ESCOLA CICLADA: Sob o olhar do professor. 

Eliane Cristina Chieregatto[1] 

Resumo: Este artigo pretende refletir sobre os desafios da implantação da Escola Ciclada no Estado de Mato Grosso nos aspectos da reorganização de tempos e espaços, formação de professores e avaliação. Por trazer em sua essência um modelo inovador de organização do trabalho pedagógico, a escola por ciclos de formação humana pretende dar conta das arestas deixada pelo modelo seriado. Contudo, esta nova organização ainda não é uma realidade nas escolas mato-grossenses, pois da apropriação dos novos discursos depende a efetividade da proposta, fato que se mostra muito distante por razões complexas conforme, apresentamos neste artigo.

 

Palavras-chave: política, escola, legislação, professores.

 

Abstract: This article aims to reflect on the challenges of implementation of the cycling school in the State of MatoGrosso in matters which concern the reorganization of time and space, teacher training and evaluation. By bringing in its essence an innovative model of organization of educational work to school for the training courses intends to give an account of human edges left by the series model. However, this new organization is not yet a reality in the schools of MatoGrosso, for the appropriation of new discourses depends on the effectiveness of the proposal, a fact which shows far for complex reasons as presented in this article.

 

Words Keys: politics, school, legislation, professors.

 

 

Educação: sustentação legal e interesses econômicos

           

            A escola organizada por ciclos de formação humana é sustentada legalmente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que veio substituir a Lei 5.692/71 promulgada na época do regime militar. Naquele contexto,a profissionalização compulsória de todos os estudantes até o segundo grau era uma exigência, pois havia a necessidade de profissionais com conhecimento técnico que pudessem dar conta do mercado de trabalho num momento de bons índices de crescimento econômico, pelo qual o país passava na década de 70. Ou seja, tudo que foi feito ou pensado em educação visava atender às exigências do modelo econômico vigente.

            Quase três décadas depois, percebemos que a educação ainda é pensada com o objetivo de atender a demanda gerada pela economia, embora algumas mudanças tenham ocorrido neste contexto. A partir da Lei 9.394/96, a educação deixou de ter critérios pré-estabelecidos para a organização dos diversos níveis, alguns estudiosos creditam esta certa liberdade e autonomia em função da demanda econômica, pois a partir da década de 90, devido às mudanças no mercado de trabalho começa-se a perceber a necessidade de um trabalhador mais flexível, que consiga adaptar-se às condições que impõe o mundo da produção.

            Portanto, fica evidente pela interpretação da LDB, que a liberdade e autonomia hoje concedidas às instituições de ensino estão diretamente condicionadas aos processos avaliativos, como ao mercado de trabalho. Poderíamos, afirmar que a escola nunca foi tão vigiada como é nos dias atuais. A flexibilidade, se por um lado é entendida como autonomia para a escola, por outro lado impõe uma intensa cobrança pela qualidade. Ou seja, não se preocupa mais com os meios, e sim com a qualidade do produto.

            Muitos professores ainda não se deram conta de que a nova LDB sugere a formação para o mercado de trabalho, e muito do discurso pedagógico está bem distante das novas exigências, porque há muito discurso permeando a educação e distanciando os professores das verdades incutidas na Lei.

Estudar a estrutura da Escola por Ciclos de Formação Humana é certamente um desafio, ora porque as informações ainda estão muito desencontradas, ora porque o grau de interpretação das informações é extremamente subjetivo.

Perrenoud, um dos professores que mais tem produzido bibliografia sobre os Ciclos de Formação Humana, defende este modelo de escola e afirma que tem dado certo e modificado a educação em diversos países e apresenta grandes chances de alavancar a educação brasileira, desde que os envolvidos queiram enfrentar os desafios propostos.

Nesta perspectiva e conhecendo os rumos pelos quais caminha a educação no Estado de Mato Grosso, despertou-nos a curiosidade de saber os porquês de tanta rejeição dos professores à implantação deste modelo de organização escolar, com discursos filosóficos tão coerentes sobre a educação. O que levaria professores comprometidos, recusar de forma tão intensa esta nova proposta?

            Numa retrospectiva, sabemos que nem sempre a educação foi para todos, ela era apenas privilégio de poucos detentores do poder, e somente quando esses ditos poderosos acreditaram ser conveniente, é que a educação começou a chegar a todos.

