FMU

CPPG- Centro de Pesquisa e Pós-Graduação

 

Área: Educação

Curso: Educação Infantil

 

 

 

 

 

 

 

A metodologia de resolução de problemas na matemática: apontamentos e reflexões na educação infantil

 

 

Michele Cácere Ferreira

Orientadora: Eliane Korn

 

 

 

 

 

São Paulo

2013

 

A metodologia de resolução de problemas na matemática: apontamentos e reflexões na educação infantil

Michele Cácere Ferreira

Resumo

O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a relação da criança da educação infantil com o conhecimento matemático que lhe é oferecido. Torna-se evidenciado que a visão de criança que o professor possui interfere nos caminhos metodológicos percorridos por ele. A proposta da metodologia de resolução de problemas é apresentada de forma ampla e não da forma tradicional como é concebida, isto é, como algo em que o professor é o detentor do saber tendo uma única solução possível com um caminho que já está prescrito. Neste caso a criança deve receber diversas oportunidades para participar ativamente na busca de soluções para diversos problemas do dia a dia, sejam em brincadeira, jogos, conflitos entre os amigos, nas divisões de materiais escolares e em outras questões que fomente ainda mais o pensamento do raciocínio lógico matemático. Houve também a preocupação de esclarecer o poder social em que a matemática está inserida, promovendo a mobilização dos professores a refletir sobre suas posturas frente a este conhecimento que é de direito de todos os alunos e em todos  níveis de educação.

Palavras-chave: resolução de problemas, educação infantil, raciocínio lógico matemático

Abstract:

This article aims to reflect on the relationship of the child in early childhood education with the mathematical knowledge that is offered. Becomes evident that the vision of children that the teacher has interferes with methodological paths traversed by it. The proposed methodology for problem solving is presented broadly and not the traditional way it is conceived, that is, as something that the teacher is the holder of knowledge having a single possible solution with a path that is already prescribed. In this case the child should receive several opportunities to actively participate in finding solutions to various problems of everyday life, whether for fun, games, conflicts between friends, in the divisions of school supplies and other issues that foster further thinking logical mathematician. There was also a concern to clarify the social power in which mathematics is inserted, promoting the mobilization of teachers to reflect on their positions in front of this knowledge is the right of all students and in all levels of education.

Keywords: problem solving, kindergarten, logical mathematical

Introdução

Neste artigo apontamos caminhos e fazemos reflexões sobre a importância dos estímulos intencionais em relação ao desenvolvimento lógico-matemático de crianças entre 5 e 6 anos para a promoção do alicerce cognitivo que será aliado na construção de melhores estratégias para resolver problemas, tanto cotidianos quanto aqueles que exigem maior esforço intelectual. A questão envolvida na pesquisa permeou entre como ampliar o conhecimento matemático, ultrapassando seu conhecimento convencional, para o desenvolvimento efetivo do raciocínio lógico-matemático. Especificamente pretende-se esclarecer a diferença entre o conhecimento social construído em longo prazo pela humanidade e a aplicação prática das ideias matemáticas que se refere ao pensar.

Percebemos muitas vezes, que o conhecimento matemático fica aprisionado em sua própria linguagem que é repleta de representações. Poucos conseguem extrair e explorar os benefícios desta ciência. Historicamente podemos observar que avanços tecnológicos conquistados através dos avanços científicos causam uma grande exclusão social e a matemática faz parte deste contexto. Nesta perspectiva, atribuímos uma relevância social para este artigo: promover e possibilitar o conhecimento matemático ao alcance de todos como forma de apropriação de um patrimônio cultural e histórico que sirva para facilitar a vida das pessoas. O papel do professor é de extrema importância para esta conquista, pois o encaminhamento das ações será mediado por ele.  Assim sendo, concluímos que nossas crianças têm direito a esse conhecimento, que por ser constituído de uma linguagem singular, abstrata e simbólica, requer um longo tempo para sua aprendizagem e as ideias matemáticas devem ter espaço desde o início da escolarização, respeitando as especificidades de cada faixa intelectual.

