EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE: CAUSAS, APLICAÇÃO NO PROCESSO PENAL ILUSTRADA COM JURISPRUDÊNCIA E ESTUDO DE CASO [1].

 

Isabella Lauande

Fabíola Wickert

Larissa Rodrigues

Luciana Sousa

Karen Araujo

Tereza Martins [2]

 

Sumario: Introdução; 1 Modalidades De Extinção De Punibilidade; 1.1 Aspectos Gerais; 1.2 Morte Do Agente; 1.3 Anistia, Graça E Indulto; 1.4 Abolitio Criminis; 1.5 Renúncia; 1.6 Perdão Do Ofendido; 1.7 Perdão Judicial; 1.8 Retratação; 1.9 Decadência E Perempção; 1.10 Prescrição; 1.1.1 Prescrição Da Pretensão Punitiva; 1.1.1.1 Prescrição Superveniente E Prescrição Retroativa; 1.1.2 Prescrição Da Pretensão Executória; 2 Análise Do Caso; Referência.

 

RESUMO

Este artigo apresenta as causas de extinção de punibilidade penal descrevendo as modalidades do art. 107 do Código Penal sob o enfoque material e processual penal com a citação de jurisprudências sobre a matéria e análise do caso de reconhecimento de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal sobre a impossibilidade de extinção de punibilidade pela prescrição em perspectiva, casuística da espécie de extinção por prescrição também sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

Palavras-chave:

 

 Extinção de punibilidade. Causas. Prescrição em perspectiva.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A doutrina clássica oferece concisa definição do tema proposto neste estudo, sintetizando que extinção de punibilidade é a “renúncia do poder de punir, de que é titular o Estado”[3].

Estas linhas introdutórias não têm o desígnio de esgotar explanação sobre o tema - o que se fará ao longo do artigo - contudo, as breves palavras supracitadas são profícuas à fixação da natureza jurídica da matéria e sua demarcação no âmbito das diversas disciplinas jurídicas. Assim, mesmo que aclarada a pertinência da matéria com sistema penal, pergunta-se: trata-se de conteúdo adstrito ao Direito Penal ou ao Direito Processual Penal?

O breve conceito de extinção de punibilidade como sendo a excepcional renúncia do Estado ao jus puniendi, denota uma natureza essencialmente material ao objeto deste artigo, contudo o reflexo procedimental da matéria é ilustrado por diversos dispositivos do Código de Processo Penal que regulam o tema no âmbito processual.

Destarte, a melhor adequação da matéria na seara do Direito Penal, como sugeri OLIVEIRA[4], não obsta reflexos que concernem especificamente ao Processo Penal, à exemplo do art. 61 do Código de Processo Penal que assegura ao juiz o poder-dever de reconhecer extinta a punibilidade em qualquer fase processual, dentre outros dispositivos de natureza procedimental a serem mencionados neste artigo.

Feitas estas considerações, o que se propõe explanar neste trabalho são as causas a ensejar o afastamento do poder punitivo do Estado, analisando-as quanto à matéria e procedimento.

Este breve panorama será tratado no texto em duas amplas partes: o tópico primário versará sobre aspectos gerais e causas de extinção de punibilidade arroladas no Título VIII da Parte Geral do Código Penal - quais sejam: morte do agente; anistia, graça e indulto; abolitio criminis; renúncia; perdão do ofendido; perdão judicial; retratação; decadência e perempção; e prescrição, em suas diversas espécies doutrinárias – no qual exemplificar-se-á o tratamento da matéria em sede processual, com a citação de jurisprudências.

Na abordagem seguinte, o destaque será para a análise de caso emblemático sobre o tema: o reconhecimento de repercussão geral no STF sobre a impossibilidade de extinção de punibilidade pela prescrição em perspectiva.

 

1        MODALIDADES DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE

 

1.1 ASPECTOS GERAIS

 

Conforme suscitado em notas introdutórias, extinção de punibilidade pode ser definida como a renúncia do poder punitivo do Estado, ou seja, a extinção da possibilidade jurídica de imposição ou execução da sanção penal correspondente ao ilícito penal, ensejada, portanto, a partir de causa superveniente à realização da ação típica, ilícita e culpável.[5]

Do exposto, uníssona é a doutrina em ressaltar que a punibilidade não constitui um requisito do crime, sendo estes apenas a tipicidade, a ilicitude, e a culpabilidade da conduta do agente. Punibilidade é, portanto, conseqüência jurídica do crime[6].

Assim dispõe a Exposição de Motivos do Código de 1940, cuja redação NORONHA destaca ao transcrever:

O que se extingue, antes de tudo, nos casos enumerados, é o próprio direito de punir por parte do Estado (...). Dá-se, como diz Maggiore, uma renúncia, uma abdicação, uma derrelição do direito de punir do Estado. Deve dizer-se, portanto, com acerto, que o que cessa é a punibilidade do fato, em razão de certas contingencias ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política[7].

 

Nestes termos, a cessação da punibilidade constitui matéria de direito público, e, como tal, deve ser declarada de oficio pelo juiz em qualquer fase do processo penal, sendo irrelevante o momento de constatação do impedimento à punibilidade, pois “face à sua natureza de preliminar, impede a análise do mérito da causa, que fica prejudicada”[8]. Adverte ainda o art. 61, em parágrafo único, para a legitimidade do Ministério Publico, do querelante ou do querelado para provocação do reconhecimento da extinção de punibilidade.

