ESCOLA E FAMÍLIA: Tecendo Redes na Inclusão de Deficientes Intelectuais

 

Alexandra Veiga Santos Meira[1]

Alzira de Castro Gomes[2]

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduc/UNEB).

Especialização em Educação Especial- Deficiência Intelectual/Mental

 

 

Resumo

 

Este trabalho parte do seguinte questionamento: Por que as famílias dos alunos com Deficiência Intelectual da Escola na qual se desenvolveu esta pesquisa têm pouca ou nenhuma aceitação por incluir seu filho na escola regular? Para responder essa questão foi realizada uma Pesquisa-Ação de base qualitativa com as famílias, que oportunizou descobrir que esse posicionamento parte da falta de conhecimento sobre a deficiência; o desconhecimento das leis; o despreparo das escolas e; uma política educacional que efetive a inclusão. Diante desses fatos, a intervenção realizada objetivou apropriar essas famílias de conhecimentos que auxiliem na inclusão de crianças e jovens com deficiência intelectual. O estudo teve aporte teórico de autores sócio-interacionistas como Vigotsky (1989) e Feuerstein (2000) além de autores que discutem sobre a inclusão de deficientes intelectuais como Mantoan (1997), Fierro (2002), Paniagua (2004), Patto (2008), dentre outros. A partir da intervenção realizada foi possível perceber uma sensibilização e maior confiança por parte das famílias no sentido de garantir o direito dos alunos com DI de freqüentar o sistema regular de ensino. Entretanto, é necessária a continuidade desses estudos para efetivação e fortalecimento de uma educação inclusiva, pois a participação da família é essencial nesse processo.

 

Palavras-chave: Família, Inclusão, Deficiência Intelectual.

 

 

 

Introdução

 

 

Nos últimos anos, no Brasil, tem-se percebido o aumento do número de alunos com Deficiência Intelectual (DI)[3] matriculados na escola regular e ao mesmo tempo uma redução do número de matrículas em escolas especializadas ou classes especiais. Esse cenário é reflexo de uma política nacional em prol da inclusão desses indivíduos e de estudos na área que comprovam os benefícios da inclusão. Entretanto, apesar dos avanços percebidos em relação ao processo inclusivo, não há um consenso, colocando à tona posicionamentos diversos e, por vezes contraditórios, que suscitam a dificuldade da escola e, principalmente da família em compreender e aceitar a inclusão.

Essa dificuldade tem-se revelado com bastante força na Instituição escolhida como campo desta Pesquisa-Ação, ainda escola especializada, no município de Santo Antônio de Jesus, Bahia, onde há um número significativo de crianças e jovens com Deficiência Intelectual fora do ensino regular. Diante disso, passamos a nos indagar: por que os pais de Deficientes Intelectuais da referida escola têm pouca ou nenhuma aceitação por incluir seu filho na escola regular? A fim de responder tal questão e intervir na realidade que hora se apresenta, realizou-se uma pesquisa de cunho qualitativo com o propósito de apropriar essas famílias dos conceitos e conhecimentos que auxiliem na inclusão desses alunos no sistema regular de ensino. Colaboraram com essa pesquisa as famílias de alunos com DI.

Para realização deste trabalho, foi utilizada a Pesquisa-Ação como metodologia baseando-se na idéia de que o pesquisador deve desenvolver a capacidade de refletir sobre a sua própria prática, numa perspectiva qualitativa. Nesse sentido, buscou-se alinhar teoria e prática (práxis) fundamentadas na perspectiva sócio-interacionista, que acredita na prática pedagógica baseada na modificabilidade do ser humano a partir da interação social e da experiência da aprendizagem mediada e, em referenciais teóricos importantes, dentre eles pode-se citar Mantoan (1996, 1997), Patto (2008), Silva (2005), Paniagua (2004), Fierro (2002), Feuerstein (2000) e Vigotsky (1989), entre outros.

As informações foram obtidas através de entrevistas com 15 famílias no intuito de conhecer o que elas têm a dizer acerca da temática evidenciada. As entrevistas foram realizadas no mês de maio de 2011, com datas e horários definidos mediante a disponibilidade dos entrevistados, sendo gravadas em áudio e transcritas em sua totalidade o que proporcionou evidenciar que, dentre outros fatores, o que dificulta a inclusão dos deficientes intelectuais no ensino regular é a baixa expectativa da família diante da aprendizagem desses alunos, bem como o desconhecimento das leis e de uma política educacional que efetive na prática a inclusão.

Entre junho e julho de 2011 realizou-se a proposta de intervenção com as  famílias. Essa proposta contou com três oficinas que foram desenvolvidas na própria escola. A primeira com o tema: “Inclusão começa em casa”, que teve como objetivo principal promover um espaço para a escuta e socialização das experiências e de envolvimento das famílias no processo educacional dos filhos. A segunda, que teve como objetivos analisar as leis buscando solução para a inclusão de alunos com DI e favorecer a interação entre a família e a escola na construção de uma rede de família. A terceira culminou em um “Momento Doce” que objetivou criar um momento, em que pais e filhos pudessem compartilhar de aprendizagens juntos.