A leitura irá transcorrer por três aspectos: a matemática e sua relação com as especificidades para o desenvolvimento integral das crianças, a matemática e a diferença entre conhecimento social (convencional) e desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático para aprender a pensar e a matemática e a resolução de problemas como possibilidade encontrada em Educação Matemática para acompanhar as necessidades adquiridas pela atual sociedade. A resolução de problemas é uma metodologia de ensino que aciona uma série de conhecimentos, mas é preciso que o aprendiz tenha oportunidade de se envolver na busca de soluções com seu corpo e sua mente, sua criatividade e objetividade desenvolvendo a habilidade de manejar informações, questionar, refletir e, portanto organizar seus planejamentos.

O estudo compreendeu uma pesquisa bibliográfica baseada no documento do MEC,  as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, na temática sobre projetos elaborada por Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza, Sonia Kramer que defende os direitos das crianças como cidadãs, Edith Derdyk que defende a liberdade de expressão e em autores que discorrem sobre o desenvolvimento infantil, como Constance Kamii que faz referência à Jean Piaget, pensadores como Haward Gardner, John Dewey e outros que se dedicam à didática da matemática como Antoni Vila e Callejo, Mabel Panizza, Sànchez e Bravo, Marília Toledo e Mauro Toledo e Katia Cristina Stocco Smole.

A matemática e a criança  

Historicamente percebemos certa aversão entre os jovens e adultos sobre a matemática. Esse bloqueio pode ser percebido desde o início da entrada da criança na instituição escolar e se torna arraigada na fase adulta. Há muitos fatores socioculturais envolvidos nesta problemática e há características bem específicas sobre esta ciência, que não surgiu do dia para a noite. Sànchez e Bravo afirmam que:

A matemática, do grego mátheema, distingue-se por seu aspecto formal e abstrato e por sua natureza dedutiva. Em contrapartida, sua construção liga-se a uma atividade concreta sobre os objetos pela qual o aluno necessita da intuição como processo mental. A partir desse tipo de elaboração, a matemática é mais construtiva que dedutiva e, se não fosse assim, certamente que se transformaria em uma ciência memorialística, longe de seu caráter de representação, explicação e previsão da realidade. (2007, p.15).

 Muitas pessoas a consideram de difícil aplicação e chegam a fazer escolhas profissionais que envolvam o mínimo necessário de sua utilização. Acontece que mesmo sem ter a consciência, estamos de alguma forma utilizando o pensamento matemático[1] em outras áreas do conhecimento. Culturalmente algumas áreas são mais valorizadas que outras, porém tanto o ser humano quanto o conhecimento não se encontram de forma fragmentada o conjunto justifica e torna completo o entendimento, sem dicotomias entre razão e emoção, sensibilidade e objetividade.

 D’Ambrósio (1986, p.36), afirma que a matemática está arraigada a fortes fatores socioculturais, podendo atribuir o caráter de uma atividade inerente ao ser humano, praticada com plena espontaneidade, resultante de seu ambiente sociocultural e consequentemente determinada pela realidade material na qual o indivíduo está inserido. Infelizmente muitos não conseguem fazer tal observação e associação. Não percebem a complexidade da aprendizagem:

A invenção, a busca de relações, o contraste de ideias, a segurança e a confiança em si mesmo, a aceitação de suas conclusões, a exploração de diferentes vias, a criação de regras, todas são variáveis que fazem parte da formação da aprendizagem. Sànchez e Bravo (2007, p.182).

Esse é um ciclo que necessita ser rompido no início da escolarização, pois as crianças desejam aprender e compreender o mundo e ainda estão mais abertas para experimentações e descobertas, são curiosas e seus sentidos devem ser fomentados, essa é uma vantagem a mais. “As crianças pequenas ainda não vivenciaram as estereotipias trazidas por uma educação viciada, talvez não tenham ouvido falar da dificuldade que é aprender matemática, ou não fazem ideia do que isso significa”. Smole (2007, p.60). Além disso, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Brasil (2010, P.12), a criança é considerada um sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. Observamos ainda crianças que são limitadas a atividades repetitivas e preparatórias, subestimando as suas potencialidades e tendo como figura adulta professores que atuam com autoritarismo em relação ao saber. Há tempos o professor especialista em matemática era assim e ainda hoje crianças são desrespeitadas em seus direitos.