            A história escrita hoje marcará um período de incessante busca para romper com um modelo de mais de cem anos e implantar uma nova forma de pensar a educação, e até a concretização desta, certamente muitos anos virão.

 

Formação de professores e formação continuada capítulos de uma mesma história

 

            Conhecendo os aspectos históricos na formação de professores, vemos que a preocupação em formar um educador critico e reflexivo  é recente. Nos anos setenta, a educação era influenciada pela visão funcionalista e a formação do educador era sustentada pelo domínio da técnica, os professores organizavam os componentes do ensino baseando-se nos conteúdos, objetivos, estratégias de ensino e avaliação.

            A década de 80 foi marcada por fortes críticas a este modelo de organização, emergem então dois aspectos: o caráter político da prática pedagógica e a necessidade de compromisso do educador com as classes populares. A discussão daquele momento fez com que na segunda metade da década, a formação de professores se encontrasse na confluência entre desenvolver a competência técnica ou o compromisso político.

            Somente no final da década de oitenta é que se passou a valorizar uma formação voltada ao desenvolvimento de um educador pesquisador no contexto prático, fato este que só veio a se tornar realidade nas universidades brasileiras há alguns anos, ainda assim, num processo bastante deficiente.

            Nos anos 90, quando surgiram os primeiros estudos sobre os ciclos de formação humana é que passaram a compreender a necessidade de articulação entre a teoria e a prática pedagógica, ou seja, recentemente.

Por isso, a formação inicial dos professores tem deixado muitas lacunas importantes e que de fato fazem falta no momento de efetivo exercício do profissional da educação. Ao compararmos, por exemplo, a formação de um médico, um advogado, um músico, percebemos rapidamente uma formação voltada à prática, já na formação de professores vemos uma formação voltada à teoria.

 Em algumas faculdades como as de Letras e Matemática que são ainda nos dias de hoje, consideradas disciplinas prioritárias, temos na formação inicial, professores iludidos pela teoria, porque só terão acesso à sala de aula no estágio supervisionado que acontece geralmente entre os dois últimos semestres, na maioria das vezes, também de forma ilusória, pois o estágio não é mais em forma de regência. Os estagiários convidam alunos que demonstram algum interesse por aquilo que eles planejaram ensinar, o estágio regido desta forma não tem nada a ver com o que acontece em sala de aula.

Perrenoud salienta em sua obra, “As Competências para ensinar no século XXI”, que infelizmente a formação inicial dos professores está muito distante do exercício diário em sala de aula, não só no quesito aprendizagem, mas também em relação a toda complexidade presente neste espaço, como diz o próprio autor:

 

A formação dos professores deveria ser orientada para uma aprendizagem por problemas para que os estudantes se confrontassem com a experiência da sala de aula e trabalhassem a partir de suas observações, surpresas, sucessos e fracassos, medos e alegria, bem como de suas dificuldades para controlar os processos de aprendizagens e as dinâmicas de grupo ou os comportamentos de alguns alunos. (Perrenoud, 2002, pg. 22)[2]

           

            Neste sentido, percebemos uma confusão entre a teoria das universidades e as verdades da sala de aula. Na época do estágio, apresentam-se candidatos para aplicar uma semana de aula sobre as dificuldades dos alunos no que diz respeito às quatro operações da matemática, assim como alguns estagiários desenvolvem temas como: dificuldades em leitura e escrita.

            Na proposta dos ciclos de formação, uma situação-problema deveria envolver  o planejamento de um semestre do ano letivo, um projeto, ou ainda um programa de ensino voltado para a efetiva aprendizagem, partindo de uma situação real em que o aluno seja construtor das inúmeras possibilidades de solução.

            Na teoria, a Escola Ciclada propõe um ensino interdisciplinar sustentado pela cooperação entre os professores das diferentes áreas de conhecimento, com vistas a atuar nas situações-problemas para que o aluno possa entender a complexidade do todo na aquisição do conhecimento.

            Ainda hoje, não presenciamos universidades preparando professores com esta visão de ensino e os que já estão exercendo a profissão, precisam estudar muito para compreender estes novos discursos pedagógicos para os quais não foram preparados.

