surge inequívoca. Ademais, alguns outros princípios acerca dos quais tratar-se-á no curso deste artigo devem ser observados.

Afora o já exposto, em respeito ao princípio implícito constitucional penal da intervenção mínima (ultima ratio legis), há que se refletir sobre qual é o verdadeiro papel do direito penal. Outrossim, outro ponto que requer reflexão, dentro ainda da idéia da mínima intervenção, é a equivocada idéia de que para se fortalecer o direito penal se faz necessária a criação de normas incriminadoras. Num aprofundamento no tocante ao assunto, verificar-se-á, desde logo, que, ao contrário do que se imagina, a banalização da incidência abstrata da norma penal o enfraquece. Para além deste simples raciocínio, poder-se-ía dizer com toda a serenidade que quando há excesso de normas incriminadoras penais deixa-se saliente o fato de que não só o direito penal perde força, mas o próprio Estado deixa clara sua impotência para resolver problemas que são de sua responsabilidade. Nesta linha, não seria exagero dizer que o excesso de normas penais incriminadoras reflete o processo falimentar do próprio Estado.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 O Direito Penal como Instrumento Formal de Controle Social

Quando se tem por objetivo efetuar estudo sobre a incidência da norma penal, em qualquer que seja a esfera, um ponto importante a ser abordado é o fato de que o direito penal, na condição de norma, é apenas uma abstração. Verdade, entretanto, que é uma abstração que traz consigo a ameaça de uma consequência concreta, ou seja, a imposição de uma pena.

Essa abstração tem por desiderato proporcionar um sistema de controle social, por intermédio da previsão do comportamento a ser considerado crime, seguido da cominação do preceito normativo penal secundário. Nessa linha de pensamento, Basileu Garcia afirma que direito penal é um conjunto de normas jurídicas que o Estado estabelece para combater o crime, através das penas e medidas de segurança. Inegável, diante desta definição, que se trata de instrumento formal de controle social.

A eficiência do direito penal como instrumento formal (normativo) de controle social deve ser vista com ressalvas. A tarefa de se conseguir uma sociedade melhor através da diminuição de criminalidade não pode ser vista como primordialmente penal. Os investimentos do Estado deveriam seguir uma escalada paulatina de políticas concretas visando dar a todos os seguimentos as condições para que pudessem coexistir pacificamente. Por assim dizer, antes da incidência da norma, curial o investimento, por exemplo, na educação, no salutar desenvolvimento familiar, na religião, no emprego, na saúde, na habitação, no saneamento básico etc. Essas implementações são também chamadas instrumentos informais de controle social. Se fossem bem aplicadas tais políticas, embora não resolvessem por si só o problema, ao menos minimizariam o problema criminal. E aí poder-se-ía dizer que a intervenção do controle formal feita pela norma penal poderia surtir maior efeito, desde que tutelasse bens que realmente merecessem, dadas as suas importâncias, a proteção penal. Assim, o controle formal que a norma acarreta teria lugar na condição de suplemento das políticas mencionadas.

Em face do que foi exposto, acerca da necessidade da precedente incidência dos instrumentos informais de controle social, natural seria que alguns chegassem à conclusão de que o que gera a criminalidade é a pobreza e a miséria, já que estas estariam intimamente ligadas aos instrumentos informais de controle. Ledo engano. Bom que se compreenda que tais fatores não são causa de aumento de criminalidade, constituindo, isto sim, verdadeiras consequências da ineficiência dos instrumentos informais de controle social. Inegável, porém, que a desigualdade social, o descaso político, a falta das condições básicas para a própria existência etc. acabem influenciando no aumento da prática delitiva, o que não significa que crime é consequência pura da pobreza. Na aceitação de que o crime deriva exclusivamente da pobreza e do descaso, estaria-se esquecendo dos crimes que são constantemente praticados por pessoas que, ao contrário daquelas cuja miséria assola, possuem saúde, habitação, educação, bom status na ordem social etc.

Esses criminosos também denominados criminosos dourados não podem ser considerados resultado da ausência de instrumentos informais de controle social, já que não lhes falta nenhum daqueles já mencionados atributos. Defronta-se, então, com outro problema: a liberdade. Nesse sentido, afirma Miguel Reale que o preço da liberdade é o eterno delito. Com o advento da Constituição Federal de 1.988, de caráter extremamente liberal (característica esta fundamental para qualquer Estado democrático de direito) os cidadãos passaram a dispor de um campo muito mais vasto no que está afeto ao livre arbítrio. Natural, assim, que alguns optem pelos caminhos obscuros da criminalidade a fim de conseguir a obtenção do êxito capitalista. No rumo ainda do raciocínio de Miguel Reale, quando não tivermos a liberdade para fazer o que queremos não cometeremos mais delitos.

No sentido de se procurar uma solução para que a criminalidade chegue a um nível aceitável, ante os problemas já expostos, lança-se a pergunta: Como deve-se começar este combate à criminalidade de forma mais correta? De baixo pra cima ou de cima para baixo?

