Robson Stigar

I
ntrodução

Embora o termo "Jeitinho Brasileiro" seja muito utilizado no nosso cotidiano, quase não se dispõe de bibliografias que tratem do assunto. Isto se explica pelo pouco interesse que o tema desperta entre os pesquisadores, como sociólogos, antropólogos, psicólogos etc.

Foi então que resolvemos nos utilizar principalmente da investigação sócio-antropológica de Lívia Barbosa – que realiza uma leitura crítica de algumas produções anteriores à dela - para tentar detectar alguns aspectos importantes e relevantes dessa prática social conhecida e legitimada por todos os segmentos sociais.Claro que também outras bibliografias de autores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e outros, também foram utilizados para melhor dar suporte à discussão.

As questões fundamentais que serão levantadas e analisadas por Lívia Barbosa seriam as seguintes: Porque o drama do jeitinho está relacionado com o subdesenvolvimento e se transformando em paradigma de nossa identidade?

Segundo, se o jeitinho é um mecanismo de ajuste, por que a sociedade brasileira lança mão deste em determinadas situações? E em terceiro lugar, por que nas últimas décadas com todo o desenvolvimento e avanço da técnica, da indústria, da racionalidade, o jeitinho está tão presente nos meios de comunicação e no nosso cotidiano?

Para ela, a resposta a essas questões está na adoção de uma perspectiva que privilegia o significado simbólico, isto é, deve-se desvendar o sentido real desse mecanismo e qual o valor que lhe é atribuído.

Assim, deve-se partir de uma análise na qual o jeitinho existe enquanto uma categoria nativa de identidade social e nacional que identifica determinados espaços e mecanismos situados entre o legal e o ilegal. Essas são as discussões que pretendemos realizar no decorrer do presente trabalho.

Formalismo e Jeitinho

Em sua obra "Administração e Estratégia de Desenvolvimento" (1966), o autor afirma que "o jeitinho é uma categoria central da sociedade brasileira" (p.12).Mas não que ele atribua a um caráter nacional, mesmo porque o jeitinho e outros mecanismos que ele denomina de "processos crioulos" também são característicos de outros povos latino-americanos. Essa afirmação deixa claro que para Guerreiro esses processos são comuns a vários países porque possuem uma mesma raiz: o formalismo.

O formalismo seria uma estratégia de sobrevivência dessas sociedades, no sentido de superar uma fase de subdesenvolvimento na qual se encontram. E segundo Guerreiro, os países que se utilizam desse mecanismo as tensões sociais existentes podem ser adiadas através da criação de leis e decretos que impliquem em modificações formais de aspectos sociais, políticos e econômicos.

Essa característica seria então resultada de "uma discrepância existente entre nossas instituições sociais, políticas e jurídicas e as práticas sociais", isto é, entre o que está prescrito, regulamentado e as práticas reais do governo como da sociedade.

A partir de mudanças – principalmente do ponto de vista social e econômico - as sociedades latino-americanas alcançariam o desenvolvimento. Principalmente com o processo de industrialização, que acarreta o surgimento de classes sociais diferenciadas, exigindo assim, do Estado a adoção de normas e leis mais eficazes.

Somente com estes procedimentos e com o predomínio da racionalidade nas relações sociais, chegar-se-ia a adoção de estruturas legais mais realistas, fatores imprescindíveis para o desenvolvimento de um país.

Ainda baseando-se em argumentos acima citados, o autor diz acreditar que o jeitinho estaria condenado ao desaparecimento. No caso da sociedade brasileira, o jeito já teria sido mais comum, mas hoje caíra em desuso. Isto porque ele acredita que fatores que influenciariam a continuidade dessa categoria, como o império dos clãs e das famílias nas sociedades, estaria comprometido.

Outro fator de influência que colaboraria para o desaparecimento do jeitinho seria a crescente impessoalidade das relações sociais, fruto direto do processo de industrialização da sociedade brasileira.

Outra crítica feita por Lívia, é o fato de o autor relacionar jeitinho com a questão do subdesenvolvimento social e econômico, principalmente tratando-se do processo de industrialização, deixando de lado a complexidade do ingresso do Brasil ao processo de desenvolvimento. Pois ele se dá no eixo oposto da racionalidade e do econômico, isto é, o sistema burocrático é baseado em critérios diversos que se deixam influenciar por relações e valores de ordem impessoal.