            Acreditamos firmemente que reorganizar a formação de professores seja uma necessidade urgente. Dificilmente alguém aceitaria ser operado por um médico sem noção da prática, assim como o estado nunca contrataria um engenheiro sem o domínio da prática, também não deveriam existir professores saindo das universidades sem compreender o que é uma sala de aula.

            Neste sentido, Perrenoud argumenta sobre os formadores de professor fazendo a seguinte analogia:

Quando um jurista forma assistentes sociais, quando um médico forma fisioterapeuta, quando um técnico em informática forma policiais, não pretendem conhecer; a partir do interior a profissão de seus alunos. Às vezes, eles se dão ao trabalho de se informar sobre ela e tentam conhecê-la melhor “para ver”. Gostaria que os psicólogos, os lingüistas ou os sociólogos que intervêm na formação dos professores fizessem o mesmo. Nem sempre isso acontece, pois esses especialistas imaginam que sabem o que acontece em uma sala de aula, de tanto “ouvir dizer”, porque lecionaram na universidade ou porque seus saberes teóricos permitem que os processos de aprendizagem ou de interação sejam representados. (Perrenoud 2002, pg16)[3]

 

            Sendo assim, podemos afirmar que a formação inicial de professores sofre ainda nos dias de hoje uma defasagem entre a teoria aprendida nos bancos das universidades e as verdades encontradas em sala de aula.

            Certamente consideramos este seja um dos grandes desafios que formação de professores terá de enfrentar, caso pretenda ver a escola dando conta dos inúmeros impasses entre ensinar e aprender. Perrenoud apresenta uma solução possível para este dilema. Para ele,

“Idealmente, quando se elabora um plano de formação inicial, é preciso ter tempo para realizar uma verdadeira pesquisa sobre as práticas. A experiência mostra que o calendário político apertado das reformas obriga a deixar de lado essa etapa, se é que ela foi prevista em algum momento. Por isso, parece indispensável criar em cada sistema educacional um observatório das práticas e das profissões de ensino, cuja missão não seria pensar a formação dos professores, e sim oferecer uma imagem realista dos problemas que eles precisam resolver todos os dias, dos dilemas que enfrentam, das decisões que tomam, dos gestos profissionais que realizam”. (Perrenoud. 2002, pg17[4]

 

Formação continuada         

 

            Compreende-se por formação continuada todo estudo realizado pelo educador após o termino da graduação. Até a década de oitenta, não havia uma grande preocupação com a formação continuada de professores. A partir dos anos noventa, não só houve uma preocupação com a formação continuada, como esta passou a ser considerada uma estratégia importante para caracterizar o processo de construção do perfil profissional do professor.

            A exigência de um professor pesquisador, de um sujeito crítico, reflexivo, competente passou a ser a orientação mais acertada para a formação continuada de professores.

Sabemos que a formação continuada é hoje um dos mecanismos que poderá ser usado como centro das transformações em educação. Não saberíamos precisar o quanto isto é importante, quais mudanças poderão ocorrer nos próximos cem anos de educação, mas certamente se os professores souberem utilizar este mecanismo, escreverão uma nova história da educação em seus municípios, no Brasil e porque não no mundo.

Infelizmente, tem ficado por conta do professor a busca pela formação continuada, ainda são poucos os programas de governo que permitem ao professor acessar com melhores condições o mestrado e doutorado. Temos visto com frequência  programas que visam dar conta da formação inicial, pois de fato há uma grande defasagem de acesso à esta, no imenso território brasileiro. Somos sabedores de regiões no Brasil com grande carência de professores formados nas devidas áreas de conhecimento.

Os programas de formação continuada mais acessíveis ao professor acontecem nas próprias instituições de ensino e não oferecem uma qualidade razoável, a ponto de os considerarmos fundamentais ao educador.

            No ano de 2007, foi instituído em Mato Grosso o programa de formação continuada “Sala do Professor”. Um programa que deveria atender  todos os professores da rede estadual de ensino, infelizmente este pronome “todos” na ocasião não pode compreender “alguns”, seja pelas triplas jornadas de trabalho, sejam por horários não compatíveis com compromissos pessoais, enfim, por várias razões este programa não chegou e nem chegará a atender todos os professores, pelo menos não da forma como está organizado.