Concordamos com Kramer (2011, p.101) em defender uma concepção de criança que reconhece o que é específico da infância com poder de imaginação, fantasia e criação, como cidadãs que produzem cultura, que possuem um olhar crítico e que vira pelo avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem. Assim, esse modo de ver as crianças pode ensinar não só a entendê-las, mas também a ver o mundo a partir do ponto de vista da infância, podendo a nos ajudar a aprender com elas.

O caminho para tal definição de criança foi longo, e podemos perceber que a sua posição na sociedade também esteve e ainda está influenciada por diversos fatores como, por exemplo, o modo de pensar do ser humano que é passível de constantes mudanças. Kramer (2011, p.96), diz que “as visões sobre a infância são construídas social e historicamente: a inserção concreta das crianças e seus papéis variam com as formas de organização social”. Assim, podemos dizer que tanto a matemática quanto a criança estão inseridas num contexto social que sofre transformações.

Atualmente pensamos numa escola que contribua com o desenvolvimento integral das crianças, seja cognitivo, psíquico, social, cultural e satisfaça as necessidades da sociedade atual, uma sociedade com rápido acesso a informação e que precisa aprender a articular da melhor forma todos os conhecimentos. No caso da educação infantil, o objetivo da proposta pedagógica se alinha ao mesmo raciocínio:

A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança o acesso a processos de apropriação, renovação a articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Brasil (2010, p.18).

Neste caso, o professor deve ter clareza das consequências de seus atos e de suas crenças que poderão impregnar ideias tanto positivas quanto negativas em suas crianças influenciando-as e fortalecendo a cultura de que poucos podem se apropriar do conhecimento matemático.

Nessa concepção Gardner afirma que:

...mesmo o adulto maduro frequentemente cai no hábito de supor que outra pessoa tenha as mesmas crenças que ele próprio, provavelmente, porque uma suposição de crenças semelhantes representa uma posição falha confortável. Na dimensão dos fenômenos mentais, não menos que no domínio dos objetos físicos, as teorias da primeira infância podem persistir indefinidamente. (2001, p.86).

O modo de a criança articular as ideias matemáticas provém da liberdade da experimentação, do erro e do acerto, das incertezas, da formulação de suas próprias teorias tendo como meta a compreensão do mundo sociocultural e físico na qual foi inserida. Sendo assim:

As novas compreensões podem, é claro, ser deficientes (como é o destino último de todas as compreensões), mas elas não são o resultado, seja de memória rotineira, pura imitação, ou simples adivinhação. Na verdade, elas frequentemente envolvem correntes de inferências, as quais se desenvolvem a partir das premissas básicas da teoria ou teorias sobre as quais a criança está baseando-se. Gardner (2001, p.87).   

Curiosamente, diante das expectativas relacionadas ao respeito às crianças e a tentativa de promover seu desenvolvimento bem como a preservação de seus direitos, segue ainda questões econômicas como a distribuição desigual de renda que é evidente e muito prejudicial. A desigualdade social é um fator que também se reflete na educação. Quanto mais baixa a renda da família com crianças pequenas, maior a responsabilidade social da educação infantil de promover sua inserção na sociedade. A conscientização desse século baseia-se na humanização e segundo Kramer (2011, p.105), “para alcançar este objetivo é preciso combater a desigualdade e educar contra a barbárie, o que implica uma ética e exige uma perspectiva de formação cultural que assegure sua dimensão de experiência crítica”. O papel do professor e sua postura diante do conhecimento caminham para aprender a ouvir outro e exercer a cidadania.

A matemática também se faz presente na desigualdade intelectual quando muitos não se apropriam do conhecimento que está sendo constantemente construído pela humanidade de acordo com as suas necessidades.

O ensino, seguindo o conteúdo tradicional, imitado dos países desenvolvidos, é aristocrático. Enquanto naqueles países representa um processo de seleção que atinge praticamente todas as camadas da população, em nossos países representa um processo de seleção que marginaliza pelo menos 80% de nossas populações. D’Ambrósio (1986, p.15).

