Como podemos perceber, as construções ideológicas fazem-se presentes no seio de nossa sociedade, passando-nos praticamente despercebidos, afinal este é o seu principal objetivo, conduzido de tal maneira que "de modo geral pode-se afirmar que os padrões de comportamento detectados nas análises culturais das sociedades não são concebidos estrita e necessariamente como possíveis instrumento de dominação de classes ou grupos de indivíduos por outras classes ou grupos" ( , p. 184). Destarte, há o relacionamento direto do campo da cultura com ideologia, do campo das idéias e das representações que os homens constroem sobre a sociedade (o chamado universo simbólico) e o campo da produção e reprodução material dessa sociedade.
A peculiaridade da ideologia, e que a transforma numa força quase impossível de remover, decorre dos seguintes aspectos:
1- O que torna a ideologia possível, isto é, a suposição de que as idéias existem em si e por si mesmas desde toda eternidade, é a separação entre trabalho material e trabalho intelectual, ou seja, a separação entre trabalhadores e pensadores. Portanto, enquanto esses dois trabalhos estiverem separados, enquanto o trabalhador for aquele que "não pensa" ou que "não sabe pensar", e o pensador for aquele que não trabalha, a ideologia não perderá sua existência nem sua função;
2- O que torna objetivamente possível a ideologia é o fenômeno da alienação, isto é, o fato de que, no plano da experiência vivida e imediata, as condições reais de sua existência social dos homens não lhes apareçam como produzidas por eles, mas, ao contrario, eles se percebam produzidos por tais condições e atribuam a origem da vida social a forças ignoradas, alheia às suas, superiores e independentes (deuses, natureza, razão, Estado, destino, etc.), de sorte que as ideias quotidianas dos homens representem a realidade de modo invertido e sejam conservadas nessa inversão, vindo a constituir os pilares para a construção da ideologia.
3- O que torna possível a ideologia é a luta de classes, a dominação de uma classe sobre as outras. Porém, o que faz da ideologia uma força quase impossível de ser destruída é o fato de que a dominação real é justamente aquilo que a ideologia tem por finalidade ocultar. Em outras palavras, a ideologia nasce para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em decorrência da ação e certas entidade que existem em si e por si e às quais é legitimo e legal que se submetam. Ora, como a experiência vivida imediata e a alienação confirmam tais idéias, a ideologia simplesmente cristaliza em "verdades" a visão invertida do real.
Assim,
A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em media, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, a idéias de sua dominação. (CHAUÍ, 2008, p. 88)
Analisando a concepção que associa ideologia a distorção da realidade, chegaríamos à conclusão de que a sociedade capitalista ? a nossa sociedade ? se mantém tal qual é porque veicula entre todos os seus membros, valores que não são seus, fazendo-os acreditar que são. Com isso, em oposição a uma realidade verdadeira, teríamos uma falsa realidade que se impõe ao conjunto da sociedade, baseada nos interesses da classe que a domina nos planos político, cultural e, principalmente, econômico. Essa tentativa de veiculação de idéias e valores de uma classe para o conjunto da sociedade como forma não só de camuflar, mas também de reforçar a sua dominação, faz com que, de certa maneira, se desqualifiquem, se minimizem as iniciativas de transformação provenientes das demais classes componentes da sociedade.
Se a dominação e a exploração de uma classe forma perceptíveis como violência, isto é, como poder injusto e ilegítimo, os explorados e dominados sentem-se no justo e legítimo direito de recusá-la, revoltando-se. Por esse motivo, o papel específico da ideologia é impedir que a dominação e a exploração sejam percebidas em sua realidade concreta. Para tanto, é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões sociais como divisão de classes, escondendo assim, sua própria origem.
Por ser o instrumento encarregado de ocultar as divisões sociais, a ideologia deve transformar as idéias particulares da classe dominante em idéias universais, válidas igualmente par toda a sociedade, veiculada a todo momento pelos meios de comunicação de massa, aparece nos acontecimentos comuns do nosso cotidiano e visa influenciar o nosso comportamento. Uma ideologia composta exatamente das imagens de harmonia, identidade e ausência de conflito. As instituições como o aparato estatal (órgãos governamentais), os meios de comunicação de massa, a religião e a escola (ao inculcar as formas de justificação,legitimação e ocultação das diferenças e do conflito de classes) seriam responsáveis pela reprodução da ideologia dominante entre os membros da sociedade capitalista.
A ideologia torna-se o campo privilegiado de criação de novos valores ou recriação dos velhos com um novo sentido, é um dos campos principais em que se criam valores novos, que, muitas vezes difusos ou latentes, encontram finalmente formulação num esquema ideológico que os explicita, ao condicionar e motivar comportamentos.
Portanto, é fundamental tentar compreender a ideologia e seus mecanismos para que se possa entender a nossa própria sociedade, desvendando e analisando a complexidade das relações ocultadas nas cortinas ideológicas.