Conceito

Aborto é a interrupção de uma gestação com a conseqüente morte do feto. Do latim ab (privação), e ortus (nascimento), privação do nascimento.

Aníbal Bruno preleciona:

“Segundo se admite geralmente, provocar aborto é interromper o processo fisiológico da gestação, com a conseqüente morte do feto.

Tem-se admitido muitas vezes o aborto ou como expulsão prematura do feto, ou como a interrupção do processo de gestação. Mas nem um nem outro desses fatos bastará isoladamente para caracterizá-lo”. ¹

Ou, ainda, na definição proposta por Fabbrini Mirabete:

“Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo, embrião ou feto, não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão. Não deixara de haver, no caso, o aborto”. ²

O aborto tem varias espécies podendo ser natural, acidental, criminoso e legal. O natural e o acidental são impuníveis, ou seja, não constituem crime. O primeiro ocorre espontaneamente e o segundo ocorre em conseqüências de traumatismos, como uma queda grave da gestante. Criminoso é o previsto nos arts. 124 a 127 do CP que podem gerar penas de até 10 anos de reclusão que poderá ser aumentada em um terço se a gestante sofrer lesão grave e o dobro se a vitima morrer em virtude do aborto. O abordo legal é aquele previsto no art. 128 do CP que permite a interrupção da gravidez quando ela traz risco de morte para a gestante e não há outro jeito de salvar sua vida. O outro caso está no inciso II do art. 128 que permite o aborto quando a gravidez resulta de estupro. É mais conhecido como aborto humanitário ou sentimental.

Objetividade jurídica

No nosso Código Penal brasileiro, o crime de aborto está previsto no capitulo “Dos Crimes contra a Vida”. Assim o objeto da tutela é a vida do feto. Crime de aborto tem por objetividade jurídica proteger a dignidade relativa do feto. Protege-se também a vida e a integridade física da gestante, nos casos de aborto provocado por terceiros sem seu consentimento.


Sujeito ativo

Para identificar a figura do sujeito ativo é necessário analisar a figura típica que foi violada. No caso do art. 124, que prevê o aborto provocado pela gestante ou por seu consentimento, o sujeito ativo do crime será sempre a gestante. Já no art. 125, que prevê o aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, pois o tipo penal não exige nenhuma qualidade especial. E o art. 126, que diz respeito ao aborto provocado por terceiro, com consentimento da gestante, também poderá ter qualquer pessoa como sujeito ativo do crime.

Sujeito passivo

Segundo doutrina majoritária, sujeito passivo do crime de aborto é o feto, ou seja, o produto da concepção. Há entendimentos, que quando caracterizada a figura do tipo penal art. 125, existe dois sujeitos passivos, de forma precípua, o feto e de maneira secundária, a gestante. Conforme preconiza Cezar Roberto Bitencourt, “nessa espécie de aborto, há dupla subjetividade passiva: o feto e a gestante”. ³

Elemento objetivo do tipo

O aborto é um crime de forma livre, ou seja, pode ser cometido por qualquer comportamento que cause determinado resultado. Qualquer meio comissivo ou omissivo, material ou psíquico, integra a conduta típica.

Segundo Fabbrini Mirabete:

“Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou psíquicos. São substancias que provocam a intoxicação do organismo da gestante e o conseqüente aborto o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio a beladona etc. (orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque elétrico por maquina estática). Os meios psíquicos ou morais são que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestões, susto, terror, choque moral etc.)”. 4

O meio utilizado tem que ser eficaz para a produção do resultado. Assim, não haverá crime quando o agente utilizar-se de meios inidôneos como rezas, injeções sem efeito abortivo e também quando há improbidade absoluta do objeto, o que ocorre quando a gravidez não existe ou o feto já estava morto. Caracterizando então, o chamado crime impossível do art. 17 CP.

Elemento subjetivo do tipo

O aborto é um crime doloso. É necessário que o agente queira o resultado ou assuma o risco de produzi-lo. Ora, se aborto só é punível a título de dolo, não existe, então, a figura culposa. Sendo assim, o terceiro que, culposamente, vem a causar a interrupção da gestação, responderá apenas por lesão corporal culposa.