Para D’Ambrósio (1986, p.15), atingir a excelência do ensino da matemática para todos só é possível se a elite científica indispensável para o desenvolvimento dos países surgisse dentro de uma justiça social oportunizando que tais camadas apontassem em todas as classes sociais, mas reconhece que ensinos baseados em conteúdos e alimentados de treinamento prévio, bem como motivação e conhecimentos adquiridos em ambiente pré-escolar, dificilmente poderá fazer com que essa elite se desidentifique das classes dominantes em nossos países.

Essas questões nos permitem ter esclarecimento do contexto histórico e social tanto das crianças quanto do ensino da matemática. Não podemos desconsiderar o desenvolvimento cognitivo das crianças nem mesmo a faixa-intelectual em que se encontram nem seu modo peculiar de compreender o mundo. De acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (2010, p.25), os eixos norteadores do currículo são as interações e a brincadeira, linguagens próprias da criança e que facilitam seu desenvolvimento integral.

Essa visão propicia a passagem de uma perspectiva de aprendizagem individual e racional para uma perspectiva social e multidimensional. Destaca-se a concepção de que os processos de aprendizagem são racionais, sensoriais, práticos, emocionais e sociais ao mesmo tempo, isto é, todas as dimensões da vida — a emoção, a cognição, a corporeidade — estão em ação quando se aprende. Barbosa e Horn (2008, p.26).

O efetivo aprendizado se dá de forma integral, não é possível falar em matemática sem possibilitar experiências que ajudem a pensar, relacionar, associar, comparar, classificar, seriar, quantificar utilizando múltiplas linguagens como visuais, corporais, gráficas, etc. Sànchez Huete e Bravo consideram ainda que “o desenvolvimento do pensamento é resultado da influência que exerce o estudo na escola. Por isso, a escola deve propor desafios intelectuais para não descuidar o desenvolvimento do raciocínio lógico”. Destacamos ainda que muitos problemas ocorrem na maneira como o aprendizado é conduzido ou nas verdades que lhes são asseguradas durante a escolarização e que em algum momento da vida são contrapostas.

...ocorre uma rejeição dessa ciência por parte daqueles alunos que se aborrecem com tarefas rotineiras, ou que são mais sensíveis à criatividade, à beleza ou ao brinquedo, aspectos também inerentes à matemática. Igualmente ocorre a confusão daqueles outros que consideram a matemática como uma ciência segura de si mesma, quando enfrentam verdadeiros problemas e sentem que não têm receitas que lhes garantam o êxito. Vila e Callejo (2007, p.62).

A relevância do pensamento pode ser observada em diferentes situações. Ele não pode ser ensinado externamente, mas deve ser construído internamente com o auxílio de situações externas instigantes, pois as construções cognitivas não são espontâneas devem ser fomentadas pelo meio externo.

As crianças vivem num ritmo acelerado, o tempo e espaço escolar precisam ser reorganizados. Todo ambiente é educativo e todos os funcionários são educadores. A conquista da autonomia é um processo e a forma como os conhecimentos são adquiridos poderão ajudá-las ou não nesse processo. De acordo com Toledo e Toledo

...pode-se ter certeza de estar no caminho correto quando as crianças são preparadas para enfrentar situações novas com criatividade e entusiasmo diante do desafio, em vez de serem apenas instrumentalizadas com fórmulas e modelos-padrão para aplicar em situações conhecidas e específicas. (2010, p.09).

A qualidade em educação é permeada por vários atores, a solução de todos os problemas não está nas mãos de uma única pessoa, mesmo porque estamos inseridos dentro de um sistema, uma instituição formada que necessita se adequar aos dias atuais, mas a mudança no sentido da conscientização dos fatores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem colabora e torna mais explícito aos educadores que trabalham diretamente com as crianças a refletir constantemente e obter uma postura esclarecedora da sua função social em relação a escolha da sua profissão.

Conhecimento convencional ou desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático?

