O JORNALISMO CIENTÍFICO BRASILEIRO NO COMEÇO DO SÉCULO XXI : ESTUDO DAS REVISTAS SUPERINTERESSANTE, GALILEU E DO JORNAL FOLHA DE S. PAULO 

Introdução

1.  A importância do jornalismo científico

Em nosso cotidiano, das tarefas mais simples às mais complexas, a ciência está presente No entanto, o interesse pelo universo científico há muito deixou de ser algo restrito a pesquisadores, empresários e políticos. “A ciência está de tal modo entrelaçada em nossas vidas que mal percebemos sua presença” (MOSLEY; LYNCH, 2011, p 288).

A importância da divulgação científica é tão inegável quanto a importância da ciência em si. Marcelo Gleiser comenta:

A ciência pode não oferecer a salvação eterna, mas oferece a possibilidade de vivermos livres do medo irracional do desconhecido. Ao dar ao indivíduo a autonomia de pensar por si mesmo, ela oferece a liberdade da escolha informada. Ao transformar mistério em desafio, a ciência adiciona uma nova dimensão à vida, abrindo a porta para um novo tipo de espiritualidade, livre do dogmatismo das religiões organizadas. (GLEISER, 2010, p1).

 Ela traz, juntamente com todo o processo educacional, a transformação e a melhoria da sociedade com seu poder revolucionário. Desvendando e traduzindo os mistérios e mecanismos da natureza, nos fazendo compreender o universo em que vivemos.

Para Fabíola de Oliveira:

“Ciência e tecnologia têm consequências comercias, estratégicas, burocráticas e igualmente na saúde pública; não nas margens, mas no âmago desses componentes essenciais do processo político. Democracia participativa requer cultura científica do eleitorado”. (OLIVEIRA, 2007, p 89)

O desenvolvimento científico é a chave transformadora do mundo. O grau de conhecimento e poder tecnológico sempre definiram os rumos da história do planeta Terra. Grandes civilizações antigas como egípcios e gregos só alcançaram o poder graças ao seu desenvolvimento na ciência. Esse “poder” causou revoluções políticas e comportamentais. A pílula anticoncepcional é um dos grandes exemplos de revolução iniciada na ciência. Sua chegada ao mercado trouxe o impulso que a emancipação feminina do século XX necessitava, “não sei se as coisas teriam andado da forma como andaram se a pílula anticoncepcional não tivesse sido criada", lembra o psiquiatra Flávio Gikovate em entrevista concedida à repórter Sabrina Passos. (PASSOS, 2010, p 1)

Com o tal comprimidinho acessível, a mulher passou ter oportunidade de adiar a maternidade e priorizar a carreira profissional. Essa mudança toda, é claro, levou a uma transformação da família enquanto célula social. Como elas optam por adiar ao máximo a maternidade ou escolhem não ter filhos, a família fica impactada. Na Itália, cerca de um terço das mulheres não têm filhos - e isso é uma tendência mundial, já consolidada aqui no Brasil. (PASSOS, 2010, p 1)

E para aproximar esse conhecimento do público, sem restrições, que entra o jornalismo científico. O conceito de jornalismo científico de jornalismo como definido por José Marques de Melo (1983, p. 24), como um “processo social que se articula a partir da relação (periódica, oportuna) entre organizações formais (editoras/emissoras) e a coletividade (públicos/receptores) através de canais de difusão (jornal/revista/rádio/televisão/cinema) que asseguram a transmissão de informações (atuais) de natureza científica e tecnológica em função de interesses e expectativas (universos culturais ou ideológicos).” (VERAS, 2005, p 191)

Jose Soares de Veras Júnior também fala sobre o conceito: “O Jornalismo científico é um gênero especifico, e possui uma linguagem própria de decodificação das notícias, constituindo uma categoria à parte” (2005, p 191)

Esse processo, mesmo sendo vital para o desenvolvimento de um país como o Brasil, ainda passa por um estágio de crescimento e afirmação, além de enfrentar os desafios que o jornalismo em todas as suas formas enfrenta ao fim desta primeira década do século XXI. A função social desta especialidade jornalística ainda é discutida por profissionais e pesquisadores da comunicação e da educação. Esta relação entre jornalismo científico e divulgação científica é causa de muitas discussões. Os dois termos estão próximos, mas definem ações diferentes. A divulgação científica engloba o jornalismo, mas não está restrita aos meios de comunicação de massa.

Segundo Jose Soares, a divulgação científica e o jornalismo cientifico não são campos antagônicos, mas complementares:

 Existe um antagonismo histórico entre os conceitos de Divulgação científica e jornalismo cientifico. O primeiro termo geralmente é designado aos grupos de cientistas e pesquisadores acadêmicos que trabalham com a propagação de informações cientificas, mas que não são formados em comunicação social. Já a expressão Jornalismo Cientifico geralmente é designada aos profissionais da informação (repórteres, editores) que trabalham em veículos especializados. (2005, p 191)

Neste ponto é que muitos profissionais divergem, uns propõem um foco maior do papel do jornalismo científico como ferramenta educacional, lembrando sempre a importância do assunto em um país em desenvolvimento, como o Brasil. “A ignorância do público sobre fatos elementares de ciência, mesmo em países de primeiro mundo, é surpreendente” (EPSTEIN, apud CUNHA, 2005, p 153). Outros não veem a questão como uma obrigação ou objetivo do segmento, apesar de não negarem a relevância do tema.

De toda a forma, a necessidade de debate é inquestionável, principalmente no momento atual em que o jornalismo como um todo ainda busca se adaptar a era da internet e suas incertezas que vem trazendo profundas mudanças em todos os setores, incluindo o modo de vida do ser humano moderno.

A história da ciência muitas vezes é narrada como uma série de grandes avanços, revoluções e lampejos de genialidade dos cientistas. Mas sempre há um antes, um depois e um contexto histórico. O desenvolvimento científico não se dá no vazio de uma torre de marfim. A ciência sempre foi parte do mundo em que é praticada, e este mundo está sujeito a todas as complexidades da política, da personalidade, da paixão e do lucro. (MOSLEY; LYNCH, 2011, p 288).

Segundo Wilson da Costa Bueno, a expressão “jornalismo científico” tem sido utilizada no Brasil de maneira genérica para definir a veiculação de informações científicas e tecnológicas associadas às inovações pelos meios de comunicação de massa. (s d, p 15)

Bueno define que o JC cumpre seis funções básicas:

1)      Informativa – Esta é a essência do próprio conceito de jornalismo. Ele lembra ainda que “o desempenho desta função não implica, necessariamente, a transformação do processo de comunicação em uma mera transferência de informações e conhecimentos. Ao ato de informar incorpora-se, dialeticamente, o interesse e a necessidade do cidadão de estar informado e o compromisso do divulgador, no caso o jornalista científico, de trabalhar em prol da coletividade, divulgando o que vai ao encontro de seu universo de expectativas e necessidades”.

2)      Educativa – Ponto gerador de maior debate no mundo acadêmico nos últimos anos. Está intimamente ligada à função social do jornalista que trabalha nesta área.

3)      Social – É o intercambio entre ciência e sociedade, tentando humanizar a ciência.“prevê o debate dos temas de ciência e tecnologia à luz das apirações e demandas da sociedade e faz coincidir os interesses com os objetivos da produção e da divulgação científica”.

4)      Cultural – Apesar do posicionamento positivo frente à adoção de novas tecnologias não se deve ignorar o impacto em relação à cultura em determinadas situações.“O jornalismo científico deve trabalhar em prol da preservação e da valorização das culturas locais e repudiar qualquer tentativa de agressão aos valores das comunidades”

5)      Econômica – É a função de maior impacto estratégico, “diz respeito à relação entre desenvolvimento da ciência (e sua divulgação) e o setor produtivo.”

6)      Político-ideológica – Outro alvo de debate entre os profissionais e estudiosos de comunicação. Engloba todos os conceitos anteriores. “Os compromissos político-ideológicos da ciência e da tecnologia devem estar presentes na consciência do jornalismo científico, evitando que ele funcione como mero reprodutor de teorias e práticas geradas nas nações desenvolvidas, atendendo sobretudo aos interesses das grandes corporações”.

Em artigo sobre “Comunicação, Ciência e Sociedade”, Cidoval Morais de Souza lembra o conceito da socióloga Hebe Vessuri que resume bem a importância do jornalismo cientifico: “a Ciência que não é comunicada não existe”. (s d, p 1)

1.1 Discussões sobre o gênero

Apesar da importância da ciência e, consequentemente, de sua divulgação o jornalismo científico carece de atenção no mundo acadêmico, nos cursos de graduação em jornalismo e nos programas de pós-graduação a área é quase esquecida. “O número de jornalistas que atuam na área de pesquisa acadêmica também é ainda bastante reduzido, mas vem dando crescentes sinais de vitalidade.” afirma Fabíola de Oliveira que também indica que as possibilidades de aperfeiçoamento e especialização nesta área ainda são poucas. (2007, p 89)

Para a realização desta pesquisa foram encontrados poucos trabalhos de referencia bibliográfico em relação ao que se acha sobre temas como o jornalismo cultural, por exemplo. Também não foi encontrado nenhum trabalho que abrangesse de forma completa o jornalismo científico atual no Brasil, a grande maioria se concentra em analisar publicações e reportagens, mas sem trazer reflexão sobre o segmento, o que nada acrescenta ao debate necessário.

Cidoval de Souza comenta: “A literatura sobre o assunto, no caso brasileiro, é recente. Os primeiros trabalhos datam dos anos 70 e exploram, a exaustão, a tensão cientista x divulgador. Durante mais de 20 anos esse debate se manteve e, com raríssimas exceções, apresentou fatos novos e/ou alternativas de mudanças.” (SOUSA, s d, p 1)

Reinaldo José Lopes[1], editor chefe de ciência e saúde da Folha de S. Paulo, acredita que um dos motivos do escasso interesse dos jornalistas por essa área nasce de um preconceito geral contido naqueles que gostam, estudam e trabalham na chamada “área de humanas”.

Ah, essa cultura nossa de humanas é lamentável. A resposta que tem de dar para quem acha que não tem importância é a seguinte: a base aliada a Dilma hoje é o PMDB, não sei, mas daqui ha dois anos pode ter acabado tudo, agora o Einstein desde de 1905 está lá  e é eterno e vai ficar. Então os caras não tem a visão de longo prazo.  A ciência é muito mais permanente do que 90% da política e da economia.  Os cursos eu tenho a impressão de que estão aumentando também. Eu acho que é assim, as pessoas tem razão em por um lado do ponto de vista pragmático, o pessoa tem razão de não se interessar muito porque realmente são poucas vagas, é uma área, então é um nicho pequeno, então você tem que brigar muito pra chegar lá. Mas é errado achar que o assunto, a área, não tem importância.

Lopes conclui que “achar que o jornalismo científico morreu é coisa do preconceito do jornalista médio, que não é de ciência com o jornalista que é de ciência. Porque essa é uma questão bem típica do meio, que normalmente a gente é bem desprezado. O publico em geral se interessa muito mais por ciência do que o jornalista médio se interessa por ciência. O jornalista médio tende achar que já morreu, não serve pra nada, não interessa ou é só curiosidade.”

1.2 Justificativa e metodologia

Este estudo se propõe a realizar uma análise das principais mudanças e características do jornalismo científico brasileiro neste início de século XXI, utilizando como objeto de estudo as duas maiores publicações do gênero no país e o jornal de maior circulação nacional: Revista Superinteressante, Revista Galileu e a editoria de ciência do jornal Folha de S. Paulo.

A escolha não se deve apenas pela tiragem e distribuição nacional, mas também pela popularidade e nas linhas editorias bem definidas dos veículos. A análise irá se basear na trajetória histórica e editorial destas publicações, nos assuntos mais abordados na última década, nos estudos acadêmicos e nos depoimentos dos atuais editores destes veículos. Para a conclusão a análise será comparada também com artigos e trabalhos que debatem sobre o jornalismo científico brasileiro. Além de livros, foram usados artigos e teses de mestrado e doutorado. As entrevitas foram feitas com os editores chefes de ciência ou da publicação geral: Sergio Gwercman – Superintessante, Emiliano Urbim – Galileu, Reinaldo José Lopes – Folha de S. Paulo, Tatiana Pronim – UOL e Marcelo Ribeiro – Hypescience.