Para que se chegue a uma conclusão razoável, importante a abordagem de determinados pontos. Conforme já mencionado, de nada adianta a criação de instrumentos formais de controle social sem que os informais estejam em boa tonalidade. A assertiva decorre do raciocínio lógico de que, quando os instrumentos informais de controle social nada resolvem, além do inevitável aumento criminal que suas ausências propiciam, caem em descrédito, o que faz culminar a inevitável utilização do instrumento formal. É aí que o direito penal acaba entrando e atuando de forma bastante distorcida. Em vez de servir como instrumento complementar de combate ao crime no controle da sociedade, insere-se no sistema como uma espécie de instrumento precursor saneador das deficiências do Poder Público. E a utilização do direito penal como instrumento de saneamento das distorções decorrentes da má administração pública reveste-se de uma natureza segregatória. Ora! Já que não conseguimos dar um mínimo de instrumentos informais necessários para a vida social salutar, o que gerou conflitos sociais e consequente aumento da criminalidade, então vamos separar estes infelizes, vítimas de nossa incompetência, dos mais privilegiados, a fim de que estes não sejam incomodados por aqueles.

Um exemplo típico da utilização do direito penal para sanear as deficiências administrativas do Estado se vê na lei nº 9.605/98, que dispõe sobre os crimes ambientais. O artigo 53, I, e, da aludida lei, na seção II, que versa sobre a proteção à flora, estabelece que nos crimes previstos nesta Seção (crimes contra a flora), a pena é aumentada e 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se o crime é cometido durante a noite, em domingo ou feriado. Independentemente da pena que esteja cominada para cada um dos crimes previstos na aludida seção da lei 9.605/98, nada justifica a previsão de uma majorante para quem pratique qualquer das condutas criminosas lá aventadas aos domingos e feriados. O bem jurídico tutelado continua sendo o mesmo e o grau de lesividade do comportamento que se adequa ao tipo não se altera em razão de ter sido praticado durante os domingos e feriados. De conseguinte, deflui-se que as dificuldades que assolam o Poder Público para prover a fiscalização nos períodos a que se refere a lei, acabam por suscitar a necessidade de que se utilize do Direito Penal para uma função que não é a dele.

Assim, de forma distorcida, aplica-se o direito penal como mecanismo primeiro de supressão de problemas que sequer existiriam caso houvesse uma política de implementação de instrumentos informais de controle social adequados. E esse, sem dúvida, é o grande equívoco que o legislador comete, uma vez que este instrumento (o abstrato), por si só, apresenta-se como insuficiente para a resolução dos problemas criminais que decorrem da ausência de políticas concretas que possibilitem um mínimo de condições para que os cidadãos possam coexistir pacificamente.

A mudança, assim, deve necessariamente vir de cima para baixo. Se o administrador público obtiver êxito em dar um mínimo de condições para que os cidadãos possam bem coexistir, evidentemente estes destinatários da boa política pública, dotados de uma vida mais digna, ao menos em grande parte, deixarão de se inserir no mundo obscuro da criminalidade.

Como já foi afirmado, no entanto, estes instrumentos informais de controle social, embora de crucial importância para a minoração da criminalidade, não são suficientes para resolver toda a controvertida questão, uma vez que determinado grupo de pessoas, educadas, bem formadas, com acesso à saúde, ao emprego, integrantes de família bem estruturada etc., também cometem crimes.

A pergunta que se faz, diante disso, é a seguinte: Será que é nesse momento que entra o direito penal incriminador? A resposta é não. Em primeiro lugar, porque o direito penal não é o único instrumento formal de controle social do qual se pode dispor. Aliás, latente é o fato de que ele deve ser o último dos instrumentos formais de controle social a intervir. Assim, caso os instrumentos informais sejam insuficientes para que se atinja os fins almejados, deve-se, antes de se criar norma penal, buscar outros remédios formais abstratos que tentem solucionar o problema. A responsabilidade civil, por exemplo, é um destes remédios. O direito administrativo sancionador é outro importante remédio. Se, porém, estes remédios não forem suficientes para combater o mal que se pretende, aí sim deve surgir a norma penal, complementarmente, no intuito de aplacar ou, ao menos, minimizar o problema em questão.

Essa afirmação última, contudo, deve ser analisada com cuidado. O que se deve respeitar fundamentalmente é o princípio da intervenção mínima penal, segundo o qual o direito penal somente deve intervir quando os outros instrumentos de controle social não forem suficientes para tutelar adequadamente o bem jurídico de que se trata e ainda quando o bem jurídico for tão importante que mereça a efetiva proteção penal, em respeito ao princípio da ofensividade e da lesividade.

2.2 Norma Incriminadora e o Código de Defesa do Consumidor

A compreensão das exposições supracitadas são de fundamental importância para que se possa fazer uma análise crítica acerca da forma por meio da qual tem o direito penal incidido na proteção dos bens jurídicos econômicos, pontualmente, neste primeiro momento, em relação aos Direitos do consumidor.