Contudo, ainda na seara processual, à todas as situações de extinção de punibilidades aferidas no ínterim da ação penal cogente é o procedimento do art. 397, CPP, incluído na codificação penal por força da lei 11.719/08: “a decisão relativa à extinção da punibilidade será de absolvição primaria”[9]. Portanto, trata-se de inovação legal pertinente à natureza material aferida às causas de extinção, conforme supracitado, perfazendo matéria vinculada ao mérito da ação penal[10].

As circunstâncias de “não-imposição ou não-execução”[11] de uma pena estão previstas no art. 107 e seguintes do CP, de maneira não taxativa, haja visto que definidas também em outros dispositivos do diploma, ou ainda em legislação esparsa. A doutrina divide o estudo nas seguintes modalidades: morte do agente; anistia, graça e indulto; abolitio criminis; renúncia; perdão do ofendido; perdão judicial; retratação; decadência e perempção; e prescrição.

Alguns desdobramentos da matéria requerem análise, tais como o momento da extinção de punibilidade, seus efeitos e a (in)comunicabilidade de tal circunstância em casos de concurso de agentes.

Quanto ao momento de ocorrência das causas extintivas de punibilidade (vide anexo 1)  pode-se asseverar que em regra estas ocorrem antes da sentença final - durante a ação penal - ou depois da sentença condenatória irrecorrível. Esse momento de aplicação possui relevância em matéria de reincidência e em outros efeitos da sentença condenatória irrecorrível.[12]

No que tange aos efeitos da extinção da punibilidade (vide anexo 1), transcreve-se o entendimento de DAMÁSIO:

 

Em regra, as causas extintivas da punibilidade só alcançam o direito de punir do Estado, substituindo o crime em todos os seus requisitos e a sentença condenatória irrecorrível. (...) Excepcionalmente, a causa resolutiva do direito de punir apaga o fato praticado pelo agente e rescinde a sentença condenatória irrecorrível.[13]

 

As causas extintivas de punibilidade, produzem os seus efeitos a partir do momento de ocorrência, operando de forma ex tunc ou ex nunc. “Possuem efeito ex tunc a anistia e a lei nova supressiva de incriminação; as outras causas tem efeito ex nunc, não retroagindo para excluir conseqüências já ocorridas”[14].

Por fim, faz-se necessário mencionar que as causas extintivas de punibilidade, em casos de concurso de pessoas, conforme leciona DAMÁSIO[15] comunica-se aos demais participantes quando ocorre a abolitio criminis, a decadência, a perempção, a renúncia do direito de queixa, o perdão em relação aos acusados que o aceitaram, entre outros. No entanto, serão incomunicáveis a extinção de punibilidade decorrente da morte do agente, perdão judicial, a graça, o indulto e a retratação, no caso do Art. 143 do CP.

 

1.2  MORTE DO AGENTE

 

O falecimento do agente está previsto como causa de extinção de punibilidade elencada no art. 107, I do CP e no art. 62 do CPP e fundamenta-se no princípio mors omnia solvit, ou seja, a morte apaga tudo, faz desaparecer.

Como causa de cessação da punibilidade, o falecimento do agente põe termo à fase pré-processual, à ação penal e ao cumprimento de pena: se a morte ocorrer antes da propositura da ação penal, esta não poderá ser promovida; se o agente falecer durante o curso da ação penal, ela será trancada; se a morte for superveniente ao julgamento da ação, o ofendido poderá se valer da sentença como título executivo civil, posto que restará inviável a execução da pena imputada.[16]

Conforme o art. 62, CPP, o juiz só declarará extinta a punibilidade se tiver vista da certidão de óbito. Contudo, em detrimento da natureza pública do documento, comuns são os casos de falsificação da certidão a ensejar discussões doutrinarias e jurisprudências quanto à manutenção da declaração de extinção de punibilidade. A doutrina neste artigo citada comunga do entendimento de que a decisão que declara extinta a punibilidade faz coisa julgada à despeito da falsidade constatada, pois não existe no ordenamento pátrio o direito de revisão pro societate [17] em detrimento do acusado (art. 622, CPP); desta forma, a extinção da punibilidade permanece válida, devendo o ato fraudulento ser apurado em ação autônoma.[18] Obstante, diverge de tal posicionamento recente jurisprudência do STJ, de relatoria do ministro Celso Limongi, divulgada no informativo 433:

 

EXTINÇÃO. PUNIBILIDADE. CERTIDÃO FALSA. ÓBITO. A Turma, entre outras questões, entendeu que pode ser revogada a decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do ora paciente, uma vez que não gera coisa julgada em sentido estrito. A formalidade não pode ser levada a ponto de tornar imutável uma decisão lastreada em uma falsidade. O agente não pode ser beneficiado por sua própria torpeza. Precedente citado do STF: HC 84.525-8-MG, DJ 3/12/2004. HC 143.474-SP, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 6/5/2010. (grigou-se)

 

Ao passo que os ordenamentos alienígenas prevêem a ineficácia absoluta dos julgados que extinguem a punibilidade com base em prova de óbito falsa[19], o tema no Brasil ainda não é pacifico.