Os temas foram classificados em Ciências Básicas/Naturais (Biologia, Saúde, Física, astronomia, tecnologia, ecologia, química) e Ciências Humanas/Sociais (História, Comportamento, Filosofia, Religião, Esoterismo, Direito, Arte e Cultura) para melhor definição da análise e para seguir critérios adotados em outras pesquisas. Também foi realizado uma contagem para amostra das manchetes dos veículos analisados, que estão exibidos em tabelas.

O trabalho está divido em: introdução (mostrando a importância do trabalho), história do jornalismo científico no Brasil, análise dos veículos de amostra e conclusão (com reflexão sobre o estudo).

A intenção é que ao traçar o perfil e a trajetória destes veículos maiores, e contrapondo as críticas com seus editores, se possa chegar à um breve panorama do jornalismo científico brasileiro atual. E tentar mostrar qual a “cara” deste segmento na primeira década deste século e com isso traçar suas possibilidades para esta segunda década. O jornalismo de ciência no Brasil passou por uma grande mudança na virada do século, fazendo com que algumas pessoas chegassem a decretar sua “morte”, este trabalho se propõe a responder esta afirmação através de sua análise. Existe também uma carência grande de trabalhos que abordem o assunto mostrando seu perfil geral e buscando uma reflexão do segmento, já que a maioria se propõe apenas a analises extremamente específicas e sem debate.

Este trabalho nasce da necessidade de reflexão sobre o jornalismo científico e a carência de abordagem sobre o tema durante o curso de graduação em jornalismo, aliado ao interesse sobre ciência e sua divulgação.

2 Histórico

As sementes da divulgação científica no Brasil só foram plantadas a partir de 1808, com a chegada da família real portuguesa ao país. No entanto, somente por volta do fim do século 19, é que o tema realmente começou a entrar na pauta da pequena mídia nacional.

Muitos pesquisadores apontam Hipolito José da Costa como o precursor do jornalismo científico brasileiro. Hipolito era editor do jornal Correio Braziliense (1808), que era impresso em Londres para evitar a censura, e enviado ao Brasil. Uma das seções do mensário tratava de Literatura e Ciências, com notícias e críticas sobre obras científicas. Segundo Marques de Melo, esse é o registro inicial dos acontecimentos científicos pela imprensa brasileira e define: “trata-se de publicação essencialmente política, que abriu espeço para a informação de natureza científica”. (2005, v.1, p 219)

Até o final do período conhecido como Segundo Reinado, o gênero continuou tão tímido quanto a própria produção científica nacional. O interesse de Dom Pedro II pela ciência favoreceu algumas atividades ligadas a difusão de conhecimentos.

Algumas publicações que podem ser destacadas desse período são: “Revista Brazileira – Jornal de Sciencias, Letras e Artes” (1857), “Revista do Rio de Janeiro” (1876), “Sciencia para o povo” (1881), “Revista do Observatório” (1886). No entanto, todas ainda apresentavam uma linguagem de difícil compreensão para o público não especializado. Já outros trabalhos, como o desenvolvido por Fabíola de Oliveira no livro “Jornalismo Científico”, sugerem também o escritor Euclides da Cunha, famoso pelo livro “Os sertões” e sua cobertura do conflito de Canudos, como outro pioneiro do jornalismo científico no início do século XX. (2007, p 89)

O século XX é sem dúvidas o de maior crescimento não apenas no jornalismo científico como para o jornalismo em geral. Isto se deve ao fato deste ser o século com o maior impulso científico em toda a história da humanidade, com um grande número de inovações surgindo em diversas partes do planeta e em todas as décadas. É o século de Albert Einstein e em que o homem chegou à Lua.

No inicio do século XX, o jornalismo científico começa a estender-se como consequência da popularização da imprensa escrita e da explosão técnico-cientifica. A 1ª Guerra Mundial foi caracterizada como a guerra dos químicos, quando os cientistas descobriram novos modos de produzir material bélico. Os jornalistas glamourizavam estas descobertas que, todos concordavam, seriam para uma vida melhor. Os resultados a que se chegou, como uso da química industrial na 1ª Guerra Mundial, fizeram com que os jornalistas e seus patrões reconhecessem que os cientistas precisavam de uma atenção mais séria, e mais critica. Já a 2ª Guerra Mundial tornou-se a guerra dos físicos – por sua contribuição em dividir o átomo para derivar bombas de fissão e poder nuclear. (VERAS, 2005, p 191)

A preocupação tardia do Brasil com a ciência e sua divulgação só foi se intensificar gradativamente após a década de 1920, influenciada pelas descobertas na Europa e nos Estados Unidos, pelas novidades da Primeira Guerra Mundial, e ganhando ainda mais força com as tecnologias apresentadas na Segunda Guerra Mundial. Este lento processo se deve primeiramente à nossa submissão a Portugal e depois ao longo período controlado pelas ditaduras. “A Divulgação científica brasileira, assim como em outros países, sofre ciclos de expansão e encolhimento.” (CARVALHO, 2011, p).

A produção científica nacional também era muito pequena, ela só entraria definitivamente na agenda do governo e da sociedade após o Estado Novo (1937-1944). Iniciando este período está a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948, que até hoje reúne todas as sociedades científicas do país. Em seguida, em 1951, houve o surgimento do Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq. O órgão foi responsável, por mais de três décadas, pelas ações de Ciência e Tecnologia do governo federal e representa o primeiro esforço para se regulamentar a área no Brasil.

É nesta fase também que um dos maiores divulgadores da ciência no país, José Reis (1907-2002), inicia sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, sendo também um dos fundadores da SBPC. Considerado patrono do jornalismo científico brasileiro, José Reis era formado em medicina e em microbiologia. Desde 1932 publicava artigos e folhetos sobre problemas científicos para o público não especializado. Após 1958 passou a se dedicar integralmente à divulgação científica, publicou mais de cinco mil trabalhos como livros, artigos e textos jornalísticos. Em 1979, o CNPq criou o Premio José Reis de Divulgação Científica em reconhecimento ao seu trabalho e dedicação.

José Reis foi não apenas um médico, um pesquisador, um administrador. Como jornalista foi um dos precursores da divulgação da ciência e tecnologia no Brasil através dos meios de comunicação de massa: revistas e jornais, feiras de ciência e concursos para formação de cientistas. Tinha como lema “aprender para repartir” e entendia os meios de comunicação como “magistério sem classes. (GIACHETI apud MELO, 2005, v. 1, p 219)

2. 1 Década de 70

Durante os anos 1970 os únicos veículos com editorias exclusivas de ciência eram as revistas Visão e Manchete. Entre os jornais apenas a Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo tinham editorias especializadas neste período.

2.1.1 Televisão

Na televisão, ciência e tecnologia começaram a ganhar espaço na década de 1970, no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, com matérias feitas por seus correspondentes em países como os Estados Unidos.

O primeiro programa televisivo exclusivo do gênero foi o “Nossa Ciência”, da TV Educativa do Rio de Janeiro, que estreou em outubro de 1979 com a intenção de divulgar a produção dos institutos de pesquisa cariocas.

Outros programas surgiram na década de 1980: Estação Ciência (Rede Manchete), Academia Amazônica (TV Cultura), Tome Ciência, Eco Realidade (Fundação Roquete Pinto) e o único que existe até hoje, o Globo Ciência (Rede Globo).

2.2 Década de 80

A década de 1980 é considerada a época da “explosão” do jornalismo científico nacional. Diversos acontecimentos levaram à esse crescimento, nos anos 1980 os EUA lançaram o primeiro ônibus espacial e a AIDS começa a se espalhar e se torna alvo de estudos, entre outros grandes feitos e descobertas como lembra Fabíola de Oliveira: “grandes eventos de repercussão internacional influenciaram esse boom do jornalismo científico no Brasil na década de 1980, como a passagem do cometa Halley (1986), a descoberta da supernova de Shelton (1987), da supercondutividade, o anúncio não confirmado da fusão a frio, as viagens espaciais e questões ambientais” – (OLIVEIRA, 2007, p 89)

Em meados desta década também foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia, que enfatizou a política científica e definiu áreas estratégicas para investimento e apoio.

É nesta fase que surgem as publicações de maior referencia do gênero no país, como a revista Superinteressante (Editora Abril), que até hoje é a principal referencia popular do gênero, mesmo após diversas mudanças. Outra publicação surgida neste período foi a revista Ciência Hoje (SBPC), que está em atividade até os dias atuais. Está fase de crescimento pode ser notada pela pesquisa realizada em seis grandes jornais brasileiros em 1983, que mostrava apenas 5,5% do conteúdo editorial diário sobre Ciência e tecnologia. Já no ano seguinte, 1984, o espaço nos jornais aumentou para 6,3%, um aumento significativo para o período. (CARVALHO, 1996, p)

Durante a década de 80, houve uma explosão de editorias de ciência em praticamente todos os grandes jornais das capitais brasileiras. A ciência ganhou espaço para divulgar a pesquisa produzida em território nacional. Nesta época, também se especializaram as assessorias de imprensa dos órgãos dedicados à pesquisa. (VERAS, 2005, p 191)

No meio acadêmico, até o momento, a única iniciativa de estudos do campo do jornalismo científico havia ocorrido na USP em 1970 com o primeiro curso de extensão sobre o assunto ministrado pelo espanhol Manuel Calvo Hernando. A primeira defesa de dissertação de mestrado sobre o tema só viria em 1981.

2.3 Década de 90

No início dos anos 1990 a editorias de ciência dos grandes jornais passaram por uma nova estruturação, “apesar de, na maioria das vezes, privilegiarem material de conteúdo internacional, sobretudo de fontes americanas de notícias” lembra Fabíola de Oliveira (livro).

Em 1991 surge nas bancas outra revista que se tornaria referencia nacional do gênero, a Globo Ciência, que anos depois passaria a se chamar Galileu. Publicações menores como a revista Nova Ciência (Editora Nova Ciência) também nasceram e tiveram vida breve na década de 90.

Os anos 90 também marcaram a chegada de alguns cientistas à mídia. No Brasil o físico Marcelo Gleiser é um exemplo. Depois de receber uma premiação do governo norte-americano em 1994, passou a escrever para jornais e a frequentar programas de televisão. Em 1997 lançou pela editora Companhia das Letras o livro “A dança do universo”, que acabou até inspirando uma canção de Caetano Veloso. (VERAS, 2005, p 191)

Os temas científicos relacionados ao meio ambiente também começaram a ganhar maior destaque nesta época, principalmente devido à Eco 92, nome pelo qual ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992. O evento é considerado um marco no debate do desenvolvimento sustentável no Brasil.

2.4 Anos 2000

Foi apenas em 2002 que o Brasil recebeu sua versão de uma das mais antigas revistas científicas do mundo, a Scientific American. Criada em 1845 em Nova York, a revista se espalhou pelo mundo com versões em diversos países, todas recebem autonomia editorial, mas desde que os princípios básicos da publicação sejam mantidos. O Brasil foi o vigésimo país a lançar sua versão.

Devido ao grande sucesso da Superinteressante, a Editora Abril lançou em 2001 uma publicação especial com as perguntas e respostas de sua seção “Superintrigante”, que depois se tornou a revista Mundo Estranho. Outras revistas surgiram da SI em 2003: Aventuras na História, Revista das Religiões e a Vida Simples.

No mesmo período, em 2004, a Editora  Abril também lançou a revista Sapiens, focada apenas no universo científico, já que a SI já havia se tornado uma publicação de temas mais abrangentes. No entanto, o projeto não obteve sucesso e chegou ao fim.

2.4.1 Internet

A transformação vivida pelas editorias e revistas nesta última década é a mais revolucionária na história do jornalismo científico como um todo. Com a chegada da internet os veículos passaram a ter páginas na web e sites exclusivos sobre o assunto foram criados.

Portais de notícias nascidos no final dos anos 90 começaram a crescer e criar editorias de ciência, tecnologia e saúde. Uol, Terra e IG foram os principais sites a iniciar a publicação de notícias do gênero além das páginas online dos jornais impressos e revistas.

No final desta primeira década do século XXI, também surgiu no país o primeiro site exclusivamente de notícias sobre ciência e seus derivados, o Hypescience.

Entre 1981 e 2000 o Brasil passou da 28ª para a 17ª posição no ranking mundial de produção científica. Passando à frente de países como a Bélgica e Israel.

De 2007 para 2008 o crescimento medido por este mesmo ranking foi de 56%, o país passou da 15ª para 13ª colocação. O governo Lula teve como uma de suas propostas a formação de 6 mil doutores por ano nas universidades públicas e investiu cerca de 1,0% do PIB em Ciência e tecnologia nos seus primeiros anos. Em 2010 esse número chegou à 1, 62% do PIB, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Já as bolsas de estudos concedidas pelo governo tanto para o país quanto para o exterior foi de mais de 70 mil em 2009.