Ao contrário do que afirma Guerreiro, o jeitinho está longe de ser fruto de "estruturas de relações arcaicas, familiares clânicas e pré-industriais", e que por este motivo estaria fadado ao desaparecimento.

O que percebemos é que ainda nos dias de hoje o jeitinho permanece presente "nos domínios urbanos e impessoais, onde impera a representação da racionalidade e a igualdade" (p.14). Ele nasce do encontro da regra impessoal com a pessoalidade do sistema.

No ensaio A Técnica e o Riso, o Senador Roberto de Oliveira Campos (1966) traça um paralelo entre as sociedades de origem anglo-saxã e as latinas e constata três diferenças básicas: o namoro nas sociedades latinas - para a qual as sociedades anglo-saxãs nem mesmo têm um termo lingüístico; a existência da Rua como local de sociabilidade - para os latinos - e a existência do "jeitinho".

Para ele "o jeitinho não é uma instituição legal e nem ilegal" (p.14), ela é simplesmente o que ele irá chamar de sistema "paralegal", e que precisa-se levar em conta a existência de três fatores principais que estão ligados às suas raízes.

O aspecto histórico seria para Roberto Campos um fator de origem para o jeitinho. Este estaria ligado ao fato do feudalismo ter perdurado por muito mais tempo nos países latinos. Nas relações feudais, havia uma profunda desigualdade jurídica, sendo que as leis só eram aplicadas com rigores aos servos e vassalos, enquanto que havia uma flexibilidade para a elite da época.

O segundo ponto diz respeito à forma como as duas sociedades encaravam a questão da lei, e esta seria outra justificativa do autor para a causa do aparecimento do jeitinho.

Por exemplo, para o povo Inglês a lei é vista como uma "cristalização dos costumes", enquanto que para os latinos "o Direito Civil é um sistema apriorístico e formal de relações" (p.14). Isto é, desde seus primórdios, as leis foram normativas, regulamentadas, formalizadas.

Mas no final das contas acabam por criar um descompasso entre o comportamento e a norma. Ou seja, o indivíduo acaba descumprindo a lei como uma condição de sobrevivência e de preservação do corpo social.

Outra causa estaria ligada ao cunho religioso. Segundo o autor o protestantismo anglo-saxão, nascido sobre o signo do revisionismo, contém em si um caráter utilitário e complacente. Ao passo que as sociedades latinas regidas pelo catolicismo dogmático e de rígidos controles éticos e morais, possui uma maior plasticidade de adaptação ao desenvolvimento dos povos e das instituições.

No entanto, o protestantismo ao invés de recorrer ao mecanismo do jeitinho, procura evitar a tensão social através da modificação de normas éticas, ao passo que "o dogmatismo católico cria condições para o surgimento do jeitinho" (p.15) como válvula de escape e como forma de contornar as tensões sociais.

Por último o autor acredita que "esta instituição paralegal", não pode ser amputada da sociedade, pois se isso viesse a acontecer "teríamos uma grande tensão social".

Lívia Barbosa afirma que esta obra, mesmo não tendo sido baseada em uma pesquisa empírica, nos traz problemas recorrentes para a análise sobre o jeitinho. No entanto, é preciso apontar algumas observações.

Em primeiro lugar o autor acredita que o jeitinho é característica exclusiva e comum dos países latinos. Mesmo que existam situações que "se pareçam ao jeito, em países como Espanha, Portugal e Itália, não significa que seja o próprio" (p.15). Isto porque, a autora acredita que para existir o jeitinho é preciso que "haja uma escolha social, em peso social atribuído a esse tipo de mecanismo" (p.15).

E mais ainda, quando utilizamos dessa instituição para definir o estilo de uma determinada população, - que a usa como mecanismo para lidar com certos problemas sociais - que é o caso do Brasil, além de caracterizar uma situação específica, "isto irá apresentar-se como um elemento de identidade social" (p.16).

As considerações feitas sobre "as práticas feudais", Lívia argumenta que elas não se deram da mesma forma em todos os países, principalmente tratando-se de Portugal. E parece que a questão da desigualdade no sistema jurídico não está obrigatoriamente numa estrutura feudal "mas sim numa visão hierárquica do mundo" (p.16).

