Adenir Mateus Alves
Antônio Vieira dos Santos
Carolline Gomes Ribeiro de Souza
Gustavo Samuel da Silva
Lorena Oliveira Sá
Marília Costa Garcia Fernandes

Resumo

O Direito Canônico teve sua origem na Europa na Idade Média, quando o cristianismo, através da Igreja Católica, se fortalecia como poder político, relacionando-se de forma privilegiada com a nobreza. Junto com o poder espiritual, que disseminava a maneira requerida de pensar e comportar, a Igreja conquistava poder econômico, pois passava a deter enormes extensões territoriais em forma de propriedades. Para manter este poder intocável, foi necessário estabelecer normas que assegurassem a continuidade do estado das coisas. Estas normas serviam tanto à Igreja em seu proceder interno (nomeações), como serviam ao seu relacionamento com as demais classes sociais, defendendo o feudalismo e impondo a opressão aos camponeses e servos. Em seu auge, o Direito Canônico era um sistema jurídico completo, versando sobre todos os aspectos da vida do ser humano, desde o nascimento, passando por todas as atividades em vida e até sua morte. Direito Civil, de Família, Criminal e Processual Penal. No Brasil, este Direito de inspiração sagrada, chegou embutido nas Ordenações Manuelinas, as quais, tornaram-se o primeiro estatuto jurídico da colônia. Estas normas, no decorrer do tempo sofreram algumas modificações, mas, em sua essência, vigoraram até a promulgação do Código Civil de 1916. Além da contribuição cultural da Igreja, observada até nossos dias, quando nossa produção legislativa, ainda sofre a influência limitadora em assuntos de família, o Direito Canônico contribuiu decisivamente em nosso Direito Civil, de Família, de Processo Penal, etc.

Livro relacionado:

1. Introdução


Este artigo é parte da pesquisa proposta pelo projeto interdisciplinar, cujo tema está situado no campo do Direito, na história desta Ciência, mais precisamente o Direito Canônico.
As questões colocadas para o estudo e o levantamento, pois se trata de uma pesquisa bibliográficas, são as seguintes: Qual a contribuição do Direito Canônico às práticas jurídicas do presente?; Por ser um direito organizado sob os princípios religiosos do catolicismo, o Direito Canônico pode ser considerado um direito inferior ou sem importância na história do Direito?
Identificando em que medida o Direito Canônico influenciou as práticas jurídicas do presente, o objetivo geral se completa em forma e conteúdo ao: refletirmos sobre a influência do Direito Canônico no processo de inquérito do Direito Processual Penal; bem como identificar se existe alguma relação entre o Direito de Família Canônico e o Direito de Família da atualidade; e a influência do Direito Canônico no Direito Civil brasileiro; a história das sociedades e da Igreja, que contribuíram para o surgimento deste direito de "inspiração divina", como forma interdisciplinar de pesquisa.
Para isto, foi feito um levantamento bibliográfico, com uma leitura sistematizada das obras, com o objetivo de compreender a contribuição das mesmas sobre os temas que envolvem o Direito na Idade Média.
Concomitante à realização da leitura sistematizada, foi feita ainda, uma série de fichamentos das obras, procedimento importante, que proporcionou visualizar as contradições das mesmas sobre o tema em questão.
Por fim, foi realizado um confronto das diferentes obras pesquisadas, esse confronto permitiu sistematizar as respostas; reflexões sobre a contribuição do direito Canônico às práticas jurídicas do presente.

2. O Direito Canônico

A sociedade medieval desenvolveu-se entre os séculos V e XV na Europa Ocidental, estruturada pelo sistema feudal, cuja riqueza era a terra. A sociedade feudal tinha uma economia de base rural, com produção de poucos excedentes e uma restrita circulação de moedas produzidas no próprio feudo. Estava dividido em três ordens: o clero, que se encarregava da vida religiosa; a nobreza, que dominava as maiores proporções de terra e os servos, que cuidavam de um conjunto de obrigações, tais como: as banalidades; a captação; a talha e a corvéia ? estes não recebiam salários e entregavam aos senhores feudais boa parte da produção. Os servos viviam uma situação de semi-escravidão, pois estavam presos ao senhor feudal, exceto os vilões; possuíam o direito de circular pelas cidades, mas desenvolviam uma série de trabalhos pesados no feudo: "A quantidade de obrigações sufocava o camponês medieval, que vivia em habitações miseráveis, suportando um cotidiano opressivo numa sociedade estratificada, na qual praticamente não havia mobilidade social [...]".(REZENDE; DIDIER, 2001, p.124).
A época medieval é organizada pelo grande poder da Igreja Católica, cuja riqueza a fazia influente junto à nobreza, com a qual disputava espaço de poder, e interferia no cotidiano da população. Embora pregasse a caridade e o amor ao próximo, ideais tão presentes nos primeiros momentos do cristianismo, a Igreja na prática justificava a desigualdade e os privilégios, ajudando na manutenção da ordem estabelecida. Ter fé era um princípio básico da sociedade, relativamente instável em razão das guerras e da fome, que podiam trazer ainda mais sofrimento.
A primeira forma de Direito Medieval deu-se entre os senhores feudais. Com o desenvolvimento econômico e político da Idade Média, desenvolveu-se o Direito Canônico, um direito organizado sobre os pressupostos ideológicos da Igreja Católica. Na Idade Média a religião católica dominava o cenário religioso. Detentora do poder espiritual, a Igreja influenciava o modo de pensar, a psicologia e as formas de comportamento na Idade Média. A Igreja também tinha grande poder econômico, pois possuía terras em grande quantidade.