Cabe Lembrar que no ano de 2010, o título “Sala do professor” foi substituído por “Sala de educador”. Uma mudança meramente de título, aliás, se fossemos tratar da qualidade deste, teríamos então amplo espaço para pesquisa. Sugestão deixada aos pensadores que tanto gostam de escrever sobre as mazelas da educação. Porque nós,  como atores do processo educacional presenciamos  um encontro entre colegas de profissão onde se discute, na medida dos limites do conhecimento de cada um, algumas situações que interferem no ensino aprendizagem, sem muito horizonte ou perspectiva de mudança. Se os professores soubessem com clareza quais atitudes certas para melhorar a qualidade de ensino e se as decisões estivessem dentro do contexto de autonomia destes, certamente  já estariam fazendo.

            E aqui nos deparamos com uma subjetividade entre discurso governamental e realidade, uma coisa é oferecer formação continuada a todos, outra é dizer que todos fazem e outra ainda é dar condições para que todos participem. E mais ainda é garantir a qualidade necessária para que realmente este seja um espaço de formação.

            Vários são os motivos que não possibilitam aos professores compreender a formação continuada como alicerce de mudança, então os mesmos preocupam-se mais com a quantidade de pontos obtidos para a contagem, e não valorizam a  transformação que  este espaço poderia proporcionar.

            De fato nem todos os professores se comprometem com a educação, alguns esperam que outros façam as revoluções necessárias, mas isto não ocorre necessariamente porque os professores não querem se comprometer ocorre por falhas na formação acadêmica e porque os professores ainda não conseguiram assimilar o seu papel e o papel da escola na formação dos seres humanos nascidos na época das incertezas.

            Hoje as aulas concorrem com uma imensidão de novas tecnologias, enquanto professores usam quadro e giz, os alunos dominam celulares com inúmeros recursos tecnológicos. É claro que muitas mudanças na escola precisam passar pelas questões financeiras, mas algumas dependem exclusivamente do desejo de aprender, é onde professores  tornam-se pesquisadores e revolucionam o pensar das comunidades onde estão inseridos e se destacam por desenvolver trabalhos brilhantes junto das pessoas em formação.

            Concluindo: a formação de professores seja inicial ou continuada, necessita ser compreendida dentro das realidades em que serão úteis não somente no sentido de garantias financeiras, de se manter o emprego para o ano seguinte, mas como solução única para transformação social, para mudanças emergentes da condição humana na terra, permitindo a concretização da liberdade e autonomia de todas as pessoas.

 

Novos tempos e novos espaços.

 

A Escola Ciclada possui abertura para a reorganização do espaço e do tempo de aprendizagem, a dinâmica das fases que permite a um professor acompanhar alunos por até três anos, possibilitando novas oportunidades para que o aluno adquira os alicerces necessários à construção do conhecimento. No entanto, esta ainda não é uma organização real dentro da escola, a própria política de contagem de pontos, por exemplo, não permite a organização plurianual. No estado de Mato Grosso, podemos assegurar com certa tranquilidade que as escolas se organizam com a mesma metodologia da escola seriada tão criticada pela nova literatura em educação.

O Brasil ainda vive sob a estrutura de uma escola que cultiva a retenção como uma tradição, embora Mato Grosso se destaque como primeiro Estado a adotar a organização por ciclos de formação humana, muito pouco mudou em sua prática nos últimos dez anos de processo de implantação dos ciclos.

            O que é preciso fazer para mudar a prática? Nem todos os professores sabem, e não é que não se preocupem em saber, mas talvez aqueles que estão a dezenove, vinte anos em sala de aula não consigam mais mudar suas concepções e precisam de exemplos concretos de que as mudanças propostas pelo ciclo dão certo. Os professores têm medo de ousar é isto é normal, é cômodo, mesmo que a escola seriada não seja mais funcional é o modelo conhecido e do desconhecido se desconfia.

            Por outro lado, talvez os professores não consigam mesmo pensar coletivamente, estabelecer trabalho interdisciplinar, trabalhar em equipe, repensar formas de organizar o tempo e os espaços para as aprendizagens. Estes são discursos pedagógicos muito recentes que ainda não foram tomados com a propriedade necessária para a devida compreensão. Para Perrenoud, estas idéias não serão mesmo concebidas por meio de discursos, “ ...Dai a idéia de concentrar os esforços na implementação de um projeto de estabelecimento que será concebido e desenvolvido de maneira a permitir às pessoas, que dele fazem parte, evoluir para uma “organização” ou “comunidade aprendiz”.( PERRENOUD, 2002, pg. 105)[5]

            A formação continuada teria uma grande missão, modificar as concepções de educação destes professores, mas alguns anos serão necessários para que isso aconteça aparentemente em educação nada funciona em curto prazo.