 A intenção desse artigo é de compartilhar a experiência nessa pesquisa de intervenção de pós-graduação em Educação Especial promovido pela Universidade Estadual do Estado da Bahia (UNEB). Assim, no decorrer do presente texto, destacaram-se as contribuições das políticas educacionais na perspectiva inclusiva no Brasil; a importância do papel da família na formação da personalidade do indivíduo e no movimento de inclusão; expectativa, anseios e preocupações que emergem na família quanto ao diagnóstico de um membro com deficiência intelectual.

Posteriormente, realizou-se a análise dos dados coletados e as dúvidas instaladas com relação ao tipo de educação a oferecer ao filho com deficiência, além do registro da intervenção à luz de importantes teóricos que discutem sobre a inclusão e a participação da família no processo escolar do filho. Portanto, considera-se relevante a aproximação entre a Família e a Escola com o objetivo de ampliar as possibilidades de construção de uma inclusão comprometida com o sujeito deficiente.

 

Família e Inclusão Escolar: Sob Nova Perspectiva

 

Sabe-se que o movimento de inclusão escolar iniciou-se por volta do final século XIX, entretanto sua projeção toma força nos meios acadêmicos a partir da década de 80, quando um maior número de alunos com Deficiência Intelectual passou a estudar em escolas regulares, tendo em vista o surgimento de técnicas de estimulação precoce. Com o progresso nos estudos sobre genética, ampliaram as possibilidades de prevenção, o avanço de novas tecnologias e a criação e a adequação de materiais e equipamentos possibilitaram o equilíbrio de um conjunto de aspectos peculiares às deficiências o que ocasionou no decorrer desse período da história o surgimento de correntes que criticam as categorização e segregação de alunos encaminhados para escolas especiais e ao mesmo tempo vislumbram a possibilidade desses alunos estarem incluídos no ensino regular.

Esse novo paradigma educacional é reflexo de debates na área social, principalmente a partir de 1981, com a Organização Não Governamental – ONG Disabled People’s que dissemina o conceito de “equiparação de oportunidades”. Na década de 90 as Conferências Jomtien (1990) e Salamanca (1994) reforçam esses ideais. A primeira tem seu fundamento na expressão “Educação para Todos”. Nessa conferência discutiu-se a necessidade emergencial da eliminação na educação de qualquer forma de preconceito e a urgência de considerar a inclusão como lei e, ou política pública. A segunda, a Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, clama a todos para a melhoria do acesso à educação e estabelece que todos os alunos devam aprender juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentam.

Na busca de enfrentar esse desafio e construir projetos capazes de superar os processos históricos de exclusão, o Brasil passa a fazer uma atualização em seu sistema jurídico que permitiu instituir uma política inclusiva no País, através de emendas constitucionais e da LDB (Lei 9394/96), do Decreto Federal 3.298/99, do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), e das Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2007).

No geral, tais legislações, cujo estudo é de fundamental importância, determinam que o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser prestado “preferencialmente” pelo ensino regular na rede pública. [...] com a possibilidade de se criarem, de forma “extraordinária”, classes especiais em escolas regulares e atendimento em escolas especiais públicas ou privadas sempre que o ensino público regular não empreender as adaptações nos educandos. (MELO, et. al. 2008, p.57)

Contudo, conforme Silva e Facion (2008), a inclusão escolar no Brasil tem sido um dos temas mais polêmicos quando o assunto é educação. Essa polêmica, segundo os autores, ocorre provavelmente pelo fato da escola não está preparada para receber os alunos com deficiência, pois o sistema aqui implantado não tem conseguido desenvolver propostas pedagógicas adequadas para atender às diversidades, não consegue lidar com crianças que fogem a um padrão, possui uma cultura de resistência à inclusão e adaptações curriculares inadequadas. Estes e outros fatores dificultam o acesso e a permanência dos alunos com deficiência na escola regular.

 E as famílias neste contexto? Historicamente, no que diz respeito à participação familiar no processo escolar e na tomada de decisão sobre a vida escolar de seu parente, sobretudo com Deficiência, sempre foi relegado a decisões de técnicos apresentando-se muitas vezes de forma isolada e tímida. Todavia, é cada vez mais presente nos textos legais e em artigos científicos a importância da participação da família nas decisões e na vida escolar de seus entes com deficiência.

Os pais são os principais associados no tocante às necessidades educativas especiais de seus filhos, e a eles deveria competir, na medida do possível, a escolha do tipo de educação que desejam seja dada aos seus filhos. (SALAMANCA, 1994, p. 43)

 O reconhecimento da família como co-agente no processo de inclusão escolar e social da pessoa com deficiência, viabiliza a parceria vital e necessária entre a escola e a família. Essa mesma conferência ainda destaca a relevância da família no movimento pela inclusão quando diz que esse processo exige também a cooperação das famílias e a mobilização da comunidade e das organizações de voluntários, assim como o apoio de todos os cidadãos.  A educação de crianças com DI é uma tarefa que deve ser compartilhada por pais e profissionais, portanto, a interação com os pais indiretamente sugerem uma parceria com a instituição familiar no processo de inclusão das pessoas com deficiência.   

Santos (1999, p. 78/79) corrobora afirmando que :

[...] a participação da família é de suma importância no movimento da inclusão. Seja de forma individualizada ou por meio de organizações, é imprescindível a sua participação para que a continuidade histórica da luta por sociedades mais justas, para seus filhos seja garantida.