Na educação infantil estamos diante de crianças que sentem necessidade de ampliar o seu vocabulário oral e que desejam ser inseridas na linguagem escrita. Seu modo de pensar é peculiar, a lógica delas não é igual a nossa lógica, é preciso ouvi-las para entendê-las, para saber de que forma estão pensando. Em contrapartida os padrões culturais exigem que a escolarização propicie os conhecimentos convencionais. Há situações em que se torna necessária a interferência do adulto, pois “a origem fundamental do conhecimento social são as convenções construídas pelas pessoas. A característica principal do conhecimento social é a de que possui uma natureza amplamente arbitrária”. Kamii (2011, p.26). Com isso compreendemos que este também é o papel da escola, o que a torna prejudicial é a falta de liberdade para expressar o pensamento. Dewey (2007, p.54) já mencionava:

O pensamento, ao contrário, começa, como já vimos, com a dúvida ou incerteza. Ele sinaliza uma atitude investigativa, de procura, de busca, em lugar de uma atitude de domínio e posse. Por intermédio de um processo crítico, o conhecimento verdadeiro é revisado e ampliado, e nossas convicções acerca do estado de coisas são reorganizadas.

Aproveitando a própria natureza da criança e as diferentes formas com que os indivíduos aprendem, as várias formas de expressão podem ser interligadas para fomentar o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático.

A capacidade de imaginar é de suma importância para o conhecimento, incluindo o conhecimento científico. Imaginar é projetar, é antever, é a mobilização interior orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir a situação concreta. A imaginação possui uma natureza visionária, detectando a intencionalidade contida na ação humana. É o caçador que cata uma pedra prevendo o seu uso na próxima caçada, é o cientista que inventa uma fórmula. É a criança que descobre um novo pretexto gráfico. Derdyk (2010, p. 122).

Na matemática a compreensão das diferenças atribuídas ao conhecimento convencional e ao desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático é indispensável para o professor. Com crianças pequenas o grau da linguagem matemática caminhará de acordo com suas possibilidades cognitivas, mas “deve-se ter presente que, de um lado, estão os conceitos, as propriedades dos objetos matemáticos, e, do outro lado, as representações que são utilizadas na matemática”. Panizza (2011, p.20).

Com essa reflexão da complexidade da linguagem matemática, consideramos de grande valia que o professor permita a exploração de representações não convencionais antes de exigir a efetiva utilização das representações convencionais.   

Consequentemente, começa também a estar em condições de partir desses conhecimentos e de planejar intencionalmente oportunidades para que os alunos mostrem representações e procedimentos não convencionais, estabeleçam a validade dos mesmos, analisem os que são pertinentes, abandonem uns, escolham outros. Panizza (2011, p.23).

Verbalizar ideias, ilustrar a resolução de situações propostas diante de uma brincadeira, confrontar opiniões num grupo, são algumas ações que privilegiam o envolvimento da criança no processo de ensino-aprendizagem. O uso progressivo do conhecimento convencional da matemática combinado com a comunicação das informações dá sentido do conhecimento matemático.

Comunicar uma resolução permite tornar explícito o que era implícito e torna possível o reconhecimento desse conhecimento por parte do sujeito. Informar sobre o que foi produzido implica necessariamente a reconstrução da ação realizada. Panizza ( 2011, p.52).

As situações cotidianas são relevantes para as crianças e dentro desse contexto podemos perceber que “palavras como um, dois, três, quatro são exemplos de conhecimento social. Cada idioma tem um conjunto de palavras diferentes que serve para o ato de contar”. Kamii (2011, p.27), porém o conceito de número não pode ser ensinado ele é construído pelas crianças por sua capacidade natural de pensar. “O número é a relação criada mentalmente por cada indivíduo”. Kamii (2011, p.18).

Saber recitar a série não é a mesma coisa que saber contar elementos de um conjunto. Isto é, um sujeito que pode recitar a série até um determinado número não necessariamente poderá utilizar esse conhecimento na hora de contar objetos ou desenhos. Panizza (2011, p.56).

Validamos a afirmação acima e complementamos a ação do professor que inclui tanto a apresentação do conhecimento social quanto a responsabilidade de ir além, isto é, possibilitar oportunidades da criança pensar fazendo uma série de relações.