Há de ressaltar para o princípio da pessoalidade da pena, consagrado no art. 5º, XLV da CF[20]: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;” Em suma: com a morte do agente, os seus herdeiros não sofrerão nenhuma sanção penal porventura atribuída ao condenado-falecido, mas permanece ilesa a responsabilização civil, até os limites da herança.[21], podendo a sentença valer como título executivo civil para ressarcimento de danos, de acordo com o art. 63 CPP.[22]

 

1.3  ANISTIA, GRAÇA E INDULTO

 

Apresentam-se como formas de comiserações soberanas, com o fito de extinguir a punibilidade. “São causas extintivas motivadas por política criminal, além de processo de individualização da pena, para moderar os rigores implacáveis da lei na aplicação ou execução da pena ou, eventualmente, destinadas a remediar erro judiciário”[23].

Conforme os art. 21, XVII e 48, VIII, da CF, compete a União através do Congresso Nacional, analisar os casos que versam sobre anistia.

A anistia destina-se a fatos e não a pessoas, do mesmo modo extingue a ação e a condenação. Sua aplicabilidade dar-se-á principalmente em crimes políticos (anistia especial), não obstando que esta também venha a ser outorgada a crimes comuns (anistia comum). A sua principal finalidade é esquecer o crime, ou seja, mitigar o mesmo e seus respectivos efeitos. Ocorre que tais efeitos não são abraçados pelo Direito Civil. Todavia no entendimento de DAMÁSIO a anistia estende-se à pena de multa, ou seja, “se a anistia rescinde até a própria condenação irrecorrível, cremos que alcança também a pena pecuniária”[24].

Por trata-se de lei penal, a anistia possui efeito retroativo, sendo aplicada pelo poder Judiciário, como uma lei comum, sujeita a interpretação do mesmo, sendo facultado o direito de recorrer. Cumpre mencionar que após seu assentimento, conforme o art. 5, XXXVI e XL da CF, a anistia não poderá ser revogada.

No que tange a sua aplicabilidade, é cabível a qualquer momento, antes, depois do processo e até mesmo depois de ocorrido à condenação, ou seja, será própria quando for prévia à condenação ou imprópria se for concedida após a prolação da decisão condenatória, condicionada ou incondicionada. Deste feito a anistia não pode ser recusada pelo destinatário salvo se condicionada. Todavia uma vez concedida não poder-se-á  revogá-la.[25]

Outrora, o indulto e a Graça são atos privativos do chefe do Poder Executivo, conforme estabelece art. 84, XII, CF, podendo o mesmo, delegar conforme estabelece o parágrafo único do então artigo mencionado, as atribuições da graça e do indulto “aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União”. Entretanto, a então vigente constituição não trás em seu bojo à graça, referindo-se apenas ao indulto, por essa razão “a lei de Execução Penal passou a tratá-la como indulto individual, o que não ocorreu na reforma da Parte Geral do Código Penal”[26].

Entende-se por graça ou indulto individual, uma indulgência de ordem individual, pois alcança apenas determinada pessoa. Apresentando-se como um feitio de absolvição soberana, destina-se a pessoa e não ao fato, este podendo ser total, como alude MIRABETE, quando alcançar todas as sanções impostas ao condenado, ou parcial, na ocorrência de redução ou substituição da sansão, adotando o nome neste caso de comutação. Cabe destacar que na comutação não ocorre extinção da punibilidade e sim uma diminuição, ou seja, um arrefecimento da pena.

Corroborando para tal entendimento PRADO menciona que “comutação consiste na substituição da pena imposta por outra de menor gravidade e admite recusa por parte do condenado”[27].

O indulto coletivo pode ser total ou parcial, este abarca sucessivamente um grupo de sentenciados, compreendendo na normalidade os beneficiários em decorrência das penas que lhe foram aplicadas, todavia com a existência de requisitos. [28].

Faculta-se àqueles que estiverem em gozo do suris ou do livramento condicional, permite-se a soma das penas para que haja conhecimento se está ou não fora dos limites previstos no decreto de indulto.[29]

No que tange aos efeitos produzidos no indulto, ocorre que somente ir-se-á extinguir a punibilidade, suprindo o delito, a condenação irrecorrível e seus efeitos secundário, salvo os casos em que o indulto for concedido antes do transito em julgado da sentença condenatória, deste feito, vindo o sujeito agraciado ou indultado a praticar novo crime, será considerado reincidente. [30]

Faz-se imperioso mencionar que segundo a Constituição Federal que a prática, tentada ou consumada, de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos não serão suscetíveis de graça.

 

1.4  ABOLITIO CRIMINIS

 

Essa modalidade extintiva de punibilidade encontra-se prevista no Art. 107, inciso III, do CP, e tem como escopo a “descriminalização do fato”[31] em virtude da desconsideração de ilícito por Lei posterior, sob o argumento de que o Estado já não a considera como contrária aos interesses societários.[32]

A superveniência de lei que não mais tipifica como crime conduta anteriormente qualificada como tal implica na retroação da lei mais benéfica para alcançar fatos que sejam ou tenham sido objeto de ação penal, inclusive os casos de sentença condenatória transitada em julgado[33].

É o que preceitua o art. 2º, CP, caput, ao asseverar que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.  

Por derradeiro, se a alteração legal ocorrer antes da denúncia, não mais poderá ser instaurada a Ação Penal, pois não haveria objeto; se no momento o processo estiver em andamento, deverá ser trancado; nos casos de sentença condenatória transitada em julgado com agente cumprindo pena, este deverá ser posto em liberdade.[34]

 

1.5  RENÚNCIA

 

Em atenção ao art. 107, inciso V, do CP, extingui-se também a punibilidade nos casos de “renúncia do direito de queixa”, situação restrita a casos que ensejariam ação penal privada, pois cabe ao ofendido ou seu representante legal exercer o direito de queixa.