3 Perfis dos veículos e análise

3. 1 Superinteressante

A história da Superinteressante começa bem antes de seu lançamento. Em 1981 a editora Abril lançou a revista Ciência Ilustrada, que durou apenas 3 anos. A publicação foi um fracasso para os padrões da editora, mesmo com uma tiragem mensal de 40 mil exemplares.

Apesar da experiência ruim com a Ciencia Ilustrada, Carlos Civita, da própria editora, passou a insistir no lançamento de uma nova revista de divulgação científica. Ele alegava que esse era um grande filão de público na Europa. Foi então que os direitos da revista espanhola “Muy Interesante” foram comprados. A ideia inicial era somente publicar uma tradução das matérias da Muy, com todos os aspectos iguais aos do original. No entanto, o fotolito da revista espanhola era de um tamanho diferente do que era usado no Brasil. Este detalhe técnico foi o empurrão necessário para que a editora decidisse lançar a revista com seu próprio conteúdo.

Ainda assim, no começo a revista acompanhava o modelo espanhol, somente as matérias eram pautadas e editadas aqui. Em 1987, a revista estreou com 2 milhões de exemplares com 20 páginas cada um. Impressos e distribuídos dentro de outras revistas da Abril. A amostra fez sucesso e antes do primeiro número chegar ás bancas, a revista já possuía 6 mil pedidos de assinatura.

Flavio Dieguez foi o autor da primeira reportagem, do primeiro número da Superinteressante, em 1987. Nesta época a revista tinha uma linguagem mais didática, mas deve-se constatar que o público também era outro. Não havia acesso à internet, as redações começavam a se informatizar, e, consequentemente, as publicações de ciência e tecnologia tinham um perfil mais explicativo. A reportagem de capa do primeiro número da Super abordava o tema dos Supercondutores. Ela já seguia uma linha de argumentação que o futuro da revista adotaria: descrevia a teoria, o mecanismo básico do fenômeno, sem receio de assustar o leitor, para em seguida descrever os segredos básicos da natureza ou das tecnologias existentes; utilizando dados históricos, numa linguagem acessível e popular. (VERAS, 2005, p 191)

O jornalista Almyr Gajardoni, que na época era redator-chefe da revista Claudia, foi quem montou a equipe inicial da Superinteressante. Gajardoni acredita que o sucesso da revista foi um dos principais fatores que levaram outros órgãos, editoras e jornais a olharem para o jornalismo cientifico.

Em entrevista à José Soares, Flavio Dieguez comenta a transformação da revista até a primeira década do século XXI:

A boa fórmula da Super consistia em transformar as noticias em histórias interessantes; agora encontramos historias interessantes que não são noticias, e, em diversos casos, ne, informação, apenas conjecturas e palpites. É uma boa revista sem dúvida, feita por ótimos profissionais, bonita e com bom conteúdo. Não é esse o ponto: o que se pode dizer, apenas, é que o jornalismo de ciência perdeu espaço. (VERAS, 2005, p 191)

Em vinte anos a Super ganhou alguns prêmios importantes como o “Premio José Reis de Divulgação Cientifica”, em 1991. E em 2002 ganhou o Premio Malofiej, por ser a publicação que melhor faz uso de infográficos no mundo.

3.1.1 Transformações

A Superinteressante é uma das publicações com o maior número de estudos e análises acadêmicas de diversas áreas. Sua representatividade no mercado atrai pesquisadores como um case ideal para análise. Para a realização deste trabalho foram encontrados ao todo 6 trabalhos acadêmicos que analisavam a revista sob a ótica do jornalismo científico, um número maior do que o encontrado sobre as outras publicações focadas nesta monografia.

Em sua página na rede social Facebook, a revista diz que sua missão é: “Ainda que o filósofo alemão Arthur Schopenhauer tenha morrido há mais de 150 anos, ao que parece sem jamais ler uma edição da Super, é dele a melhor definição do que fazemos todos os meses aqui: “Pensar o que ninguém pensou sobre algo que todos vêem”.

O primeiro e mais marcante ponto de transformação da revista foi seu visual, seu conceito gráfico.

Desde que começou a usar a infografia com mais freqüência em suas páginas, em 1994, a revista Superinteressante passou por uma série de transformações. Até meados de 2000, seu uso era quase que obrigatório nas matérias principais da publicação. Nos anos seguintes, ela nunca deixou de ser usada, ainda que ficasse bem distante das reportagens, mesmo a de capas, mas, ainda assim, ao longo desta trajetória, não foram poucas as vezes em que ganhou status de recurso inovador. (TEIXEIRA, sd, p 18)

Esta nova abordagem da revista ocorre com a intenção de elementos verbais e não verbais, sejam usados para facilitar a compreensão do leitor. Este recurso amplia a abordagem de temas tidos como complicados para o entendimento do público leigo. O uso de imagens foi um dos fatores analisados por Cristiane de Carvalho em sua tese de doutorado que utilizou a Superinteressante como uma de suas publicações estudadas:

No caso das ilustrações, quando bem contextualizadas elas realmente cumprem função esclarecedora. Quem consegue isso de maneira mais plena é a revista Superinteressante, que sempre usa esses recursos de forma simplificada, o que favorece o entendimento do leitor. Até por que. Em muitos casos, as ilustrações aparecem no texto mais com a função de enfeitá-los do que propriamente de esclarecê-los. (2011, p 392)

Pode-se dizer que o sucesso no uso dos recursos visuais pela revista influenciou não só suas concorrentes como outras publicações impressas nacionais. Junto com o visual os temas abordados pela revista também mudaram em incidência, além do surgimento de novos assuntos.

Monica Gonçalves Macedo, em seu trabalho intitulado “Do texto ao hipertexto – argumentação e legibilidade de revistas de divulgação científica”, define as matérias de capa da Super desta forma mais resumida, porém precisa:

As matérias de capa da revista são textos multidocumentais, onde o texto principal é sempre a reportagem de um jornalista da equipe, acompanhada de textos auxiliares (incluindo cronologias, citações/epígrafes, entrevistas, depoimentos e, eventualmente, artigos), com utilização frequente também de infográficos e fotografias (que ocupam pelo menos 30% do espaço total da matéria). Também consta de toda matéria de capa uma lista de indicações de leitura (‘Para saber mais’), incluindo sites. (2002, p 263)

Conforme mostra o estudo realizado por Allan Macedo de Novaes com a revista de seu início em 1987 até 2004, a Superinteressante passou por uma verdadeira inversão na incidência de alguns temas. “Os dados apontam para o seguinte fenômeno editorial: a transição de predomínio das ciências naturais para as ciências humanas nas matérias de capa da revista.” (2005, p 11) Esta característica também é percebida por Cristiane em sua análise, porém ela mostra que em 2010 a revista também deu o mesmo espaço para os temas de Ciência Básica/Natural: “A revista, no entanto, é a única em toda a amostra que consegue equilíbrio na quantidade das matérias publicadas nas duas categorias”.(2011, p 392)

Apesar de neste final da primeira década do século XXI a publicação ter buscado um maior equilíbrio na escolha de seus temas a preferencia pela Ciências Humanas ainda é mais acentuada. Das capas da revista de janeiro até maio de 2012, 5 edições, 4 estão totalmente ou parcialmente relacionadas à ciências humanas/sociais. Porém, Novaes lembra que esta é uma tendência do mercado editorial como um todo e ainda ressalta: “Curiosamente, a passagem da predominância das ciências naturais para as ciências humanas nas capas da Superinteressante foi seguida por outro fenômeno: a ascensão editorial da temática religiosa, mística e pseudocientífica”.(2005, p 11) Um exemplo desta última afirmação é que, dentre os 10 primeiros anos da revista, a edição campeã de vendas foi a de dezembro de 2002 com a matéria de capa “A verdadeira história de Jesus”, e 185000 exemplares vendidos.

Tabela 1

Foco das matérias de capa da revista Superinteressante no período de janeiro à maio de 2012

Mês

Chamada de matéria de capa

Foco específico

Foco geral da abordagem

Janeiro

“Memória”

“Mude seu passado e seja mais feliz. Lembranças positivas são a chave para uma vida melhor. E a ciência já conhece as ferramentas para cria-las.”

Comportamento

Fevereiro

“Como fazer um superbebê”

“Eles serão projetados por cientistas, terão imunidade contra doenças, e a aparência que os pais escolherem. Conheça os bebês de laboratório – Porque um dia você vai ter um. E eles já começaram a nascer.”

Genética

Março

“O lado bom dos seus problemas”

“Defeitos podem ser suas maiores virtudes. Entenda por quê.”

Comportamento

Abril

“os segredos dos imortais”

“Eles passaram por situações extremas – e sobreviveram. Agora, a ciência quer estuda-los para entender como você pode viver mais.”

Comportamento

Maio

“Pequenos psicopatas”

“Sim, existem crianças que já nascem más. Saiba do que são capazes – e conheça as incríveis histórias de quem convive com elas.”

Comportamento

Novaes resume:

Em seu início, Superinteressante concentrou-se em enfocar temas e notícias que favoreciam uma imagem positivista e triunfalista da ciência, com pouco espaço para as humanidades, o metafísico, o sobrenatural. Mas à medida que a linha editorial da Super flerta com a noção de ciência na pós-modernidade e as expectativas do leitor pós-moderno, a postura editorial da revista diante da ciência se altera. Distanciando-se da visão absoluta do iluminismo e do positivismo, Superinteressante aborda a ciência de maneira mais social, humana, filosófica e relativa, porque é assim que o leitor pós-moderno a vê, a entende e a aceita. (2005, p 11)

Sergio Gwercman[2], atual editor chefe da revista, reafirma estes dados em entrevista concedida para esta pesquisa. Ele comenta a mudança nos temas abordados pela Super de foco ter passado a ser a ciências humanas/naturais:

Do ponto de vista editorial, eu acho que a gente tem, talvez, uma grande mudança por volta do ano 2000, que é no sentido de pensar o conteúdo. Eu acho que tem uma abertura na pauta da revista, ela amplia o interesse dela pra mais áreas do conhecimento, pra mais áreas de Ciências Humanas, eu acho que começa a olhar mais pra Psicologia, a gente começa a olhar mais pra História, a gente começa a olhar mais para o mundo.

Esta escolha e temas e principalmente a maneira como são abordados é um aspecto que atrai fortes críticas no meio acadêmico. No artigo publicado pela Revista Brasileira de Ciências da Comunicação de janeiro/junho de 2010 escrito por Ieda Tucherman, Cecilia Cavalcanti e Luiza Oiticica com o título de “Revistas de divulgação científica e ciências da vida”, as autoras criticam a forma com que Superinteressante fala sobre estes assuntos metafísicos, usando a ciência apenas como meio de dar possibilidade de resolução para os “problemas da alma” e de como a revista se distancia do que é produzido pelas universidades e institutos de pesquisa. O “tom”, ou a forma com que estes assuntos foram retratados, também é criticado no artigo. Segundo elas, a revista apresenta na maioria de suas reportagens um tom “otimista”.(2010, p 19)

No estudo realizado por Ieda, Cecilia e Luiza para produzir o artigo, onde junto com a Super foram analisadas as revistas Galileu e Scientific American Brasil, dentre o período de agosto de 2007 a agosto de 2008, a frequência dos temas escolhidos pela revista Superinteressante em suas matérias principais foi de:

1º Neurociências

2º Meio-ambiente

3º Comportamento

Já as curiosidades e o imaginário sobre os avanços da ciência ganham grande espaço. Não raramente, é difícil identificar, na representação da ciência engendrada pela revista, onde termina o campo de trabalho dos cientistas, onde começa o terreno da ficção científica. São utilizados amplamente recursos retóricos, tanto escritos como visuais, no sentido de indicar a magnitude do poder da ciência, seja ou não, a magnitude real. (2010, p 19)

As críticas à abordagem da Super frequentemente citam a superficialidade no tratamento de alguns temas e transformação da revista em uma publicação de “curiosidades”. O que seu atual editor chefe discorda que “a Super não é uma revista de curiosidades. A gente gosta muito da descoberta das coisas, e descobrir as coisas passa muito por coisas curiosas, também. Então, eu acho que o leitor da Super é uma pessoa muito curiosa, que é diferente de você dizer que a Super é uma revista de curiosidades.”