Parece que o estatuto do jeito só tem função significativa quando as exceções desaparecem do sistema legal e esse adquire uma roupagem universalizante, enquanto a prática social continua a legitimar tratamentos diferenciados dos homens entre si e perante a lei.

Com relação às razões religiosas apontadas por Roberto Campos, Lívia somente acrescenta algumas sugestões. Ela utiliza-se de argumentos weberianos (em a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo) para concordar quanto à questão da plasticidade do catolicismo e a rigidez do protestantismo. O rompimento de Lutero com a Igreja católica deu-se justamente por conta dessa "tolerância" do catolicismo. No caso do protestantismo deve haver uma coerência nos valores aplicados tanto em casa, na rua, no trabalho, enfim implica numa prática social mais uniforme. Já o dispositivo da confissão e do perdão reforça essa prática social mais maleável que historicamente caracterizou o catolicismo. Juntamente com a absolvição e a penitência a vivência dos fiéis é abrandada, não havendo necessidade de uma coerência permanente de condutas.

Do ponto de vista da autora, o dogma católico não é o que orienta o cotidiano dos fiéis, discordando assim de Roberto. Ela acredita que exemplos como os dez mandamentos, os sacramentos, os santos e etc que dariam diretrizes básicas na condução da vida do fiel católico.

Adaptação ao Inesperado.

Em Interpretação da Realidade Brasileira (1973) João Camilo de Oliveira Torres analisa o jeito como uma maneira de ser tipicamente brasileira, condicionada por fatoresparticulares e históricos que nos moldaram nesta filosofia de vida.

O autor identifica dois tipos, o jeito prático e o teórico. O primeiro se traduz na capacidade de adaptação a situações difíceis ou inesperadas; e o segundo embora mencionado nesta classificação, não torna a aparecer em seu texto, portanto ficamos sem saber a que o autor se referia.

Segundo Oliveira Torres o jeitinho brasileiro incorpora várias causas, podemos encontra-las no tipo de formação que recebemos como também nos desafios encontrados aqui pelos colonizadores. Encontra-se, como enfatiza o autor, na formação humanística dada pelos jesuítas, mas também na crença brasileira nos dons naturais e nas qualidades inatas das pessoas.

Oliveira também traça um paralelo com o tipo de imigração que ocorreu nos Estados Unidos, lá este processo aconteceu ocorreu em grupos familiares que adaptaram sua cultura ao novo País. Ao passo que aqui a migração era feita por indivíduos isolados e que aqui tiveram que se adaptar aos costumes locais.

Também a mestiçagem é vista neste prisma como fator a influenciar este traço do nosso "caráter", porém, embora use de variadas formas de abordagem, Oliveira peca pela superficialidade ao não aprofundar e desenvolver suficientemente suas teses, o que torna impossível o estabelecimento de uma ligação entre tudo o que foi dito com as reais causas do jeitinho brasileiro.

Outra parte forte geradora do jeitinho pode ser encontrada no "caráter português", que segundo o autor, possui uma "tolerância com a corrupção", já famosa na Europa desde o século XVII.

Essa tolerância com a corrupção pode ser encontrada na própria imagem dos políticos hoje, como observa o autor ao citar o slogan de Ademar de Barros, interventor e governador de são Paulo: "Rouba, mas faz". Isso gera um subproduto: uma baixa expectativa de serviço público honesto.

Outro aspecto do caráter português seria a falta de "responsabilidade civil", que se resume na ênfase acentuada nas relações pessoais de amizade, as obrigações se impõem acima da norma impessoal, abstrata e legal. Daí o tão conhecido ditado: "Aos amigos tudo, aos indiferentes nada, aos inimigos os rigores da lei" (p.22).

Segundo as análises de causas históricas o autor procura demonstrar que o jeito implica em "custos e benefícios" para a sociedade brasileira. Do ponto de vista econômico, o jeito provoca alocação de recursos, aumentando os custos da produção ou na má qualidade do produto, além da injustiça social ao permitir que certas empresas e indivíduos não obedeçam à lei através do pagamento de gorjetas e de conexões familiares.

