Introdução à Enzimologia
Publicado em 24 de janeiro de 2009 por Daniel Clemente de Moraes
Enzimas são, em sua grande maioria, proteínas especializadas em catalisar reações biológicas. Possuem uma grande importância para os organismos vivos, uma vez que seu poder catalítico é muito maior que o dos catalisadores sintetizados em laboratórios.
Catalisadores são substâncias que aumentam a velocidade de uma reação. Essas substânciasatuam combinando-se a outras substâncias, que sofrerão a catálise, originando um novo produto. No final da reação, há a formação desse produto sem a degradação do catalisador. No caso das enzimas, a substância catalisada chama-se substrato. Para serem substratos de uma mesma enzima, eles devem ter a mesma estrutura e a mesma suscetibilidade à ação catalítica da enzima.
Para entender o funcionamento das enzimas, devem-se conhecer dois conceitos: energia livre de ativação e estado de transição. Energia livre de ativação é a energia inicial necessária para que a reação ocorra. Estado de transição é o ponto da reação que possui a maior energia de ativação. Nesse ponto, a reação está no ponto máximo da barreira energética que separa os reagentese os produtos, fazendo com que a probabilidade de uma ligação química se rompa ou se forme seja muito elevada.
As enzimas atuam combinando-se aos substratos (ligação esta que ocorre no sítio ativo) para produzir um estado de transição que possui menor energia de ativação em relação ao estado de transição da reação não-catalisada. Quando a enzima se liga ao substrato, este último tem a sua forma modificada, fazendo com que seja gasto energia, de modo a diminuir a energia do estado de transição da reação catalisada, consequentemente fazendo com que ocorra uma diminuição na energia necessária para o término da reação.
Existem alguns modelos que tentam explicar a interação entre enzimas e substratos. Os três mais utilizados são:
·Modelo simples, onde enzima e substrato possuiriam cargas opostas, havendo a interação entre a enzima e o substrato de forma parcial. Formar-se-ia um estado de transição, onde a complementariedade entre as duas estruturas seria perfeita. Posteriormente, haveria a alteração completa do substrato, seguida da formação do produto e a regeneração da enzima;
·Modelo do ajuste induzido, que defende a alteração da conformação da enzima (a enzima se ajustaria ao substrato na sua presença) ;
·Modelo chave-fechadura, que prevê um encaixe perfeito do substrato no sítio de ligação.Esse último modelo não é muito útil para explicar a reação enzimática, pois haveria a formação de um estado de transição muito estável que precisaria de uma energia de ativação muito grande para separar enzima e o produto.
Algumas enzimas desempenham suas atividades sozinhas, outras necessitam de um ou mais componentes chamados cofatores, que geralmente são íons metálicos. Se estiver ligada a seu respectivo cofator, a enzima é chamada de holoenzima. Caso contrário é chamada de apoenzima.
Existem, além dos cofatores, as coenzimas, que são moléculas orgânicas que transportam grupos químicos de uma enzima para outra. Um exemplo é o NADH, que transporta um íon hidreto.
O estudo do mecanismo da combinação enzima-substrato chama-se cinética enzimática, e possui vital importância para a compreensão da atividade enzimática. Uma teoria geral foi desenvolvida por L.Michaelis e M.L.Menten, com o intuito de explicar os aspectos da cinética enzimática e inibição. A teoria de Michaelis-Menten considera que a enzima E liga-se ao substrato S, formando o complexo enzima-substrato ES (energia é gerada a partir da formação desse complexo, visto que ele é estável, liberando energia para o sistema), que é catalisado, formando o complexo enzima-produto EP, que por último se rompe formando o produto P e regenerando a enzima.
E + S <--> ES -> EP <--> E+P
Paralelamente a essa teoria, existe a equação de Michaelis-Menten, que é a equação da velocidade das reações catalisadas por enzimas que possuem apenas um substrato. Essa equação relaciona a velocidade inicial (velocidade na qual a concentração de produto em relação ao tempo é constante), a velocidade máxima e a concentração inicial de substrato, através de uma constante chamada Km (constante de Michaelis-Menten).Essa constante equivale à concentração de substrato onde a velocidade inicial da reação é igual à metade da velocidade máxima.