Ao se analisar as infrações penais previstas na lei nº 8.078/90, verificar-se-á, já de início, que ela incrimina comportamentos que não demandariam necessariamente proteção penal.  Isso não significa que os bens jurídicos pela citada lei protegidos não mereçam proteção jurídica. O que se afirma aqui é que, mais do que proteção jurídica, importante é que a proteção jurídica seja a adequada. E a proteção jurídico-penal, neste caso, se mostra, no mínimo, desproporcional.

O legislador teria sido mais feliz se, antes de ingressar na seara penal, houvesse estabelecido mecanismos civis e administrativos de controle. Uma via interessante, por exemplo, é a do direito administrativo sancionador. Inobservando, porém, o princípio da intervenção mínima do direito penal, mergulhou ele na confecção de normas que, pelo quantitativo de pena cominada, sequer causam a intimidação preventiva para o potencial autor do ilícito.

No tocante às penas cominadas, nenhum dos crimes descritos têm em seu preceito secundário a pena máxima em abstrato cominada superior a 02 (dois) anos. Isso significa que, em face do que dispõe a lei 9.099/95 e a lei 10.259/01, que tratam respectivamente acerca dos Juizados Especiais Estaduais e Federais, raramente será imposta qualquer das penas privativas de liberdade que a lei prevê.

2.2.1 O Código de Defesa do Consumidor e a Finalidade das Penas

A fim de que se possa verificar a desafinação entre os preceitos secundários da lei 8.078/90 com a autêntica finalidade das penas o que também denota a distorção dos objetivos da lei em face do direito penal , importante que se rememore suas razões de existir.

O ordenamento jurídico brasileiro optou, em relação às penas, pela teoria unitária, ou eclética, de acordo com a qual as penas são revestidas de finalidades retributivas e preventivas. Em referência à retribuição, ela traz consigo a idéia de que, moralmente, tem o criminoso que sofrer alguma sanção pelo crime que cometeu. Esta retribuição tem um limite: a culpabilidade. Trata-se da compensação do mal ocasionado pela infração penal, sempre respeitando a medida da culpabilidade. Sob um aspecto moral, vê-se necessário que uma pessoa que tenha praticado um fato previsto como crime não passe por ele impune. Assim, de mal infligido ao culpado, a pena manifesta-se como desqualificação e reprovação pública do condenado no âmbito da estima e da reprovação da comunidade de que faz parte.

Conforme já se viu, em que pese se estar tratando de crimes contra as relações de consumo e constatado que as penas privativas de liberdade previstas, em face de seus aspectos quantitativos, dificilmente serão aplicadas, esta roupagem retributiva quase sempre perderá a sua razão de ser. Mais claramente falando, se há a previsão de pena privativa de liberdade que muito raramente será aplicada, então o mal praticado pelo autor do fato previsto como crime também raramente será compensado da forma que pretendia o legislador. A incidência, no caso concreto, de sanções rápidas e severas de natureza administrativa seria muito mais eficiente do que a aplicação do direito penal. Portanto, se um dos objetivos da pena é a retribuição, já se chega a inabalável conclusão de que, em matéria de proteção das relações de consumo, esses objetivos retributivos não foram atingidos.

Além da finalidade retributiva, as penas também possuem finalidades preventivas gerais e especiais. A finalidade de prevenção geral se subdivide em prevenção geral positiva e prevenção geral negativa. Da mesma forma, a prevenção especial também se subdivide em prevenção especial positiva e prevenção especial negativa.

A prevenção geral positiva diz respeito à adesão. É aqui que, no sentido preventivo, buscará o direito penal se restabelecer ou se estabelecer, como preferir. A reafirmação do Direito Penal é que, neste ponto, está em questão. Desta forma, na medida em que alguém percebe que o autor de um delito foi punido pela sua prática, chegará à óbvia conclusão de que a norma jurídica penal guarda eficiência. Esse alguém, logo, por vislumbrar a eficiência da aplicação da norma, evidentemente acabará por aderir ao preceito normativo, respeitando-o. Mais uma vez, denota-se que o Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer a quantidade e qualidade das penas, não atende às suas verdadeiras finalidades. Isso porque, se paira inverossímil sua incidência no caso concreto, natural que não ocorrerá a adesão que a finalidade geral positiva da pena espera. Essa compreensão fica mais fácil ao se analisar a assertiva de Césare Beccaria, que aduz o fato de que a certeza de um castigo, ainda que moderado, produzirá sempre uma impressão mais forte do que o temor de um outro mais terrível, unidos à esperança da impunidade; porque os males, ainda que mínimos, quando são certos, intimidam sempre os ânimos humanos, ao passo que a esperança, dádiva celestial que, a miúdo, tudo substitui, afasta sempre a idéia dos males maiores, e mais ainda quando a impunidade, possibilitadora pela avareza e pela fraqueza, aumenta-lhe a força. Em face desta assertiva, poder-se-ía aventar a seguinte questão: Ora, então as penas moderadas, previstas nos crimes tipificados no Código de Defesa do Consumidor, atingem seus efeitos! A resposta é não. No rumo inverso, conforme afirmou acima Beccaria, a pena teria que vir. Mas, no caso brasileiro, não virá, a não ser excepcionalmente, uma vez que, antes da aplicação da pena privativa de liberdade, coloca-se à disposição do acusado o exercício do direito subjetivo público da transação penal e, mais à frente, iniciado o processo, do instituto da suspensão condicional do processo, ambos previstos nas legislações atinentes aos Juizados Especiais Criminais.