A renúncia consiste em um ato unilateral, sendo expressa ou tácita. A primeira consiste em uma apresentação de documentos, por exemplo, a apresentação de petição inicial informando que desiste de agir contra o ofensor, ou através de ato em que fique nítida a intenção de renúncia (art. 50, CPP). A renúncia tácita ocorre de forma mais camuflada que consiste em uma atitude contraria ao desejo de processar alguém[35], cabendo, conforme art. 57, CPP, todos os meios de prova em contrário.

Conforme vasta doutrina, a renúncia é aplicável à casos de ação penal privada subsidiária da pública. DAMÁSIO assevera que “a renúncia do titular da queixa substitutiva não impede que o órgão do Ministério Público ofereça a denúncia, iniciando a ação penal pública (CPP, art. 29)”[36]. Corroborando com o entendimento, MIRABETTE apresenta como fundamento para a possibilidade de renuncia neste caso a não proibição no art. 107, inciso V, alegando também que esta só será possível “enquanto não estiver extinta a punibilidade por qualquer outra coisa”[37].

Conforme art. 49, CPP, “a renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá”. Dessa forma, se “três são os autores do crime de ação penal privada, cumpre ao ofendido oferecer queixa contra todos ou nenhum. A exclusão importa renúncia tácita, estendendo-se aos demais”. Nesse sentido manifestou-se o STF:

 

AÇÃO PENAL PRIVADA - CRIMES CONTRA HONRA - VEICULAÇÃO DAS ALEGADAS OFENSAS MORAIS MEDIANTE DOCUMENTO ASSINADO POR 19 (DEZENOVE) PESSOAS - OFERECIMENTO DE QUEIXA-CRIME, NO ENTANTO, SOMENTE CONTRA 02 (DOIS) DOS SIGNATÁRIOS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PRIVADA - CONSEQÜENTE RENÚNCIA TÁCITA AO DIREITO DE QUERELA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. - Tratando-se de ação penal privada, o oferecimento de queixa-crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos, configura clara hipótese de violação ao princípio da indivisibilidade (CPP, art. 48), implicando, por isso mesmo, renúncia tácita ao direito de querela (CPP, art. 49), cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a todos quantos alegadamente hajam intervindo no cometimento da infração penal (CP, art. 107, V, c/c o art. 104). Doutrina. Precedentes. (Inq 2139 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2006, DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00029 EMENT VOL-02282-01 PP-00118 RTJ VOL-00202-03 PP-00956)

 

Por fim, cumpre mencionar que nos casos de morte do ofendido, a renúncia do seu cônjuge não importa na renúncia dos demais elencados no Art. 31, do CPP, podendo a queixa ser oferecida por qualquer um dos seus ascendentes, descendentes ou irmão.

 

1.6  PERDÃO DO OFENDIDO

 

Conforme o artigo 105, caput, do CP: “o perdão do ofendido, nos crimes em que somente se procede mediante queixa, obsta ao prosseguimento da ação”. Este dispositivo versa sobre o perdão do ofendido previsto no art. 107, inciso V, do CP, como outra modalidade de extinção de punibilidade, operando-se a partir da aceitação do querelado.

 

O perdão do ofendido é a revogação do ato praticado pelo querelante que desiste do prosseguimento da ação penal(...) o perdão somente é possível na ação exclusivamente privada, como deixa claro o art. 105, não produzindo qualquer efeito na ação privada subsidiária ou na ação pública incondicionada ou condicionada. (...) ao contrario da renúncia o perdão é um ato bilateral.[38]

 

Da exegese do art. 106, CP, conclui-se que o perdão do ofendido pode ocorrer dentro ou fora do processo de forma expressa ou tácita e o querelante não poderá optar por excluir da ação penal apenas um dos querelados em co-autoria. Se concedido por um dos ofendidos, o perdão não obstará o direito dos demais em dar sequência ao processo.

Por fim, cumpre ressalvar que o perdão do ofendido não se confunde com o perdão judicial, pois, neste, o juiz terá a possibilidade de deixar de aplicar a pena independentemente de aceitação.

 

1.7  PERDÃO JUDICIAL

 

O Perdão judicial é o instituto pelo qual o juiz, não obstante comprovado a conduta delitiva, deixa de aplicar a pena em face de justificadas circunstâncias[39], denotando a extinção de punibilidade previsto no art. 107, IX, CP.

De forma espaçada a lei prevê a aplicabilidade do perdão judicial, “admitindo-o toda vez que as conseqüências do fato afetem o respectivo autor de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, constituindo-se numa evidente desnecessidade”[40].

As controvérsias acerca da natureza jurídica deste perdão são frequentes. Obstante a posição de MIRABETTI sobre o tema[41], ao afirmar tratar-se o perdão judicial de mera faculdade do juiz, “o perdão judicial é direito subjetivo do réu, e não mera faculdade do réu”[42], posicionamento também sustentado por DAMÁSIO:

 

A expressão “pode” empregada pelo CP nos dispositivos que disciplinam o perdão judicial, de acordo com a moderna doutrina penal, perdeu a natureza de simples faculdade judicial, no sentido do juiz poder sem fundamentação, aplicar ou não o privilégio.[43]

 

Questão que também engendra controvérsias é a da natureza jurídica da sentença concessória do perdão judicial, mas cogente é a adoção da sumula 18 do STJ que qualifica a sentença concessiva do perdão é como declaratória, tornando ilesa a aplicação do art. 120, CP, que veda a consideração desse pronunciamento em termos de reincidência.

