A linguagem é o meio básico para comunicar conhecimento e tradições, e tem como fim precípuo propiciar ao ser humano socialização. Visto que através da comunicação o homem adquire características próprias, intransferíveis e a cada passo define, de maneira especial, sua identidade lingüística e social. A esse processo complexo de construção da identidade lingüística assoma-se o regionalismo, aquilo que lhe é peculiar.

Poder-se-ía dizer que o indivíduo é a razão da comunicação e vice-versa. Também não seria leviano estabelecer uma relação quase materna entre língua e cultura. Toda língua étnica está intimamente ligada a uma cultura concreta e a uma nação, a um modo de sentir e perceber o mundo.

Ênio, poeta latino do século II a.C., falava três idiomas (o grego, o latim e o osco) e costumava dizer que por isso tinha três almas. Afirmava com relação ao conhecimento de uma língua: não se trata simplesmente de “uma maneira ou outra de dizer as coisas” (table em vez de mesa, te quiero em vez de te amo), mas de outra maneira de entender, de conceber, talvez mesmo de sentir o mundo.

A maior parte das teorias sobre relação entre língua e realidade pode equivocar-se quando enumera que a diferença entre os idiomas se resume nas diferentes formas de se referir aos objetos do mundo que nos cerca (1).

A assimetria não se restringe somente a objetos, mas também, e principalmente, a situações. Como diria JanKov “Enquanto que na língua materna dizemos o que queremos, na língua estrangeira, dizemos o que podemos”. Produzir reflexões sofisticadas e refinadas em idiomas que não são maternos parece enfraquecer a substância do argumento, pela simples razão que a língua da verdadeira criação é a língua materna, como enfatizou Gouin.

Féal vai mais longe: “Quando se fala uma língua que não se sente, expõe-se à incompreensão, não somente no plano lingüístico, mas também no plano humano”.

Deste modo, aprender um novo idioma até um alto nível de comunicação, além de servir para uma melhor percepção do ‘outro’ e de seu mundo, serve ainda para unir os homens além das fronteiras e barreiras lingüísticas e culturais. Dentro dessa aura de integração chegou-se até a criação de uma língua auxiliar para a comunicação internacional em 1887: o esperanto. Com base em vários idiomas (principalmente o castelhano), o esperanto é uma mestiçagem produzida artificialmente e as comunidades esperantistas, movimentos que propugnam a educação sem fronteiras.

A comunidade esperantista é um dos poucos coletivos de âmbito mundial cujos integrantes falam mais de duas línguas. Cada membro da comunidade aceitou a tarefa de aprender pelo menos uma língua estrangeira, o que em muitas ocasiões, conduz ao conhecimento e ao apreço de várias línguas, e em geral, um horizonte pessoal mais amplo.

Mais de 150 estudos de pesquisa conduzidos durante os últimos 35 anos vigorosamente apóiam o que Goethe, o filósofo alemão, uma vez disse: A pessoa que conhece apenas uma língua não verdadeiramente conhece essa língua. Pesquisas realizadas com crianças no Canadá sugeriram que as bilíngües desenvolveriam mais flexibilidade em seus pensamentos e um entendimento mais profundo da linguagem e mais eficaz, especialmente na fase da alfabetização. Se comparadas as atividades cerebrais das crianças unilíngües e bilíngües, estas últimas têm maior capacidade de execução de outras tarefas cognitivas do que as primeiras, como resultado de processamento de informação através de duas línguas diferentes.

Comprovadamente o poliglotismo faz bem ao cérebro, não só contribui para a saúde cerebral do indivíduo, como também libera energias para outras atividades cognitivas, como, por exemplo, para a música, o esporte e o cálculo mental. Isto acontece porque ao ser poliglota o indivíduo preserva a morte de uma quantidade de neurônios, que conectados entre si por milhares de sinapses, asseguram um funcionamento intelectualmente superior do cérebro e ao mesmo tempo menos custoso em esforço.

Se cientificamente falar vários idiomas traz benefícios corporais ao indivíduo, o ato de (pelo menos tentar) compreender o ‘outro’ através de sua língua cria uma integração entre os seres humanos capaz de suplantar a ‘falsa’ globalização.

A linguagem é eterna, tem uma carga de significados que incorporam histórias e conceitos e as palavras aglutinam em si o significado mais puro da esperança.

“Quando buscamos o sentido próprio, profundo em relação à totalidade da existência, da atitude humana fundamental que chamamos esperança (esperanto), voltamo-nos para a linguagem”.

1. Temos, em português, a palavra dedo; um dedo é uma coisa, ou seja, uma parte definida do corpo, e o que pode variar é a maneira de designar essa coisa. No entanto, em inglês há duas palavras para ‘dedo’; finger e toe, que não são a mesma coisa. Um finger é um dedo da mão, e um toe é um dedo do pé; para nós todos são dedos, mas para um inglês são coisas diferentes.