A certeza da sanção, que não existe no direito penal, seria atingida com muito mais efeito por intermédio da responsabilização administrativa rápida, eficiente e contundente. Desta forma, mais importante do que a criação de leis penais que visem suprir a deficiência do aparato da administração seria proceder numa verdadeira reforma administrativa no sentido de que a estrutura administrativa, hoje deficiente em todos os níveis, viabilizasse a fiscalização, apuração e punição, rápida e eficiente, dos infratores das relações de consumo. Antonio Cezar Lima da Fonseca, em sua obra acerca Direito Penal do Consumidor, faz uma exposição que deflui a verdadeira inversão de valores no tocante à aplicação do direito penal. Afirma que a regulação somente administrativa de algumas condutas humanas não tem dado certo, principalmente pela influência do aparato fiscalizador do Estado ... É com a criação de tipos penais à defesa do consumidor, portanto, que o Promotor de Justiça (e as associações de defesa consumerista) têm um instrumento intimidatório, que podem fazer valer, bem ou mal, mas que atua concretamente na defesa do interesse difuso dos consumidores. Discordando do autor, faz-se importante a lembrança de que o Direito Penal não é instrumento de substituição do Estado em suas deficiências estruturais. A falência do sistema fiscalizador administrativo não se sustenta como motivo suficiente para a criação de normas penais.

Uma forma de valorizar o direito penal e fazer com que este chegasse mais perto de seus fins, seria criminalizando menos condutas, deixando na seara penal apenas aquelas violações mais graves. E essas, por serem mais graves, deveriam ter penas mais severas, em respeito ao princípio da proporcionalidade. Assim, o direito penal, de forma mais percuciente, estaria sendo utilizado como último mecanismo de controle formal da criminalidade.

Quanto à prevenção geral negativa, esta visa à intimidação. Ora, se uma pessoa, diante da possibilidade de cometer crime previsto no código de defesa do consumidor, sabendo que este crime é considerado infração penal de menor potencial ofensivo e que, em face do que dispõe a lei dos juizados especiais criminais, raramente será atingido pela pena privativa de liberdade, resta inatingida a visada intimidação, que, conforme dito, é o objeto da prevenção geral negativa. Conforme assinala José Laurindo de Souza Netto, ao citar o entendimento de Claus Roxin, a pena é a intervenção mais radical na liberdade do indivíduo que o ordenamento permite ao Estado. Portanto, ao se falar em direito penal, em vista da necessária intimidação, curial é que a pena continue a ser vista e utilizada como esta intervenção radical. Esse radicalismo, por seu turno, é um dos fatores cruciais para que a intimidação seja efetivada.

No que tange ao aspecto preventivo especial, esta prevenção subdivide-se em prevenção especial positiva e prevenção especial negativa.

A prevenção especial positiva diz respeito à ressocialização. Diz Aramis Nassif que a pena tem como objetivo a recuperação do agente. Trata-se, em tese, de aplicar medidas orientadoras para a ressocialização do delinqüente e, por óbvio, significa mais do que evitar a reincidência. O cumprimento da sanção, para realizar seu conteúdo teleológico, deveria, por exemplo, resultar em preparação profissional, ensinar a fazer uso do óscio de uma forma construtiva, educar, melhorar as relações pessoais e despertar a consciência sócio-axiológica. Novamente, o que se constata é que, graças à ausência de investimentos substanciais estatais na área, o sistema carcerário brasileiro não atinge este objetivo, seja em matéria de direito penal econômico, seja em relação qualquer outro campo do direito penal. Segundo Maria Thereza Rocha de Assis Moura, o processo de deteriorização do desumano sistema carcerário é evidente: prisões superlotadas, sem lugar para todos; muitos dormem no chão de cimento, em colchões de espuma imundos, ou sobre cobertor. Onde o espaço no chão não é suficiente para permitir que todos deitem, os presos se revezam; o meio ambiente é insalubre; os doentes são, muitas vezes, misturados com os sadios; há ratos, baratas; os programas educativos, recreativos e profissionalizantes quase inexistem; a falta de consideração pela dignidade dos presos é notória. Por vezes, o dinheiro significa a possibilidade de regalias dentro das prisões. Valéria Diez Scarance Fernandes Goulart, em estudo comparado, afirma que na Itália, previu-se, ainda, que as penas não podem comportar tratamentos contrários ao senso de humanidade, devendo visar a reeducação do condenado (art. 27 da Constituição da Itália). Como constatado, o aparelho estatal nacional não oferece as mínimas condições de ressocialização e, além disso, submete os presos provisórios e condenados a condições desumanas que contribuem para a corrupção e para o processo degenerativo do ser humano que no sistema prisional se vê inserido. No campo do direito penal econômico, difícil sequer criticar o sistema carcerário, se com ele relacionado. Isso ocorre porque, com base no que supra se expôs, raramente alguém será submetido à pena privativa de liberdade abstratamente prevista no Código de Defesa do Consumidor. Assim, ainda que o sistema penitenciário fosse apto a ressocializar, esta ressocialização não abrangeria o autor de crimes contra as relações de consumo, já que acabaria por ser submetido a outras medidas que não as penas privativas de liberdade. Em razão disso, vê-se reforçada a idéia de que, em vez de prever penas que muito raramente serão aplicadas, o Código de Defesa do Consumidor bem que poderia ter trazido, para a proteção dos bens jurídicos que pretende, um direito administrativo sancionador forte, apto produzir os efeitos almejados.