Quando se pensa em família, logo emerge o modelo de família nuclear, aquela formada pelo pai, o provedor, pela mãe, a dona de casa, e filhos. Autores como Engles (1975) a chama de família burguesa, pois teria sido criada para atender os ideais capitalistas na Idade Média. Todavia, atualmente, elementos mobilizadores como o controle da natalidade através dos métodos contraceptivos, a inserção da mulher no mercado de trabalho, aumento do número de divórcios, casamentos tardios, união livre e de recomposição familiar têm provocado mudanças no interior dessas famílias ou até mesmo tem colocado à tona outros modelos familiares. “Nesse sentido, o pluralismo familiar é o resultado de uma transformação profunda das relações de gênero e da emergência de um novo equilíbrio entre autonomia individual e pertencimento familiar.” (PEIXOTO, 2007, p.12).

Entretanto, seja qual for a sua configuração, a família é a primeira célula social ao qual o indivíduo faz parte. É necessário que ela se reconheça como formadora e participe, dando exemplo de cidadania, e sirva “[...] como mais um veículo por meio do qual seus filhos possam aprender para ser”. (SANTOS, 1999 p. 78/79). Pois, é na família que os primeiros arranjos sociais se formulam como premissa básica no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, além, de ser uma das instituições transmissora da herança cultural. Para Vygostsky (1989) essa instituição ocupa um lugar privilegiado, pois, transmite a herança cultural, familiar e social.

[...] a família tem lugar central  na construção da identidade individualizada, pois os indivíduos são interdependentes e as relações afetivas e pessoais são necessárias para a construção do self infantil e adulto; a busca de si mesmo é permanente e demanda laços sistemáticos  com os mais próximos. Por isso a família é vista menos como instituição e mais como espaço de socialização e das relações afetivas, pois, a identidade pessoal depende do diálogo com o próximo. (PEIXOTO, 2007, p.18. Grifo do autor)

A família representa, portanto, uma das formas de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros. A chegada de um filho[4] com deficiência aumenta na família o grau de complexidade e da carga emocional, nas quais emergem sentimentos de medo, angústia, descobertas, perspectivas. Segundo Paniagua (2004, p. 331): “Desde o momento em que os pais ficam sabendo da existência de uma deficiência, a preocupação com o presente e o futuro da criança aumenta enormemente.”

Essas preocupações e inseguranças que surgem na família são reflexos de uma sociedade preconceituosa e da falta de conhecimento sobre a deficiência. Assim, é essencial que as famílias compreendam como se processa a aprendizagem e as especificidades dessas aprendizagens nos deficientes intelectuais. Fierro (2002) considera ser essencial à família compreender que a personalidade do indivíduo com DI sofre uma influência muito grande da visão que os outros têm sobre ele (expectativa do reforço). A família precisa reconhecer o seu papel na formação da personalidade do indivíduo com deficiência e na inclusão destes. Para tanto, as escolas precisam estreitar as relações de cooperação e apoio às famílias e professores, envolvendo-os nas tomadas de decisões, em atividades educativas em casa, na escola, na supervisão do apoio da aprendizagem de seus filhos e no processo de inclusão, mas antes de tudo, é preciso que as famílias acreditem na modificabilidade do sujeito com DI, necessariamente, na modificação da relação do sujeito consigo próprio no/com o seu meio.

Para Feuerstein (2000), há uma relação dinâmica constante do sujeito com o ambiente, estando ambos em movimento e interagindo com a realidade sociocultural. Durante muito tempo, essas pessoas foram privadas da produção de uma aprendizagem que possibilitassem a interação e a modificabilidade, provocando o que Feuerstein (idem) designa de “Síndrome de Privação Cultural”, ou como Mantoan (1997) chama de “deficiência circunstancial”, ambos compreendidos como condição de um sujeito que não foi, plenamente, integrado à cultura de seu meio, que se manifesta desde o analfabetismo, a falta de cuidados com a saúde até o desemprego e a indigência.

A conscientização das possibilidades de escolhas e a capacidade de desfrutar e ir além das oportunidades sociais, políticas e econômicas não garantem inclusão sócio-cultural, mas socializar conhecimentos que visam o sucesso de uma proposta inclusivista implica em uma efetiva participação social da família dos deficientes. Isto estaria plenamente de acordo com as diretrizes mais recentes a respeito da inclusão, pois muitas vezes a inclusão vem sendo tratada em seus aspectos e rigor legais que omite o posicionamento dos profissionais da educação e, principalmente, da família.