Em entrevista à José Soares de Veras Júnior, o repórter Flávio Dieguez, autor da matéria de capa do primeiro número da revista, disse que no início a Super tinha uma linguagem mais didática, mas que deve se levar em conta o fato de na época ainda não haver acesso à internet, fazendo com que o público fosse diferente do que é hoje e necessitasse de um texto mais explicativo que hoje. Entretanto, Dieguez não minimiza os efeitos negativos da transformação sofrida pela revista. (2005, p 191)

O público-alvo da revista é uma boa pista do motivo de suas mudanças. Gwercman o define como sendo jovem, de 18 a 30 anos:

Ele é o que a gente chama de jovem adulto, tanto homem quanto mulher, o perfil do leitor é praticamente meio a meio, dividido entre homens e mulheres”. Ele ainda reforça que o leitor da Super é uma pessoa de espírito jovem, independente da idade. “Eu acho que é um leitor que quer conhecer mais, pessoas que querem saber mais, querem entender um pouco mais profundamente o mundo que elas vivem, são pessoas curiosas. Acho que é uma pessoa que gosta de dividir sua opinião com seus amigos. O leitor da Super é uma pessoa que está interessada no mundo ao redor dele, das coisas que estão acontecendo ao redor dele, e gosta de compartilhar isso com a sua família, com os seus amigos, ele gosta de saber as coisas antes, até por ser curioso. Então, quando novos temas, novos assuntos, novos produtos aparecem, ele gosta de ter contato com essas coisas o mais breve possível.

A mudança deste público, como citou Flávio Dieguez, é um dos principais argumentos da revista ao explicar os rumos que tomou nos últimos anos. A justificativa de Gwercman se baseia nisto, no novo leitor de revista, que não tem mais necessidade de buscar nelas as ciências básicas:

O papel de educador, que eu acho que um pedaço das revistas fez no passado, quase educar as pessoas, ficou no passado. Porque, antigamente, a única maneira de você conhecer esses conceitos era através do professor, na escola, e se o professor na escola não fosse bom, as pessoas não tinham acesso a essas informações. Não é mais o caso, hoje. Hoje, se o professor não explicar direito o que é lei da gravidade na escola, o aluno tem n maneiras de descobrir isso, por conta própria, de buscar isso de graça na internet. Então, esse papel acho que mudou, esse papel não está mais nas publicações. A gente vive uma era de explosão da informação, a gente tem contato muito mais  informação hoje do que tinha há 20 anos.

Gwercman discorda das críticas, começando pelas mudanças gerais que a revista sofreu, em entrevista concedida para esta pesquisa ele explica que “a Super está completando 25 anos, neste ano. Ela foi fundada em 87, eu acho que a gente teve uma série de mudanças, ao longo desses 25 anos, e boa parte delas me parecem naturais e necessárias para qualquer revista. Revistas são organismos vivos e que, portanto, devem sempre se atualizar. Então, tem que ter novo projeto gráfico, um novo projeto editorial, toda hora. Eu acho que a Super não deveria, de maneira nenhuma, estar fazendo hoje a mesma revista que fazia em 87. Nenhum revista no Brasil faz hoje a mesma coisa que fazia em 87. Se faz, quebra, porque o leitor não é mais o mesmo de 87, e os recursos que a gente tem de editoriais e designers não são mais os mesmos, então boa parte desses processos, dessas transformações, me parecem naturais.”

Ele também destaca que a revista não poder ser considerada uma publicação científica ou de divulgação científica:

A Super é uma revista que escreve muito sobre ciência, que tem muito interesse nesse serviço, mas a Super é uma revista de conhecimento, a Super é uma revista de interesse geral. E qual que é a diferença principal desse assunto? Nós não estamos cobrindo a Academia. A nossa missão na Super não é estar atento às últimas pesquisas que foram produzidas na Academia, e trazer esses assuntos pra Superinteressante, pros leitores. E eu acho que talvez essa mudança, que a gente tenha passado no ano 2000, o principal ponto dela seja essa mudança um pouco de escopo. A gente para de trazer pra cá as últimas pesquisas, talvez, do mundo da ciência, e a gente começa a usar mais a ciência como uma ferramenta pra gente escrever sobre o mundo. Como eu gosto de colocar isso, é o seguinte: a ciência pra Super, hoje, ela é um meio, ela não é um fim. A gente não escreve sobre ciência. O nosso foco não é a ciência, o nosso foco é ajudar o leitor entender o mundo em que ele vive. Então, isso a gente recorre à ciência. Se você for vê uma matéria nossa, qualquer matéria nossa, 100% do assunto são cientistas ou estudos. Aquelas são as nossas fontes, a gente não está escrevendo sobre eles.

Por fim, o último ponto que recebe críticas, mas desta vez informalmente, por parte do público, é a repetição de temas e a sazonalidade de alguns. Emiliano Urbim, editor chefe da Galileu e que também já trabalhou na Super é um dos que confirmam o fato: “Natal é Jesus, na Pascoa é espiritismo, chega junho e agosto tem datas importantes referentes à segunda guerra mundial, aí vem alguma coisa de Hitler ou nazismo, também balanceiam com alguma coisa de saúde. Tem uma lógica por trás de vender revista, eles estão ali para vender e eles têm que fazer isso.” Gwercman, no entanto, não enxerga uma repetição nos temas e novamente justifica as escolhas do revista em seus leitores:

É difícil falar isso, porque a gente nunca repete assuntos. Não idênticos, é um pouco diferente. Agora, o que eu acho que mexe mais com o leitor da Super, é quando ele tem a chance de mergulhar em universos que eles não conhecem, quando ele tem a chance de descobrir coisas novas. Eles também gostam de assuntos quentes. Como eu acho que o nosso leitor é uma pessoa que gosta de dividir, gosta de dividir opinião com os amigos, com a família, eu acho que ele gosta desses assuntos que movimentam esses ambientes. Então, quando você tem um tema quente, no sentido não da temperatura de tempo, de novo, esse tema é de ontem, mas que falem, que produzam paixões, esses temas também costumam ir bem. Então, eu diria que é uma mistura de paixão com mistério, descoberta, por aí. Outra coisa é o tema do comportamento, que tem crescido bastante.

 

3.2 Galileu

Hoje Galileu, a revista da Editora Globo nasceu com outro nome: Globo Ciência. Após uma série de mudanças, entre elas a de instalar sua sede em São Paulo, a editora começou novas pesquisas de possíveis mercados editorias. Estas pesquisas apontaram a divulgação cientifica como um segmento ainda mal explorado no país. Até o momento só haviam duas publicações de destaque nas bancas nacionais, a Ciência Hoje e a Superinteressante. Assim a Globo Ciência nasceu em 1991.

O grande sucesso da Super, inclusive, foi o maior exemplo do êxito editorial que o gênero poderia proporcionar, fazendo com que a Globo decidisse por investir nesta área. Mas a lacuna encontrada pela editora estava justamente entre as duas principais revistas em circulação. A Super atingia, em sua maioria, leitores no primeiro e segundo grau de estudos, já a Ciencia Hoje era voltada paras as universidades. E ambas as revistas tinham um conteúdo atemporal, com pouca atualidade.

A partir deste ponto a “atualidade” passou a ser uma forte característica da revista até os dias de hoje. Em um artigo apresentado no IV Congresso de Jornalismo Cientifico, Luiz Henrique Fruet, um dos jornalistas convidados para dirigir a revista explica a primeira ideia de linha editorial da publicação:

Globo Ciência escolheu ter como assuntos todo o amplo painel que se esconde sob as rubricas ciência e tecnologia, mas centrando sua cobertura prioritária sobre pesquisas, inovações que afetem concretamente a vidas das pessoas ou que tragam o conhecimento para mais perto deles. (GOMES, 2011, p 107)

A primeira edição da Globo Ciência traz em seu editorial o seguinte texto:

Todo mês você vai encontrar em Globo Ciência, tanto em forma de reportagens aprofundadas e minuciosas, que compõem o miolo da revista, como em notas nas seções de abertura ou do final, as informações mais relevantes que digam respeito à ciência e à tecnologia. Da informática à eletrônica, dos carros sofisticados aos mais avançados aviões, da exploração do espaço aos progressos nas telecomunicações, da luta em favor da preservação da natureza à perseguição da cura para as doenças do corpo e da mente.

 Em 1998 a revista passou por uma grande mudança editorial que acarretou na troca do nome da publicação para Galileu em 1999. A transformação ocasionada por uma nova estratégia de marketing ampliou os temas abordados pela revista e buscou aproximá-la ainda mais de sua maior concorrente, a Superinteressante.

3.2.1 Transformações

Desde que se chamava “Globo Ciência” as mudanças da revista foram impulsionadas não somente pela resposta de seu público específico, mas pelos ganhos de sua maior concorrente, a Superinteressante, mesmo tentando se diferenciar dela a revista da Editora Abril foi o parâmetro para o segmento. Sendo assim, a Galileu também sofreu primeiramente grandes transformações gráficas. Seu layout foi reformulado diversas vezes e modernizado com a utilização de infográficos.

Conforme a revista foi buscando sua identidade própria, mudou também a escolha de seus temas e sua linguagem. No início a linha seguida também era mais explicativa, assim como nas outras publicações, e consequentemente os temas focavam na ciências básicas/naturais. Adequado ao momento vivido pelo país, conforme se explica na análise da Superinteressante. No entanto, a revista já mostrava sua personalidade e foco em um público diferente e menos abrangente.

Textos didáticos, com repetição frequente das explicações detalhadas sobre determinados termos ou fatos científicos não [eram] muito comuns na revista. [Havia] uma idéia de que em cada matéria deveria constar um desafio para o leitor e que a publicação de matérias extremamente didáticas [seria] um desrespeito ao público, uma forma de negligenciar sua inteligência. (Carvalho, 1996, p. 158)

Ao longos dos anos, ainda mais depois que se tornou Galileu, a revista intenção seu dialogo com este público e sua abordagem na relação ciência, vida e futuro. “O futuro antes”, o atual lema da revista reflete muito de sua intenção. A frase se parece muito com o lema da revista norte-americana Popular Science: “The future now” (O futuro agora).

A revista Galileu oferece realidades para seus leitores e, como produto cultural, prescreve implicitamente modos de agir e de pensar considerados modernos ou melhores para a inserção social do sujeito na contemporaneidade (SODRÉ, 2002). Na revista, são oferecidas orientações comprovadas pelo ponto de vista científico de como viver no mundo contemporâneo, apresentando assuntos como cultura, tecnologia e ciência. (FLORES; SILVEIRA, 2011, p 8)

Natalia e Ada são as autoras de 4 dos 6 trabalhos acadêmicos que estudaram a revista e foram encontrados para esta pesquisa. Os trabalhos realizados por elas são também os únicos cuja Galileu é o foco único.

Na análise feita por Ieda, Cecilia e Luiza, é apontada a predominância em ordem decrescente dos temas: neurociências, saúde e meio-ambiente. Em 2102 as capas da revista até maio traziam, exceto uma, matérias de foco comportamental. (2010, p 19)

Tabela 2

Temas das matérias de capa da revista Galileu no período de janeiro à maio de 2012

Mês

Chamada

Foco específico

Foco geral da abordagem

Janeiro

“Os novos poderes da mente”

“Um cérebro online, que se regenera e move objetos. A união mente-máquina mudará tudo e já começou: 'Não é futuro, é presente’, diz Miguel Nicodelis.

Neurociência

Fevereiro

“Faça sua revolução”

“Com redes sócias é mais fácil mudar o mundo. Conheça os novos ativistas e saiba como trazer seguidores para a sua causa.”

Comportamento

Março

“Ansiedade positiva”

“Ser ansioso é bom. A ciência diz: Na dose certa esse problema pode ser usado a seu favor.”

Comportamento

Abril

“Filosofia pop”

“Sabedoria para o dia a dia. Dieta, hora extram popularidade, pé na bunda: Uma nova visão revela como Platão, Nietzsche e outros clássicos podem dar uma mão com problemas bem atuais.”

Comportamento

Maio

“Desejo”

“A ciência desvenda as leis da atração. Saiba como seu instinto decide para quem você olha e por que a primeira impressão nem sempre fica.”

Comportamento

3.2.2 Galileu e a modernidade

A principal característica que difere a Galileu de sua maior concorrente nas transformações foi a escolha da revista em “abraçar” uma visão altamente relacionada com as possibilidades futuras da sociedade. Esta já era uma tendência editorial da revista, mas que se intensificou com suas mudanças.