Os aspectos corruptos do jeito "retardam também a eficiência administrativa", além de causar prejuízo moral grande, expresso no desrespeito constante às leis. Também, pelo fato dessa instituição funcionar como válvula de escape, ela acaba por impedir o surgimento de uma pressão social efetiva que leve a mudanças tão necessárias no nosso aparato legal e administrativo.

Por outro lado, os benefícios do jeito podem ser encontrados nos aspectos em que ele proporciona um mecanismo mais eficiente no processo de desenvolvimento, ao permitir que se solucionem impasses legais e administrativos a um custo relativamente baixo.

Mas o principal benefício do jeito, segundo Rosen, é que ele permite a uma sociedade em vias de desenvolvimento ganhar tempo para resolver seus problemas institucionais sem qualquer grande ruptura política ou social. Desse ponto de vista o jeito então "tem sido de um valor incalculável ao permitir que o sistema brasileiro opere sem conflitos violentos" (p.24).

Primeiro por considerar o jeitinho apenas por um lado "aquele concernente a seu aspecto de instituição paralela ao nosso sistema jurídico e legal, a partir de uma classificação feita às categorias do autor sem referência ao sistema de classificação local" (p.25).

Também o que a evidência empírica nos indica é que o jeito é, no sistema de classificação "nativo", diferente de corrupção. Pois existe um segmento de população que não o vê mantendo qualquer tipo de ligação com a corrupção. Se a afirmação de que existe uma ligação íntima entre esse mecanismo "paralegal" e uma prática social corrupta envereda por um caminho de argumentos moralizantes.

Ainda, segundo a observação de Lívia, o jeitinho brasileiro não só é um mecanismo de ajuste à realidade institucional brasileira, mas também um elemento de identidade social positiva e negativa. Ele é percebido e reconhecido nos definindo como país e como povo. Portanto, "longe de ser algo escuso, embaraçoso, o jeitinho é reconhecido, admitido, louvado e condenado" (p.26).

Recursos de Poder

De todos os trabalhos comentados, este é o único que se baseia em uma pesquisa empírica e que abandona as causas históricas do jeito como tema central, procura conjugar uma ótica antropológica e a teoria da administração na análise do jeitinho e tenta estabelecer suas ligações com a estrutura de poder da sociedade brasileira.

A tese central deste artigo é que o jeitinho é um recurso de poder, e baseia-se em argumentos teóricos que vão de Guerreiro Ramos a Roberto DaMatta. Segundo Lívia Barbosa, todo este trabalho esta calcado numa pesquisa feita com vinte pessoas dos mais diferentes níveis sociais e que participavam, de alguma forma, de alguma instituição burocrática.

E que a conclusão, baseada nesta pesquisa, pode ser resumida nos seguintes aspectos:

Embora inove um pouco, este texto não desvenda muito mais acerca do tema, e muitas de suas conclusões também são compartilhadas pelas opiniões que o senso comum veicula a muito acerca desta faceta do povo brasileiro.

O mapa social do jeitinho Brasileiro

Na pesquisa realizada por Lívia Barbosa sobre o jeitinho brasileiro, a pesquisadora entrevistou 200 pessoas em diferentes cidades do Brasil no período de 1984 a 1986. O trabalho de campo usou questionários e entrevistas com os mais diferentes segmentos e faixas etárias da sociedade brasileira. Também foram utilizados jornais, rádio, televisão, música popular e literatura. Entre os objetivos da pesquisa estavam: definir o jeitinho, seus domínios, seus idiomas, suas técnicas, identificar seus principais personagens e estabelecer relações que pudessem explicar o significado do jeitinho no interior da sociedade brasileira.

Todos os entrevistados relataram que conhecem, praticam ou fazem uso das expressões jeitinho brasileiro ou dar um jeito. O jeitinho brasileiro é algo universal dentro da sociedade brasileira. Além do termo jeitinho, outros sinônimos são usados pelos entrevistados como quebra-galho, malandragens, jogo de cintura e ginga. Segundo a pesquisa o jeitinho é utilizado desde por um simples faxineiro, até pelo presidente do país, e a diferença entre um e outro seria o que cada um consegue mobilizar.