            A dinâmica de organização dos anos plurianuais não é difícil de ser entendida. Um professor que, por exemplo, este ano assuma uma turma de 1ª fase do 3º ciclo deverá permanecer com estes alunos pelo menos até a 3ª fase do mesmo ciclo. No entanto, as escolas não conseguem se organizar desta maneira por muitos fatores, a dinâmica de matriculas é um fator determinante para que esta organização não funcione, se num ano uma escola tem 200 alunos e em outro tiver somente 150, a atribuição de aulas compromete a organização plurianual na referida escola.

            Além deste fator, a atribuição de aulas por contagem de pontos também não favorece a organização dos anos plurianuais, pois automaticamente quem tem mais pontos escolhe primeiro, o que leva incondicionalmente a seguinte situação: turmas que foram do professor A em um ano, podem ser escolhidas pelo Professor B, no ano seguinte. Nem mesmo a rematrícula permite a organização plurianual, por que só se fecha uma turma com a quantidade de 27 a 30 alunos fazendo com que os alunos que estudaram na sala A este ano sejam matriculados na sala B ou C no próximo, e se o professor da sala A não for o mesmo da sala B, ele irá estudar com outro professor, ou seja, o processo de avaliação deste aluno está comprometido, mesmo que o professor do ano seguinte tenha acesso aos relatórios e diagnóstico dos alunos.

            Portanto, há muitos entraves para que a reorganização do tempo escolar seja algo significativo na vida do aluno, e muitas vezes estes entraves não partem da organização da escola e sim da organização da Secretaria de Educação.

            Ainda sobre o tempo, de acordo com a Secretaria de Educação do Estado, as fases dos ciclos, ou seja, os três anos que correspondem às fases de cada ciclo devem compor um total de duzentos dias letivos, com carga horária mínima de oitocentas horas, perfazendo um total de seiscentos dias letivos e carga horária de duas mil e quatrocentas horas, distribuindo esta quantidade de horas em aulas de sessenta minutos. A escola que conseguir reestruturar seu currículo respeitando esse tempo, talvez consiga criar um programa de ensino eficaz e eficiente garantindo a formação cidadã, direito constitucional do aluno. Caso contrário, podemos assegurar com certa tranquilidade que a estrutura seriada permanecerá ainda por muito tempo como única forma de organização conhecida pela escola.

 

 

 

 

Os caminhos da mudança

 

Uma mudança significativa para a escola só irá ser verdadeira quando os professores tiverem clareza do que são os ciclos de formação humana, isto é, quando se apropriarem efetivamente do discurso pedagógico que o sustenta, das teorias de aprendizagem que o fundamentam e quando realmente o magistério for uma profissão valorizada.  Sem estas referências, os profissionais da educação continuarão rejeitando a proposta sem conhecê-la como fazem e, como consequência, não tentarão mudar o que pode ser mudado enquanto ainda é possível, porque estruturas como estas podem cristalizar-se pelo uso e efetivar os erros até passarem a ser aceitos como acertos, e assim a educação irá convivendo com os enganos.

            Vimos questões muito delicadas caminhando para isto, como por exemplo, a promoção automática, muitos professores deixaram de levar a sério a avaliação, pois sabendo ou não o aluno será aprovado. Hoje podemos considerar a promoção automática uma vilã por incutir no aluno a ideia de que não precisa estudar para passar de ano, estando implícita neste discurso a pouca importância dada a aquisição do conhecimento ao que Oliveira critica veemente. “Assim a promoção automática e outras facilitações emergem como piada de mau-gosto, porque apenas despreparam o aluno pobre mais ainda para a vida[6].  Os autores defensores da Escola Ciclada apontam, como aspecto positivo o fato de aluno permanecer na escola, fato que temos  que concordar, especialmente, se levamos em conta a  falência da segurança familiar e social, é muito mais seguro à criança e ao adolescente a permanência na escola. No entanto, seguindo os sábios conselhos de Edgar Morin[7], não é conveniente caminharmos no erro e na ilusão.