 Para tanto, na perspectiva de ampliar a discussão sobre a inclusão para além do âmbito escolar é que as escolas precisam promover mudança de perspectiva: deixar de pensar nas famílias em termos de carência e problemas para concentrar-se em suas necessidades. Daí surge urgentemente, a criação de um espaço que promova uma rede de escuta, troca de experiência e de atualização dessas famílias para que não recaia na unilateralidade da questão. Assim, o primeiro passo da escola é não desconsiderar o papel da família ao propor seu currículo, já que, a parceria escola x família é cada vez mais urgente e necessária se queremos de fato uma escola inclusiva, pois, “[...] se toda pessoa tem direito à educação, é evidente que os pais também possuem o direito de serem senão educados, ao menos informados e mesmo formados no tocante à melhor educação a ser proporcionada aos seus filhos”. (PIAGET, 2000, p.50)

 

Tecendo Rede com as Famílias

 

A Unidade Escolar, no município de Santo Antonio de Jesus-Bahia, onde foi realizada essa Pesquisa-Ação, possui 100 alunos matriculados, sendo 54 diagnosticados com Deficiência Intelectual e funciona no turno matutino e vespertino.  É uma escola especializada, da rede Estadual de Educação da Bahia, fundada em 30 de julho de 1994, por uma Organização Não Governamental (ONG) em convênio de cessão de salas com o Governo do Estado da Bahia, tendo em vista a necessidade de oferecer uma educação para pessoas com Deficiência Física e Intelectual, posteriormente, o atendimento se estendeu para as pessoas com Surdez, Deficiência Visual (DV) e Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD), que em sua maioria pertence à família da classe popular. Possui um relevante papel educacional e social, já que se caracterizou por muito tempo como única escola na região para atendimento a essa parcela da população.

A escola apresenta uma estrutura física muito boa, com dois pavimentos, mas não possui rampas para o pavimento superior, um laboratório de informática, nove salas de aulas com iluminação natural e bem ventiladas, seu mobiliário apresenta boa conservação, os banheiros são adaptados para cadeirantes. Por tratar-se de uma escola conveniada, seu quadro de profissionais é composto por professores efetivos da rede pública Estadual e Municipal, em processo de qualificação na área de educação especial. O setor pedagógico se divide em núcleos de atendimento educacional especializado – AEE; de convivência; de tecnologia e adaptação de material; e de formação continuada de professores e pesquisa. Os alunos que ainda não estão incluídos na escola regular possuem atendimento pedagógico durante toda a semana.

A Pesquisa-Ação, realizada nesta escola, iniciou em abril e foi concluída em julho de 2011, tendo como público alvo as famílias de Deficientes Intelectuais. Essa experiência emergiu da necessidade de “tecer redes” com Famílias na Inclusão de Deficientes Intelectuais. A técnica abordada nesta pesquisa foi a da observação participante com o intuito de inferir na realidade. Para tanto, foi solicitado autorização dos envolvidos na pesquisa, que neste artigo serão identificados por nomes fictícios no sentido de preservar sua identidade, para registros, fotos e filmagens. Partiu-se da entrevista com familiares de alunos com deficiência intelectual, seguida de três oficinas. Essa proposta visou estreitar os laços entre a escola e a família no sentido de assegurar a inclusão dos alunos com DI no meio social e escolar, tendo em vista que a família é o primeiro ambiente social da criança.

Além disso, a família representa a primeira instância educacional do ser humano, sendo assim, algumas responsabilidades lhes são convencionalmente estabelecidas no seio das sociedades às quais estão inseridas. Na sociedade ocidental, e nela está inserido o Brasil, alguns papéis são visivelmente demarcados inclusive em documentos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Constituição de 1988, a LDB de 1996. Nesses documentos verificam-se aspectos semelhantes quanto ao papel da família no crescimento e desenvolvimento de seus filhos, no que se refere à garantia da escolarização; da criação direcionada à cidadania e dignidade; do carinho, proteção e afeto. Dessa forma, o papel da família é essencial ao desenvolvimento do sujeito, sua adaptação e sua inclusão no mundo social.   

Mas quando se trata de uma criança com Deficiência Intelectual, como será sua escolarização e aprendizagem? Existem possibilidades de inclusão? Como a família poderá contribuir para uma inclusão efetiva? Muitas dúvidas emergem para os familiares, isto também pode acontecer por vários motivos, dentre eles o desconhecimento sobre a deficiência e o tipo de educação a oferecer. Desse modo, é papel da escola buscar estratégias que induzam as famílias a compreender a importância da escolarização dos filhos, e de informá-las inclusive da obrigatoriedade desta função. Depois a complexidade é ainda maior, quando a criança já está incluída, pois caberá à escola desenvolver estratégias de aproximação com a família no sentido de estabelecer laços de parceria com a mesma e que as oriente na educação de seus filhos.

Receber um filho fora dos padrões da “normalidade” definidos científica, cultural e socialmente, é deveras assustador para os familiares, uma vez que traz à tona reações sócio-psíquicas tais como o luto, a adaptação e o aprendizado de novas formas de cuidar. Nas entrevistas realizadas com os pais, os depoimentos das mães de Marcos e Sílvio deixam claros esses sentimentos que insurgem na família quando se depara com a deficiência: “Não me senti bem. Enquanto os outros filhos eram normais (uma pausa longa). A gente fica pensando como vai ser a vida da gente e dele.” (Mãe de Marcos) e “Fiquei muito triste, mas, não desanimei. Busquei a cura, mas quando a médica disse que esse problema era irreversível aí eu desabei e comecei a chorar.” (Mãe de Sílvio) Estes depoimentos corroboram com Klaus et al. (2000) quanto a  discrepância entre a imagem idealizada do filho e a imagem real para à constituição da parentalidade fica ainda mais difícil  na situação da deficiência.

