O presente trabalho tem por objetivo desenvolver algumas reflexões sobre o instrumental técnico utilizado na ação profissional do Assistente Social na Penitenciaria Lemos Brito. O instrumental, segundo Martinelli (1994:137), é concebido como o "conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional". Assim, ao falarmos de instrumental estaremos nos referindo aos instrumentos utilizados e "como" utilizá-los.
A prática profissional do assistente social deve ser pensada como trabalho e o exercício profissional deve ser visto como processo de trabalho, que tem como matéria prima a questão social, como meios de trabalho e conhecimento, as habilidades adquiridos pelo assistente social e o atendimento social na viabilização dos direitos sociais.
Esclarecemos inicialmente que nossa prática profissional ocorre em um espaço no qual a introdução do Serviço Social se deu nos anos 50, com assistentes sociais cedidos pelas instituições de assistência social e ensino e só a partir dos anos 90 houve uma ampliação do quadro funcional com a realização de concursos público para o sistema penitenciário.
É importante ressaltarmos que até o final da década de 80 a atuação do assistente social no sistema penitenciário assim como a própria legislação referente à execução penal tinha sua atenção destinada a apenas manter o controle da ordem.
Na década de 80 teve inicio um processo de reestruturação da execução penal com a lei nº 7210, que estabelece a política de assistência ao preso, e uma delas é a assistência social, no seu artigo 22 que diz o seguinte:
A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-lo para o retorno à liberdade.
Com a lei de execução penal trouxe um novo enfoque doutrinário, instituído o principio de proteção integral ao preso, que passam a ser considerados sujeitos de direitos e deveres.
Paralelamente as conquistas dos direitos sociais assegurados a partir da Constituição de 88 observam-se a reestruturação dos mecanismos de acumulação do capitalismo, que resultou em profundas transformações societárias e conseqüentemente em novas manifestações da questão social, que por sua vez, passaram a exigir novas formas de intervenção do profissional de Serviço Social.


Na atualidade, as formas de expressão da questão social assumem amplitude global e entre seus efeitos podemos destacar: desemprego estrutural, aumento da pobreza e da exclusão social, precarização das relações de trabalho e desmonte dos direitos sociais.
De acordo com Silva, diante dessas expressões da questão social, as exigências contemporâneas para o exercício profissional passam por três dimensões:
consistente conhecimento teórico-metodológico, que possibilita a compreensão clara da realidade; realização dos compromissos éticos- políticos estabelecidos pelo Código de Ética Profissional do Assistente Social e capacitação técnico-operacional, através da qual o profissional definirá "estratégias e táticas na perspectiva da consolidação teórica- prática de um projeto profissional comprometido com os interesses e necessidades dos usuários e com a construção de uma nova cidadania social" (2000:113).
Neste estudo estaremos nos preocupando com a capacitação técnico-operacional e desta forma destacaremos "o caminho "que o Assistente Social na Penitenciaria Lemos Brito percorre na elaboração do estudo social e o instrumental que utiliza para percorrê-lo.
Sabemos que as demandas impostas ao Assistente Social da Penitenciária Lemos Brito também sofreram modificações no decorrer da história. Atualmente , os assistentes sociais atuam com as seguintes ações : Estudo Social para Progressão de Regime, que se divide em Trabalho Extra Muros e Visita Periódica a Família e para Livramento Condicional, sendo que estas ações estão estabelecidas e asseguradas no aparato legal.
Na área da execução penal, o Serviço Social é considerado um serviço auxiliar, uma vez que cabe ao assistente social oferecer informações que irão subsidiar as decisões da autoridade judiciária criminal (Juiz da VEP). Para tanto, o referencial teórico - prático da profissão se adequou à própria estrutura do sistema prisional, que, como sabemos, é uma estrutura hierarquizada e permeada por diferentes relações de poder. A estrutura estabelecida em cada unidade prisional , assim como as peculiaridades da realidade social onde cada uma delas está inserida, contribui para que encontremos diferentes formas de atuação do Serviço Social.
Dadas as particularidades dessa área, a atuação do assistente social tem sua ótica voltada para o embasamento teórico do método profissional numa abordagem individual.
Em nossa prática profissional, utilizamos procedimentos específicos que tornam possível a realização do estudo social, que representa o momento principal do trabalho do assistente social do sistema prisional, pois, como vimos , é base no resultado deste estudo que faz parte da peça do exame criminológico e que fará a decisão judicial.
O estudo social pode ser definido como "o conhecimento científico das condições que concorrem cansativamente para o processo vivido pelo preso e pela família e que demonstra a particularidade de uma situação atual" (Silva, 1995:30). ,

