O DIREITO MENORISTA NO BRASIL E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Camila Filgueira Sampaio Teles[1]

Ranna Pereira Lima[2]

 

Resumo: a proteção à criança e ao adolescente nem sempre se deu da mesma maneira que percebemos hoje. Durante a evolução dessa temática ao longo do tempo, podemos perceber, pelo menos, três tendências teóricas que influenciaram o direito no trato com o menor. Esse artigo pretende lançar luz a respeito da evolução histórica do direito menorista no Brasil. Seu objetivo é traçar a evolução histórica do tratamento à criança e ao adolescente para assim compreender melhor a quadra atual do situação jurídica dessas pessoas em fase de desenvolvimento especial e que merecem tutela especial por parte do Estado. Para isso, recorreu-se ao método dedutivo e à pesquisa bibliográfica considerada qualitativamente. Ao final, concluiu-se que a evolução histórica percebida no direito da criança e do adolescente permitiu a inserção das garantias constitucionais no tratamento jurídico desprendido a eles, garantindo a sua proteção integral como sujeitos de direitos especiais. Com isso, o Direito passou a ver os sujeitos nessa fase da vida humana como indivíduos dotado de dignidade – o que já tornaria necessária sua proteção – mas em razão desse estado especial de desenvolvimento, a criança e o adolescente é merecedor de ainda mais atenção e proteção.

Palavras-chave: Direito da Criança e do Adolescente. Direito da Criança e do Adolescente no Brasil. Evolução histórica.

INTRODUÇÃO

As sociedades humanas, desde sempre, passam por mudanças constantemente. Muitas dessas mudanças são meras alterações comportamentais sem muita repercussão, mas a maioria delas são verdadeiras mudanças de paradigmas com relação a, por exemplo, a visão social das pessoas menos favorecidas, das mulheres ou mesmo das crianças.

Durante muito tempo, a criança e o adolescente eram vistos apenas como “adultos em miniatura”, não merecendo qualquer tipo de tratamento diferenciado ou proteção específica por parte da sociedade. Felizmente, uma das grandes mudanças de paradigma pela o organismo social passou foi a internalização do reconhecimento da criança e do adolescente como pessoas humanas em fase especial de desenvolvimento merecedoras de tutela específica.

O Direito, enquanto ciência jurídica, acaba que atraindo para si a responsabilidade de acompanhar o dinamismo social, e que aquele estará sempre ligado a questões políticas, sociais, econômicas e culturais. Desta feita, podemos dizer que o Direito atua conforme o período histórico equivalente.

Como houve uma mudança no trato social à criança e ao adolescente, coube ao Direito acompanhar esse giro paradigmático. Em consonância com Neidemar José Fachinetto (2003), as doutrinas jurídicas essenciais sobre crianças e adolescentes podem ser classificada em três, quais sejam: Doutrina do Direito Penal do Menor, Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção Integral, as quais, por conseguinte, trataremos de aprofundar.

O presente artigo tem por objetivo analisar esse desenvolvimento histórico do tratamento jurídico desprendido ao menor ao longo do tempo, às vistas a compreender melhor a atual visão que o Direito tem sobre as crianças e adolescentes. Para tanto, recorreu-se ao recorte histórico feito na doutrina menorista a esse respeito, com base em pesquisa bibliográfica e a partir do raciocínio dedutivo.

1.1 DOUTRINA DO DIREITO PENAL DO MENOR

Desde a antiguidade, nos resquícios das primeiras leis penais até o início do século XX, não havia distinção entre adultos e crianças, não se concebia pois a ideia destes serem sujeitos em desenvolvimento, desprovidos do discernimento necessário a prática de certos atos. Este pensamento retrógrado vigorava em vários ramos do Direito, tais como direito do trabalho, crianças laboravam como adultos, direito penal, eram condenadas como tais, etc. Não contemplava-se aqui a existência de uma vida infantil.