No que se refere à educação, não é diferente. As dúvidas da família são as mesmas e diria até mais fortes, com relação ao tipo de educação a ser oferecida ao filho com deficiência, uma vez que a sociedade exige do indivíduo uma resposta direta e eficaz “Quando descobrimos a deficiência ficamos sem saber em que escola matricular nossa filha.” (Mãe de Tássila).  Para os profissionais de educação, escolher um sistema educacional representa a busca de uma melhor resposta à determinada deficiência. Para as famílias constitui-se um indicador de maior ou menor gravidade de deficiência da criança. Percebe-se então, a complexidade na escolha de uma escola de educação especial ou regular. Ao optar pela escola regular alguns medos com a segurança vêm à tona. No entanto, quando optam por uma escola especial, os pais costumam temer que seja um meio pouco estimulante.

Segundo os dados do Censo Escolar 2010 houve um decréscimo no número de matrículas em escolas exclusivamente especializadas e /ou classes especiais com relação a 2009. Esse decréscimo pode ser observado tanto a nível federal (-3,5%), estadual (-16,9%) quanto municipal (-14,6%).  Na Bahia, observa-se que esse número ainda é mais significativo. Nas escolas estaduais houve um decréscimo de -90,9% ,  nas escolas municipais de -32,9% e nas privadas -15,3%. Esses dados são reflexos de uma política nacional em prol da inclusão de deficientes no sistema regular de ensino. No entanto, as famílias dos Deficientes Intelectuais, da Escola pesquisada, diante da proposta de inclusão, 66,3% afirmam ter receios de incluir seu filho em uma escola regular, enquanto 33,3% afirmam não possuir nenhum receio.

Dentre os que se colocaram contra a inclusão do seu filho em uma escola regular os fatores que mais são apontados pelas famílias como agentes dificultadores dessa inclusão foram: preconceitos dos alunos “ditos normais”, falta de segurança nas escolas, incapacidade do deficiente em acompanhar as aulas, isolamento sofrido pelos alunos com deficiência, despreparo do professor e da escola, falta de confiança na escola regular, o bulling, a aceitação dos outros pais e outros medos.  “Tudo que a gente quer é ver nosso filho na escola regular, mas como está, deixa a gente insegura.” (Mãe de Miguel)

Quando a criança vai ser integrada em uma escola regular o que costuma preocupar é se ela terá atenção especializada e suficiente ou se vai “perder” nesse grupo; se a criança não será discriminada por seus colegas ou mesmo por algum adulto; e sobretudo, se não vai se sentir inferior comparando-se com os outros. (PANIAGUA, 2004, p. 342)

 Percebe-se, então que pela falta de segurança e confiança na escola regular os pais não incluem seus filhos: 86,8% dos alunos não estão incluídos, 12, 2% estão matriculados, mas apenas 6,6% estão freqüentando o ensino regular. Segundo as famílias esses dados é reflexo, dentre outros fatores, da rejeição das escolas regulares para aceitar os alunos com deficiência intelectual e do desinteresse do poder público em efetivar a inclusão.

 Todavia, o surpreendente dessa pesquisa é o que nos revela dado a seguir: 80% das famílias entrevistadas no início da educação escolar de seus filhos investiram na escola regular pública ou particular. Esse fato reforça o despreparo da escola e a falta de políticas públicas eficazes para garantir a inclusão, pois a permanência desses alunos nesses espaços não foi efetivada. Essa é uma questão relevante, pois, quantos alunos hoje só estão inseridos na escola regular sem de fato ter provocado as mudanças necessárias, nesses ambientes, já que é o aluno que deve adaptar-se a escola? Essa questão nos remete ao pensamento de Patto (2008 p. 32, 33), que levanta uma problemática importantíssima quando coloca que a exclusão é um falso problema, sendo o problema maior o da inclusão marginal. “[...] o discurso da exclusão vale-se de rótulo que parece explicar, mas que de fato acoberta e traz duas conseqüências nefastas: práticas pobres de inclusão e fatalismo.” Silva e Facion (2008) chamam essa prática de pseudo inclusão e alerta para a irresponsabilidade de sua prática:

[...] o ato de inserir o aluno com necessidades educativas especiais no ensino regular, por si só, seria uma pseudo inclusão o, que nos soa, no mínimo, como irresponsabilidade. A inclusão, por mais justa que seja, requer muita reflexão e preparo do contexto escolar. A singularidade de cada indivíduo suscita a observância de cada situação em particular. (SILVA E FACION, 2008, p.186)

Em contrapartida, Mantoan (1996) sugere a inclusão como forma de inovação da escola, “[...] a inclusão não prevê a utilização de métodos e técnicas de ensino específicas para esta ou aquela deficiência. Os alunos aprendem até o limite em que conseguem chegar”. Com base na Declaração de Salamanca, Libório e Castro (2005), também propõem a inclusão de todos os indivíduos no ensino regular, inclusive aqueles que possuem deficiência grave e os que já foram excluídos da escola. No caso ser necessário uma educação especial, essa seria oferecida pela própria escola regular.

No entanto, muitos pais não acreditam que um filho com Deficiência Intelectual tenha a capacidade de se desenvolver e possa se adaptar ao sistema regular de ensino. A maioria das famílias levantou baixas expectativas com relação ao aprendizado desses sujeitos. Quando perguntado por que você tem receio de incluir seu filho? Uma das respostas mais frequentes foi “ele não acompanha os outros alunos”, cerca de 60% dos pais entrevistados. As expectativas com relação à aprendizagem geram outros equívocos que perpetuam por outros setores inclusive o profissional: “Quando descobri que meu filho tinha uma deficiência não achei coisa do outro mundo. O sentimento que fica é que ele não vai aprender como as outras pessoas, se formar, fazer uma faculdade, ter uma profissão.” (Mãe de Flávio).