Galileu também teve sua preferencia voltada para o comportamento humano e as ciências naturais, mas diferente da Super, evita temas históricos, por exemplo. A intenção da revista é atingir um público um pouco menos abrangente que a revista da editora Abril, um público fascinado pelas ofertas da nova ciência e sua tecnologia fantástica. Na entrevista realizada para este trabalho, Emiliano Urbim[3], editor chefe da Galileu, explicou porque a revista também segue esta tendência e como funciona o processo de escolha dos temas e confecção destas matérias:

Acho que as matérias ficam mais interessantes, assim, pra ser sincero, eu acho que fica mais legal, falar do que vai dar conversa no bar, do que as pessoas querem saber, do que vai fazer, pode fazer uma diferença na vida, pode não fazer, pode dar só uma ideia nova pra como faz as coisas, do que simplesmente divulgar o que tá sendo descoberto nos laboratórios. Aí tem o segundo critério, por exemplo, Dieta. Agenda uma capa de Dieta, todo mundo quer dieta, ou conhece alguém que queira, enfim, é um assunto que tá sempre nas conversas. Mas tem alguma coisa de novo sobre isso? A gente tem alguma coisa para falar que não seja “chover no molhado”, algo que a concorrência já deu? Aí se passar nesse segundo teste, vira uma matéria.  Então, a parte da pesquisa e da novidade, ela continua existindo. A gente continua entrevistando as mesmas pessoas, e fazendo as mesmas perguntas. E só muda a imagem, muda o modo de apresentar, muda a ordem das coisas, mas altera o produto, eu acho.

Mas sua relação com a ciência do futuro é um ponto de atenção delicado na abordagem da Galileu, e alvo das críticas específicas à revista. O deslumbre que a publicação incita, fazendo as questões gerais mais complicadas até os fatos mais banais do cotidiano serem transformados quase que magicamente por uma ciência “maravilhosa”. Os subtítulos e linhas-finas das chamadas de capa dão uma amostra deste discurso que atinge toda a imprensa, mas que se observa com maior facilidade em revistas como a Galileu.

Este aspecto é apontado também por Ieda, Cecilia e Luiza:

Assim como a Superinteressante, perambula na fronteira entre ciência e seu imaginário, e faz desta fronteira uma linha sutil, quando não, inexistente, isto tem como resultado uma ambivalência: nas duas revistas, tanto se pretende divulgar as descobertas científicas de forma simples, como sonhar com as possibilidades de futuros avanços científicos. No primeiro caso, o texto escrito e o texto-imagem são de estilo informativo, mas como o segundo caso é mais apelativo ao interesse do leitor, o tom otimista e as ilustrações reafirmam essas ideias, para além de explicar conteúdos, são recorrentes. (2010, p 19)

Elas lembram que estas publicações tem como assuntos mais frequentes temas que envolvem descobertas revolucionárias recentes ou prometidas para o futuro. O tom quando não é super otimista, é catatrósfico. Neste último se encontra a “pitada” de sensacionalismo no jornalismo científico. Pode-se usar como exemplo a matéria de capa da edição de fevereiro de 2011, intitulada “A cura do envelhecimento”, que aborda como recursos da ciência como as células-tronco podem retardar o envelhecimento humano.

Os trabalhos produzidos por Natália e Ada discutem justamente essa relação da revista com a modernidade científica, um dos artigos é intitulado “Entre memória e promessa: a identidade da ciência na revista Galileu”. Em outro trabalho, as autoras identificam o determinismo de sua abordagem através de algumas reportagens analisadas:

No discurso da revista Galileu, a predominância de características relacionadas à identidade moderna da ciência retrata uma relação determinista entre ciência e sociedade. Nas reportagens de maio e setembro, por exemplo, a ciência ganha uma posição de saber que detém as respostas para a busca do saber/poder: como lidar com a depressão e como ser feliz. Não há espaços para intervenções de outros saberes e, como saber exterior, a voz do senso comum aparece apenas para reforçar as teses científicas propostas pelas matérias. (2011, p 19)

As autoras afirmam que a formação discursiva da modernidade se refere à uma posição que assume a ciência como solução dos problemas humanos e que essa formação instituiu-se na época moderna em que há a emergência da racionalidade da ciência. Porém, elas também explicam que no século XXI se começou a questionar este determinismo e se assumir que a ciência só pode conseguir resultados aproximados já que é uma construção humano, e não uma verdade absoluta como se pensava anteriormente, diferente do que propõe a revista.

A construção da posição determinista e ativa da ciência relaciona-se com a formação discursiva da modernidade, que vincula a atividade ao progresso e desenvolvimento e a tem como saber supremo capaz de solucionar todos os problemas humanos. Essa identidade moderna predomina nas reportagens da Galileu de maio (“O lado bom da depressão”) e de setembro de 2010 (“Quanto custa ser feliz”). A ciência é posicionada como responsável por explicar com funciona a ‘boa’ depressão e oferecer caminhos para a felicidade. Para o leitor, sobra apenas o espaço de aceitar os resultados que já foram comprovados cientificamente. (FLORES; SILVEIRA, 2011, p 19)

Segundo Urbim um dos motivos pelos quais a revista evita abordar temas históricos é justamente ela “olhar para frente”, diferente de sua concorrente principal. “Se fizermos matéria de religião não vai ser pra contar quem foi Buda, quem foi Jesus, Maomé. Tem que ser a religião hoje, alguma coisa que esteja acontecendo, ou que vai acontecer no futuro.” Emiliano explicou também que a decisão de se tornar uma revista “moderna” ocorreu em 2009, mas que no início houve uma confusão por acharem que isso significava falar apenas de tecnologia, o que se corrigiu posteriormente.

Podemos associar facilmente algumas capas da Galileu com os livros de auto-ajuda, que tanto fazem sucesso no mercado de livros. Reportagens como a “Quanto custa ser feliz” de setembro de 2010, “ ou a “Filosofia pop” de abril de 2012, lembram em diversos pontos títulos como “Nietzsche para Estressados” de Allan Percy ou “Por que os Homens Fazem Sexo e as Mulheres Fazem Amor?” de Allan e Barbara Pease. O primeiro usa a filosofia para tentar resolver os problemas cotidianos que causam estresse, assim como “Filosofia pop”, e o segundo usa, entre outras coisas, a neurociência para desvendar os conflitos no relacionamento entre homens e mulheres, muito parecido com a matéria “Desejo” de maio de 2012.

Essa comparação não agrada Urbim, no entanto ele identifica a possibilidade da revista servir como um complemente de embasamento científico para quem não encontrou respostas nos livros de auto-ajuda:

Pode me sacudir e me torturar, eu não vou falar essa palavra (auto-ajuda). Se o cara quiser comprar esses livrinhos ele compra; se ele quiser comprar “Quem mexeu no meu queijo?”, ele compra; se ele quiser comprar “O Monge Executivo”, ele compra. Acho que na hora que ele tá comprando a Galileu, é porque ele acha que esses livrinhos são insuficientes, que é um monte de coisa que não explica nada, é uma frase pronta, e aqui ele vai saber.

 

As críticas gerais Urbim rebate com a mudança do público, assim como para as outras revistas e também não considera Galileu uma revista propriamente de ciência, mas que utiliza a ciência. Mesmo quando a revista fala de temas comportamentais, para Urbim, a intenção é sempre mostar o que a ciência fala sobre aquilo e transformar em algo que o leitor entenda e possa usar. Ele também define o público da Galileu como um leitor diferente: “é um negócio que estávamos quebrando a cabeça para definir, mas seria um cara já “grandinho”, que nos dá liberdade de escrever matéria falando de igual para igual sobre sexo, drogas, dinheiro, trabalho, relacionamento.”

Urbim conclui sua explicação dizendo que também não quer que o leitor da Galileu tenha que ter um dicionário do lado para entender a revista e que o caminho seguido por ela e pelas outras publicações parecidas é apenas o caminho natural do segmento, que atende ao desejo e a necessidade do público e que isso pode auxiliar a divulgação científica tradicional, ”acho que meu compromisso é com o leitor, não com o cientista. De fazer o leitor entender, é um primeiro passo, uma porta de entrada para o mundo da ciência, para os trabalhos acadêmicos e até livros de divulgação. Se o cara se interessar, se ele quiser saber, ele vai mais fundo.”

3.3 Folha de S. Paulo

A Folha de S. Paulo é o segundo jornal em maior circulação no Brasil. Fundada em 1921 com o nome de Folha da Noite, dez anos depois passou a se chamar Folha da Manhã. Principalmente a partir da década de 1980, Ciência e os temas relacionados à ela ganharam espaço gradativamente no jornal até chegar na editoria exclusiva para o assunto. Em 2012 a Folha, seguindo o comportamento de outros jornais, uniu as editorias de Ciência e Saúde.

O manual de Redação da Folha não apresenta orientações específicas para a cobertura de ciência além da padronização e estilo quanto alguns termos. Apesar de ser um dos jornais de maior circulação nacional, foram encontrados apenas dois estudos acadêmicos específicos sobre a editoria de ciência do jornal. A Folha é citada em artigos, mas na maioria das vezes as referencias à ela são feitas de forma indireta, em meio às críticas gerais aos jornais impressos e seus sites.

O jornal sofreu como um todo transformações gráficas que o deixaram com um visual mais “limpo” e moderno. Assim como outros jornais também adotou o uso dos infográficos, que passaram a ter utilização especial na editoria de ciência, como um recurso facilitador em temas considerados difíceis. Entretanto, o caderno de ciência nunca conseguiu crescer e se igualar aos outros. É perceptível o espaço pequeno, na maioria das vezes concentrado em uma única página. Conforme mostra a tabela abaixo, a editoria também ganha pouco espaço na capa do jornal. Dentro do mês de abril de 2012, em 30 dias, ciência teve destaque na capa apenas 8 vezes e todas na parte inferior da página, onde atrai menor atenção. Diferente das chamadas de Saúde, que seguindo a tendência de outros jornais e sites de notícias, é colocada com maior destaque.

Tabela 3

Número de matérias de ciência e saúde que ganharam destaque na capa da Folha de S. Paulo no período de abril de 2012

Editoria

Número de chamadas na capa

Posicionamento na capa

Ciência

8

Todas na parte inferior.

Saúde

13

Apenas uma na parte superior.

Um dos únicos estudos que analisam a incidência de manchetes de ciência na capa da Folha de S. Paulo é o trabalho intitulado “A ciência na primeira página: análise da capa de três jornais brasileiros”, realizado por Flavia Natércia da Silva Medeiros, Marina Ramalho e Luiza Massarani. O estudo pesquisou, além da Folha, a capa dos jornais: Jornal do Commercio de Recife e Zero Hora de Porto Alegre. A primeira crítica que surge no trabalho é justamente a pequena quantidade de aparições de chamadas de ciência nas capas da Folha:

Seguindo os critérios adotados neste estudo, foram encontradas 298 chamadas relacionadas a C&T na capa da FSP em 2006. O número oscilou ao longo do ano, com destaque para os meses de abril, agosto e novembro, em que se encontraram 32 chamadas. Os meses de fevereiro, maio e junho foram aqueles nos quais a ciência teve menos destaque. O período de férias nas universidades poderia ajudar a explicar essas variações, mas é insuficiente. (2010, p 16)

As pesquisadoras também mostraram que o local escolhido para as chamadas também era em sua maioria na parte inferior da capa, “sendo colocadas na posição esquerda inferior (57,7%) ou na direita inferior (24,5%). A esquerda superior, posição de maior destaque na capa, foi reservada a assuntos ligados à ciência em poucos casos (16,1%).” A amostra obtida para esta pesquisa comprova que o fator continua no início da segunda década do século XXI, seguindo um padrão geral dos jornais e sites de dar pouco destaque às manchetes científicas.