Por séculos, o Brasil foi colônia de Portugal e submetido às suas leis. Nesse período, vigorava um regime entre império e igreja, não havia preocupação por parte do Estado com as crianças, este papel era atribuído a igreja, que, por sua vez,  efetivava atos de amparo como sinônimo de caridade.

As normas inaugurais a influenciarem sobre o direito penal menorista no Brasil são, nas palavras de João Batista Costa Saraiva (2003, p.32): “As primeiras normas incidentes no Brasil sobre a responsabilidade penal foram as Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603), nada mais que compilados das normas editadas em Portugal.”

As Ordenações Filipinas foram as primeiras normas a viger e apresentar efetividade no ordenamento brasileiro, entre os anos de 1603 a 1830, porém seu texto apresentava um caráter desumano, verificando-se a desproporcionalidade entre a prática do fato e a pena aplicada. Neste sentindo, temos Carlos Eduardo Barreiros Rebelo (2010, p. 16): “As ordenações, assim como as demais legislações penais europeias, traziam em seu texto o peso dos suplícios e das penas desmensuradas contra o apenado, demonstrando praticamente a falta de equilíbrio entre o delito e a pena.”

As normas das Ordenações Filipinas disciplinavam crimes e punições apresentando uma distinção referente a situação dos menores. Funcionava da seguinte forma: Inimputáveis eram somente os menores de 07 anos, tidos como absolutamente incapazes. Suas ações eram equiparadas a de animais. Os juvenis, entre 17 e 20 anos, beneficiavam-se com uma redução de pena de um terço àquela aplicada aos adultos, isso, de acordo com a livre apreciação do juiz. Por fim, os adolescentes entre 07 e 17 anos tinham como “garantia” o direito a não ser condenado a pena de morte, perdurando todas as demais regras penais.

A partir da independência do Brasil, ocorrida no ano de 1822, surgiram novas políticas influenciadas por revoluções e movimentos liberais. Verificamos aqui o advento da Constituição de 1824 e o surgimento do Código criminal de 1830, denominado como Código Penal do Império. Não há que se falar em progresso decorrente da edição dos mesmos, visto que condenações inquisitoriais como pena de morte, latifúndio e escravidão ainda vigoravam.

Entretanto, o referido código trouxe inovações tais como a elevação da maioridade penal para os 14 anos, sendo esta significativa ao compararmos aos 07 anos impostos pelas normas Filipinas, e a não aplicação da pena de morte até os 17 anos. Edificou-se, nesta época, a doutrina do discernimento a qual estabelecia que a irresponsabilidade penal estava ligada ao discernimento, o indivíduo possuía responsabilidade pelos seus atos, porém não era detentor de capacidade para classificá-los como certos ou errados. Este foi o primeiro código penal brasileiro que introduziu a ideia entre competência de discernimento e maturidade dos menores.

Em 1889, inaugurou-se o período republicano no Brasil, onde através do Decreto n° 847, nasce em 1890, o Código Penal Republicano, também conhecido por Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Este mantém o critério do discernimento, porém retrocede ao reduzir a maioridade penal para 09 anos, passamos a ter assim uma imputabilidade relativa entre os jovens de 09 a 14 anos.

Destaque relevante é que, o Código Penal republicano foi o promissor em classificar biologicamente as fases da infância e adolescência, como demonstra Carlos Eduardo Barreiros Rebelo (2010, 25-6): “Infância: tinha seu término em 9 anos; impuberdade: durava dos 9 aos 14 anos; menoridade: dos 14 aos 21 anos incompletos; maioridade: a partir dos 21 anos completos.” A partir dessa classificação, percebemos existir ainda na legislação influências do Código do Império.

Em sequência, no ano de 1921, com o advento da lei n.º 4.242, o Código Penal Republicado foi ponto de significativas alterações no que diz respeito a responsabilidade criminal, estendendo a imputabilidade aos jovens de 14 anos, e apresentando progressos no apoio à infância. A referida lei incentiva o Estado a criar programas e medidas de assistência à menores, tais como abrigos e estabelecimentos específicos para manutenção daqueles infratores, mas conforme Maurício Maia Azevedo (2007) a teoria nunca fora colocada em prática.