            Com isto estamos querendo afirmar que a sociedade não pode fechar os olhos para o fato de que os alunos não estão aprendendo, mesmo porque a escola é diretamente responsável pelo sucesso do aluno quando este não estiver mais na escola. Ou seja, não será nada útil ao aluno apenas passar pela escola como se ela fosse apenas guardiã da integridade física. Se assim for, em pouco tempo viveremos uma das maiores catástrofes sociais já experimentadas, uma catástrofe agravada pela exclusão social, pois quando a escola não consegue fazer com que o aluno aprenda, quando não consegue  preparar o individuo para a vida, ele estará automaticamente engrossando o caldo da marginalidade.

            Enfim, a Escola Ciclada, coloca todos os segmentos da escola na condição de aprendizes, e esta talvez seja a sua melhor herança. Para os que não se acomodarem, serão reconhecidos por proporcionar transformações gigantescas na forma como se pensa, financia, administra e organiza a educação.

 

AVALIAR NA ESCOLA CICLADA: UM DESAFIO AOS PROFESSORES.

 

Avaliação formativa

            Como vimos, à educação hoje é um produto supervalorizado, a avaliação, por conseguinte, passa por uma supervalorização, com a LDB todo conjunto de uma instituição é avaliado, avalia-se a gestão, os professores, os alunos e até as secretarias de educação.

            Avaliação e educação são dois aspectos indissociáveis na vida do ser humano. No contexto escolar, no entanto, a avaliação já foi utilizada como instrumento de discriminação, ela teve caráter classificatório num contexto histórico em que a reprovação era encarada com naturalidade, e até hoje há saudosistas desejando ardentemente que os tempos voltem.

            A avaliação por ser formativa será utilizada como instrumento de emancipação dos alunos, enfatizar a aprendizagem e não o ensino, (ou seja se o que foi ensinado não foi aprendido, não houve aprendizagem), pois é por meio da avaliação que a escola mostra a sociedade se esta sendo útil.

            Para a escola, a avaliação é permeada de significados e, uma escola que busque através dos resultados, realizar a elaboração da consciência crítica, certamente percorrerá um caminho tortuoso, mas de sucesso. Quando os ciclos de formação humana propõem que sejam abandonadas as práticas como atribuição de notas e uso de provas como critérios de aprovação ou reprovação dos alunos, tem em vistas que a escola seja capaz de compreender a avaliação como instrumento de aprendizagem e não como verificação de ensino. Pedro Demo defende que:

 Avaliamos, entre outras coisas, para saber da distância entre o lugar que ocupa no momento o aluno e o lugar onde imaginamos que deveria estar. Pretendemos descobrir os motivos por que não aprende e gostaríamos que, sabendo disso, pudesse recuperar a posição onde deveria estar”[8].

 

Em síntese, se a escola consegue realizar este processo, está atuando com a consciência critica. Para isto, segundo Demo “... é mister, primeiro, classificar sua posição desfavorável claramente, com o melhor manejo do conhecimento, porque só podemos mudar o que bem conhecemos.”

            A sociedade reconhece por meio de muitos discursos, as incoerências da escola e os professores sabem efetivamente que as avaliações tornam claras as deficiências da nossa formação acadêmica, demonstra quantitativamente o quanto somos ou não eficientes, o quanto são ou não eficientes as metodologias que adotamos, enfim, a avaliação esclarece aspectos dos quais nem sempre estamos preparados para compreender sobre o trabalho que realmente se faz em sala de aula. No entanto, como defende também Pedro Demo, evitar a avaliação é a “forma clássica de oferecer coisa pobre para pobre...”         

 

Avaliação ou prestação de contas

 

            Como dissemos no inicio deste artigo, os ciclos de formação humana, apesar de bastante dissimulado pelo discurso pedagógico usado na LDB, não deixa de ter que prestar contas de sua eficiência ou fracasso. Infelizmente consta agora que os fracassos são exclusivamente de responsabilidade da escola e dos professores.