Finalmente, em relação aos fins da aplicação da pena, deve-se tratar da prevenção especial negativa. Esta tem em vista a segregação. Sendo assim, de se apreciar o fato de que existe uma inseparável ligação entre a finalidade preventiva especial negativa e a finalidade de prevenção geral negativa. Sim, pois, se esta visa a intimidação, de conseguinte deflui-se que só se conseguirá obter a intimidação se a segregação for rápida, eficiente e constante. Em face de tudo o que foi exposto, nítido que o Código de Defesa do Consumidor não se apresenta como instrumento apto a segregar ninguém, com raríssimas exceções, por um motivo bastante lógico: se as penas privativas de liberdade previstas no Código de Defesa do Consumidor são tão brandas, é evidente que serão, quase sempre, alvos da proposta de transação penal; não sendo aceita a transação penal, acabará por ser objeto da suspensão condicional do processo; e ainda que não seja realizada a suspensão condicional do processo, não se pode esquecer que um dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, cuja lei regulará a persecução dos crimes contra o consumidor, é o de não aplicar as penas privativas de liberdade. Em função disso, dificilmente as penas privativas de liberdade serão aplicadas e, obviamente, em pouquíssimos casos, haverá a segregação (idéia da prevenção especial negativa). Se não haverá a segregação, natural que não se atinja os objetivos intimidatórios pretendidos (idéia da prevenção geral negativa).

2.2.2 Os tipos penais do Código de Defesa do Consumidor e algumas de suas imperfeições

Depois de analisados os equívocos referentes aos preceitos secundários (penas cominadas) dos tipos penais constantes do Código de Defesa do Consumidor, mister que se verifique também os defeitos existentes em alguns de seus preceitos primários, de maneira minudenciosa.

O primeiro tipo incriminador situado no art. 63 da lei 8.078/90 estabelece que omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade é crime. Num primeiro momento o tipo aparenta ser omissivo puro, já que seu núcleo expressa o verbo omitir. Suas demais elementares não apresentam exigência da existência de resultado para que o crime se veja realizado, o que reforça ainda mais esta expressão. Por outro lado, o verbo omitir não está no sentido de se deixar de fazer algo, mas, pelo que tudo indica, de se fazer algo. Nessa linha, o correto entendimento vai no sentido de que se trata de um verbo omissivo que, combinado com a elementar objetiva do tipo ostensivos, apresenta-se como comissivo, exigindo um agir. A conjugação indica omitir dizeres ou sinais ostensivos. Os sinais, então, estariam anteriormente ostensivos e o sujeito ativo, ao praticar o delito, os escondeu.

Se o sinal, neste rumo, apresenta-se previamente ostensivo, estar-se-ia excluindo do pólo ativo da relação o fabricante que, pela interpretação que aqui se dá, ao destinar o produto ao revendedor, teria o dotado das ostensivas informações necessárias. Os destinatários subsequentes dos produtos, no entanto, estariam aptos a praticar o crime, quaisquer que fossem as pessoas cujo interesse fosse a exposição ao comércio, tendo em vista que, pelo que se deduz, receberam o produto com as informações ostensivas, omitindo-as entenda-se as ocultando, escondendo-as   a posteriori. O legislador achou por bem adotar o princípio da informação veraz que, segundo Antonio Cezar Lima da Fonseca, significa que o fornecedor pode ser penalizado criminalmente pela omissão da informação ao consumidor. Temos salientado, aliás, que o princípio da correta informação praticamente domina os delitos relativos às infrações de consumo.

Na sequência, ao se verificar o parágrafo primeiro do artigo em estudo, perceber-se-á que, diferentemente do caput, ele se afigura como crime omissivo puro, já que indica que incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. Aqui, no entanto, a referência é à prestação de serviços e não a um produto. A diferença entre produto e serviço vem expressamente exposta no art. 3º, parágrafos primeiro e segundo, da lei 8.078/90. Produto, segundo o parágrafo primeiro do artigo em referência é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Serviço, descrito no parágrafo seguinte do mesmo dispositivo é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