 

1.2 DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR

 

Compreendida no período inicial do século XX a meados de 1980 e resultante dos anais de urbanização de São Paulo e Rio de Janeiro, surge o debate do problema da criminalidade infanto-juvenil, verificando-se uma acentuada união entre justiça e custódia, de maneira paradoxal, ao discurso da migração de complacência à repressão.

A legislação brasileira do período tem influência dos Estados Unidos da América, sendo este o primeiro país a instituir uma justiça especializada para o menor infrator, o Tribunal de Menores de Illinouis, fundado em 1899, reproduzido pela Inglaterra (1905), Alemanha (1908), Portugal e Hungria (1911), França (1912), Argentina (1921), Japão (1922), Brasil (1923), Espanha (1924), México (1927) e Chile (1928).

Em âmbito internacional, nessa mesma fase, merece evidência o Congresso Internacional de Menores, ocorrido em Paris, em 1911, e a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, aderida pela Liga das Nações em 1924, de fundamental valor, visto que tratava-se do primeiro dispositivo internacional a reconhecer a ideia de um direito da criança.

Na década de XX, o legislador preocupa-se em ordenar os conflitos envolvendo o direito penal do menor. Busca-se, através de imposição legislativa, abarcar soluções que concomitantemente repreendam a criminalidade e auxiliem na proteção à infância. Desta feita, surge em 1923 no Brasil o Juízo de Menores, onde José Cândido de Albuquerque Mello Mattos aparece como o primeiro juiz de menores da América Latina. Nessa condição, ele ocupou-se na redação do primeiro código específico que trataria dos direitos das crianças.

Assim, em 1927, foi aprovado o decreto o Decreto n° 17.943, responsável por criar o Código de Menores do Brasil, também conhecido por Código de Menores Mello de Mattos.

A legislação contida no código apresentava suportes para menores de dezoito anos denominados aqui como menores infratores, delinquentes, operários e órfãos. A fim de designação do citado dispositivo nos alicerçamos nas palavras de Josiane Rose PetryVeronese (1999, p. 25):

 

O Código de Mello Mattos sintetizou, de maneira ampla e aperfeiçoada, leis e decretos que se propunham a aprovar um mecanismo legal que desse atenção especial à criança e ao adolescente. O Código substituiu concepções obsoletas, passando a assumir a assistência ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.

 

Na tentativa de exprimir uma saída súbita como resolução do problema no país, o código de menores vai além dos limites jurídicos da infância. Nele verificamos um autoritarismo exacerbado por parte do poder público, os juízes de direito juntamente com as autoridades públicas detinham uma liberdade ilimitada para conduzir os processos envolvendo menores.

Apesar do avanço legislativo, o código ainda não apresentava uma típica disciplina reguladora da infância Crianças e adolescentes não eram tratados como sujeitos de direito, sendo tidos como objetos. Na verdade, a real razão da edição do código relacionava-se com o aumento alarmante de crimes cometidos por menores. Emerge assim desta legislação a doutrina da situação irregular, definida por João Batista Costa Saraiva (2010, p. 23):

 

A declaração de situação irregular tanto poderia derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam.

 

De acordo com a condição social, a doutrina da situação irregular dividia em dois tipos a infância brasileira da época, quais sejam: Na situação regular, encontravam-se os menores que detinham direitos garantidos. Do outro lado: A situação irregular era composta pelos menores abandonados, mendigos e infratores, isto é, aqueles à margem da sociedade, sendo estes o objeto da referida lei.

Nesta época, foram instituídas casas de acolhimento de menores, os quais eram tidos como objetos da referida lei. Foi a maneira encontrada para justificar a internação destes. Registre-se que, a manutenção de menores em abrigos sempre foi algo da esfera privada, não contando com o apoio estatal. A despeito disso, a partir deste momento, o Estado assume, pelo menos em parte, essa responsabilidade. Apresentamos como exemplo na era Vargas, a criação do SAM – Serviço Assistencial de Menores, cuja finalidade verifica-se no apoio assistencial e psicopedagógico aos menores protagonistas da situação irregular. Temos novamente a relação entre práticas médicas e jurídicas, na designação do menor como objeto institucional. Como esperado, o SAM não vingou.

