A inteligência do art. 175 da Constituição Federal aduz que, "incumbe ao poder Público, na forma da Lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.". Assim, a lei de concessões e permissões, Lei nº 8.987/1995, por sua vez, prescreve em seu art. 6º, § 1, que a totalidade dos serviços públicos delegados aos particulares, quer sejam por meio de concessões ou permissões, presumem-se adequados ao pleno atendimento aos utentes. Deveras, estabelece que o conceito de serviço adequada consiste na satisfação das condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia e modicidade das tarifas.
Portanto, o aludido princípio rege a prestação da totalidade dos serviços públicos, determinando que estes devam ser prestados de forma contínua, efetiva e regular, isto é, sem interrupções.
Di Pietro (2006, p.119), discorrendo acerca dos princípios norteadores dos serviços públicos, ressalta a obrigatoriedade da continuidade no fornecimento de tais serviços, in verbis:

Existem determinados princípios que são inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos (cf:Rivero, 1981:501-503): o da continuidade do serviço público, o da mutabilidade do regime jurídico e o da igualdade dos usuários.
O princípio da continuidade do serviço público, em decorrência do qual o serviço público não pode parar, tem aplicação especialmente com relação aos contratos administrativos e ao exercício da função pública.

A continuidade da prestação dos serviços públicos é a regra, por outro lado, sendo exceção a suspensão desses serviços, onde somente poderá ocorrer a interrupção em casos previstos em lei, quais sejam, situação emergencial motivada (art. 6º, § 3º, da Lei 8987/95), nesta modalidade, por óbvio, não haverá notificação prévia ao usuário. Ademais, a situação emergencial deverá ser ocasionada por circunstâncias alheias a vontade humana, pois a situação emergencial causada por negligência do fornecedor não ensejará a interrupção. Razões de ordem técnica ou segurança das instalações (art. 6º, §3º, I da Lei 8987/95), em tal modalidade será imprescindível o aviso prévio ao usuário, sob pena de o prestador ser acionado judicialmente a restabelecer seu fornecimento, além da possibilidade de ser condenado a ressarcir eventuais danos morais e materiais ocasionados pela interrupção ilegal.
Assim, caso o serviço essencial seja tolhido injustamente, o usuário prejudicado terá o direito de pleitear seu religamento pela via judicial, uma vez que não só a obtenção, mas também sua adequada prestação constituem direitos dos usuários (MEIRELLES, 2006). Coadunado, dessa forma, aos ditames do princípio da continuidade.
Por outro lado, conforme preleciona o art. 6º, § 3º, II da Lei de Concessões e Permissões Públicas, e epicentro da presente pesquisa, o inadimplemento do usuário também é um dos requisitos autorizadores da suspensão do serviço, considerado interesse da coletividade, ao fundamento de que a inadimplência do usuário acarretaria prejuízo às concessionárias, o que inviabilizaria o efetivo fornecimento aos demais usuários inadimplentes. Outrossim, as empresas concessionárias não estão autorizadas a arcarem com o não pagamento dos utentes. No entanto, questão de acentuada polêmica a qual analisar-se-á no decorrer da presente monografia.
Justen Filho (2006) leciona que o fornecimento do serviço público deverá desenvolver-se de maneira regular, sem interrupções, ao passo que, na ocasião de falhas, o delegatário desse serviço será responsabilizado civilmente pelos danos ocasionados. Deveras, a continuidade também justifica a atuação coativa do Estado para prevenir eventuais omissões dos concessionários em não fornecerem os serviços de maneira adequada.
Meirelles (2006, p.333), por seu turno, perfilha o entendimento de que a continuidade se resume aos serviços essenciais, de sorte que somente estes, na ocasião da inadimplência, poderão ser suspensos, ao passo que os serviços de fruição facultativa não estão adstritos ao princípio da continuidade, pois na seara do serviço obrigatório, "[...] se a Administração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário (como é a ligação domiciliar à rede de esgoto e da água e a limpeza urbana), não pode suprimi-lo por falta de pagamento [...]".
Em síntese, no entender do autor alhures citado, os serviços públicos considerados essenciais, os quais possuem contraprestações compulsórias, como a ligação de água e esgoto; e limpeza urbana, não assistem razão em serem suspensos ou interrompidos na ocasião do inadimplemento das tarifas, já os serviços de natureza facultativa, os quais não são compelidos coercitivamente por meio de impostos ou taxas, não há razão em não interrompê-los na ocasião do não suprimento por parte dos usuários, ao passo que não transcendem nenhuma natureza de essencialidade ou urgência.
Citado pelo Ministro José Delgado no Recurso Especial n.209.652-ES, ao comentar o artigo 22 do CDC, Benjamin (2001, p.111) segue distinta linha de raciocínio:

A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais ? e só eles ? devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade dos serviços. Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado, o consumidor pode postular em juízo que se condene a Administração a fornecê-lo. Ressalta-se que o dispositivo não obriga o Poder Público a prestar o serviço. Seu objetivo é mais modesto: uma vez que o serviço essencial esteja sendo prestado, não mais pode ele ser interrompido [...]

Frise-se, que de acordo com a interpretação desse doutrinador consumeirista, co-autor do anteprojeto do CDC e então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, extrai-se a conclusão de que a Administração Pública não está adstrita a iniciar a prestação de determinado serviço público essencial. Todavia, caso este fornecimento seja iniciado a um consumidor ou grupo de usuários, não poderá mais ser interrompido com força do princípio da continuidade. Portanto, o entendimento desse autor é no sentido do serviço essencial ser contínuo somente no caso de já haver sido iniciado. Eis o excerto pertinente do pensamento de Benjamin (1999, p.111):

Não se pode a Administração, por exemplo, de uma hora para outra, decidir que não mais prestará serviços de telefonia, sobre o pretexto de que o próprio mercado deles se encarregará. Uma vez que a iniciativa privada não esteja habilitada a atender, com eficiência, as necessidades dos consumidores, o Poder Público acha-se, então, obrigado a dar continuidade ao serviço que prestava anteriormente.