Porém, se na pré-escola e no início da primeira série somente trabalham com os números de 1 a 9, como podem fazer uso do que sabem? Como constroem e explicitam que “se tem mais números então é maior”, se não podem comparar números de diferentes quantidades de algarismos? Como vinculam seu conhecimento da numeração falada com a escrita para argumentar (a seu modo) que o valor de um número depende da posição que ocupa, se comparam sempre números de um mesmo algarismo? Panizza (2011, p.58).

Na construção do número, bem como em qualquer outro conhecimento, a abertura para as indagações e a incerteza são necessários para ambos os personagens no processo educativo: professores e crianças. “Infelizmente, na escola, os estudantes são levados a recitar respostas certas e raramente são perguntados sobre que pensam sinceramente”. Kamii (2011, p.107).

A comunicação é um dos fatores em que o pensamento estará presente, podendo se ajustar, se readequar, num constante processo de ida e vinda do ser humano que se reinventa em cada fase da vida.

As crianças corrigem-se frequentemente de modo autônomo, à medida que tentam explicar seu raciocínio a uma outra pessoa. Pois a criança que tenta explicar seu raciocínio tem que descentrar para apresentar a seu interlocutor um argumento que tenha sentido. Kamii (2011, p.105).

Acreditar e oferecer subsídios para as crianças obtidos em nossa cultura é a esperança para educação de qualidade, a educação infantil é o alicerce para outros níveis de educação.

...a moral desta história é que se você solicita apenas competências mínimas, você obterá apenas competências mínimas. As crianças que são encorajadas a pensar ativa, crítica e autonomamente aprendem mais do que as que são levadas a obter apenas as competências mínimas. Kamii (2011, p.108).

A conquista da posição em que a criança se encontra atualmente pode ser observada facilmente nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, Brasil (2010, p.160) que apresenta três princípios básicos:

Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades;

Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;

Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade da expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais.

Acompanhar estes princípios é muito mais que ensinar conhecimentos convencionais, é perceber possibilidades diante das dificuldades que a profissão apresenta tanto em seus aspectos físicos, sociais, culturais ou intelectuais. “A autonomia como finalidade da educação é, num certo sentido, uma nova ideia que revolucionará a educação. Em outro sentido, pode ser vista como um retorno a antigos valores e relações humanas”. Kamii (2011, p. 112).

As noções matemáticas apresentadas em diversos contextos são facilmente interligadas às diversas representações que podem estar apoiadas à expressão verbal, corporal ou visual da criança. São formas de representação e compreensão do mundo. A questão do espaço na criança vem acompanhada da exploração do próprio corpo e do ambiente em que vive. Falar em geometria na educação infantil, muitas vezes significa limitar-se a apresentar as convenções como, por exemplo, o nome das figuras geométricas planas e quiçá dos sólidos geométricos, de forma abstrata e pouco significativa. No entanto Panizza (2011, p.175) nos remete a uma reflexão afirmando que “a geometria não é somente um conjunto de saberes formalizado ao longo da história, é também um modelo de raciocínio e dedução muito importante para a formação cultural dos sujeitos”.

O próprio ambiente em que estamos inseridos propicia o olhar geométrico, a forma dos objetos, os espaços ocupados por eles, a natureza, as construções civis, as embalagens de produtos industrializados e até mesmo a tecnologia são passíveis de investigação e diferenciação das suas estruturas, comparando-as e relacionando-as. “A motivação principal do ensino da geometria não deveria ser, no nosso ponto de vista, a “utilidade prática”, mas o desafio intelectual que ela mesma encerra”. Panizza (2011, p.174). Apesar de esta afirmação ser genuína, não podemos ultrapassar as condições neurológicas das nossas crianças, neste caso o bloqueio seria inevitável.

A nomenclatura no campo da matemática e na geometria é extensa e consideramos um saber que a escola não pode abandonar. Infantilizar termos não significa respeitar o conhecimento da criança e seu modo de verbalizar, significa não apoiá-la a avançar desrespeitando os seus direitos. 