portanto, um processo investigativo das condições objetivas e subjetivas de uma dada situação do preso e da família e tem como resultado o relatório, que é a descrição ordenada daquilo que se viu, ouviu e observou. Devemos destacar que é o "olhar" do assistente social que irá conduzir esta descrição e os dados por ele interpretados/avaliados irão fundamentar a conclusão e o parecer técnico.
Durante o estudo social, como já mencionado, o profissional irá investigar determinantes objetivos e subjetivos de uma dada situação. Assim, as condições objetivas dizem respeitos à inserção na vida prisional e relação com o delito; que análise faz das relações que estabelece entre os companheiros e o corpo funcional; quais as formas que encontrou de inserção na prisão e ocupação do tempo-religião, trabalho, artesanato; como reagem as arbitrariedades e violência institucional e subjetiva como percebe o ato delituoso no seu contexto de vida e no contexto da criminalidade.
Vale ressaltar que o estudo social passa pelo desvendamento da história e da privacidade das pessoas e inclui parecer e sugestões sobre a medida social ou legal a ser tomada em cada situação. Essas sugestões podem ou não ser aceitas pelo juiz da vara de execução, que será responsável pela decisão final de cada caso estudado.
Quanto à elaboração do parecer social, devemos destacar os aspectos de ser um posicionamento consciente do profissional que conheceu, pelo estudo, uma realidade sócio-relacional e avaliou suas implicações dentro de um contexto sociocultural próprio; É um momento de grande responsabilidade na medida um que o parecer técnico, ao ser acolhido pelo juiz, irá muitas vezes definir o futuro do preso em questão; deve ser claro, objetivo, conciso e ter coerência com os dados coletados no estudo social e apresentados no relatório.
Na condução do estudo social, o assistente social tem a liberdade de escolher os procedimentos técnicos a serem utilizados. Os instrumentos utilizados na ação profissional contribuem com o processo de investigação, conhecimento, intervenção e avaliação de uma determinada situação. No que se refere aos procedimentos e /ou instrumentos utilizados na elaboração do estudo social, é importante destacarmos algumas questões relativas a:
 Entrevista- é um recurso técnico fundamental na elaboração do estudo social e requer alguns cuidados especiais, visando garantir a cientificidade da técnica, a qualidade das informações obtidas, seu registro e sigilo. Assim, é necessário que na realização da entrevista o assistente social adote uma postura que facilite a criação de um clima de colaboração e confiança.
Nossa prática profissional nos mostra que os entrevistados estabelecem conosco a relação de confiança, pois vêem em nós o "poder da vara de execução". Cabe, porém ao assistente social modificar esta situação, desconstruindo a imagem, através de uma postura facilitadora que favoreça a liberdade de expressão, sem nenhuma opressão.
Durante a entrevista, o assistente social utiliza a reflexão conjunta, que é um recurso que visa estimular, no outro, o pensamento crítico sobre determinados assuntos, a busca de novas informações e conhecimentos e despertar o outro para a


necessidade de mudança. A mudança de atitude dos usuários com os quais trabalhamos é o resultado de um processo subjetivo vivenciado por eles, mas esse processo pode ser estimulado e enriquecido com nossa intervenção profissional.
Nesse sentido podemos identificar a função educativa de nossa ação profissional, uma vez que os efeitos dessa ação incidem na maneira de pensar e agir desses usuários, bem como em nossa própria conduta.
 Visita Domiciliar- possibilita a observação de dados pertinentes às condições de moradia. Na visita domiciliar o assistente social deve evitar uma postura policialesca e sua observação deve ater-se aos aspectos essenciais do ambiente doméstico, visando identificar as relações sociais necessárias para uma boa convivência familiar.
É necessário que o assistente social respeite outras formas/modos de vida diferentes daqueles que se inscrevem nos padrões burgueses, mas que também podem atender as necessidades básicas dos indivíduos ao nível material e afetivo.
A visita domiciliar é também uma oportunidade do assistente social manter contato com demais membros do grupo familiar, visando à obtenção de dados que possibilitem uma melhor compreensão a respeito da origem de classe; valores, renda; que sentimentos experimentaram na vivencia familiar.
 Visita institucional- apresenta-se como um instrumento do agir profissional do assistente social quando este ? a partir de solicitação - entra em contato com informações sobre uma determinada situação social, as quais foram em busca para proceder à realização de um estudo social para o trabalho extramuros
Outros aspectos constitutivos relevantes importantes para o exame criminológico são: escolarização; oportunidade e formas de se relacionar com a escola; apoio familiar para a escolarização; experiência com outras instituições (jurídicas, hospitalares, religiosas etc.) na sua vida pregressa, que sentimentos experimentou; aspectos da afetivamente e da inteligência; antecedentes psiquiátricos ou ocorrência de algum tipo de doença, história de uso abusivo de álcool e outras drogas;profissionalização e mercado de trabalho;acesso aos direitos;perspectivas de vida:antes da prisão e no momento atual.
Feitas essas considerações acerca dos instrumentos utilizados pelo assistente social na elaboração do estudo social para o exame criminológico, é importante destacarmos também algumas questões referentes ao relatório, que constitui um instrumento de comunicação, através do qual o assistente social fará o relato detalhado da situação atendida. Assim, um bom relatório é a conseqüência de um criterioso e abrangente estudo social.
No relatório, o assistente social expõe de maneira formal os dados significativos para o esclarecimento da situação e apresenta um parecer. A apresentação formal de um relatório inclui: identificação do preso história de vida, história do cárcere,