O dolo pode ser direto ou eventual. Direto: o agente tem a vontade, ele quer de qualquer forma produzir o resultado, causando a interrupção da gravidez e matando o feto. Eventual: o agente, que nesse caso pode ser a própria gestante, assume o risco de produzir o resultado aborto, sabendo ou tendo consciência que poderá vir a abortar. No aborto qualificado pelo resultado, o crime é preterdoloso, ou seja, dolo no antecedente (aborto) e culpa no conseqüente (lesão ou morte).

Consumação e tentativa

O delito de aborto se consuma com a efetiva morte do produto da concepção, não sendo necessária a expulsão do feto. É um crime material. Se o feto já estava morto quando da provocação, há crime impossível, o mesmo ocorrendo quando a gravidez não existe, caracterizando a absoluta improbidade do objeto.

É fundamental a prova de que o feto estava vivo no momento da ação ou omissão do agente. Para caracterizar o aborto a doutrina não exige que o feto possua uma capacidade de desenvolvimento que o conduza à maturação. Como afirma o mestre Hungria:

“Para a existência do aborto, não é necessária a prova da vitalidade do feto. Conforme adverte Hafter, pouco importa se o feto era ou não vital, desde que o objeto da proteção penal é, aqui, antes de tudo, a vida do feto, a vida humana em germe [...]. Averiguando o estado fisiológico da gestação em curso, isto é, provado que o feto estava vivo, e não era um produto patológico (como no caso de gravidez extra-uterina), não há indagar da sua vitalidade biológica ou capacidade de atingir a maturação. Do mesmo modo, é indiferente o grau de maturidade do feto: em qualquer fase da vida intra-uterina, a eliminação desta é aborto”. 5

No nosso CP admite-se a tentativa quando o agente já tiver da inicio aos atos executórios e, por circunstâncias alheias a sua vontade, não consegue consumar a infração penal, devendo responder por aborto tentado. O mesmo ocorre quando o agente, executando todas as manobras necessárias para a expulsão do feto, este, mesmo tendo sido efetivamente expulso do ventre materno, consegue sobreviver.

Auto-aborto

É crime especial, só podendo praticá-lo a mulher gestante. O art. 124 é dividido em duas figuras típicas, que são: a) provocar aborto em si mesma; b) consentir que outrem lho provoque. No primeiro tipo, a gestante provoca aborto em si mesma causando a morte do feto. Na segunda figura, a gestante consente para que um terceiro lhe provoque o aborto.

Aborto provocado por terceiro

Este tipo ocorre quando o aborto é praticado mediante força ou violência, ameaça e fraude. Está previsto no art. 125 CP, aborto provocado sem o consentimento da gestante, dissentimento este que pode ser real ou presumido. Real, quando o agente comete o aborto através de violência, ameaça ou fraude. Presumido quando a vitima é menor de 14 anos, débil mental ou alienada art. 126 § único, CP.

Aborto consensual

É aquele praticado mediante consentimento da gestante. Consentimento, sinônimo de permissão, anuência e acordo. A gestante responderá pelo tipo previsto no art. 124 e aquele que praticou as manobras abortivas irá responder pelo crime em estudo, com penas mais severas.

O consentimento, que pode ser expresso ou tácito, deve existir desde o inicio da conduta ate a consumação do crime, respondendo pelo art. 125 o agente quando a gestante revoga seu consentimento durante a execução do aborto. Ensina Fragoso que “a passividade e a tolerância da mulher equivalem ao consentimento tácito”. 6 Quem participa da conduta do provocador responde pelo crime de aborto consensual.

O erro do agente, supondo justificadamente que há consentimento da gestante, quando isso não ocorre, é erro de tipo, devendo ser ele responsabilizado pelo art. 126 CP.

Aborto qualificado

As formas qualificadas são aplicadas exclusivamente aos crimes descritos nos arts. 125 e 126 do CP. Não se aplica ao aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, uma vez que a legislação penal brasileira não pune a autolesão.

É crime qualificado pelo resultado e tem natureza preterdolosa. Pune-se primeiro delito a titulo de dolo (aborto); o resultado qualificador, que pode ser morte ou lesão grave, a título de culpa art. 19, CP.

