Essência e Existência na Educação brasileira.

 

Marcelo Laranjeira Duarte (UFRRJ)

 

 

Ao longo da história da educação sempre houve grande divergência sobre a verdadeira função do processo educacional. As questões giram em torno de sua função e objetivos; a educação serve para transformar a sociedade ou para manter o sistema (statu quo)? Serve para socializar os indivíduos, preparando-os para o convívio social ou serve para inculcar em suas mentes à lógica do sistema social vigente? Essas questões que fazem parte do complexo processo educacional continuam sem respostas até os dias de hoje. São questões filosóficas, ou seja, só serão respondidas se estiverem fundamentadas num corpo de conhecimento, um conjunto coerente e organizado de entendimento sobre a realidade.

 

Muitos autores se esforçaram para entender e explicar a complexidade do fenômeno educacional e suas implicações com o meio social. ¹Durkheim afirmava que a função da educação era manter o sistema social vigente; seu pensamento parte do ponto de vista que o homem é egoísta, que necessita ser preparado para sua vida na sociedade. Este processo é realizado pela família e também pelas instituições pertencentes ao estado (Escolas, Universidades); ainda segundo ele, a ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não estão maduras para a vida social, tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança determinados números de estados físicos, intelectuais e morais que dele reclamam, por um lado, a sociedade política em seu conjunto, e por outro, o meio especifico ao qual está destinado. Ou seja, é o mecanismo básico de constituição dos sistemas sociais e de manutenção e perpetuação dos mesmos, em formas de sociedades.

 

Já ²Rosseau, em seu pensamento, encarava o ser humano como essencialmente bom. Segundo ele: “Tudo é bom enquanto sai das mãos do Criador, e tudo se corrompe quando passa pelas mãos dos [1]homens”. De acordo com seu pensamento, o ser humano não deve ser “moldado” por outros homens, a fim de ser inserido no meio social. Rosseau defende que o homem é bom por natureza e sua educação deve ser voltada para a vida, descartando a imposição de idéias vinda das instituições (igreja, estado, família) sobre os indivíduos.

 

 

Estes autores, citados apenas para ilustrar as divergências recorrentes ao fenômeno educacional, mostram que a educação tem finalidades que não se encerram nela mesma, antes, tem fins sociais. E, segue um pensamento ideológico (tendência filosófica) que acompanha o momento histórico e seus condicionantes (sociais, culturais, políticos, econômicos, etc.) em determinadas épocas e regiões.

 

Como duas grandes tendências filosóficas existentes na história da Educação, temos à Pedagogia da Essência e a Pedagogia da Existência. Estas apresentam concepções opostas em relação ao homem, sua essência e sua educação (processo de socialização).

 

A pedagogia da Essência percebe os homens como essencialmente iguais; a essência precede a existência. Os homens são iguais por natureza, e precisam da educação como forma de elevá-los a outros patamares através do ensino, da disciplina e de sua adequação aos modelos existentes e julgados pela sociedade como aceitáveis para o convívio no corpo social. Como afirma HEGEL: “O processo educativo desenrola-se entre a personalidade e o espírito objetivo. O verdadeiro desenvolvimento da personalidade só é possível com a participação no desenvolvimento do espírito objetivo, portanto com a participação na cultura e nas instituições sociais, nomeadamente o Estado”.

 

Já a Pedagogia da Existência tem por concepção o homem como diferente um do outro. Existem homens fortes, fracos, altos, baixos, corajosos, covardes, etc. Cada um tem sua particularidade, cada qual segue seu caminho, seu ritmo, de forma que a existência precede a essência. Por entender cada indivíduo com sua potencialidade, essa tendência não aceita a submissão dos seres humanos ao poder estatal, as imposições escolares, religiosas, culturais, etc. Ela defende que o indivíduo não deve ser preparado para ser algo específico, mas que a educação possa criar as bases morais, éticas, intelectuais para que cada pessoa possa seguir seu ritmo. Segundo MANDEVILLE: “a vida social pode e deve basear-se nos homens tal como existem realmente e não em homens reformados de acordo com os moldes de uma pedagogia da essência”.

 

Tendo por base essas duas tendências filosóficas (Pedagogia da Essência e Pedagogia da Existência) como eixo norteador da educação, podemos refletir e perceber qual tendência serviu de ideologia para os processos educacionais ao longo da História da educação brasileira a partir do século XX, sem desvincular com o contexto social de cada momento.

 

 

 

Segundo XAVIER: de um lado está à escola tradicional, aquela que dirige, que modela, que é ‘comprometida’; de outro está a escola nova, a verdadeira escola, a que não dirige, mas abre ao humano todas as suas possibilidades de ser. É portanto, “descompromissada”. É o produzir contra o deixar ser; é a escola escravisadora contra a escola libertadora; é o compromisso dos tradicionais que deve ceder lugar à neutralidade dos jovens educadores esclarecidos (XAVIER, 1992: 13).

 

 

 

 

 

    

Referências Básicas:

 

 

BASBAUM, Leôncio. Alienação e humanismo. 5. ed. São Paulo: Global, 1982.

 

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995.

 

GADOTTI, Moacir. Histórias das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Editora Ática, 1995.

 

GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1990.

 

LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1990.

 

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara. 32ª edição – Campinas, Autores Associados, 2003.

 

SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. 3. ed. Lisboa : Livros Horizontes, 1984

 

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira, História da Educação no Brasil. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.



Notas:

1-Émile Durkheim é considerado um dos pais da sociologia moderna. Foi o fundador da escola francesa de sociologia,  que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É reconhecido amplamente como um dos melhores teóricos do conceito da coesão social.

 

2- Jean-Jacques Rousseau foi um dos mais considerados pensadores europeus no século XVIII. Sua obra enaltece a "educação natural" conforme um acordo livre entre o mestre e o aluno.