Apesar de ainda contaminado de discriminação, o código de menores foi a primeira legislação brasileira específica a disciplinar direitos relativos a infância.

Em sequência, através do decreto-lei n.° 2.848, em 1940, temos o advento do Código Penal, marco legislativo que inaugura um novo ciclo no que diz respeito a inimputabilidade penal no nosso Direito.

No projeto inicial, nesta época, o código penal dispunha em seu Título III, “Da responsabilidade, Irresponsável”[3], especificamente no art. 23, sobre os maiores de 18 anos, conforme se vê in verbis:

 

Art. 23: Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

 

Um dos percussores do código criminal, Nelson Hungria (1978, p.360), tece comentários a este dispositivo:

 

Nada mais deve subsistir que lembre Lombroso e sua teoria de que todas as tendências para o crime têm o seu começo na primeira infância; nada mais ainda com a ideia de condenação penal que pode arruinar uma existência inteira. É preciso renunciar à crença no fatalismo da delinquência e assumir o ponto de vista de que a criança é corrigível por métodos pedagógicos. Afinal, a delinquência juvenil é, principalmente, um problema de educação. Muitos jovens não seriam clientes das penitenciárias se tivessem recebido uma orientação protetora, e só conheceram da vida o que ela tem de sofrimento, de privação, de crueldade, de injustiça.

 

O novo código penal, quanto a maioridade criminal, adota exclusivamente o critério biológico[4], tornando penalmente inimputáveis e sujeitando a lei específica, sem qualquer distinção, todos aqueles que fossem menores de 18 anos de idade.

Existia no código também outros critérios acerca da idade, tais como atenuante de pena àqueles menores de 21 anos de idade e a redução do prazo prescricional à metade no caso de ser o autor, ao tempo da ocorrência, menor de 21 anos.

No cenário histórico brasileiro, em 1943, surge a Lei de Emergência (decreto-lei n.º 6.026), que foi responsável por alterações ao Código de Menores de 1927. Nasce o critério da periculosidade, intimamente ligado a personalidade do agente. Através dele, os menores com idades equivalentes de 14 a 18 anos praticantes de condutas ilícitas responderiam de acordo com seu grau de periculosidade para a sociedade.

Consideração importante a se fazer aqui diz respeito ao golpe militar em 1964 ocasião em que o Brasil passa a ter novos dirigentes. Vige então o regime militar, momento em que a prática de atos criminosos por jovens eleva-se. Como solução o governo militar institui a PNBEM – Política Nacional de Bem Estar do Menor, que, como as demais políticas sociais desenvolvidas até então, não cumprem suas efetivas funções. Como ramificações o PNBEM instaura a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, substitutiva do SAM e FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, este último como executor estadual das novas medidas inseridas.

Após, importante anotação supra, retomamos ao código penal que em 1984 sofre reformas estéticas, mudança de nomenclatura e localização textual. A partir de então os menores de 18 anos infratores seriam intitulados penalmente inimputáveis e a redação do art. 23 migra para o art. 27, onde se encontra até hoje, nesses termos, vejamos:

 

Art. 27, CP: Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Alterado pela L-007.209-1984)

 

Ainda sob égide do regime militar, em 1979, mediante o decreto-lei n.°6.697, surge o “novo” Código de Menores de 1979, mas de inovador, nada tinha. Em quase nada distinguia-se do antigo código de menores, vez que manteve a doutrina da situação irregular, como esclarece Bruno Caldeira Marinho de Queiroz (2008):

 

O Código de Menores de 1979 firmou o menor como objeto de tutela do Estado, legitimando a intervenção estatal sobre os jovens que estivessem em uma circunstância que a lei estabelecia como situação irregular. Crianças consideradas expostas, abandonadas, mendigas ou vadias, saiam da tutela da família para a do juiz de menores, o qual tinha o poder de decidir como e onde ela ficaria, sem qualquer garantia contida na lei, à diferença do que temos hoje através do principio do devido processo legal.