A relação entre notícias de saúde ou ligadas à saúde com fatos de outras áreas da ciência também foi percebida pelo estudo das três pesquisadoras. Elas apontam que em 2006 “houve mais chamadas relacionadas com as ciências biológicas (30,9%) e ciências da saúde (26,9%). Ganharam menos destaque as ciências exatas (13,1%) e as ciências humanas (12,4%).” (MEDEIROS; RAMALHO; MASSARANI, 2010, p 16)

O destaque maior para os assuntos relacionados à saúde é um fenômeno considerado natural pela maioria dos profissionais do jornalismo científico. Tatiana Pronin, editora de ciência do portal de internet UOL, que veicula matérias da Folha junto de seu conteúdo próprio, explica (em entrevista concedia para este trabalho) porque o interesse em saúde é maior, “todo mundo precisa de informação sobre saúde, todo mundo tem alguém doente em casa. Tem bebê que está doente e precisa fazer alguma coisa, todo mundo que vai no médico e recebe um diagnostico crítico e pensa ‘mas que raio é isso, o que é que é isso’ vai correndo para internet procurar esse meio de informação de   credibilidade”

No início de 2012 a Folha realizou a fusão de suas editorias de ciência e saúde, passando a se chamar “Ciência e Saúde”, seguindo a tendência adotada por outros jornais como o Estado de S. Paulo. Em entrevista para este trabalho o editor chefe de ciência e saúde da Folha, Reinaldo José Lopes, lamentou a junção das duas editorias: “querem otimizar recursos humanos, otimizar papel. Nos principais jornais já era assim há um tempo. Nisso, perdemos duas vagas, deu uma diminuída na equipe, a coisa apertou.”

A existência de uma editoria específica para ciência também é um ponto de reflexão na pesquisa de Medeiros, Ramalho e Massarani, e elas apontam os dois lados da existência das editorias em jornal:

A criação, em jornais, de espaços específicos para a informação científica, como as editorias de ciência, pode surtir tanto efeitos positivos quanto negativos. Por um lado, há o risco da formação de um ‘gueto’, muitas vezes com capacidade de atrair mais leitores que já são interessados em ciência; por outro, espaços dedicados especificamente a temas de ciência muitas vezes permitem que se formem equipes de profissionais especializados na cobertura científica e que se dedique maior espaço aos temas de C&T, além da possibilidade de que os jornalistas que cobrem temas de C&T frequentemente produzam matérias para outros espaços do jornal. (2010, p 16)

Segundo as pesquisadoras a existência da editoria de ciência na Folha é um dos fatores responsáveis pelo crescimento do número de chamadas do assunto na capa do jornal, principalmente quando se trata de notícias originadas de estudos nacionais, que foram notadas com maior frequência no trabalho.

No entanto, como lembra Wilson Da Costa Bueno “o jornalismo científico, que temos por aqui, com exceções de praxe (e não são muitas) continua pouco investigativo, refém das pautas externas e de temas muitas vezes deslocados de nossa realidade”. (s d, p 2) O que pode ser melhor percebido no conteúdo produzido pela Folha para seu site, a pesquisadora Karina Medeiros de Lima aponta uma redundância de conteúdo (em sua tese “A ciência mediada: um estudo comparativo entre a linguagem do jornalismo científico impresso e online” na Folha), “como forma de preencher as dimensões espaciais medidas pela grande quantidade de elementos exigidos diariamente”. (2003, p) A proporção de matérias oriundas de agencias de notícias também é sempre maior no site. Das 7 matérias em destaque na página na quarta-feira, dia 6 de junho de 2012, 4 eram reproduções de agencias internacionais.

O estudo de Medeiros, Ramalho e Massarani tenta explicar esta dependência do conteúdo vindo do exterior alegando que o fato se deve, em parte, à Folha “ter incorporado em sua rotina a cobertura de pesquisas publicadas pelos principais periódicos científicos. Revistas científicas como Science, Nature e JAMA distribuem, em geral com uma semana de antecedência, press releases sobre os artigos das próximas edições. O material enviado pelas revistas científicas inclui um resumo jornalisticamente trabalhado da pesquisa e os contatos dos pesquisadores.” Segundo as pesquisadoras, esses serviços são positivos por proporcionarem fácil acesso aos trabalhos que tiveram aprovação da comunidade científica e destaque nas maiores publicações especializadas, porém, também possuem consequências negativas já que, como disse Bueno, os temas nem sempre tem relevância para a realidade local. (2010, p 16)

Falando especificamente da relação com o site, Lopes assume que o jornal ainda precisa terminar sua adaptação para as novas mídias e explica que, três anos atrás, quando as redações de impresso e online se juntaram foi muito difícil “mas, como 90% da receita geral vem do papel a gente acaba direcionando nossos repórteres para fazer uma edição boa no papel mesmo. Obviamente que pensando no futuro isso é meio Kamikase, precisamos mudar um pouco, porque o fato é que os leitores estão cada vez mais só na internet. Então precisamos mudar, mas por enquanto é uma questão econômica de assinante e anunciante, isso continua muito concentrado no papel mesmo”.

Este fato confirma duas conclusões a que chegou BUENO (1985, p.99) com relação à imprensa, há quase 20 anos atrás, em sua tese de doutorado, numa época em que o jornalismo online ainda não existia enquanto prática jornalística no país: ‘examinar o Jornalismo Científico no Brasil implica basicamente traçar o contorno de uma prática dependente, que se respalda na ciência e na tecnologia geradas e transferida pelos países hegemônicos.” Com isso Karina conclui que 20 anos depois nada havia mudado, que o jornalismo científico continuava a ser uma prática dependente com a única diferença de agora agregar o espaço online. (2003, p 229)

O trabalho das pesquisadoras também chama atenção para o caráter de divulgação científica do jornal: “Além disso, o jornal paulista dá mais espaço a cientistas de universidades que a outras fontes, funcionando como um espaço tradicional de divulgação da ciência e contribuindo para legitimar socialmente a autoridade dos pesquisadores.” Emiliano Urbim, editor chefe da revista Galileu, enxerga no jornal esta característica: “A Folha está mais para divulgação científica mesmo. Eles também falam de comportamento, mas até por ser diário, são mais em cima dos estudos, das coisas que estão saindo.” Outro aspecto positivo da Folha lembrado por Emiliano foi a recente mudança na linguagem usada pelo jornal, segundo ele “estão cobrindo as mesmas coisas, só que com títulos mais engraçados” e lidando com os assuntos de forma mais descontraída, muito por ser uma característica do texto de seu novo editor chefe. Lopes confirma que esta é uma de suas intenções à frente da editoria de ciência do jornal e explica:

Isso também é importante pra mim, acho legal que pareça assim justamente pelas pessoas terem um medo de ciência que não é justificado, porque não é mais difícil de se entender que economia ou política, as pessoas já ficam com um pé atrás. Então se você tem uma linguagem mais bem humorada e mais leve, mais solta, a gente quebra um pouco dessa barreira. Acho importante para as pessoas terem coragem de ler ciência de verdade.

A matéria do dia 13 de junho de 2012 pode exemplificar esta nova linguagem da Folha já pelo seu título: “Cientistas decifram genoma do bonobo, o grande macaco sexy”. No lead também há mais uma amostra do tom de descontração buscado pelo editor Reinaldo, autor da matéria: “Famoso por viver em uma sociedade relativamente pacífica, dominada pelas fêmeas e na qual o sexo é tão comum quanto bater papo entre humanos, o bonobo ou chimpanzé-pigmeu (Pan paniscus) acaba de ter seu genoma (o conjunto do DNA) decodificado.”

Concluindo a análise pode-se apresentar dois pontos de vista diferentes, o de que a Folha é um dos poucos veículos que fazem uma ponte entre a divulgação científica e a população, mais otimista. E a visão mais pessimista, baseada no pequeno destaque que ciência continua a receber, ainda mais com a recente união com a editoria de ciência e redução de equipe e na sua grande dependência do conteúdo oferecido pelas agencias de notícias internacionais. A conclusão de Medeiros, Ramalho e Massarani sobre os jornais de forma geral, expressa um pouco do sentimento de todos os trabalhos utilizados na análise:

Ainda que em maior ou menor grau, nosso estudo mostrou que os jornais efetivamente deram, no período analisado, pelo menos algum espaço a temas de C&T, colocando em discussão os sentimentos – muitas vezes expressos pela comunidade científica – de que jornalistas e editores de meios de comunicação de massa não se interessam pela pesquisa científica. A nosso ver, esse interesse existe, no entanto precisa ser ainda mais estimulado. Nesse sentido, destacamos a necessidade de serem criadas mais estratégias para mostrar a repórteres, jornalistas e editores que temas de ciência são instigantes e podem render boas matérias de capa – uma provocação que deixamos em aberto aos leitores. (2010, p 16)

4. Conclusão

As principais revistas que se encaixam no segmento, Superinteressante e Galileu, são exemplos usados para esta análise que funcionam como uma amostragem dos caminhos percorridos pelo jornalismo científico nestes últimos anos e das tendências para a área.

A Superinteressante é a publicação que se tornou um sinônimo de jornalismo de ciência para a maioria das pessoas por ser uma das mais antigas revistas e também de maior distribuição. Desde seu surgimento se transformou totalmente, deixando de ser um meio didático para as ciências básicas e naturais e se tornando um canal para quase todos os campos do conhecimento e com enfoque moderno.

A revista trouxe para o mercado uma importante contribuição para o design gráfico com o uso de ilustrações e infográficos. Esses recursos foram adotados justamente a partir da necessidade de fazer com que o público abrangente da revista pudesse compreender com facilidade seus temas, principalmente os considerados “mais difíceis”. As ferramentas visuais passaram a ser um novo trunfo para o jornalismo científico, que teve nestes novos recursos um impulso na sua visibilidade no final do século XX e no começo do XXI. Ao mesmo tempo que a revista deixava seu tom carregado de didatismo utilizava cada vez mais meios de simplificar o entendimento e torná-lo divertido.

Uma matéria, ainda que bem elaborada e absolutamente correta, pode perder grande parte do seu valor informativo potencial se os editores descuidam-se do próprio trabalho de edição, veiculando matérias sem nenhum atrativo gráfico-visual. Esse é um quesito em que o Jornalismo Científico evoluiu sobremaneira, graça aos infográficos, onde a imprensa está aprendendo a utilizar as imagens para guiar o leitor pelos labirintos da Ciência. Nos jornais impressos diários a utilização do Infojornalismo, também sob a denominação de infográfico ou infografia, caracteriza-se como um gênero jornalístico, com representações predominantemente icônicas, que servem de complemento a uma notícia. (RUBLESCKI, 2009, p 21)

Porém, junto com essas mudanças houve um novo direcionamento no foco dos temas escolhidos, que como já foi citado, passou a ser mais comportamental. O problema justamente é ter se tornado comportamental em excesso, além de a tentativa de atrair um público variado levar à exploração das chamadas “curiosidades”, dando à revista, muitas vezes, um ar de almanaque. Ou seja, quando se consegue encontrar novos meios de explicar ciência e torná-la “mais interessante” se distancia dela ainda mais. Mesmo o editor chefe da Super, Sergio Gwercman, alegando que a revista não é uma publicação de ciência, ela é a base, o sentido da revista desde seu nascimento. A relação Superinteressante e Ciência é a associação feita automaticamente por todos quando se fala ou pensa na revista.

Os assuntos escolhidos para ter destaque na revista, as matérias de capa, também começaram a apresentar uma certa sazonalidade e com isso uma repetição. Como foi citado pelo editor da Galileu, que também já fez parte da equipe da Super, Emiliano Urbim.

Além disso, o tom escolhido pela Super, inclusive em alguns temas sazonais, flerta com o que pode ser considerada a centelha de sensacionalismo dentro do jornalismo científico. Este aspecto está presente na maioria das publicações. Na Super, pode ser percebido em reportagens como “Psicopatas no trabalho” de maio de 2011, aliás, o tema “psicopatas” tem sido recorrente nas matérias da revista e sempre explorando o lado mais grotesco e assustador do assunto, e como na matéria citada, levando o leitor à sensação de desconfiança e preocupação.

É certo que o analfabetismo científico derivado da precariedade do ensino formal de ciências no Brasil, distancia o ‘grande público’ do jornalismo científico e a esse fator estrutural se soma a pouca sensibilidade de alguns editores e empresários da comunicação que acreditam que ciência, tecnologia e inovação, a não ser em alguns casos espetaculares, não interessam ao cidadão comum. Infelizmente, muitas vezes, quando cobrem ciência assumem uma característica sensacionalista, contribuindo mais para desinformar do que para formar ou esclarecer. (BUENO, s d, p 14)

Este alarmismo é um dos problemas mais criticados no jornalismo científico. Como mostra a imagem abaixo, uma tira cômica intitulada “como funciona o jornalismo científico” feita por Zach Weiner, onde um cientista é entrevistado por um jornalista. No primeiro quadro o cientista afirma que destruiu 10% das células cancerosas da cauda de uma cobaia, o segundo quadro mostra a manchete derivada dessa declaração: “câncer curado!”. No terceiro quadro o cientista explica que não descobriu a cura do câncer, que seu trabalho é apenas mais um avanço é direção a um tratamento no futuro. Assim, no quarto quadro a nova manchete tirada da declaração é: “descoberta a viagem no tempo!”. No quinto quadro o cientista nervoso xinga o repórter, e por final, o quinto e último quadro apresenta uma manchete sobre a reação do cientista: “Cientista estupra repórter”.