No que concerne à aplicação do perdão judicial, o STJ manifestou-se no sentindo de que os benefícios concedidos pelo perdão judicial devem ser aplicados a todos os efeitos causados por esta ação delitiva, vejamos:

 

PROCESSO PENAL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. PERDÃO JUDICIAL. MORTE DO IRMÃO E AMIGO DO RÉU - CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE APROVEITA A TODOS. Sendo o perdão judicial uma das causas de extinção de punibilidade (art. 107, inciso IX, do CP), se analisado conjuntamente com o art. 51, do Código de Processo Penal ("o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos..."), deduz-se que o benefício deve ser aplicado a todos os efeitos causados por uma única ação delitiva. O que é reforçado pela interpretação do art. 70, do Código Penal Brasileiro, ao tratar do concurso formal, que determina a unificação das penas, quando o agente, mediante uma única ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não.Considerando-se, ainda, que o instituto do Perdão Judicial é admitido toda vez que as conseqüências do fato afetem o respectivo autor, de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, injustificável se torna sua cisão. Precedentes. Ordem concedida para que seja estendido o perdão judicial em relação à vítima Rodrigo Antônio de Medeiros, amigo do paciente, declarando-se extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IX, do CP.(HABEAS CORPUS N.º 21.442/SP Rel.: Min. Jorge Scartezzini/5.ª Turma/ STJ/DJU de 9/12/02, pág. 361).

 

Por fim, acerca da extensão do perdão, nos casos em que o Réu perdoado por um dos crimes cometidos, exemplo, pai que é condenado por homicídio culposo de descendente, bem como por crime de lesão corporal culposa à terceiro em decorrência da mesma ação, o benefício concedido ao réu quanto ao primeiro crime, será estendido ao crime de lesão corporal culposa a terceiro[44].

 

1.8  RETRATAÇÃO

 

Retratação, no entendimento de MIRABETE é “o ato jurídico pelo qual o agente do crime reconhece o erro praticado e o denuncia coram judicem[45]. Deste feito, entende-se por retração o ato de se desdizer-se sobre o que foi dito, ou seja, admitir-se o erro.

Na legislação penal, admitir-se-á retratação apenas nos casos previstos em sua legislação, os conjeturados no art. 107, VI, CP, sendo eles: os crimes de calunia e difamação (art. 143, CP), os crimes de falso testemunho e falsa perícia (art.342, p 2, CP), bem como a Lei de Imprensa (Lei n 5.250/67, art.26).

Na prática, leva-se em consideração sua voluntariedade, possuindo certa irrelevância os motivos dos quais estas foram fundados, bem como sua espontaneidade ou até mesmo que ocorra aceitação por parte do individuo, ou seja, trata-se de ato unilateral.

Deste feito, nos crimes de calunia e difamação (art.143), conforme esclarece PRADO “por tratar-se de ato pessoal, a retratação feita por um dos querelados não se aplica aos demais”[46], ou seja, não aproveita-se os co-autores, devendo ser prestada antes que a sentença seja proferida. Ocorre que, conforme aponta MIRABETE considerar-se-á valida como causa extintiva da punibilidade a irrestrita e incondicional, não sendo permitido deste feito causa de retratação ambígua, devendo esta ser terminante, exata, completa. [47]

No que tange aos crimes de falso testemunho e falsa perícia, deve-se prestar a retratação antes da referida sentença, exigindo-se do mesmo modo que esta seja completa, terminativa. Ocorre que nessas hipóteses a retratação comunicar-se-á aos co-autores, nos casos em que essa ocorra antes da sentença em que o agente prestou falso testemunho ou ofereceu a falsa perícia, conforme supracitado.

No mais, caber-se-á extinção da punibilidade em crimes através da imprensa, em sua referida lei supracitada, quando estes versarem sobre honra.

Buscar e guardar a verdade, bem como a primazia dada ao desagravo moral concedido a vitima pelo próprio agente no processo, abona as previsões legais para o caso da retratação.

 

1.9  DECADÊNCIA E PEREMPÇÃO

 

Decadência, segundo MARQUES, é a perda direito de ação privada ou de representação, em virtude de não ter sido exercido dentro do prazo estipulado por lei[48]. Implica em uma limitação temporal ao ius persequendi que não pode se eternizar, pois tanto a queixa quanto a representação, devem ser intentadas dentro do prazo decadencial, ou seja, antes que se esgote[49], como aduz BITENCOURT.

Em se tratando de ação penal privada, a decadência incide diretamente sobre o direito de agir do ofendido ou de seu representante legal, tendo como efeito, a perda da pretensão punitiva por parte do Estado; e indiretamente nas ações penais públicas condicionadas à representação, pois o Promotor se encontra inerte para intentar tal ação, dada a perda do direito de delatar.[50]