O jeitinho foi definido como uma forma "especial" de se resolver algum problema ou situação difícil ou proibida; ou uma solução criativa para alguma emergência, seja sob a forma de burla a alguma regra ou norma preestabelecida, seja sob a forma de conciliação, esperteza ou habilidade. Para se fazer uso do jeito necessita-se de um acontecimento imprevisto e adverso aos objetivos do indivíduo, e assim, é preciso uma solução rápida e eficiente para resolver o problema, ou seja, "especial". Definir o jeitinho de uma forma objetiva e com poucas palavras é difícil devido às várias formas de interpretar o assunto pelos entrevistados.

O jeito se distingue de favor e corrupção por alguns fatores, mas estabelecer onde começa um e termina o outro com exatidão é difícil. Se o favor for considerado como algo positivo e a corrupção como algo negativo, o jeitinho estaria entre os dois, sendo visto tanto de uma perspectiva positiva como negativa.

O que caracteriza a passagem de uma categoria para outra é muito mais o contexto em que a situação ocorre e o tipo de relação existente entre as pessoas envolvidas, do que propriamente a situação em si.

O favor implica em reciprocidade. Quem recebe um favor fica devedor de quem o fez e se sente obrigado a retribuí-lo na primeira oportunidade. No jeitinho a reciprocidade criada é de um outro tipo. A noção é de que sempre que surge uma oportunidade as pessoas dão um jeitinho, pois segundo dizem, hoje é ele, mas amanhã pode ser eu.

O jeitinho se pede a qualquer um, já o favor não, é necessário que haja confiança entre as pessoas. O favor não envolve a transgressão de alguma norma ou regra preestabelecida, já o jeitinho quase sempre envolve algum tipo de infração. O favor está ligado a um comportamento mais formal, as pessoas se conhecem a mais tempo,o jeitinho está ligado a um comportamento mais informal, as pessoas não se conhecem ou se conhecem a pouco tempo.

Na prática o jeito e o favor se encontram bem misturados. Pede-se a alguém para quebrar um galho sem que nenhuma norma seja infringida, assim como se pede um favor a alguém onde normas são infringidas. A diferença entre jeito e corrupção é a existência ou não de alguma vantagem material advinda da situação. A maioria das pessoas faz uso do jeitinho, sendo que os argumentos a favor da prática eram calcados mais na experiência empírica das pessoas. E a minoria que não faz uso, diz que é injusto, usando argumentos de cunho ético e moral.

A burocracia é o domínio do jeitinho. A burocracia é teoricamente racional, impessoal, anônima e faz uso de categorias intelectuais, já o jeito faz uso de categorias emocionais. Através do emocional, estabelece-se um espaço pessoal (jeito) no domínio impessoal (burocracia).

De imediato é sempre possível fazer uso do jeito em qualquer domínio. Em alguns casos é mais difícil como nas doenças e na morte. Os outros domínios onde é difícil dar um jeito seriam aqueles em que o contato pessoal estaria excluído.

Segundo a maioria dos entrevistados, o sexo é um dos fatores que mais influi na obtenção ou não do jeitinho. Quando a situação envolve pessoas do sexo oposto, as coisas ficam mais fáceis. Quando a pessoa que se encontra na posição de dar o jeito for do sexo masculino, e a que vai receber do sexo feminino, a situação fica bem mais fácil para a mulher, pois fatores como o charme, a sedução e a paquera estão presentes. Além disso, a mulher é mais delicada e tem mais tato para lidar com esse tipo de situação.

Quando a situação envolve duas mulheres as coisas ficam mais imprevisíveis, pois existe o lado da competição entre as mulheres, que dificultaria a realização do jeito, assim como a questão da cumplicidade, que facilitaria a realização do jeito. Quando a situação envolve dois homens não ocorrem tais problemas segundo os entrevistados, pois os homens não se discriminam entre si.

No caso da situação envolver uma mulher na posição de ceder o jeito, o homem necessita ser muito hábil e simpático, pois as mulheres têm fama de serem rígidas e inflexíveis no que diz respeito a infringir regras, apesar de envolver sexos opostos essa situação é mais difícil de ser resolvida.

A obtenção do jeito exige que a pessoa seja simpática, cordial, humilde e principalmente, que saiba falar. Pessoas arrogantes, autoritárias, impositivas e grosseiras dificilmente conseguem alguma coisa.Termos como meu irmão(ã), amigo(a), companheiro(a) e querido(a) são muito usados na tentativa de se obter o jeito, e outro fator observado é que ter bons argumentos ou dinheiro nem sempre é suficiente.