Sendo assim, as análises, feitas até aqui, permitem a constatação de duas premissas. A primeira é que a escola regular não está “preparada” para receber e garantir a permanência dos alunos com deficiência. E a segunda, são as relações concretizadas no espaço familiar. A visão que a família tem sobre a deficiência é um ponto que foi trabalhado na intervenção para que se efetive a inclusão escolar, já que a família é o grupo social primário, no qual se realiza a chamada socialização primária, a apreensão de papéis sociais, a formação da identidade social e pessoal, bem como a imagem que a pessoa tem de si mesma.

A primeira oficina cujo tema: “Inclusão começa em casa” visou promover um espaço para a escuta e socialização das experiências e de envolvimento das famílias no processo educacional dos filhos. Como forma de sensibilização dos participantes, exibiu-se o documentário: Do Luto à Luta[5] que proporcionou um momento de reflexão e identificação no grupo com as situações apresentadas: do luto onde os pais descobrem que seu filho tem uma Deficiência Intelectual (o diagnóstico); à luta traduzida nos caminhos percorridos por essas famílias: a busca da cura, a aceitação e a introdução desse indivíduo na sociedade.    

   Ao se discutir acerca da aceitação da sociedade no processo de inclusão a mãe de Miguel afirmou que: “A ‘verdadeira inclusão’ foi meu filho ser obrigado a sair da escola regular para a escola especial, pois os pais dos outros alunos não aceitavam a presença dele.” Essa questão é essencial, porque pensar em inclusão escolar é pensar além da escola. É pensar na sociedade e nos preconceitos de raça, de religião e, também de deficiência. Segundo Mattos e Facion (2008, p. 38), “[...] tão difícil quanto identificar a origem desses preconceitos é encontrar algo que os justifique”. Entretanto, eles continuam permeando as relações dos sujeitos e a escola termina por perpetuar as relações de desigualdade, sem reconhecer a possibilidade de promover mudanças significativas no modo de vida desse indivíduo. Para o deficiente intelectual esses preconceitos e o processo de rejeição criado por eles têm um peso maior porque a formação de sua personalidade possui uma dependência direta na relação com os outros.

Outro aspecto abordado pelos pais refere-se ao processo de aprendizagem no indivíduo com deficiência, as possibilidades e suas limitações. “Eu acho que João não aprende porque tem a mente parada” (Mãe de João). Essa concepção revelada na fala da mãe demonstra o desconhecimento do potencial do seu filho. Mantoan (1997) destaca que os indivíduos com deficiência intelectual apresentam a ausência de consciência metacognitiva e considera essa incapacidade como elemento central das limitações na adaptação e na autonomia. Entretanto, é possível melhorar o desempenho intelectual do indivíduo com deficiência através de “Experiências de Aprendizagem Mediatizadas (EAM), segundo o modelo Feuerstein (2000). Tanto para a criança como para o adulto com ou sem deficiência a EAM poderá deslocar uma função de uma área para outra, quando uma determinada área do cérebro não pode funcionar. Além disso, diferentes áreas do cérebro podem estar prontas para aprender em momentos diferentes. Esses estudos demonstram que a influência do meio no desenvolvimento cognitivo é imprescindível podendo favorecê-lo ou inibi-lo. Para Feuerstein (2000) é preciso ultrapassar a concepção de que são apenas os elementos genéticos os culpados pela não aprendizagem.

Fontes et al ( 2007, p. 84) corrobora afirmando que:

Independente das características inatas do indivíduo pode ser mais ou menos acentuada conforme os apoios ou suportes recebidos em seu ambiente. Em outras palavras, neste modelo a compreensão da deficiência mental tem por base o desenvolvimento da pessoa, as relações que estabelece e os apoios que recebe [...] não mais apenas critérios quantitativos pautados no coeficiente de inteligência.

Assim, outra questão trabalhada com os pais e que ainda é um grande equívoco, também nas escolas, é a ideia que considera a idade mental em detrimento à idade cronológica do indivíduo. “Meu sobrinho começou a estudar na escola comum, mas seus colegas foram crescendo, mudando de série, e ele foi crescendo também e, ficando para trás, então os outros pais não quiseram mais ele na escola”. (Tia de Fernando). Essa prática reforça a exclusão, uma vez que os indivíduos são tratados sempre como crianças, permanecendo em uma mesma série, em escola regular ou com atividades infantis em escolas especializadas.   

De Carlo (2001), com base em Vygotsky, aponta que:

[...] a escola deve dirigir seus esforços à criação positiva de formas de trabalho que levem o sujeito a vencer as dificuldades criadas pela deficiência. [...] suas metas não devem ser distintas daquelas do ensino comum, já que no desenvolvimento de pessoas com deficiência atuam as mesmas leis gerais. (p. 77-78)

Esse autor enfatiza que as crianças sejam educadas com metas similares às propostas para as pessoas ditas normais, relacionando-se estreitamente com sua comunidade para alcançar uma efetiva inserção social e cultural. Mantoan (1997) complementa afirmando que a qualidade das trocas com o meio distingue e propiciam o conhecimento aos deficientes. As classes especiais ou escolas especializadas, não são em geral propícias para esses alunos conseguirem o nível conceitual do conhecimento já que as práticas nesses ambientes priorizam o nível empírico e as trocas com os iguais.