O prazo decadencial, segundo o art. 103 do CP é, salvo disposição em contrário, de seis meses, contado da data em que o ofendido tenha certeza ou quase certeza da autoria do crime, a simples dúvida ou suspeita não é suficiente[51], como destaca MIRABETE ou, nos casos de ação privada subsidiária da pública, do dia em que o prazo para o oferecimento da denúncia tiver se esgotado (arts. 38 e 46 do CPP). Conquanto aos dies a quo:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. QUEIXA. PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EX VI ART. 103 C/C ART. 107, INCISO IV, AMBOS DO CÓDIGO PENAL.OFERECIMENTO FORA DO PRAZO DE SEIS MESES. CONTAGEM DO LAPSO TEMPORAL NOS TERMOS DO ART. 10 DO CÓDIGO PENAL. Como regra, o prazo da decadência é de 06 (seis) meses e em se tratando de causa de extinção da punibilidade o prazo tem natureza penal, devendo ser contado nos termos do art. 10 do Código Penal e não de acordo com o art. 798, § 1º do Código de Processo Penal, quer dizer, inclui-se no cômputo do prazo o dies a quo. Assim, tendo em vista que ambas as queixas foram oferecidas quando já esgotado o prazo legal, há que se reconhecer a extinção da punibilidade do querelado em razão da decadência.Queixas rejeitadas.(APn .562/MS, Rel. Ministro  FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro  FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/06/2010, DJe 24/06/2010)

 

O prazo decadencial é peremptório, ou seja, não se interrompe, nem se suspende, pois o direito de queixa ou de representação exaure-se pelo seu exercício.[52] Dessa forma, o prazo não se interrompe pela instauração do inquérito policial ou pela remessa dos autos deste à juízo, bem como com a vista dos autos ao Ministério Público, o pedido de explicações ou a interpelação judicial.[53]

Nos casos em que o ofendido é menor de 18 anos, cabe ao seu representante legal (pai, mãe,tutor,curador) exercer o direito de queixa.[54] Nesse contexto, havia fervorosa discussão sobre o prazo decadencial nos casos em que o ofendido é maior de 18 anos, que vêem tornando-se pacifica com o surgimento da Súmula 594 do STF que diz: “os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.”

A Perempção, prevista no art. 107, inciso IV do CP e art. 60 do CPP, advém da palavra perimir, que significa “extinguir” ou “pôr termo’ a alguma coisa[55], como ensina Damásio de Jesus.

Segundo ANÍBAL BRUNO,

 

é a perda do direito de prosseguir na ação penal privada, isto é, uma sanção jurídica cominada ao querelante em decorrência de sua inércia, ou seja, pelo mau uso da faculdade que o Poder Público lhe concedeu de agir, privativamente, na persecução de determinados crimes. Na perempção, o querelante, que já iniciou a ação de exclusiva iniciativa privada, deixa de realizar atos necessários ao seu prosseguimento, deixando de movimentar o processo, levando à presunção de desistência (art. 60 do CPP).[56]

 

A perempção, como se pode depreender do caput do art. 60 só se faz presente nos casos em que a ação penal a ser interposta for excepcionalmente privada.

A primeira hipótese disposta no art. 60, inciso I do CP diz respeito à perempção nos casos em que, depois de iniciada a ação penal, ao querelante incumbia tomar alguma providência para dar prosseguimento à ação, contudo, em 30 dias consecutivos, não a toma.

Ressalta ainda, o autor, que a sanção não é automática, advindo do procedimento do querelante, e que não se configurará decadência se a demora ou paralisação da marcha processual se der em razão de outrem que não o querelante[57]

Outra hipótese de perempção elencada no inciso II do mesmo artigo refere-se aos casos em que, havendo a morte do querelante ou sua incapacidade, não comparecendo em juízo pessoa incumbida de prosseguir o processo em 60 dias, ocorrerá a perempção.

A perempção se fará presente também quando for necessária a presença do querelante, e este não comparecer sem motivo justificado ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais, pois há atos em que o comparecimento do procurador não é suficiente, como lembra MIRABETE.[58]

            Ocorrerá perempção também nos casos em que, “quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.” Nesse sentido, exemplifica MIRABETE que, “nos crimes contra a propriedade industrial desaparece com a pessoa jurídica o interesse em punir-se o agente que causou danos à sociedade extinta sem sucessora.”[59]

 

1.10 PRESCRIÇÃO

 

Conceitua-se a prescrição penal como a “perda do direito de punir pela inércia do Estado, que não o exercitou dentro do lapso temporal previamente fixado”[60].

O instituto da prescrição penal como outra circunstância a ensejar a cessação do jus puniendi do Estado, fundamenta-se, para além do interesse do agente delituoso, em um interesse público: dada a inércia do Estado quanto sua pretensão punitiva, não há de restar perpétua a punibilidade do acusado, pois o decurso do tempo denota o desinteresse estatal em imputar ou aplicar pena, além de gerar fraqueza ou desaparecimento das provas do crime.[61]

A prescrição penal divide-se em duas espécies: a prescrição da pretensão punitiva – prescrição da ação penal -, que comporta ainda as subespécies prescrição superveniente e prescrição retroativa, e a prescrição da pretensão executória, também denominada prescrição da condenação. Ademais, a concepção doutrinária da prescrição da pretensão punitiva “em perspectiva, projetada ou antecipada” merecerá discussão na segunda parte deste artigo, posto que não mais é admitida como hipótese de extinção de punibilidade.

Em caráter excepcional, são imprescritíveis, conforme o art. 5º, XLII, CF, o crime de racismo e os referentes à ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inc. XLIV).[62]

A prescrição opera-se, quanto à pretensão punitiva: entre a data da consumação do crime e a do recebimento da acusação; entre a data do recebimento da denuncia ou queixa e a publicação de sentença final; e entre a sentença final o trânsito em julgado da decisão, que torna-se irrecorrível[63]. Quanto à pretensão executória, a pretensão ocorre a partir da sentença passada em julgado.