 

Figura 1 “Como funciona o jornalismo científico”.

Fonte: (WEINER, 2009)

 

Apesar do exagero cômico, a sátira mostra uma atitude frequente nos jornais e revistas e que também está presente nas publicação analisadas aqui.

Emiliano Urbim comenta:

Não é uma questão para o cientista, e acho que principalmente para o cientista brasileiro, ser entendido pelo público leigo, ele não escreve pro leigo entender, ele escreve pros colegas, e também ele vai abusar de jargão; não vai fazer aparte pra chegar direto no que ele quer dizer; não vai buscar metáforas; ele não vai enfeitar; não vai tentar encontrar uma comparação, com o nosso dia a dia, algo que alguém possa ir atrás; ele vai escrever em linguagem técnica. Até na hora da entrevista, ele fica com um pé atrás, ah, mas eu posso chamar de, posso chamar minhoca, em vez de anelídeo?

A relação entre jornalistas e cientistas também está presente na crítica da ilustração. Uma relação que segundo os entrevistados melhorou muito nos últimos anos, mas continua enfrentando problemas como dificuldade de acesso e desconfiança dos cientistas, justamente por causa de situações como a da tirinha. O que também gera a necessidade de uma melhoria nas assessorias de imprensa dos órgãos de pesquisa, laboratórios, institutos e universidades.

Voltando ás analises específicas, quando se estuda as transformações da revista Galileu, segunda publicação na amostra, se percebe primeiramente seu caminho sempre guiado pela Superinteressante, sendo assim, a maioria das críticas que se pode fazer à revista da editora Abril também cabem à da editora Globo.

Entretanto, ao procurar se diferenciar da Super, a Galileu estabeleceu uma forte relação com o determinismo científico e com o deslumbramento com a ciência. Buscando ser uma publicação que “olha para frente”, a revista acaba passando a sensação de que a ciência irá trazer a resolução de todos os problemas como em um passe de mágica. A parte fantástica da possibilidade se sobressai ao presente e a ciência por trás disto.

Ao tentar fazer da ciência a “cura de todos os males” Galileu também aborda os temas comportamentais, que são maioria assim como nas outras revistas, usando a “maravilhosa ciência” para responder questões que se aproximam do público e dos livros de auto-ajuda, mas se distanciam da possibilidade de ampliar o conhecimento científico de seus leitoras. Afasta a compreensão do mundo através do entendimento da ciência, fazendo das soluções que oferece um mundo de praticidades sem reflexões mais profundas e principalmente com desconhecimento de suas bases científicas de forma plena.

Enquanto as revistas seguem cada vez mais para longe da divulgação científica, os jornais ainda correspondem á boa parte de sua chegada ao grande público. Porém, apesar das condições políticas e econômicas favoráveis desta primeira década, o espaço para a ciência nos jornais é cada vez mais restrito. A Folha de S. Paulo é um exemplo recente desta fato. Conforme mostra este estudo a editoria de ciência, que já não possuía um espaço maior que uma página, tem se restringido cada vez mais, às vezes a uma matéria apenas na página do impresso. Em 2012 a situação se agravou com a fusão das editorias de Ciência e Saúde. Com um espaço pequeno e a tendência de dar maior destaque aos assuntos relacionados à saúde, ciência perdeu ainda mais as chances de ser o foco da publicação. E este não é o caso apenas da Folha, é da maioria dos jornais brasileiros. Mesmo que o público se interesse mais por saúde, não é dada a oportunidade de que ele se interesse por outros assuntos.

Em contrapartida a mudança que sofreu este ano, a Folha também passou a adotar uma linguagem diferente, principalmente após Reinaldo José Lopes assumir o cargo de editor chefe de ciência no jornal. As matérias passaram a ter um “ar” mais descontraído, mais leve e com expressões cômicas, mas que facilitam a compreensão e atraem o leitor.

Infelizmente a mesma dedicação dada à Folha impressa ainda não é dada à Folha online. A página de ciência no site ainda segue redundante, com atualização lenta e é onde fica mais explícita a dependência do jornal das agencias internacionais. Um espaço que já é pequeno tomado por notícias que muitas vezes não correspondem à nossa realidade. É o que comenta Fabíola de Oliveira:

Fazendo análise do jornalismo impresso brasileiro, percebemos a valorização do noticiário internacional em detrimento da cobertura nacional. Em muitos grandes veículos, as matérias se restringem às descobertas internacionais, amplamente divulgadas nas agencias, enquanto que os avanços da ciência no país não ocupam espaço relevante”. Fabíola também indica que o mesmo acontece nos telejornais, com grande número de notícias estrangeiras. (2007, p 89)

Definir se a tendência para o jornalismo científico nacional é crescer ou se retrair é uma tarefa difícil, o futuro do segmento está cercado pelas incertezas do jornalismo como um todo e pelas incertezas políticas e econômicas. Reinaldo José Lopes é um dos que sentem esta incerteza:

 Se economicamente o país continuar bem, acho que haverá tendência de crescimento. É difícil, acho que se fosse há dois anos eu iria dizer que estava melhorando, tanto em qualidade de cobertura quanto em quantidade. Agora, acho que está estável em quantidade, a qualidade continua melhorando. Mas hoje eu diria estável e com tendência de queda, só que isso pode mudar muito rápido.

O desafio de se adaptar às novas mídias também é outro fator que gera incerteza no futuro do jornalismo, o que inclui a cobertura de ciências. As revistas são as únicas que já iniciaram textos com formatos para tablete, por exemplo. Os jornais ainda engatinham nisto, sem contar que como na Folha sua cobertura para internet é fraca.

No entanto, dois casos sugerem uma “esperança” para o jornalismo científico brasileiro na internet. O primeiro é o portal UOL, onde este ano as editorias de ciência e saúde foram separadas, indo contra a tendência geral, para apostar no poder atrativo da ciência. Tatiana Pronim[4], editora chefe da editoria de ciência do UOL explica o motivo de terem separado as editorias:

A gente começou a achar que havia pouco espaço para temas que são diferentes e que atraem públicos diferentes, então nem sempre a pessoa que está interessada em perder peso, em ganhar massa muscular, ganhar saúde, está interessada também em astronomia, em arqueologia, então a gente dividiu esses canais e saúde também, dividiu dieta de uma forma porque era tudo integrado. Achamos que valia a pena assim, separar os temas por serem públicos diferentes e pra superar melhor o conteúdo, porque o que acabava acontecendo é que você tinha que tomar logo um cuidado pra colocar isso no seu texto, mas assim, dentro de saúde essas questões, por exemplo, perda de peso, obesidade são procurar mais atenção, então você acaba tendo que dar um espaço mais magro pra esses temas e aí aquelas imagens maravilhosas de ciência, da NASA, dos telescópios, acaba ficando em segundo plano, o que é uma pena, então a gente achou que valia a pena separar pra poder dar um destaque nobre pros temas da mesma forma.

O segundo caso é o site Hypescience, que possui um grande número de acessos e é dedicado exclusivamente ao mundo da ciência. Explica o criador do site, Marcelo Ribeiro[5]:

 

Temos uma edição com sete colaboradores, servimos vários milhões de páginas ao mês, a lista de assinantes agora tem quase 100 mil endereços de email e mais de 1600 comentaristas cadastrados que são fãs de carteirinha. Temos que fazer upgrades constantes em nossos servidores para dar conta da demanda de visitantes. Recebemos pedidos frequentes para a reprodução de nossos artigos em livros didáticos (os quais nunca negamos). Isso demonstra que os brasileiros estão cada vez mais ávidos por este tipo de conteúdo. Hoje sabemos que mais de uma das grandes revistas impressas de ciência do Brasil usam o HypeScience como fonte de pautas.

.

Assim como no UOL, astronomia é um dos temas de sucesso no site, o que mostra que o público se interessa também por temas que fogem da área da saúde. Ribeiro é otimista com relação ao jornalismo científico na internet, onde acredita seja seu local de crescimento daqui em diante:

Talvez as iniciativas de inclusão digital no Brasil sejam parcialmente responsáveis ao dar acesso à ciência para quem antes não tinha. Talvez a educação esteja focando melhor em formar pessoas que usam a capacidade de raciocínio ao invés da memória apenas. O próprio governo brasileiro aumentou muito o incentivo ao desenvolvimento científico na última década. Mas se eu tivesse que eleger apenas destes fatores eu apostaria na internet como a principal causa pela brilhante resposta que temos de nossos leitores no seu interesse pela ciência. O nosso conteúdo é de acesso livre e publicamos as notícias o mais cedo possível. A mídia impressa além de custar dinheiro para o leitor também oferece um certo atraso. Na internet bastam poucos cliques.

Apesar de a internet ter transformado o leitor e suas necessidades ainda é necessário se pensar no papel educacional que o jornalismo científico pode ter, não é sua prioridade, mas deve fazer parte dele também. Como reflete Wilson da Costa Bueno, dizendo que “o problema maior, porém, não é apenas de ordem quantitativa, ter mais ou menos espaço ou tempo nos meios de comunicação. O equívoco maior está na prática de um jornalismo cientifico que vive a reboque de fatos sensacionais, que não atende à sua função pedagógica e que não está comprometido com o processo de democratização do conhecimento.”(s d, p 2)

Wilson lembra também uma frase de José Reis (1967, p.702):

O papel que a divulgação científica tem, todo especial em países pobres ou subdesenvolvidos, com tanta gente sem escola ou precocemente fora dela, porém ávida de saber, ou de ascender por esse meio. Podemos exercer, pela divulgação científica ou por outras formas de disseminação do conhecimento, um magistério de insuspeitas possibilidades. (s d, p 14)

 O papel de divulgador propriamente dito tem sido feito apenas por revistas como Ciência Hoje e outras publicações ligadas à universidades e centros de pesquisa.

“Não se pode divulgar ciência e tecnologia sem ter em conta que existe no outro lado uma pessoa as vezes mal informada e mal preparada para assimilar novas técnicas, processos e ideias” (HERNANDO, 1997, p 242)

Temos também os pontos de vista de alguns dos entrevistados, responsáveis pelos veículos analisados e citados por este estudo. O que cada um acredita ser jornalismo científico, e que irá ocorrer na área traz o pensamento dos principais veículos do país.

Para Sergio Gwercman, da Superinteressante, aposta na revista como uma marca relacionada ao conhecimento e aposta no crescimento da Super:

 A sensação é que as pessoas têm hoje, na média, mais interesse por ciência e tecnologia do que eu acho que tinham há 25 anos. Então, não acho que o jornalismo científico está morto. Não acho mesmo. O que que eu acho que tá acontecendo? Eu acho que a gente tá tendo cada vez mais ferramentas pra contar nossas histórias. Eu acho que hoje a gente enxerga a marca Super, na verdade, ela extrapola a revista. A revista é um dos pedaços, sem dúvida o mais importante, mas não o único pedaço. E o que eu acho que vai acontecer é esse movimento, a gente ter cada vez mais ambiente pra contar nossas histórias. Então, eu acho que a marca Super, de uma revista a gente vai virar uma marca. Já viramos, mas esse é o caminho, e que vai aglutinar em torno dela essa ideia do conhecimento, de produzir conhecimento, de entregar conhecimento. E eu acho que a gente pode cada vez mais pensar n maneiras diferentes de entregar esse conteúdo pro nosso leitor, que não só na revista. Que eu acho que continua superforte a nossa base. As pessoas pensam que a revista está diminuindo, a revista não está diminuindo, a revista cresce.

Já Emiliano Urbim, editor da revista Galileu aposta na divisão ainda maior entre o jornalismo científico e a divulgação científica e discorda que publicações como a Galileu tenham que se aproximar de um papel educador, pensamento que compartilha com a maioria de seus colegas:

na minha humilde opinião, eu acho que a divulgação científica tende a se tornar mais especializada, falando pra gente que gosta daquilo e que segue aquilo, provavelmente se torne melhor, porque vai dispensar um monte de formalidades pra quem não conhece. Quem tem que ensinar ciência é a escola, não é no jornal que o cara vai aprender. Eu entendo a expectativa deles, também se eu fosse um cientista eu gostaria que as pessoas estivessem me ajudando, e compreendo a missão, uma missão nobre. É uma questão de princípio. Eles estão partindo do princípio que o jornalismo tem que complementar uma função escolar, ou que tenha que preencher lacunas que o ensino não preenche. Eu acho que a escola tem que ser boa, e não que a revista tenha que ensinar o que a escola não está ensinando. Eu acho que não é por aí.