No caso do parágrafo primeiro do artigo 63, esta omissão pura que recai sobre a informação acerca do serviço prestado começa apresentando dificuldades afetas à identificação do sujeito ativo e do momento de sua consumação. Em relação ao sujeito ativo, a dúvida recai sobre o fato de que, segundo a descrição do tipo, podem praticar o delito inúmeras pessoas ao mesmo tempo. Isso, por si só, não seria problema. Um exemplo da dificuldade é o seguinte: imagine-se uma empresa de dedetização. A mídia se encarrega de fazer a divulgação do serviço, propagando a informação de que a empresa, em matéria de dedetização, é eficiente, deixando, no entanto, de informar por meio de escritos sobre a periculosidade dos produtos tóxicos que a empresa emprega; o proprietário da empresa que presta tal serviço, que tinha o interesse de divulgá-lo, também não presta as informações de periculosidade para o órgão de divulgação; ao se dirigir à empresa para contratá-la, o consumidor é recebido por um balconista e manifesta a este o interesse em que o serviço seja prestado. No momento da contratação, não existe em lugar nenhum da recepção recomendação escrita sobre a periculosidade do serviço e o balconista, que é funcionário, ao redigir o contrato, não expõe a recomendação epigrafada no documento. No caso, poderão figurar na condição de sujeito ativo do crime, pela forma como a descrição legal é feita, o proprietário da empresa, o gerente da empresa, os gerentes da empresa encarregada da divulgação do serviço, o funcionário que o divulgou, o balconista etc. E observe-se que a complicação poderia ir mais além. De crer-se que o legislador, ao fazer a norma, não pretendia que ela fosse tão abrangente, já que esta abrangência pode dar margem a injustiças. Talvez, para maior clareza, fosse necessário que a norma estabelecesse um responsável por evitar que esta omissão ocorresse, indicando-o como o sujeito ativo do crime, transformando-o, assim, num crime próprio. E o momento da consumação? Quando ele ocorreria? Outra dificuldade, já que, no exemplo citado, são momentos da consumação tanto aquele no qual o encarregado da empresa, ao contratar a divulgação do serviço, não prestou a informação de periculosidade, quanto aquele no qual a empresa encarregada da divulgação do serviço não informou a população sobre esta mesma periculosidade, assim como aquele no qual o balconista não constou, por exemplo, do contrato, por escrito, a recomendação de periculosidade.

Ainda em relação ao mesmo dispositivo, surge outra dúvida: qual é o verdadeiro sentido dos termos periculosidade e nocividade? Aonde podemos encontrar algo, dentro da lei, que estabeleça este parâmetro? E é em face dessas discrepâncias que fica clara a principal violação que o tipo em tela avulta: o princípio da legalidade, sobretudo em seus quesitos clareza e taxatividade. A definição clara e taxativa do crime é, por sua vez, a verdadeira espinha dorsal do direito penal. Ausente, gera insegurança jurídica ao cidadão e dúvidas quanto ao verdadeiro jus puniendi, se analisado em face do caso concreto.

Não se pode deixar de aventar, em alusão ao parágrafo primeiro do art. 63, que quando o tipo preconiza que comete crime quem deixa de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre periculosidade do serviço a ser prestado que o dispositivo trouxe à tona um tipo de perigo abstrato que, segundo Regis Prado é aquele no que o perigo constitui unicamente a ratio legis, o motivo que dá lugar à vedação legal de determinada conduta. Apreciável ex ante, o perigo é inerente à ação ou omissão, não necessitando de comprovação. Deste modo, pune-se um comportamento que diz respeito a perigo que jamais se concretizou ou se comprovou, demonstrando-se írrita lesividade, cuja criminalização surge despicienda. Uma sanção em sede de direito administrativo se demonstraria muito mais pertinente do que a intervenção penal que se faz.

Afora os problemas já expostos, no tocante ao art. 63 da referida lei, existe uma outra questão interessante, que diz respeito ao seu cometimento na forma culposa. Trata-se da previsão de um crime omissivo puro culposo. O legislador, aliás, ao estabelecer os tipos penais afetos à proteção das relações de consumo, optou pela previsão de algumas possibilidades culposas. Por tal motivo, em que pese estar se analisando o artigo 63 do código, se já era difícil o entendimento do caput do art. 63 e de seu parágrafo primeiro, o parágrafo segundo, que prevê a possibilidade de incidência culposa, complica ainda mais a situação. De bom alvitre, para que se compreenda a dificuldade que o tipo impõe, verificar quais são os elementos que compõe o crime culposo. Segundo Mirabete, são elementos do crime culposo a conduta, a inobservância de um dever de cuidado objetivo, o resultado lesivo involuntário, a previsibilidade (objetiva e subjetiva) e a tipicidade. Já as modalidades de crime culposo são a imperícia, a imprudência e a negligência. No tocante aos elementos ou requisitos do crime culposo, analisados à luz do tipo constante do art. 63, parágrafo 2º, da lei 8.078/90, verifica-se que, primariamente, é difícil extrair do tipo o momento em que a conduta culposa é realizada, já que, tendo em vista tratar-se de crime omissivo puro, esta omissão pura culposa pode não consubstanciar a verdadeira conduta omissiva, mas mera ausência de consciência. De se lembrar que conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade. Se a omissão não foi consciente, não resta a existência de conduta e exclui-se o próprio fato típico, já que este é integrado pela conduta. A aceitação da punição sem conduta representa acintosa violação do princípio do nulla poena sine conducta e, em consequência, o assentimento da incidência da teoria da imputação objetiva, inadmitida no ordenamento jurídico nacional, que, em matéria penal, optou pela teoria da imputação subjetiva. De acordo com a teoria da imputação objetiva, pode-se punir o agente sem que este tenha agido com dolo ou culpa, sendo suficiente que reste a existência da relação de causalidade. Já quanto às modalidades, enseja-se o comportamento negligente, ou seja, decorrente de preguiça mental, ou imprudente, consubstanciado na afoiteza, precipitação. Porém, voltando à questão da imputação objetiva, no caso tratado fica difícil estabelecer os exatos limites que separam a negligência da absoluta ausência de consciência de que se deve alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. Sim, porque o prestador de serviço ou mesmo os executores da prestação de serviço, por exemplo, assim como o órgão encarregado de divulgar o serviço que também pode incorrer no tipo nem sempre têm conhecimentos técnicos percucientes sobre todos os serviços que prestam, executam ou divulgam, motivo este que se mostra insuficiente para retirá-los da incidência na descrição legal do crime.