O direito canônico manteve-se, durante toda a Idade Média, como o único direito escrito e universal. A jurisprudência romana subsistiu-se de certa forma através do direito eclesiástico, uma vez que a igreja desenvolveu-se à sombra do antigo Império Romano, não podendo furtar-se à sua influência. (GILISSEN, 1979, p.134).

A Igreja veio a participar como grande senhor feudal, já que despontou como proprietária de vastas extensões de terra e, poder espiritual e temporal abranger toda a Europa durante o período medieval, foi certamente a única instituição sólida e existente.

A igreja foi uma força onipresente no desenvolvimento financeiro e jurídico da Europa. Como maior latifundiário, estava comprometida com a defesa do feudalismo, e com toda a sua autoridade auxiliou na repressão das revoltas de camponeses que varreram o continente. Denunciava como hereges ou trancafiava em mosteiros todos aqueles que desejavam restabelecer a imagem de uma Igreja comunal, apostólica. (WOLKMER, A.C, 2005, p.177)

2.1. O Direito Canônico no Brasil

Dentro de uma perspectiva histórica conhecida por todos, sabemos que as normas eclesiásticas da Igreja Católica entraram no Brasil via colonização portuguesa, onde elas faziam parte importante das normas jurídicas que vigoravam em Portugal. Para responder, devemos ir buscar as origens do assunto, aquele ponto em que ele faz contato com nossas terras de "além mar":
Dom João I ordenou a codificação da legislação portuguesa, esparsa e confusa, formada por antigos editos reais, pelas concórdias e concordatas, por disposições legais, oriundas da Ley de las Siete Partidas e por antigas normas romanas, visigóticas e de direito canônico.
O importante empreendimento codificador tornou-se realidade apenas em 1466, no reino de D. Afonso V, vindo a nova codificação a ser conhecida pela denominação Ordenações Afonsinas.
As Ordenações regularam especificamente o homicídio, as ofensas corporais, as cartas difamatórias e a competência para julgar as ações de injuria, entre outros atentados à honra.
A partir de 1531, Portugal passou a colonizar o Brasil sendo que, a este tempo, vigiam em Portugal as Ordenações Manuelinas, sendo estas, o primeiro estatuto jurídico do Brasil ao lado de cartas régias, cartas de foral e de cartas de doação, que se constituíam documentos jurídicos.
Durante todo o período colonial, vigoravam no Brasil as Ordenações Filipinas, decretadas em 1603, ao lado de decretos, alvarás e resoluções promulgadas por Portugal.
Ao tornar-se independente, a Constituição brasileira de 1824, valendo-se da recepção, determinou que as Ordenações e demais normas legais portuguesas em vigor fossem mantidas vigentes até a promulgação de um Código Civil que ocorreu em 1917. (SZANIAWSKI, E., 2005, p.130).

Outro autor reforça a origem das Ordenações e sua vigência direta no Brasil, sua influência e o processo de substituição gradual da legislação após a independência, além de apontar aspectos de seu conteúdo:
Em 1234 Gregorio IX encarregou Raimundo de Peñafort, dominicano, de compilar e organizar todo o material de maior importância que havia sido produzido desde o tempo de Graciano. O resultado foi uma edição das Decretales Extra Decretum Gratiani Vacantes. As Decretais de Gregório IX, como ficaram conhecidas, organizavam-se em cinco livros: 1º fontes de direito, bispos e juizes; 2º matéria processual; 3º do clero, dos sacramentos e das coisas; 4º dedicado ao matrimônio; 5º delitos, penas e processo penal. Esta ordem de matérias, dizem alguns, terá influencia na história portuguesa, pois será a base de organização das Ordenações do Reino (Afonsinas, Manoelinas e Filipinas) em cinco livros também (CUNHA, 1995, p.153).

Graciano foi o responsável pela primeira reunião organizada dessas compilações que possuía o objetivo de ensinar os universitários. Essa coleção conhecida como Decreto de Graciano , passou a constituir matéria de estudo em todas as universidades e se transformou numa referência obrigatória do Direito Canônico. Chamou-se Corpus Iuris Canonici o conjunto do Decreto de Graciano e as Decretais de Gregório IX , com os acréscimos posteriores.
Nas universidades européias estudava-se o direito civil (romano) e o direito canônico. O título conferido a quem estudasse os dois corpos de leis, leis civis e cânones, era Doctor Utriusque Iuris , doutor em ambos os direitos.


Na época da descoberta do Brasil, estava em vigência em Portugal as Ordenações Afonsinas e logo em seguida as Manuelinas. A divisão em capitanias tornava impossível a aplicação das leis sem um Estado centralizado e forte o suficiente. A partir dos Governos Gerais é que se começou a efetiva aplicação da legislação penal no Brasil. A legislação aplicada no âmbito penal era o Livro X das Ordenações Filipinas. As penas lá contidas eram horríveis. Por exemplo, a pena de morte natural (enforcamento no pelourinho, seguido-se de sepultamento), a morte natural cruelmente (dependia da imaginação do executor e dos árbitros), a morte natural pelo fogo (queima do réu vivo, passando primeiro pelo garrote), morte natural para sempre (enforcamento, ficando o cadáver pendura até o apodrecimento). O sentido desta legislação é a intimidação feroz, sem qualquer tipo de proporção entre a pena e o delito, ainda confundindo os interesses do Estado com os da Igreja. Este tipo de legislação demonstra o espírito reinante nas legislações até o surgimento do movimento humanitário.

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