A técnica utilizada na obtenção do jeito procura envolver a situação com o emocional. A estratégia é envolver emocionalmente a pessoa a respeito do problema a ser resolvido. Procura-se enfatizar a precariedade da situação em que nos encontramos e a necessidade urgente que se tem de resolvê-la.

Transferir a responsabilidade individual à terceiros também é utilizado para justificar o jeito. Quanto aos personagens típicos do jeitinho encontra-se o malandro, segundo os entrevistados ele é considerado a personificação do jeitinho. O carioca em oposição ao paulista também é considerado um personagem do jeitinho pelos entrevistados.

O jeitinho Falado

É como um idioma, uma técnica, aprovada por alguns e reprovada por outros, a qual leva as digressões sobre a sociedade brasileira e o modo de ser do povo brasileiro. O jeitinho pode ser classificado de duas maneiras, sendo uma através de um discurso positivo que o aprova, e a outra que usa um discurso negativo e o reprova. Os valores do discurso positivo estão vinculados a contextos e domínios paradigmáticos quando se refere ao país.

O discurso negativo quando se refere às esferas políticas e econômicas evidencia distorções institucionais e o aspecto negativo do jeitinho. Por outro lado o discurso positivo, quando se refere às relações sociais, é considerado como um mecanismo salutar, que humaniza as regras a partir da igualdade moral entre os homens e das desigualdades sociais.

O discurso do jeitinho pode ocorrer de forma positiva, negativa ou um misto dos dois, dependendo do contexto a que a pessoa estiver se referindo: da prática ou da representação. Na composição interna o discurso positivo é utilizado por pessoas de nível educacional inferior ao das pessoas que o usam o discurso negativo, os burgueses e universitários. O discurso negativo se encaixa com perfeição em um conjunto de valores partilhado pela elite intelectual e política do país e é apresentado como discurso de vanguarda, de mudança, em resumo "moderno".

Identidade Nacional

Sabe-se que o Brasil foi um país colonizado por portugueses, os quais invadiram toda uma cultura em virtude das intenções advindas dos ideais europeu. Com isso, nasce uma nação completamente heterogênea que sofre constantes preconceitos pela sua falta de homogeneidade.

Dessa maneira, é importante analisar o processo de construção da nação, para isso, se faz necessário compreender que a identidade social define-se como diferentes formas de percepção que se constroem no interior das sociedades delineando, assim, as características de um dado povo. As identidades sociais são, portanto, construções culturais que permeiam uma sociedade.

O caráter de identidade nacional surge quando essas diferentes classes de identidades sociais juntam-se para formar uma categoria única de representatividade, nesse caso sua característica é homogeneizante.

A partir do conhecimento da formação histórica do Brasil, percebe-se que grandes estudiosos contribuíram para a formação de idéias a respeito da questão que permeia essa discussão, a identidade nacional.

Gilberto Freyre, em "Casa Grande e Senzala" (1933), apresenta o
marco inaugural da análise da cultura brasileira, procurando caracterizar a família patriarcal, considerada como a célula da sociedade escravista colonial. Aborda a mestiçagem como marca distintiva da civilização brasileira, fator esse de extrema importância para se compreender a formação híbrida da sociedade brasileira.

A obra de Sérgio Buarque de Holanda "Raízes do Brasil" (1936) marca o início de uma história cultural madura e rigorosa do ponto de vista teórico e metodológico. As raízes ibéricas da tradição colonial brasileira são vistas sem traço de nostalgia ou grandeza, como entraves à democracia; legou excessiva ruralização e o personalismo.Raízes do Brasil analisa os fundamentos do destino histórico brasileiro a partir de nossas origens européias, da colonização, do personalismo e da falta de coesão social da nossa cultura.

O homem cordial, descrito por Buarque, é aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém precisa conhecê-lo primeiro.Todos são amigos em todos os lugares. O rigor é totalmente afrouxado.A intimidade chega a ser desrespeitosa; ex. Chamar pelo sufixo "inho", apelidos, etc.