O art. 64, do CDC, prevê o seguinte tipo penal: Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado. Como se pode notar no estudo das duas primeiras normas incriminadoras constantes do CDC, no campo do direito econômico é bem comum que, na incriminação da conduta, haja a predominância dos crimes omissivos. Este fenômeno, de acordo com José de Faria Costa e Manuel da Costa Andrade, ocorre porque o comportamento socialmente esperado, porque axiologicamente relevante, e que tende a evitar um resultado proibido, não sendo efectivamente levado a cabo, merece uma censura ético-jurídica ... isso é, quando se omitem certos comportamentos legalmente exigidos é então que uma grande área do direito penal económico se faz sentir. ... No entanto, nos crimes dolosos o dever jurídico cuja violação por omissão é o cerne da punibilidade do agente deve encontrar-se rigorosamente definido em diploma legal que, em verdadeiras contas, deve ter a mesma força normativa da norma sancionadora.

Assim como nos dispositivos anteriores, o art. 64 descreve, então, um deixar de agir, consistindo, mesmo, no deixar de comunicar à autoridade competente. Novamente defronta-se com norma penal deficiente. Esta afirmação é feita já que, na lei do consumidor, não existe nenhum dispositivo que estabeleça quem é a tal autoridade competente. Ora, para a persecução penal, existe a figura da autoridade policial, ou seja, do Delegado de Polícia; como dominus litis, existe outra autoridade, tratando-se do membro do Ministério Público; o juiz reveste-se de autoridade com competência jurisdicional etc. Nesta linha, qual é definitivamente a autoridade à qual deve o sujeito ativo do tipo referenciado se reportar? E o momento de comunicar a autoridade, qual é? Um dado importante é a elementar do tipo que prescreve que esta omissão deve ter por objeto a comunicação acerca da nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado. Neste caso, os sujeito ativo poderia ser qualquer pessoa, mesmo o próprio consumidor, que toma conhecimento sem comunicar a autoridade. Já o elemento normativo que afirma cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado pressupõe a prática de um crime anterior, ou seja, o descrito no art. 63, parágrafo segundo. Consequentemente, ao se praticar o crime previsto no art. 64, faz-se necessário que haja uma conduta precedente consistente em ter um agente de forma no mínimo culposa colocado no mercado um produto com características nocivas e perigosas cuja ostensividade da informação fora omitida.

O parágrafo único do mesmo artigo incorre em análogo erro, quanto à referência que faz à autoridade. Segundo reza o artigo, incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo. Existem inúmeras autoridades com competência para participar da persecução extrapenal e penal, da fiscalização administrativa etc. O legislador teria obtido maior êxito se previsse expressamente as autoridades que pretendia abarcar com o mandamento.

O art. 65 dita que executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente é crime. Dois crassos erros: o primeiro refere-se à expressão alto grau de periculosidade; o segundo consiste no fato de ter novamente o legislador se referido apenas à autoridade competente. Acerca do termo autoridade competente já se discorreu. Ao se apontar, no entanto, o primeiro erro, necessário que se compreenda que a lei deveria, para atingir maior clareza, ter especificado o significado de serviço de alto grau de periculosidade. Não o fazendo, conferiu ao juiz a possibilidade de fazer juízos de valor associados a aspectos subjetivos de interpretação que furtam do cidadão a segurança jurídica buscada. Nesse sentido a pergunta que explica a falta de técnica legislativa é a seguinte: qual é a diferença entre periculosidade (mencionada nos artigos precedentes) e alto grau de periculosidade? Bom que se frise que nem periculosidade e tampouco alto grau de periculosidade possuem seus sentidos explicados na lei. Enfim, o art. 65, caput, voltou a prever um crime que, por suas características, é de perigo abstrato. Isso não ocorreu no caso da previsão do parágrafo único deste mesmo artigo, que descreve crime de perigo concreto.

