O filósofo André Comte-Sponville, no livro Uma Educação Filosófica faz a seguinte observação: “os filósofos não gostam muito de contar sua vida, o que é uma pena. Ela seria com frequência mais instrutiva que sua filosofia, pelo menos mostraria o que esta é capaz – ou não – de fazer advir”. E depois de fazer uma breve crítica a um resumo que Heidegger fez da vida de Aristóteles, continua: “Como Montaigne, eu me interesso menos pelo pensamento do que pela vida, e só gosto daquele na medida em que ele é o fruto ou a revelação desta. Como poderia ser verdadeiro, senão? Não há razão pura, ou então ela não é filosófica. Os filósofos não são Deus, e Deus não filosofa.” (2001, p.13).

É claro que nem todos os filósofos possuem uma biografia digna de elogios, basta lembrar as denúncias de corrupção que ronda a biografia de Francis Bacon e as acusações de anti-semitismo e nazismo que mancham a biografia de Heidegger.

Dentre os filósofos antigos, considero a história biográfica de Epicteto uma lição de vida para as pessoas do nosso tempo. Por isso, nesse texto vou ater-me aos elementos biográficos desse notório pensador, com o objetivo de, num futuro próximo, escrever algo sobre as suas principais lições filosóficas. A questão a responder aqui é a seguinte: quem foi Epicteto?

A primeira coisa é que temos a dizer é que não sabemos o seu verdadeiro nome. De fato, a pessoa de quem estamos falando nasceu no ano 55 d.C, em Hierápolis, na Frigia, situada no extremo ocidente do Império Romano. Embora todos chamemo-lo de Epicteto, essa palavra não é um prenome, mas o verbo grego epiktaomai (adquirir) no particípio passado. Assim, Epiktetos expressava inicialmente a sua condição: adquirido ou comprado (cf. CHAUI, 2010, p310). Isso porque quando ainda era menino foi comprado como escravo por Epafródito, um dos secretários administrativos de Nero. Seu nome vem dessa condição de escravo adquirido. Esse escravo muito cedo mostrou uma excepcional capacidade intelectual e seu dono resolveu mandá-lo a Roma para estudar com o renomado professor estóico Gaio Musônio Rufo. Epicteto se tornou o seu aluno mais brilhante e acabou sendo livre da escravidão. As condições dessa libertação não são muito conhecidas. Alguns historiadores afirmam que ele foi libertado graças à intervenção de seu mestre.

O filósofo Epicteto, além de ter se tornado escravo muito cedo, também era coxo. Muito provavelmente não nasceu nessa condição. Alguns autores afirmam que ficou nesse estado em decorrência de uma artrite causada por reumatismo prolongado na infância. Chaui lembra que os Celso e Orígenes explicam a causa de sua deficiência como uma das consequência de sua época de escravo. Segundo eles, Epafródito teria torcido a perna de Epicteto que, suportando com dignidade a dor, Epicteto lhe avisara que sua perna seria quebrada se ele continuasse a torcê-la. Como seu senhor continuou, quando ela quebrou, ele lhe disse: “Aí está. Eu bem lhe disse que ela se quebraria” (2010, p 311).

De aluno de Gaio Musônio Rufo, Epicteto tornou-se um conceituado professor de filosofia, ensinando na capital do Império Romano até o ano de 94 d.C. Porém, a sua notoriedade foi também o seu algoz. De fato, ainda no ano de 81 d.C. quando subiu ao poder Domiciano, o último imperador da dinastia dos Flávios, que, sentindo-se ameaçado pela influência que os filósofos exerciam sobre o povo, empreendeu-lhes uma perseguição que ocasionou o exílio de Epicteto, em 94 d.C., à cidade de Nicópolis, na costa noroeste da Grécia.

    Nessa cidade Epicteto fundou uma escola de Filosofia, onde se dedicou ao ensino da filosofia estóica. Nas suas conferências, o filósofo procurava, sobretudo, ensinar como viver uma vida plena e feliz e como ser uma pessoa com qualidades morais. Epicteto era um homem sábio e viveu uma vida modesta, ensinando com serena humildade os princípios de uma vida feliz e virtuosa, vindo a falecer em 135 d.C. na cidade na qual se exilou. Ali teve entre os seus alunos o jovem Marco Aurélio Antonino, que além de discípulo era também um grande admirador do filósofo (CUNHA & FLORIDO, 2005, p. 45). Marco Aurélio alguns anos depois se tornou o penúltimo imperador da dinastia dos Antoninos (96-192) e também o último grande filósofo representante do estoicismo romano.
Apesar de ter dedicado parte de sua vida ao magistério da Filosofia, como Sócrates, não deixou nada escrito. Com filósofo estóico, defendeu a necessidade de um auto-exame fazendo eco às palavras de Sócrates, de quem se considerava discípulo: “uma vida sem exame não é digna de se vivida”. Pregou a necessidade de se fazer uma clara distinção entre o que depende e o que não depende de nós, como condição para uma vida feliz. O que se conservou do pensamento e de suas lições foi graças a um dos seus alunos, Flávio Ariano de Nicomédia, que era historiador e transcreveu para um amigo um grande número de discursos, posteriormente reunidos em oito livros, dos quais apenas quatro e alguns fragmentos chegaram até nós.

Referências bibliográficas

CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: as escolas helenistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
COMTE-SPONVILLE, André. Uma Educação Filosófica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CUNHA, Eliel Silveira & FLORIDO, Janice (org.). Grandes filósofos: biografias e obras. São Paulo: Nova Cultural, 2005.