Se, em conseqüência dos meios utilizados para a provocação do aborto, a gestante sofre lesão corporal leve, o sujeito responderá apenas pelo aborto, não se aplicando a figura típica qualificada do art. 127. A lesão corporal leve decorre do resultado natural da pratica abortiva e o Código Penal só pune a lesão corporal grave e desnecessária.

Aborto legal

O art. 128 do Código Penal prevê duas modalidades de aborto legal: a) aborto terapêutico ou profilático; e b) aborto sentimental, humanitário ou ético. O primeiro diz respeito ao aborto para salvar a vida da gestante, quando não houver outro meio de salva-la e o segundo é o aborto quando a gravidez é resultante de estupro.

Os dois incisos do art. 128 contêm causas de exclusão da antijuricidade. Note-se que o Código Penal diz “não se pune o aborto”. Fato imponível em matéria penal é fato lícito.

É de se observar que o aborto necessário só é permitido quando não há outro jeito de salvar a vida da gestante. Sendo assim, ocorre o delito quando provocado a fim de preservar a saúde.

Quando o abordo for feito em decorrência do estupro, só será permitido em face de prévio consentimento da gestante. É possível, porem, que a gestante seja incapaz. Neste caso, deve estar presente o consentimento de seu representante legal.

O estupro deve ser comprovado por meios eficazes (inquérito policial, processo criminal, exame de corpo e delito etc.). Inexistindo esses meios, o próprio médico deve procurar certificar-se da ocorrência do delito sexual. Não é exigida autorização judicial pela norma incriminadora.

Destaque

Atualmente, tramitam no Congresso Nacional 11 projetos referentes à prática do aborto, grande parte deles ampliando os casos de permissivos legais - no caso de gestante portadora de HIV, quando o produto da concepção seja portador de graves e irreversíveis anomalias, se a gravidez determinar perigo de vida para a saúde física e psíquica da mulher -, alguns pela descriminalização do aborto, e um que versa a obrigatoriedade de atendimento, pelo Sistema Único de Saúde, dos casos de aborto já previstos no Código Penal. Este último desnecessário, não fosse à resistência na implantação de serviços que garantissem o aborto quando a gravidez resulte de estupro ou coloque em risco a sobrevivência da mulher – conforme o dispositivo legal de mais de 5 décadas, posto que implica somente na vontade política do poder executivo.

Distinção

O aborto distingue-se do infanticídio porque somente pode ocorrer antes do inicio do parto, ou seja, na vida intra-uterina.

Quando ocorre a expulsão do feto, e este acaba sobrevivendo, não se consuma o aborto, havendo apenas o parto acelerado. Respondendo por tentativa de aborto.

Considerações finais

O crime de aborto é um dos delitos mais discutidos em vários tribunais do país, uns querendo revogar tal delito e outros querendo manter no Código Penal. Discussões também na esfera religiosa, pois o aborto fere vários princípios religiosos. A vida, independentemente do seu tempo, deve ser protegida, ou seja, não importa se a vida tem 10 dias ou 10 anos, a proteção tem que ser a mesma. O problema do delito de aborto é que não percebemos a dor sofrida pelo óvulo, embrião ou feto, não enxergamos, não ouvimos o seu sofrimento, razão pela qual aceitamos sua morte com tranqüilidade.

O nosso Código Penal pune de maneira diversa e severa quem pratica o delito de aborto. Punição mais do que justa, pois a vida é um bem inviolável não importando se esta dentro ou fora do útero.


Citações

1. BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 160.

2. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 93.

3. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, p. 159.

4. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p.95.

5. HUNGIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 293.

6. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições, P.E., v. 1, p. 135.


Referências bibliográficas


BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. II.

BRUNO, Aníbal, Crimes contra a pessoa. 4. ed. Rio de janeiro: Editora Rio, 1976.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte especial. 3. ed. São Paulo: José Bushatsky, 1976. v. 1.

GRECO, Rogério, Curso de direito penal, parte especial. 2. ed. Rio de janeiro: Impetus, 2006.

HUNGRIA, Nélson, Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de janeiro: Forense, 1955. v. V.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal, parte especial. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1997.