E é deste ponto de vista que Urbim tira sua conclusão:

Eu acho que o jornalismo científico não morreu, eu acho que continua tendo bastante, o bem conservador, bem sério, bem “quadradão”, essas revistas como da Fapesp, revistas ligadas às universidades continuam fazendo esse bem tradicional, e o que apareceu foi um jeito mais pop, se descobriu um jeito mais pop, mais descontraído, mas interessante de falar de ciência e que isso foi indo pra curiosidade das pessoas. Esses são os que vendem mais hoje, mas não deixou de existir, o outro. Eu acho que tem que ver quais são as expectativas. Se o cara achar que a Galileu vai ter tudo sobre assunto pro cara, não é essa a nossa função. Aqui é de primeiro passo, é de apresentar as coisas, é de dizer que tem, mostrar que alguém fez um livro tal sobre isso, que um cara tem a pesquisa e, a partir daí, se o cara quiser se aprofundar, se aprofunde. A nossa função não é encerrar o assunto, é abrir a porta. Abrir a porta até pra esse jornalismo científico mais pesado. Se, de repente, o cara curtir mesmo, ele tem uma importante função na verdade. E eu não acho que morreu, acho que se sofisticou, encontrou outra maneira de fazer, se modernizou.

Para Reinaldo José Lopes, editor de ciência e saúde da Folha de S. Paulo, o ambiente não parece favorável. Além do espaço restrito Reinaldo vê a necessidade um equilíbrio entre divulgação e jornalismo e acredita no crescimento do número de cientistas escrevendo nas publicações:

Eu penso mais moderado, acho que é importante ter um papel educacional. Mas o jornal hoje é um veículo de elite. Se pegar a quantidade de assinantes o quanto custa pra assinar, a franquia é trezentos mil eventuais sendo vendidos todo dia, que é muito pouco e não é barato de assinar. Você não vai resolver a carência educacional você com o jornal  isso é papel, você pode tentar  adaptar tentar ajudar as pessoas até a pensar   de maneira cientifica, a pensar em  evidencias, em testar hipótese e tal.  É assim a gente tem que pensar, que o José Reis nasceu em 1907 e quando os jornais talvez eram o único, talvez veiculo de uma arma. Então talvez tivesse esse papel mais exacerbado, mais hoje eu acho difícil, e também tem a questão do espaço  que pra gente é cada vez mais reduzido assim, então não dá pra você fazer tudo. Como é jornalismo você tem que priorizar primeiro  o que é noticia, você tem que pensar no ponto de vista do que é que é noticioso mesmo.  E obviamente se der pra agregar a parte educacional no meio, ótimo, mas acho que mais que a parte educacional tem que ter o papel também do jornalismo clássico, que é das outras áreas do jornalismo de você fazer a pessoa pensar criticamente sobre a área.  Então, além de dar a noticia, trazer  a reflexão e a critica sobre aquela área no caso a ciência e finalmente se der tentar também fazer  o lado educacional mais  ele não pode vir em primeiro lugar. É uma coisa difícil acaba sendo muito chute mesmo , mas se eu fosse pra arriscar, pra arriscar bastante  assim em previsão, acho que primeiro talvez  uma diminuição  do numero de pessoas que tem informação universitário em jornalismo na área e o aumento de quem tem informação científica mesmo.

A opinião dos editores mostrada aqui revela essa face de distanciamento do jornalismo com a divulgação científica e do papel reclamado por pesquisadores como Wilson da Costa Bueno, mas também revela que o jornalismo científico continua vivo e tentando se adaptar ao mundo moderno. Ele só precisa, como diz Bueno parodiando as palavras de Vandana Schiva, “destruir de vez as monoculturas da mente.” (s d, p 2)

Apesar das grandes transformações pelas quais não só o jornalismo científico, mas toda a mídia passou nestes últimos anos, não se pode classificar o segmento como “morto” ou mesmo que esteja caminhando para uma espécie de “falecimento”. É uma fase delicada esta do início do século, onde os caminhos ainda estão cercados de incertezas, principalmente em relação à internet e sua interferência no modo com que nos comunicamos e lidamos com a informação e o conhecimento.

O jornalismo de ciência vem seguindo um caminho muito parecido com que as outras especialidades jornalísticas têm trilhado. O primeiro e mais significativo impacto foi com a internet, sua popularização forçou empresas de comunicação e outros órgãos a se adaptar à nova ferramenta.

Inicialmente, a web foi encarada apenas como um meio complementar até se tornar o meio principal, como é hoje. Essa substituição provocou uma nova onda de adaptação e mudanças que ecoa até o início desta segunda década e provavelmente ainda irá acarretar outras. Começam a surgir também novas necessidades recorrentes das ferramentas  e formatos de acesso à internet que foram lançadas neste período, como os tablets.

Esta base de transformação é completa com o panorama político e econômico do país, que dá ao Brasil características diferentes do que se pode observar globalmente. Dois fatores muito diferentes se encontram no país fazendo com que o cenário brasileiro no jornalismo científico seja, de certa forma, ambíguo. Enquanto o mundo passa por sucedidas crises financeiras e a mídia ainda espera o resultado final do duelo entre seu formato tradicional e as novas tecnologias, o Brasil viveu neste início do século XXI, e ainda vive, uma fase de otimismo, relativa tranquilidade e crescimento econômico. Um bom exemplo é a forma com que o país enfrentou a grande crise financeira de 2008, nascida na maior potencia do mundo, os Estados Unidos, e que abalou o resto do globo. Em “terras tupiniquins” a crise casou tremores menores do que se esperava e consequentemente houve uma rápida recuperação das perdas.

Com um panorama favorável o apoio ao desenvolvimento científico, tecnológico e educacional deu um verdadeiro salto. Dados do ministério da ciência, tecnologia e inovação mostram que em 2000 o valor total investido tanto pelo governo quanto pelo setor privado na área era de R$15.288,5, já em 2010 o total passou para R$60.899,5, quase 2% do PIB (Produto Interno Bruto).

Esse crescimento trouxe novo folego para que o jornalismo científico no Brasil enfrentasse as dificuldades que o jornalismo como um todo passa no momento. Não só as editorias ganharam maior destaque nos jornais, revistas e sites de notícias, como novas publicações surgiram e até mesmo um site dedicado inteiramente ao assunto foi criado.

Enquanto novas publicações surgem outras fracassaram ou tiveram que mudar quase que totalmente para sobreviver. Ao mesmo tempo em que o assunto ganhou maior destaque nos jornais, revistas e sites de notícias, as editorias de ciências, em sua maioria, foram unidas às de saúde, mas com maior destaque para as matérias de saúde e comportamento. Na televisão e no rádio a ciência e seus temas derivados continuam ganhando atenção esporadicamente e também guiada pelos temas mais populares citados nos veículos impressos e nos portais de notícias. Ciência no Brasil continua a receber atenção geral por três assuntos: tecnologia, descobertas da medicina e questões ecológicas e ambientais. E não que isto seja totalmente negativo, mas mantem um padrão que exclui a ciência como um todo, a minimiza e limita sua abordagem.

Uma característica muito apontada pelos pesquisadores de comunicação e que pode ser observada facilmente no segmento é a falta da abordagem política em relação à ciência. A jornalista e pesquisadora Graça Caldas relata essa dificuldade, lembrando sua raridade e que quando o assunto aparece é centrada somente no volume e na distribuição de recursos e programas de bolsas de estudos. Talvez por mero desconhecimento das relações de poder envolvidas nesta área e também pela falta de saber sobre a história da ciência.

O jornalista científico não deve se limitar à função de mero “tradutor” da fala do cientista e divulgador de sua produção, por mais relevante que seja. A função estratégica da C&T, o impacto da produção científica e tecnológica sobre o meio ambiente e o bem-estar da sociedade em geral, exigem uma mudança substancial na relação entre o jornalista, cientista e sociedade. É preciso acabar com a dependência do jornalista ao discurso científico por falta de capacitação e visão crítica sobre o processo de produção do conhecimento. (CALDAS, 2000, p 8)

Com a análise realizada para esta pesquisa podemos observar que os profissionais responsáveis pelos principais veículos do gênero justificam as mudanças sofridas pelas publicações com o argumento de que elas são apenas o reflexo dos desejos e do comportamento do público atual.

Falando especificamente do leitor de hoje, deve-se concordar que ele é totalmente diferente do leitor da década de 1980, muito pela influencia da internet. Isso reforça a ideia de que um jornalismo científico tão didático e voltado à temas primários realmente não seja mais necessário, como dizem os responsáveis por revistas e jornais. Mas também não exclui o papel educador que o segmento pode e deveria ter também, ainda mais quando se observa a condição de desigualdade social brasileira. Mas esta posição se encaixa melhor na televisão, já que é o meio de comunicação que melhor atinge todas as classes econômicas, principalmente as mais baixas. No entanto, a TV é o aspecto que precisa de maior atenção quanto ao jornalismo científico. A ciência na TV só está presente esporadicamente nos telejornais, assim como no rádio. Na televisão aberta o único programa exclusivo sobre o assunto ainda é o Globo Ciência da Rede Globo, transmitido aos sábados às 6h20 da manhã, um horário nada atrativo e de quase nenhuma visibilidade.

Wilson da Costa Bueno ao comentar o crescimento da área no Brasil lembra deste ponto:

Nem tudo são flores, como diria o poeta e há longos e esburacados caminhos a trilhar. Excetuadas as exceções anteriormente citadas e outros poucos casos de excelência na divulgação científica brasileira, aqui não mencionados por falta de espaço ou de memória, o panorama continua pouco favorável ao jornalismo científico nos ‘jornalões’, no rádio e na televisão. Poucos são os espaços efetivos (tipo cadernos, páginas ou editorias) dedicados prioritariamente à cobertura de ciência e tecnologia em nossos jornais e revistas, e há um silencio enorme nas emissoras de rádio e televisão. (s d, p 2)

Nós avançamos, isso é inegável. Mas este avanço do jornalismo científico brasileiro ainda é insuficiente, não só para um país tão carente de informação democratizada como para o novo leitor e os novos meios. Os veículos e os jornalistas ainda estão confusos sobre o melhor jeito de se falar de ciência. Nossas revistas e jornais mostram os altos e baixos percorridos no caminho da divulgação científica e do jornalismo. E as apostas para o futuro ainda são confusas também.

Mais do que simplesmente apontar os defeitos e erros específicos, o debate geral sobre o gênero no país ainda é escasso. Encontros, palestras e congressos sobre outras especialidades do jornalismo são frequentes, alguns como o Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, organizado pela ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) é realizado anualmente e tem grande divulgação. No entanto o jornalismo científico segue sem a atenção que merecia ter. A ABJC (Associação Brasileira de Jornalismo Científico) pouco tem se articulado nos últimos anos, perdendo a oportunidade de incitar discussão e reflexão entre profissionais, veículos e população.

Isso se reflete também no meio acadêmico, que mesmo com um crescimento de trabalhos sobre o tema ainda não possui um número significativo de pesquisas que ganhem destaque ou que sejam abrangentes. Se encontra com facilidade pesquisas de qualidade, mas pecam ao especificar e fechar demais seu foco. Com isso se perde mais uma oportunidade de reflexão. Enquanto houver pouca atenção para o tema o segmento e o gênero continuará trilhando caminhos tortuosos, confusos e cheios de buracos. Caminhos onde se encontra sensacionalismo, “almanaquismo”, erros grosseiros, elitismo e que não olha para o próprio país. E que os jornalistas ainda percorrem com grande distanciamento dos cientistas. Através de um debate maior é que se poderá traçar rotas equilibradas, que é o essencial para o jornalismo, principalmente para o de ciência. Equilíbrio de ser didático sem ser superficial, de trazer o futuro sem esquecer do passado, de atender aos pedidos do público mas também lhe oferecer coisas novas, de mostrar o que acontece dentro e fora do país, de se adaptar aos novos meios mas sem perder a essência do jornalismo, de destacar os temas importantes sem causar alarde.

5 Referencias bibliográficas

BUENO,Wilson. “O que está faltando ao Jornalismo Científico brasileiro?”. Sem data. 2p.

BUENO, Wilson. “Jornalismo Científico: revisitando o conceito”. Sem data. USP. 14p.

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