Nesta senda, a Lei 8.987/95 estabelece que na hipótese da Concessionária deixar de fornecer o serviço de forma imotivada, o poder concedente está legalmente autorizado a rescindir o contrato de concessão, unilateralmente, em procedimento previsto no art. 38, § 1º daquela Lei, denominado de caducidade. Por ser oportuno ao estudo, eis a transcrição do dispositivo legal em comento:

Art.38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do artigo 27, e as normas convencionadas entre as partes.
§1º A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:
[...]
III ? a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipótese decorrentes de caso fortuito ou força maior; [...]

Consoante o fornecimento de energia elétrica, faz-se mister esclarecer que tal serviço enquadra-se perfeitamente na seara dos serviços essenciais, sendo assim regidos pelo princípio da continuidade, com todas as circunstâncias já mencionadas. No entanto, não entende dessa forma Rocha (2004, p.30), haja vista entender esse autor que, quanto à exegese do Art. 22 do CDC, a continuidade não há de ser analisada de forma absoluta e incondicional, de maneira que situações emergenciais, casos fortuitos e de força maior, excludentes de responsabilidade, "podem justificar a interrupção do serviço". Outrossim, entende o autor em casos de usuários inadimplentes, de modo que repudia a idéia de que beneficiário do serviço público em débito possa continuar recebendo o fornecimento deste. Isto é, na visão do autor supramencionado, não seria crível o fornecimento contínuo de um determinado serviço, mesmo em casos de eterna inadimplência do consumidor, se assim o fosse, não haveria preocupação em adimplir tal serviço, haja vista a tutela garantida pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor. Ademais, ainda na esteira desse raciocínio, o princípio da continuidade deve ser entendido como a impossibilidade de se suspender o fornecimento do serviço por ato unilateral e arbitrário da concessionária, "A característica da continuidade deve ser entendida como a possibilidade do fornecedor de fazer cessar, por ato unilateral e arbitrário a prestação de serviço." (ROCHA, 2004, p.33).
Bandeira de Mello (2009, p 672) por sua vez, entende que o princípio da continuidade consiste na "[...] impossibilidade da interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido."
Destarte, frise-se que o diploma legal que preceitua a continuidade dos serviços públicos é o Código de Defesa do Consumidor, quando o caput daquele artigo prerroga: "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos" (grifou-se).
No entender de Bastos (2002, p.117) os serviços públicos essenciais devem ser fornecidos, em regra, por meio da continuidade absoluta, sem qualquer abrandamento. "Isto ocorre pela própria importância de que o serviço público se reveste, o que implica ser colocado à disposição do usuário com qualidade e regularidade [...]". Assim, a continuidade, em se tratando de serviço cuja necessidade seja permanente, por exemplo, o fornecimento de água, eletricidade e gás, são insuscetíveis de qualquer abrandamento no pensar do autor.
Nesse prisma, os serviços os quais possuem natureza pública não poderão sofrer qualquer interrupção, mesmo nos casos de inadimplemento, haja vista a imprescindibilidade no atinente a subsistência da sociedade.
Já Mattos (2001, p.152) analisando a continuidade dos serviços públicos, prescreve que tal princípio "é uma constante, sendo mantido como uma verdadeira prerrogativa da sociedade, que possui neste princípio a garantia de que sempre receberá os necessários serviços públicos, sem interrupções". De igual modo aos autores alhures analisados, entende esse autor que o princípio da continuidade goza de caráter absoluto, não importando se o fornecimento é perpetrado por um particular ou pela própria Administração Pública, vez que a finalidade precípua daquele fornecimento essencial é a coletividade.
No entender de Segalla (2001, p.134-145) continuidade "[...] é a ausência de interrupção, segundo a natureza da atividade desenvolvida e do interesse a ser atendido. Concluindo esse autor que a continuidade "[...] é o que desempenha importância vital para o sistema constitucional". Observa-se que Segala (2001) perfilha o entendimento da continuidade á luz dos princípios constitucionais.
Vê-se, portanto, que a continuidade insculpida no Art. 22 do Código de Consumo, aplicada aos serviços cuja prestação seja destinada à coletividade, é dizer, serviços públicos, não comporta interpretação homogênea na visão dos doutrinadores supramencionados, de maneira que defendem outros autores o entendimento no sentido de que a continuidade ali descrita não deve ser analisada em caráter absoluto , uma vez que há situações previstas em legislações esparsas que autorizam a suspensão. Em contraponto a este posicionamento, parcela da doutrina trilha a linha do entendimento de que a continuidade reside na impossibilidade da interrupção dos serviços públicos essenciais de forma absoluta , sob o argumento de que a essencialidade que estes serviços se revestem justifica-se pelo alvo a que se destina, qual seja, a coletividade. Dessa forma, o serviço essencial à sobrevivência e organização da sociedade não poderá ser interrompido.

REFERÊNCIAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006

______. Curso de Direito Administrativo 23ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.


ROCHA, Fábio Amorim da. A legalidade da suspensão do Fornecimento de Energia elétrica aos Consumidores Inadimplentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Administrativo, Celso Bastos Editor, 3ª edição, 2002

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 32º Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.