Equação de Michaelis-Menten:
A catálise enzimática pode ter sua velocidade alterada por alguns fatores físico-químicos como:
·Temperatura -> quanto maior a temperatura, maior a velocidade da reação, até ser alcançada a temperatura ótima; acima desta temperatura a enzima começa a perder sua função, diminuindo a velocidade da catálise, até o momento em que torna-se inativa.
·pH -> as enzimas possuem um pH ótimo onde a distribuição das cargas é ideal para a catálise; acima deste pH ótimo a atividade enzimática diminui, visto que a enzima começa a perder sua função, até tornar-se inativa.
·Concentração de enzimas -> quanto maior for o número de enzimas catalisando a reação, mais rápido ela ocorrerá, até ser atingida a velocidade máxima.
·Concentração de substratos -> a velocidade da catálise aumenta quanto maior for a concentração de substrato, visto que há a formação de uma maior quantidade de produto por unidade de tempo.
·Concentração salina -> altera a solubilidade das enzimas através da força iônica. Quanto maior a força iônica, mais espécies se ligarão à molécula, aumentando a solubilidade da enzima. Se a solução supersaturar, há a precipitação da enzima, processo este que a inativa. Assim como no pH e na temperatura, há uma concentração salina ótima para o funcionamento das enzimas.
Algumas enzimas possuem propriedades que atribuem especificamente a elas papel regulador no metabolismo, sendo por isso chamadas enzimas reguladoras. Os dois principais tipos de enzimas reguladoras são: enzimas alostéricas, que funcionam através da ligação não-covalente de um metabólito regulador chamado modulador (que pode ser um ativador ou inibidor) a uma parte da enzima diferente do sítio ativo, e enzimas moduladas covalentemente, que são interconvertidas entre as formas ativas e inativas pela ação de outras enzimas.
Existem compostos na natureza que diminuem a atividade de uma enzima. São os chamados inibidores enzimáticos, que podem ter ação reversível ou irreversível. Os inibidores possuem afinidade maior com a enzima em relação ao substrato para que uma pequena dose de inibidor seja utilizada para atingir eficiência satisfatória.
Existem três diferentes tipos de inibidores: reversíveis, irreversíveis e alostéricos. Os inibidores reversíveis são divididos em: competitivos, não-competitivos, acompetitivos e mistos, onde:
·Os inibidores competitivos competem com o substrato pelo sítio ativo da enzima.
·Os inibidores não-competitivos ligam-se à enzima em um lugar diferente do sítio ativo do substrato. A ligação do inibidor nesse caso é independente.
·Os inibidores acompetitivos ligam-se ao complexo enzima-substrato, fazendo com que o inibidor interaja com a enzima e com o substrato, tornando dependente a ligação do inibidor.
·Inibidores mistos comportam-se ambiguamente. Eles possuem características de dois ou três tipos de inibidores citados anteriormente. Podem se ligar a qualquer parte da enzima.
Os inibidores irreversíveis ligam-se no sítio ativo da enzima com uma afinidade muito alta, impedindo a ligação do substrato. Quando o inibidor se separa da enzima, esta já está inativa, uma vez que a separação pode demorar de semanas a meses para correr.
Os inibidores alostéricos não se ligam ao sítio ativo do substrato. Possuem sítios específicos chamados sítios alostéricos. Quando se ligam a esse sítio, modificam a conformação da enzima, inibindo-a e, consequentemente, reduzem a velocidade da reação.
As enzimas são largamente utilizadas em indústrias, para a produção de antibióticos e produtos de limpeza, por exemplo. São utilizadas também em análises clínicas e na área de alimentos.
As enzimas possuem algumas desvantagens, como por exemplo, o seu preço, sua validade, que é menor que a de outros catalisadores, e o cuidado necessário para manuseá-las. São muito utilizadas, porém, pois possuem alta relação custo-benefício, visto que aumentam a velocidade das reações em torno de 106 vezes.