descrição das informações obtidas no estudo social, perspectivas futuras e parecer técnico.
Ao elaborar o relatório, o assistente social deve utilizar linguagem clara e objetiva, evitando a utilização de palavras com construções preconceituosas ou que possam dar margem a interpretações dúbias e ainda temos que ter cuidado com a banalização ou repúdio a uma prática instituída, em função das críticas que ela porventura mereça, especialmente quando estamos diretamente ligados a essas práticas enquanto trabalhadores no sistema prisional, sob o risco de nos sentirmos impotentes e acabarmos não imprimindo ao nosso trabalho o rumo no qual acreditamos.
Vale destacar que o relatório, torna-se um documento dentro do exame criminológico e este será uma peça dentro do processo judicial, irá servir como subsidio para o benefício de livramento condicional ou de progressão de regime.
É certo que a produção de pareceres, relatórios que cada profissional acumula ao longo dos anos de trabalho, pode criar condições para que se perca a qualidade técnica na sua elaboração. A presença contínua dos técnicos na prisão, sob a influência da cultura prisional, poderá contribuir para não mais enxergamos as mazelas que já se considera "naturais" á vida dos presos. Contudo, entendemos que cada parecer constitutivo do exame criminológico pode oferecer ao Sistema de Justiça Criminal mais do que informações para assessorar o Juízo e o Ministério Público: cada sujeito ali retrato, cada estória interpretada remete as condições de vida ofertada à população, dentro e fora dos muros de nosso país.
As considerações aqui apresentadas não se propõem a ser conclusiva, apenas destacam algumas reflexões que surgiram em nossa prática profissional e as quais desejamos compartilhar com outros assistentes sociais. Fica evidente a importância da certa utilização do instrumental técnico na ação profissional do assistente social, o que implica o domínio de um conjunto de procedimentos habilidades. Entendemos que, a partir desta capacitação técnico-operacional, o assistente social estará caminhando para realização do compromisso profissional visando à equidade, a igualdade, a justiça social e ampliação dos direitos sociais.








Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei 7210 de 11 de julho de 1984.
BARATA, Alessandro. Marginalidade Social e Justiça.Revista de Direito Penal.Rio
de Janeiro,v.6,2,abr/mai/jun.1993
CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇOSOCIAL-CEFESS-O estudo Social em
Perícias Laudos e pareceres Técnicos- Contribuição ao debate no Judiciário,
Penitenciário e na Previdência Social. Cortez. 2003
CÓDIGO DE ÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL,1993.Publicado em Coletânea de Leis
e Resoluções- CRESS 7ª Região. Rio de Janeiro.

FÁVERO, Eunice Terezinha. Serviço Social, práticas judiciárias, poder. 2. Ed. SP:
PUC/NCA, 1996
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 24ª Ed.Petrópolis:
Vozes, 2001

MARTINELLI, Maria Lúcia. KOUMROUYAN, Elza. Um novo olhar para questão
dos Instrumentais técnico-operativo em Serviço Social. Revista Serviço Social e
Sociedade. SP. Cortez, nº 45, p.137-141, ago.1994
REGULAMENTO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO RIO DE JANEIRO_RPERJ,
1984.
REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DE RECLUSOS-ONU,1995
SILVA, Maria Lúcia L. da. Um novo fazer profissional. In: programa de capacitação
em Serviço Social e Política Social ? módulo 4.Brasília:UNB-CEAD,2000.
WACQUANT, Löic.As prisões da miséria.Rio de Janeiro:Jorge Zaar,2001
______________.Punir os Pobres- a nova gestão da miséria nos Estados Unidos
Rio de Janeiro:Freitas Bastos,2001