 

1.10.1     Prescrição da pretensão punitiva

 

Nesta espécie de prescrição, “o decurso do tempo faz com que o Estado perca o direito de punir no tocante à pretensão de o Poder Judiciário julgar a lide e aplicar a sanção abstrata (aspiração de punição)”[64].

Para o estudo da matéria, fundamental é o art. 109, CP (vide anexo, tabela 2), ao dispor que o período prescricional é aferido a partir da pena em abstrato (considerando a sanção máxima aplicável ao ilícito), inclusive à pena restritiva de direito (parágrafo único), conquanto tratar-se de circunstância verificada antes de sentença irrecorrível; e ao estabelecer o lapso prescricional:

Sob a pena abstrata, com o fito de cômputo para prescrição, incidem as causas de aumento e diminuição de pena, bem como a qualificação pela exacerbação do delito. Contudo, as hipóteses de aumento de pena decorrente de pluralidade delitiva e agravantes ou atenuantes não interferem no prazo prescricional[65], excetuado, contudo, conforme art. 115, CP, a redução ou aumento de pena em decorrência da idade.

Oportuno frisar que o prazo prescricional da pretensão punitiva do Estado é suscetível à suspensão e interrupção, conforme arts. 116 e 117, CP, cujas circunstâncias elencadas estão reguladas em diversos dispositivos do diploma processual penal. Dentre as causas de suspensão, cita-se a existência de questão prejudicial (art. 116, I e arts. 92 a 94, CPP). Quanto as causas interruptivas, as circunstancias referidas no art. 107: o recebimento da denúncia , a pronúncia e a decisão confirmatória de denúncia e a publicação de sentença ou acórdãos condenatórios irrecorríveis.

 

1.10.1.1   Prescrição superveniente e Prescrição retroativa

 

Trata-se de modalidades de cessação da punibilidade em decorrência da perda de pretensão punitiva, em que cabe a excepcionalidade de computar-se o prazo prescricional a partir de pena em concreto.

A prescrição superveniente pode ocorrer quando, uma vez prolatada a sentença, não houve recurso da acusação, restando ainda cabimento de recurso da defesa, o que impede o imediato trânsito em julgado da decisão condenatória – transito em julgado apenas para a acusação; neste período, é possível a verificação de prescrição da pretensão punitiva. Outra possibilidade é verificada em casos de improcedência ao recurso da acusação; ainda que se conceda provimento ao recurso da acusação, mas sem elevação da pena aplicada, poderá ocorrer a prescrição superveniente.[66]

A prescrição retroativa, por sua vez, está regulada no art. 110, § 2º, CP, e refere-se à extinção de punibilidade por decurso de prazo, em que o termo inicial é retroativo, ou seja, no âmbito da ação penal, em fase recursal (inferência que se faz, posto que o dispositivo remete ao parágrafo anterior do mesmo artigo) é possível a verificação de prescrição ou entre a data de consumação do delito e o oferecimento de denuncia ou queixa, ou entre a data de recebimento da acusação e a publicação de sentença condenatória.

 

1.10.2                        Prescrição da pretensão executória

 

A prescrição da pretensão executória (ou da condenação), ilustra situação em que “o decurso do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o direito de executar a sanção imposta em sentença condenatória”[67].

Conforme supracitado, a partir do trânsito em julgado da condenação, considera-se a pena in concreto estabelecida na sentença para a contagem do prazo prescricional, aplicando-se os mesmos parâmetros do art. 109, CP. Deste modo, decorrido o lapso temporal prescricional, o Estado não poderá executar a pena imposta (ou a medida de segurança, de acordo com o art. 96 CP), persistindo os efeitos penais secundários da condenação, bem como os efeitos civis.[68]

Nesta modalidade de prescrição também incidem causas de suspensão (art. 116, parágrafo único, CP) e interrupção, (art. 117, inc. V e VI), destacando-se como exemplo desta a cessação de evasão do detento, situação em o prazo prescricional então interrompido, reinicia-se regulado pelo tempo que resta de pena (art. 112, I e 113, CP).[69]

 

2        ANÁLISE DE CASO

 

A fim de contextualizar o estudo da extinção de punibilidade – para além dos exemplos jurisprudenciais acima arrolados -, trata-se neste tópico da análise do caso de reconhecimento de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal sobre a impossibilidade de extinção de punibilidade pela “prescrição em perspectiva, projetada ou antecipada”, casuística da espécie de extinção por prescrição também sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Concebida doutrinariamente, haja visto a completa ausência de dispositivos legais sobre a modalidade, a prescrição projetada era aplicada como fundamento à rejeição de denuncia ou queixa e consistia na verificação de que, ao tempo do prosseguimento da ação penal e de posterior sentença, já restaria configurada a prescrição, implicando em posterior extinção de punibilidade. Pode-se dizer que tratava de aplicação deturpada da espécie de extinção de punibilidade em decorrência de prescrição retroativa.

É este o caso transcrito a seguir, que através de recuso extraordinário impugnatório de acórdão da Turma Recursal Criminal do TJ/RS, fora apreciado pelo STF e elevado ao status de repercussão geral (art. 543-B, § 3º): 

 

AÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA “EM PERSPECTIVA, PROJETADA OU ANTECIPADA”. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INADMISSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. APLICAÇÃO DO ART. 543-B, § 3º, DO CPC. É inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada, independentemente da existência ou sorte do processo criminal.(RE 602527 RG-QO, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 19/11/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-11 PP-01995 )

 

Os argumentos contra a prática de antevê a prescrição, são irrefutáveis se analisados sob a égide da Constituição e são nestes termos que o Ministério Público assevera que a decisão impugnada fere o princípio do devido processo legal, do contraditório e da presunção de inocência (art. 5º, inc. LIV, LV e LVII)[70], haja visto que ao extinguir a punibilidade precocemente, no mínimo condena o denunciado sem que haja ação penal constituída, posto que não há de se falar em extinção de punibilidade sem a existência inequívoca de crime e punibilidade.