No entanto, os pais colocaram sobre a dificuldade de acesso e permanência desses alunos no ensino regular.  Mais de 90% dos alunos pesquisados estão fora do ensino regular, mesmos aqueles que foram matriculados não permaneceram.  Para assegurar o direito a frequentar a escola regular, já que muitas escolas rejeitam receber os alunos, ou recebem e não proporcionam a permanência desses alunos com Deficiência Intelectual, sentiu-se a necessidade de um estudo sobre as leis e políticas públicas. Dessa forma, o segundo encontro, com as famílias, teve como base as discussões em torno das legislações brasileiras na área de inclusão.

Deu-se destaque nesse encontro à Constituição Federal de 1988 Art.3º, inciso IV; Art. 205; Art. 206, inciso I; Art. 208; a LDB - Lei nº 9.394/96, no artigo 59; o Plano Nacional de Educação - PNE, Lei nº 10.172/2001 e em especial  as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, (BRASIL, 2007) Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, onde determina que: “ Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo a escola organiza-se para o atendimento aos educandos com necessidades educativas especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (grifo nosso).

Para dinamizar o encontro, após a explanação foi solicitado ao grupo de mães e pais presentes que, em grupo, confeccionassem um cartaz, utilizando imagens de revistas no qual pudessem discutir as seguintes questões: Que elementos dificultam o cumprimento das leis? Todos os alunos com DI podem ser incluídos? O que é uma escola inclusiva? Durante a socialização, as famílias destacaram que a dificuldade no cumprimento das Leis é a interpretação generalizada que se faz delas, onde “colocam todos os alunos em um só pacote” (Mãe de Susy) “[...] a escola não tem preocupação com as necessidades deles” (mãe de Suzana), ou seja, não se preocupa com as especificidades de cada deficiência e com o grau de comprometimento do indivíduo. Para Melo et. al. (2008) o panorama atual da inclusão escolar decorre principalmente das contradições geradas pelas Leis e pela dicotomia entre elas e os princípios e inclusão educacional, cultural, social e econômico.

Quando tais garantias legais são postas à prova no cotidiano da comunidade, da escola e do alunado, percebemos que o direito que garante o acesso escolar não é o mesmo que garante o ensino de qualidade ou ainda que “a escola para todos” não é a “escola de todos”. (MELO, et. al. 2008, p. 57)

Dessa forma, o objetivo do Plano Nacional de Educação - PNE, Lei nº 10.172/2001 que é o acesso, participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência nas escolas regulares cai por terra em sua operacionalização já que as leis podem garantir o acesso, mas de longe não garante o sucesso desses alunos. Uma das mães foi bastante enfática: “A escola não está e, não quer está preparada para receber nossos filhos” (mãe de Túlio). Essa questão constitui uma grande preocupação das famílias.

Quando perguntado aos familiares o que é uma escola inclusiva a maioria das respostas dadas refere-se ao preparo do professor, da escola, e da “atmosfera” que esse aluno vai estar inserido: “A escola inclusiva é aquela que possui acessibilidade física e pedagógica, que tenha paciência e conheça a deficiência. Na verdade, quando a gente coloca nosso filho, a gente quer ter confiança.” (mãe de Hélio). Nota-se que as famílias muitas vezes estão dispostas a incluir seu filho em uma escola regular. Contudo, a resposta a essa inclusão por parte da escola é insatisfatória. De acordo com Kupfer (2000), a atual proposta de inclusão exige uma mudança brusca dos ideais que fundamentam a escola. Para o autor, a reformulação da escola para incluir os excluídos, precisa ser uma revolução que ponha do avesso seu ideário político e religioso. Trata-se de entender que a deficiência se apresenta em diferentes graus e com diferentes características que devem ser levados em conta no tipo de apoio depreendido. Não se pode traçar uma única diretriz que normatiza o processo de inclusão de alunos com deficiência intelectual. Para Fontes (2007, p.87):

 [...] nos casos de maior comprometimento os serviços especializados (apoio pervasivo ou generalizado) em classe especial, ou, mesmo em escola especial, ainda são a opção mais apropriada, na medida em que a escola comum não disponha das adaptações e recursos indispensáveis às demandas exigidas por esses alunos.

A LDB, Lei 9394/96 em seu Art. 58, inciso 2º, anteriormente, já revela esse cuidado: “O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.” (grifo nosso)

A terceira e última intervenção foi chamada de “Momento Doce”, que se constituiu um momento de parceria entre mães e filhos, quando juntos puderam compartilhar da produção do bolo "Carinhoso”, cuja receita foi trabalhada em sala de aula com os alunos pelos professores, e no dia da intervenção puderam compartilhar com sua família o que aprenderam. Foi um momento de alegria, descontração, quando mãe e filho brincaram e aprenderam juntos. “Nunca tive oportunidade de fazer algo junto com minha filha, em casa tem tanta coisa pra dar conta que não sobra tempo” (mãe de Estefani) , “Eu sempre soube que ela gostava de brincar de comidinha, mas agora vejo que ela tem jeito na cozinha” (mãe de Eduarda). A surpresa quanto às potencialidades de seus filhos demonstrada pelas mães que participaram desse momento evidencia a incredulidade quanto ao seu potencial. Esta proposta surgiu da crença de que o organismo humano é dotado de plasticidade, flexibilidade, sendo a inteligência dinâmica e modificável, construída a partir de diversos aspectos que se relacionam a todos os comportamentos cognitivos, conforme postula Feuerstein (2000), se opondo a teorias que priorizam o QI (Coeficiente de Inteligência), considerando-o imutável.