A matemática, a criança e a resolução de problemas

Iniciamos uma nova seção apoiada em uma tríade que envolve ações pedagógicas em busca de um objetivo: despertar e fomentar o pensamento tendo por base a ampliação dos conhecimentos matemáticos nas crianças.

 A resolução de problemas é um tema muito difundido em Educação Matemática, em que se estudam melhores propostas didáticas para o ensino de matemática. Define-se como:

...aquelas situações que criam um obstáculo a vencer, que promovem a busca dentro de tudo o que se sabe para decidir em cada caso aquilo que é mais pertinente, forçando, assim, a utilização dos conhecimentos anteriores e mostrando-os ao mesmo tempo insuficientes e muito difíceis. Rejeitar os não pertinentes e empenhar-se na busca de novos modos de resolução é o que produz o progresso nos conhecimentos. Panizza (2011, 51).

A alta demanda cognitiva envolvida na resolução de problemas e que ativa uma série de conhecimentos faz jus a um olhar também dessa metodologia na Educação Infantil. Não consideraremos aqui a palavra problema de uma maneira restrita, ela será entendida de maneira ampla, desvinculando a visão tradicional na qual temos conhecimento em outros níveis de ensino.

Uma situação pode ser um problema para uma pessoa e não para outra, dependendo do nível de envolvimento de cada um, da questão sociocultural, da experiência e do conhecimento relacionado àquela situação. Em nossa linguagem comum, interpretamos o termo problema como situação desagradável, e não como desafio. Toledo e Toledo (2010, 83).

Nesta perspectiva, as crianças se beneficiarão dessa metodologia se o enfoque for de desafio. “É fundamental, portanto, incentivar a criança a resolver situações simples do cotidiano da classe, a verbalizar suas ações, discuti-las com os colegas, fazer cálculos mentais e verificar as diferentes estratégias utilizadas pelas outras crianças diante da mesma situação”. Toledo Toledo (2010, p.87). A liberdade para encontrar soluções que não estão exclusivamente nas mãos do professor é o diferencial.

As várias formas de expressão das crianças são favoráveis a esse ambiente. Não é preciso estar alfabetizado e nem mesmo dominar a linguagem matemática para participar da resolução de um problema. Brincadeiras ou jogos possibilitam grandes oportunidades de incentivar o pensamento e propor desafios. A organização prévia do ambiente e/ou materiais também pode ser explorada. Sabemos que:

O cérebro humano é um sistema aberto e fortemente plástico, e cada vez mais está afirmada a ideia de que a inteligência é o processo de estabelecer inter-relações entre as estruturas cerebrais. Quer dizer, a inteligência não é algo que acompanha o envelhecimento, tornando mais inteligente aquele que está mais velho ou preestabelecido ao nascer. A inteligência vai sendo formada à medida que o sujeito se vê frente a situações desafiadoras, enfrentando problemas— reais ou abstratos— que se constituem na dinâmica cotidiana das relações dos indivíduos com o meio. Barbosa e Horn (2008, p.27).

A qualidade nas experiências de vida estimula a inteligência. A capacidade de resolver problemas ocorre quando há oportunidades para tentar resolvê-los. “A vivência pode significar um caminho aberto para o desconhecido, ampliando a nossa consciência”. Derdyk (2010, p.17).

Na Educação Infantil, até mesmo em outros níveis de ensino, os conhecimentos matemáticos precisam de aliados na construção do pensamento como forma de compartilhar significados de diversas maneiras.

Quando se trata de matemática, sempre que se pede a uma criança ou a um grupo de crianças para dizer o que fizeram e por que, para verbalizar os procedimentos que adotaram, justificando-os, para comentar o que escreveram, representaram ou esquematizaram, relatando as etapas de sua pesquisa tenha ela chegado ou não, à solução ou a uma conclusão, estamos permitindo aos alunos que trabalhem em sua língua materna e em ruptura com ela na elaboração de uma linguagem matemática dotada de sentido. Smole (2007, p.67).

Uma das representações presente nas crianças é o desenho, que envolve percepção visual e espacial. “Desenhar objetos, pessoas, situações, animais, emoções, ideias são tentativas de aproximação com o mundo. Desenhar é conhecer, é apropriar-se”. Derdyk (2010, p. 29). A partir dele podemos estimular o raciocínio e o interesse em resolver problemas.