Nestes termos, o min. Cezar Peluso sustenta em seu voto que a prescrição em perspectiva “impede a cognição do fato pelo Pode Judiciário, mediante cognição previa de culpa – pressuposto à pretensão punitiva -, sem observância do devido processo legal. Subtrai-se ao acusado a possibilidade de provar sua inocência ou a inviabilidade da cão penal”[71].

Do exposto, não obstante a existência anterior da súmula 438 do STJ sobre a matéria, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro a prescrição projetada (antecipada, em perspectiva).

 

REFERÊNCIA

 

BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte geral 1. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Vol. 1 a 3. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 219, apud BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte geral 1. 13ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis.6. ed. rev. ampla. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

 

FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. v. I. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1834.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Vol. 1. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

 

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. v. I. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v. I. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. rev. atual.ampla. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. rev.e atual. São Paulo: Atlas, 2007.

 

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1. 28. ed. rev. e atual. São Paulo Saraiva, 2006

 

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

 

 


[1] Artigo apresentado à disciplina de Processo Penal I.

 

[2] Alunas do 6º período de Direito noturno, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, 2010.2.

 

[3] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v. I. 36. ed.. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 345.

 

[4] OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 200.

 

[5] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 648.

 

[6] JESUS, DAMÁSIO E. de. Direito Penal. v. I. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

[7] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v. I. 36. ed.. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345.

 

[8] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. v. I. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1834.

 

[9] OLIVEIRA, loc. cit.

 

[10] OLIVEIRA, op. cit., p. 201.

 

[11] PRADO, loc. cit.

 

[12] JESUS, Op. Cit., p.722.

 

[13] JESUS, Ibdem, p. 724.

 

[14] Id.

 

[15] Id.

 

[16] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo Saraiva, 2006. p.  556.

 

[17] Idem. Ibdem, p. 559.

 

[18] Idem. Ibidem. p. 564.

 

[19] NORONHA, Op. cit., p. 350

 

[20]TOURINHO FILHO, Op. Cit. p. 557.

 

[21] BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte geral 1. 13ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 722.

 

[22]TOURINHO, loc. cit. p. 556-557.

 

[23] MIRABETE, P.403

 

[24] JESUS, Op. Cit. p.737

 

[25] PRADO, Op. Cit. p.651

 

[26] MIRABETTE, Op. Cit. p.404

 

[27] PRADO, Op. Cit. p.651

 

[28] MIRABETE, Op. Cit. 405

 

[29] Id.

 

[30] JESUS, Op. Cit. p. 738

 

[31] FRANCO, op. cit., p.

 

[32] JESUS, Op.Cit. p. 118.

 

[33] PRADO, op. cit., p. 651 e 652.

 

[34] TOURINHO FILHO, Op. Cit. p. 575.

 

[35] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ªed. ver. atual.ampla. 3ª. Tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 168.

 

[36] JESUS, Op. Cit. p. 698

 

[37] MIRABETTE, Op. cit. p. 413.

 

[38] MIRABETTE, Op. Cit. p. 415.

 

[39] JESUS, Op. Cit. p. 685

 

[40] FRANCO, op. cit., p. 1887.

 

[41] MIRABETTE, Op. cit., p. 416

 

[42] PRADO, Op. cit., p. 653

 

[43] JESUS, Op. cit., 685.

 

[44] JESUS, op. cit., p.730.

 

[45] MIRABETTE, Op. cit., p. 419.

 

[46] PRADO, Op. cit. p.,655.

 

[47] MIRABETE, Op. cit.p., 420.

 

[48] MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, v.3, 1956, p. 407.

 

[49]BITENCOURT, Op. cit. p., 703.

 

[50] MIRABETE, Op. cit. p., 388.

 

[51] Idem. Ibidem. p. 388

 

[52] BITENCOURT, Op. cit. p., 703.

 

[53] MIRABETE, Op. cit. p., 388-389.

 

[54] JESUS, Op. cit., 748.

 

[55] Idem. Ibdem,  p., 390.

 

[56] BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Vol. 1 a 3. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 219, apud BITENCOURT, op. cit. p. 710.

 

[57] MIRABETE, op. cit. p. 391.

 

[58] Idem. Ibidem. p. 391.

 

[59] Idem. Ibidem. p. 392.

 

[60] PRADO, op.cit., p. 657.

 

[61] NORONHA, op. cit., p. 361 e 362.

 

[62] DAMÁSIO, op. cit., p. 764.

 

[63] PRADO, op. cit., p. 659.

 

[64] DAMÁSIO, op. cit., p. 763.

 

[65] PRADO, p. 658 e 659

 

[66] PRADO, Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. V. 1, p.737

 

[67] DAMÁSIO, op. cit., p. 763.

 

[68] PRADO, Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. V. 1, p.735-736

 

[69] PRADO, op. cit., p. 662.

 

[70] Acórdão citado, p. 3.

 

[71] Acórdão citado, p. 5.