De fato, o texto da LDB permitiu que as instituições de ensino repensassem a organização do currículo, baseando-se nas realidades de cada comunidade, as avaliações institucionais, contudo, exige de todas uniformidade, uniformidade esta que não existe e,os resultados representam o caos que realmente acontece.

Já algum tempo tendo como base a Lei de Diretrizes e Base da educação nacional todos os sistemas de ensino são avaliados, tanto as escolas públicas quanto as partilares, valendo também para as universidades, pois todos  temos que prestar contas do que fazemos.

As avaliações institucionais têm como objetivo prestar contas à sociedade sendo ela a grande mantenedora de todos os sistemas de ensino. No entanto, a sociedade se vê ludibriada pelos resultados de algumas avaliações como, por exemplo, o IDBE, levado em alta conta pelos governos, especialmente, nas campanhas eleitorais. O IDEB é uma soma obtida por meio do resultado da Prova Brasil e da quantidade de alunos aprovados nas instituições de ensino, ou seja, em escolas com cem por cento de aprovação é natural que o índice do IDEB melhore ainda que nossos alunos se deem muito mal na Prova Brasil.

 Numa retomada rápida da consciência critica, é só verificarmos que o Estado de Mato Grosso hoje ocupa o 6º lugar entre os melhores do ranking nacional para o Ensino Fundamental e um dos piores resultados para o Ensino Médio, ou seja, não é preciso ser intelectual para entender a incoerência dos fatos, pois se o aluno é bom no Ensino Fundamental também o será no Ensino Médio, portanto os resultados do Ensino Médio deveriam ser melhores e não piores que os do Ensino Fundamental.

Certamente estes são os frutos da promoção automática, cabe lembrar que, por enquanto, no Estado de Mato Grosso, o Ensino Médio é avaliado por meio de notas, com avaliações somativas. Isto nos faz parecer natural o fracasso daquele aluno que considerou durante todo o Ensino Fundamental o conhecimento como aspecto desnecessário à sua formação.

Porém não é o fracasso do aluno o nosso desejo, nem estamos considerando a retenção ou reprovação como elementos salvadores da educação. Muito menos a atribuição de notas como medida para o conhecimento. O que pretendemos é mostrar onde e em que a escola organizada por ciclos de formação humana tem sido frágil, para que juntos promover as mudanças necessárias.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

                           

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais/ Secretaria de Educação Fundamental-Brasília: MEC/SEF, 2001.

 

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, 1998.

 

BORGES, Marina Rodrigues; ANDRADE, RosamariaCalaes. O Currículo Ressignificado. Porto Alegre: Artimed, 2003.

 

CABRERA, Roberta. Qualidade de Ensino e Escola Ciclada. (on- line) Disponível em www.conexaeventos.com.br. Acesso em 12 de nov. 2009

DEMO, Pedro. Mitologias da avaliação: de como ignorar, em vez de enfrentar problemas. 2.ed. – Campinas, SP: Autores Associados, 2002.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Escola Ciclada de Mato Grosso: novos tempos e espaços para ensinar-aprende, ser e fazer. Cuiabá: Seduc. 2000

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Cortez; São Paulo,2006.

MOLL, Jaqueline (org) Ciclos na Escola, tempos na vida: criando possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2004.

PERRENOUD, Philippe. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed , 2002.

PERRENOUD, Philippe. Ensinar na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed, 2001

HARGREAVES, Andy.  Educação para a mudança: recriando a escola para adolescentes/Andy Hargreaves, Lorna Earl e Jim Ryan; Trad. Letícia Vasconcellos Abreu. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

 

 

 

 

 

           

 

           

           

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Eliane Cristina Chieregatto é professora, formada em Letras pela UNEMAT- Universidade Estadual de Mato Grosso, especialista em Gestão Escolar pela Universidade Castelo Branco. Atualmente é professora da Rede Estadual de Ensino no Estado de Mato Grosso.

[2] PERRENOUD, Philippe. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed , 2002.

[3]PERRENOUD, Philippe. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed , 2002

[4]PERRENOUD, Philippe. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed , 2002

[5]PERRENOUD, Philippe. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed , 2002

[6]

[7]MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Cortez; São Paulo,2006.

[8]DEMO, Pedro.Mitologias da avaliação: de como ignorar, em vez de enfrentar problemas. 2.ed. – Campinas, SP: Autores Associados, 2002.