Nessa perspectiva, o Brasil constitui uma sociedade onde o Estado é apropriado pela família, os homens públicos são formados no círculo doméstico, os laços familiares são transportados para o ambiente do Estado; o homem age mais pelo coração e tem medo de ficar sozinho. O que vem a se chamar de "Novos Tempos" é o fato de a sociedade brasileira ter ainda um apego muito forte ao recinto doméstico. Há um grande desejo em alcançar prestígio e dinheiro sem esforço. A democracia, nesse sentido, é um mal entendido. A revolução brasileira é um processo demorado por ter seu marco na abolição da escravatura, dessa forma, o Brasil pode ser definido como um país pacífico e brando, o que para Buarque traduz-se numa cordialidade que dificilmente chegará à revolução.

A cultura brasileira é, na verdade, uma grande "mistura" de várias culturas. E devemos nos orgulhar disto. É a partir do estudo da formação do povo brasileiro que se chega às discussões sobre o "jeitinho brasileiro", fator que envolve uma análise critica do agir do brasileiro; no entanto, discutir esses pressupostos requer cuidado e atenção para a própria formação do povo brasileiro. Dessa forma, o que se vem discutindo a respeito do "jeitinho brasileiro" por Lívia Barbosa e Renato Ortiz refere-se justamente ao fato de existir no Brasil uma heterogeneidade cultural, a qual estabelece no próprio brasileiro uma forma de agir bastante cordial. No entanto, o fato de o Brasil ser um país hibrido não justifica coloca-lo como subalterno ou inferior, uma vez que tal pressuposto nasce com o senso comum; se se partir de uma análise crítica e embasada, logo, será perceptível compreender a formação do povo brasileiro à luz de uma cultura heterogênea, o que não permitirá de forma alguma colocar o brasileiro num patamar inferiorizado.

O contraste cultural no Brasil, portanto, é rico pelos símbolos que carrega, é necessário desmistificar atitudes preconceituosas a respeito da construção de um país e compreender que o hibridismo e sincretismo produzem novas formas de culturas e não culturas piores.


Conclusão

É notório, a partir de toda a discussão arrolada, que o "jeitinho brasileiro", abordado por Lívia Barbosa, caracteriza-se como uma faceta essencial do brasileiro. No entanto, fica nítido na obra da autora o apontamento de um aspecto muito importante que a pesquisadora enfatiza: a distinção entre os dois aspectos do "jeitinho", que tinham sido tratados até então como uma única coisa. Embora estejam interligados, eles não se equivalem. O primeiro é "Dar um Jeitinho" - (tratado enquanto drama social) - o segundo é o "Jeitinho Brasileiro" - (elemento tomado em determinados contextos para nos definir como país e como povo). Nessa perspectiva, "dar um jeitinho" traduz-se num artifício entre o "legal" e o "ilegal". Independentemente da situação, o "jeitinho", nesse caso, se manifesta como uma solução harmoniosa, satisfatória num determinado momento, muitas vezes, ignorando a gravidade do problema. Em suma, numa sociedade viciada pela instituição do "jeitinho", aquilo que num sistema democrático deviria se construir em direitos passa a ser favores. Noutro momento, Barbosa realiza um recorte histórico do Brasil procurando explicar os fenômenos culturais envolvidos que constroem a questão do "jeitinho brasileiro". Tal fator possibilita uma visão mais detalhada sobre o processo de formação do povo brasileiro, compreendendo a questão da mestiçagem, bem como das seqüelas de uma colonização. Esses assuntos podem buscar maior preciosidade em detalhamentos com Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, estudiosos que, embora pertencentes a pensamentos antagônicos, realizam uma análise histórica, contribuindo para o estudo sobre a questão da identidade nacional brasileira.

Ao se compreender a problemática do "jeitinho brasileiro" faz-se necessário desmistificar conceitos reducionistas acerca de sua definição apontando para uma visão histórica de análise percebendo, assim, que o jeitinho brasileiro encontra suas raízes no cerne da construção da identidade nacional sendo, portanto, um fenômeno cultural que abarca uma formação social híbrida.

6. REFERÊNCIAS

BARBOSA, Lívia. O Jeitinho Brasileiro. Rio de Janeiro, Campus, 1992.

BUARQUE, Sérgio. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

MATTA, Roberto da. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Record, 2002.

MÁRCIA, Kupstas (org.). Identidade nacional em debate. São Paulo: Moderna, 1997.

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.