No art. 66, incrimina-se o seguinte comportamento: fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços. Na primeira parte, refere-se o tipo a um fazer, ou seja, a um crime comissivo. Na segunda, volta a prever comportamento omissivo puro. Em ambos os casos, recidivamente se depara com crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico objeto seria possivelmente melhor protegido com a aplicação do direito administrativo sancionador. Em relação a um dos elementos normativos do tipo, ou seja, o que fala informação relevante, impinge-se nova incerteza, já que não há, em nenhum dos dispositivos da lei, descrição do que seja, para a norma, a informação relevante.

Outro ponto de interrogação está subsumido no artigo 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva. Difícil estabelecer quem deveria saber acerca da enganosa ou abusiva publicidade. O legislador deveria ter exposto o rol de pessoas que deveriam saber em razão, por exemplo, do conhecimento técnico ostentado. Este dever saber volta a ser mencionado no art. 68, que descreve fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança.

O artigo 74 se mostra bastante interessante: deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo. Neste passo, Antonio Cezar Lima da Fonseca firma que assim, a simples conduta de alguém que deixa de entregar um papel de garantia ao consumidor, ou o entrega malpreenchido, implica a abertura de um procedimento policial, um acerto no juizado criminal, ou eventual oferecimento de uma denúncia e outro e processo penal; outro processo a engrossar as prateleiras forenses, quando tal proceder poderia simplesmente dar causa a uma reclamação sob sanção administrativa. Ademais, como sabemos quem preenche o termo de garantia é sempre o simplório trabalhador (balconista ou vendedor). Uma norma, segundo extrai-se, marcantemente incompatível com a proteção penal, tratando-se do típico caso que seria muito melhor solucionável pelo direito civil e pelo direito administrativo.

3 CONCLUSÃO

Conforme se pôde constatar acima, lamentavelmente o direito penal tem sido utilizado equivocadamente para proteger bens jurídicos que nem sempre merecem necessariamente a proteção penal. Em matéria de direito econômico isso fica bastante transparente.

Não significa é bom deixar bem claro que as normas tuteladas pelo direito penal em sede da lei 8.078/90 não devam receber proteção jurídica. Claro que devem. O que se questiona é a verdadeira necessidade de criminalizar comportamentos que, em outras esferas, caso elas funcionassem adequadamente, seriam mais eficientemente inibidos.

A criminalização precipitada acaba por pespegar flagrante violação de princípios constitucionais que constituem direitos e garantias fundamentais individuais, a exemplo do que ocorreu com a lei 8.078/90, cujos tipos penais nitidamente violam, dentre outros, o princípio da legalidade, da culpabilidade, da intervenção mínima, da lesividade ou da ofensividade, da proporcionalidade etc., por meio de previsões aberrantes que contaminam veementemente a necessária compatibilidade entre norma constitucional e infraconstitucional penal.

Em algumas legislações, como é o caso da lei 8.078/90, vislumbra-se uma espécie de inversão de valores na medida em que o legislador acredita que a criação de leis penais a todo o custo valoriza o direito penal e diminui criminalidade. O processo é, em verdade, exatamente o inverso, ou seja, quanto mais leis penais existirem tutelando bens que não devem ser alvo, necessariamente, do direito penal, mais este ramo do direito público estará desvalorizado. O direito penal e é aí que se apresenta o grande equívoco não é instrumento de supressão das deficiências do Poder Executivo. Deve ser utilizado como último dos recursos jurídicos a proteger determinado bem que mereça, por seu valor, tal tipo de proteção. E, merecedor da proteção penal, esta deve se apresentar rigorosa, a fim de que os objetivos da previsão dos preceitos secundários dos tipos penais sejam alcançados a contento.

Um dado importante, que revela a desvalorização e inflação das normas penais, está no publicamente conhecido fato de que, no Brasil, existem normas penais numa quantidade elevadíssima, fato este que não tem contido a criminalidade. A proporcionalidade é inversa. Embora tenha o legislador, ao longo dos anos, criado leis, leis e mais leis penais, o que se denota é que, na contramão das expectativas, os problemas afetos à criminalidade têm avançado cada vez mais, inclusive em matéria econômica.

REFERÊNCIAS

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 6 ed. São Paulo: Editora Atlas, 1.991.

NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal. Sistemas e Princípios. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2.003.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas. São Paulo: Editora CD, 2.004.

DA FONSECA, Antonio Cezar Lima. Direito Penal do Consumidor. Código de Defesa do Consumidor e Lei nº 8.137/90. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1.999.

NASSIF, Aramis. WUNDERLICH, Alexander. et all. Escritos de Direito e Processo Penal. em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.002.

MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Execução Penal e Falência do Sistema Carcerário. Boletim do IBCCrim, São Paulo, nº 10, out. 1.999.

GOULART, Valéria Diez Scarance Fernandes. Tortura e Prova no Processo Penal. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2.002.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1. Parte Geral arts. 1º a 120. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.005.

COSTA, José de Faria. ANDRADE, Manuel da Costa. Temas de Direito Penal Econômico. Sobre a Concepção e os Princípios do Direito Penal Econômico. Notas a Propósito do Colóquio preparatório da AIDP (Freiburg, setembro de 1.982). Organizador: Roberto Podval. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.001.