 

Permanecem desta feita os critérios de idade para caracterizar a inimputabilidade penal e a figura dos juízes autoritários. Algumas alterações merecem citação como a aplicação de repreensão às famílias que não assistissem seus filhos menores, algumas poucas novas medidas de penalização e a classificação dos agentes tidos como situação irregular.

A termo, o novo código menorista não revela valorativas alterações, a política ineficiente da situação irregular ainda vigora e o alvo ainda são as crianças e jovens carentes e marginalizados da sociedade.

 

 

 

1.3 DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Ao dissertarmos sobre a referida doutrina nos depararemos enfim com real proteção e amparo a crianças e adolescentes, finalmente estas serão vistas como sujeitos de direitos, não remanescendo mais nenhum resquício destas como objetos.

O cenário internacional desde o início do século XX é palco de mudanças no que se refere aos direitos das crianças, dentre as quais citaremos a Declaração de Genebra em 1924, que visa prestar às criança uma proteção especial,  a Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948, o Pacto de São José da Costa Rica de 1960 e, a destaque a Declaração Universal de Direitos da Criança de 1959, conhecida por disseminar a política do "The Best Interesse do theChildren".

O Brasil vivencia em 1985 a volta da democracia e tal período fica marcado por reivindicações populares à direitos de crianças abandonadas e esquecidas. Em 1987, o Brasil preparava-se para a promulgação de sua nova constituição e neste estágio, a assembleia constituinte recebe reivindicações populares para instituir na constituição que viria direitos a ser garantidos a crianças e adolescentes.

Em concordância, a Constituição Federal de 1988 chega, influenciada internacionalmente pelas Regras de Beinjing, repleta de dispositivos assegurando direitos e garantias à infância. Destacamos para tanto o exímio do art. 227, caput, CF/88:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

Em seguimento, o Brasil empenha-se na disciplina do tema. É destacável mencionarmos que em 1989 este adere a Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, sancionada através do Decreto 99.710/90, cujos objetivos são defesa e cuidados para com os direitos que são conferidos à crianças.

Desta feita, revogando o Código de Menores, em 13 de julho de 1990 o Brasil sanciona a lei 8.069 titulada como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fase em que se estreia a custódia de crianças e adolescentes no país. A legislação agora vigente aponta como princípio fundamental a proteção integral de crianças e adolescentes, não existindo mais qualquer distinção social, econômica ou cultural entre eles.

Retomando a narrativa sobre a doutrina da proteção integral é de grande valia apontarmos a importância atribuída a esta pelo ECA, apresentando tão logo em seu primeiro dispositivo: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e adolescente.” Nas palavras de Antônio Chaves (1997, p. 51): “A proteção integral é o “amparo completo”, sob o ponto de vista material e espiritual.” Concluímos que, é da família, da sociedade e do Estado o dever de prover o melhor para crianças e adolescentes, considerados como sujeitos em desenvolvimento e detentores de direitos, devendo-se sempre almejar o progresso destes.

Pertinente é citarmos que agora os juízes responsáveis pela matéria são denominados como juízes da infância e juventude, limitados pela lei, e atuando apenas como forma de garantir os direitos a infância assegurados. Ressalte-se também o importante papel de fiscalização e intervenção desenvolvidos pelo Ministério Público.

O ECA põe em destaque a atuação da família, dos poderes públicos e Judiciário e da sociedade como auxiliares à efetivação de seu conteúdo. Aliás, vale mencionarmos que o Estatuto vige sobre a prevalência dos princípios da proteção integral, melhor interesse e prioridade absoluta de crianças e adolescentes.