A inclusão em condições apropriadas provoca situações de mudanças permanentes e constantes na inteligência dos indivíduos com DI. A adaptação a estas exigências refere-se à capacidade peculiar dos seres humanos de mudarem ou modificarem a estrutura de seu funcionamento cognitivo.  Entretanto, muito mais que incluir por incluir é fundamental que a inclusão venha acompanhada do sucesso deste aluno. De nada adianta o aluno estar apenas inserido na escola regular para justificar em números a política de inclusão, já que na prática ela não está sendo efetivada, pois mesmos os alunos que já se encontram “incluídos” começam a fazer o caminho inverso: retornar aos serviços especializados ou deixarem simplesmente de freqüentar a escola.

 

Considerações Finais

 

Este trabalho ressalta que a participação da família do filho com deficiência é decisiva no processo de inclusão e indispensável para uma construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Dessa maneira, as relações saudáveis entre famílias de filhos, bem como o conhecimento sobre a deficiência oportunizam suporte recíproco para o fortalecimento da personalidade do indivíduo e de uma visão mais positiva sobre a deficiência.

Não importa quais “os arranjos familiares” a criança pertença. O que de fato interessa é que a família participe no processo de intervenção e no sucesso de desenvolvimento da criança com Deficiência Intelectual. Mas antes de tudo, a família precisa acreditar que esse indivíduo é capaz de realizar aquisições, de executar atos, de refletir, pensar e modificar-se para que a educação seja favorecida. E acreditar que o filho pode evoluir, apesar das aparências, permite-lhe progressos imprescindíveis, pois institui relações afetivas.

As oficinas realizadas serviram para promover uma maior aproximação entre a família e a escola e uma reflexão com relação ao processo de inclusão de deficientes intelectuais. Sendo assim, as famílias puderam expor seus pensamentos, questionar, refletir e tirar suas dúvidas com relação aos assuntos tratados. A partir dessa intervenção foi possível perceber uma sensibilização e uma maior confiança por parte das famílias no sentido de garantir o direito dos alunos com DI de freqüentar o sistema regular de ensino.

Todavia, pensar que a família, por si só, irá resolver o problema da inclusão, seria ingenuidade. Apesar de ela ser peça importante dentro do processo de inclusão, a sociedade e nela inserido o sistema educacional tem parcela importante, principalmente no que se refere  a revelação  e ao combate a qualquer forma de discriminação.  Assim, para que a inclusão seja uma realidade, será necessário rever uma série de barreiras impostas pela sociedade e pelo sistema educacional. Dentre essas dificuldades, este estudo permite destacar de forma geral: as políticas e práticas inadequadas de inclusão, a falta de qualidade de ensino na escola pública e privada, projetos de inclusão equivocados, trabalho insuficiente ou ineficaz com as famílias e o preconceito impostos pela sociedade.

Por fim, devido essa Pesquisa-Ação ser de base qualitativa e de se tratar de transformação de paradigmas não se pode afirmar que houve de fato uma mudança de concepção da família com relação ao processo de inclusão e de uma visão diferenciada sobre a deficiência intelectual, mas certamente a experiência servirá para que os familiares dos alunos com DI reflitam acerca da postura diante da temática desenvolvida. Por isso, é essencial a continuidade da intervenção para a consolidação de uma rede família na escola. Além disso, sugere-se a realização de outras pesquisas que contemplem diversos seguimentos sociais e profissionais de diferentes áreas, já que a educação inclusiva deve perpassar pela inclusão social. 

  

Referências Bibliográficas

 

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[1] Licenciada em Geografia pela UNEB, especialista em Planejamento Educacional e Gestão e Educação Ambiental e  Pós-graduanda em Educação Especial pela UNEB E-mail: [email protected].

 

 

[2] Psicomotricista (SBP/RJ), docente no curso de Educação Especial – Deficiência Intelectual/Mental do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduc/UNEB). E-mail: [email protected]

 

 

[3] Aqui será considerado o conceito segundo a Associação America­na de Deficiência Mental (AAMR), divulgado em 1992, segundo o qual a DI se caracteriza pelo: "(...) funcionamento intelectual geral significa­tivamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações as­sociadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder ade­quadamente às demandas da sociedade, nos seguin­tes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, ha­bilidades sociais, desempenho na família e comuni­dade, independência na locomoção, saúde e segu­rança, desempenho escolar, lazer e trabalho".

[4] Considero filhos biológicos ou adotivos. 

[5] Documentário “Do luto à luta” do cineasta Evaldo Mocarzel que faz uma análise das deficiências e potencialidades da Síndrome de Down.