Uma educação preocupada com o desenvolvimento global da criança e das necessidades que o mundo contemporâneo exige, aproxima razão e sensibilidade.

O ato de conhecer e o ato de criar estabelecem relações: ambos suscitam a capacidade de compreender, relacionar, ordenar, configurar, significar. Na busca do conhecimento reside a profunda motivação humana para criar. O homem cria porque necessita existencialmente. Derdyk (2010, p.19).

A criatividade é uma das habilidades essenciais hoje em dia, muitas são as informações, mais quais são as saídas? O que realmente buscamos? Para que serve o conhecimento?

Na vida estamos constantemente resolvendo problemas, desde que nascemos somos colocados em situações desafiadoras.

Resolver problemas é uma das atividades humanas mais complexas. Nela estão envolvidos diferentes tipos de conhecimentos, como as estratégias heurísticas que dão indicações sobre possíveis caminhos a seguir,, embora seja preciso tentar selecionar adequadamente e adaptar à situação concreta, assim como processos de controle e auto-regulação, as emoções, as atitudes e as crenças. É necessário, portanto, incidir em todos eles para a aprendizagem e a melhora da resolução de problemas: não há receitas e cada pessoa tem seu estilo próprio relacionado com suas capacidades cognitivas e afetivas. Vila e Callejo (2007, p.68).

Como vimos, a metodologia de resolução de problemas não é tão simples assim, ela envolve o educando por completo, mas se queremos educar para o pensar, esta é uma possibilidade.

Considerações finais

Acreditamos que este campo do conhecimento envolve, ainda, inúmeras discussões e estudos mais aprofundados. Estamos cientes da realidade do sistema educacional e dos problemas que professores enfrentam no seu dia a dia, porém, nós professores somos aqueles que estão lado a lado com os alunos e nossos ideais e a visão de criança que temos influi nas atitudes e nos caminhos escolhidos para conduzir as nossas aulas. Neste aspecto reafirmamos que crianças são cidadãs com direitos e deveres e que, portanto são sujeitos históricos sendo produto e produtores de cultura.

 A matemática encarada como uma ferramenta útil ao pensamento, bem cultural, histórico e com grande poder de inclusão ou exclusão social, deve ter espaço nas instituições de educação infantil para reflexão e reavaliação da forma como ela é oferecida às crianças. Alguns questionamentos são fundamentais nesta busca de soluções ou de conscientização: Qual a relação que eu como professor (a) tenho com a matemática? Será que possibilito às crianças um pensamento investigativo ou reproduzo as crenças que tenho sobre este conhecimento? Será que equilibro todas as manifestações linguísticas que a criança pode manusear e aperfeiçoar bem como ampliar ou as limito de acordo com as minhas limitações e preferências?

Diante das mais variadas indagações, provocações e inquietações, esperamos que este assunto não se esgote, pois o ser humano está em constante transformação e a busca por um aprendizado mais humanizado, menos rígido, isto é, com mais dúvidas do que certezas propicia a busca de soluções para problemas que ocorrem no interior de cada instituição. Um grupo unido com trabalho coletivo ameniza tais anseios, estimula novas atitudes e encaminha um bom educador a afinar questões pedagógicas com questões políticas que são indissociáveis apesar dos governantes insistirem na alienação dessa categoria.

Referências bibliográficas

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TOLEDO, Marília Barros de Almeida. TOLEDO, Mauro de Almeida. Teoria e prática da matemática: como dois e dois. São Paulo: FTD, 2010.

VILA, Antoni. CALLEJO, Maria Luiz. Matemática para aprender a pensar: o papel das crenças na resolução de problemas. Porto Alegre: Artmed, 2007.



[1] É um processo em que é possível aumentar o entendimento daquilo que nos rodeia, afirmação passível de transferir para a disciplina acadêmica de matemática, não tanto como corpo de informação e técnicas, mas como método para fazer a mente trabalhar. Sànchez e Bravo  (2007, p. 15).