Quanto a repressão pela prática de atos ilícitos por crianças e adolescentes, ocorre uma verdadeira inversão se comparada ao código de menores. O ECA diligencia políticas de atendimento ao segmento infanto-juvenil. Aqueles terão por sanções, em caso de cometimento de ilícito, medidas de caráter protecionista e educacional, classificadas como medidas protetivas e medidas socioeducativas.

Em seu art. 2°, o ECA define, para fim da aplicação de suas próprias regras, criança como aquele que possui até 12 anos incompletos, e adolescente aquele com 12 anos completos até os 18 anos incompletos.

Dito isto, teremos que as medidas protetivas são aplicadas às crianças, nos termos do art. 101 do ECA. Enquanto que, os adolescentes que praticam atos infracionais serão repreendidos com as medidas socioeducativas, pautadas no art. 112 do ECA, sendo, advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços a comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, destacando que, estas poderão ser cumuladas, sem nenhum prejuízo, com as medidas protetivas.

Desta forma, a princípio crianças e adolescentes não receberam por parte do Direito a assistência necessária que lhes cabiam, ficando em grande parte da história esquecidos e marginalizados pela sociedade. A graduação do reconhecimento destes como sujeitos de direitos se revelou-se infimamente lenta, e só a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 foi que ocorreram mudanças elementares em seu tratamento.

CONCLUSÕES

Diante do exposto, percebemos que o Direito foi acompanhando a evolução no que concerne à visão da criança e do adolescente. Conforme vimos, inicialmente, encarava-se a criança e o adolescente como adultos e se puniam como tal, não sendo reconhecida a peculiar situação psicológica em que as pessoas nessa fase da vida se acham.

Não havia sequer programas de proteção ao menor, pois ele não era atenção do Estado e da sociedade. As punições a ele eram exatamente as mesmas aplicáveis aos adultos, numa verdadeira desproporcionalidade na aplicação do Direito.

Certo avança permitiu o que se chamou a teoria da situação irregular. Segundo ela, o menor era visto não como sujeito de direitos, mas como alguém que está em uma situação de irregularidade, com desvios no seu percurso de vida, que precisam ser reparados, postos em norma. Era o espírito do antigo Código de Menores.

Mais uma vez, os avanços sociais permitiram o desenvolvimento da teoria que adotamos hoje para o tratamento da criança e do adolescente, que é a teoria da proteção integral. A partir dela, reconhece-se o menor como um sujeito de direitos, dotado de dignidade e necessitado de uma proteção específica em razão de seu estado psicológico especial, caracterizado pela vulnerabilidade, por exemplo.

Com isso, conclui-se que a evolução social impulsionou a evolução jurídica no tratamento dos menores. Esse trabalho, de cunho explicativo, tentou traçar o desenvolvimento histórico de uma das vertentes mais importantes do Direito, que é o direito da criança e do adolescente, com o fim didático de compreendermos bem em que estágio evolutivo estamos no tratamento de nossas crianças.

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[1] Acadêmica de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP, sediada em Juazeiro do Norte-CE.

[2] Acadêmica de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP, sediada em Juazeiro do Norte-CE.

[4]Critério Biológico ou Etiológico: São penalmente inimputáveis todos aqueles que possuem alguma espécie de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto. Trata-se de hipótese taxativa.

Critério Psicológico: Neste são avaliados critérios psicológicos do agente, não levando em consideração a existência de qualquer anomalia mental, considera-se a capacidade de discernimento, isto é, se o indivíduo possuía, ao tempo do fato, capacidade para entender o caráter ilícito do seu ato e controle sobre suas ações. Imprescindível exame psiquiátrico.

Critério Biopsicológico: Trata-se da junção dos critérios biológico e psicológico. Desta feita, primeiro verifica-se se o agente é detentor de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto e, em caso negativo, procede-se a examinar se este, ao tempo do fato, possuía discernimento para compreender o ato ilícito cometido. Encaixando-se o agente em uma das duas situações, será considerado inimputável penalmente. Este é o critério adotado pelo CPB em seu artigo 26.