CRENÇA E CONHECIMENTO CIENTÍFICO

 

Thamires Araújo Ávila

RESUMO

Este presente trabalho visa abordar a relação entre crença e conhecimento científico, por meio da percepção acerca daquilo que é necessário ser atribuído à crença como meio para alcançar o conhecimento científico. Primeiramente busca-se definir os métodos utilizados para se chegar a esse conhecimento, vale dizer, a crença unida à verdade e à justificação. Ademais, intenta-se explanar como se dá o acoplamento desses três elementos, tendo em vista o fato de que o conhecimento científico está em constante mutação, evolução e da sua necessidade de comprovação no âmbito existencial. Para isso, este texto utilizará de críticas e justificativas próprias e de cientistas que questionaram e abordaram determinados aspectos acerca da obtenção do conhecimento científico via crença verdadeira e justificada, realçando os pontos mais importantes acerca da divergência e da convergência que consequente e possivelmente existem entre o conhecimento científico e a crença, ou seja, da verdade ou quase-verdade e das formas de justificação.

Palavras-chave: CRENÇA; CONHECIMENTO CIENTÍFICO; VERDADE; JUSTIFICAÇÃO.


ABSTRACT

This present study aims to address the relationship between belief and scientific knowledge through perception about what is required to be assigned to belief as a means to achieving scientific knowledge. First we seek to define the methods used to arrive at this knowledge, is to say, the belief attached to truth and justification. Moreover, attempts to explain how is the coupling of these three elements, in view of the fact that scientific knowledge is constantly changing, evolving and their need of proof under existential. To do so, use this text criticism and justify themselves and scientists who questioned and addressed certain aspects concerning the obtaining of scientific knowledge by justified true belief, highlighting the most important points about the divergence and convergence that consequent and possibly exist between scientific knowledge and belief, in other words, the truth or near-truth and forms of justification.

Keywords: BELIEF; SCIENTIFIC KNOWLEDGE; TRUTH; JUSTIFICATION.

 

Introdução

            O conhecimento científico é aquele derivado da crença verdadeira e justificada. Todavia, esse processo não é tão simples e preciso. A verdade contida na crença não é dada como absoluta, devido à impossibilidade de o cientista, no caso concreto, conseguir alcançar o ápice daquilo que é irrefutável. Ou seja, tem-se uma verdade pragmática, também conhecida como quase-verdade. Essa pragmaticidade é a aproximação da verdade e o objeto utilizado pelos cientistas para obter as leis, teorias e conceitos do qual a sociedade utiliza para fins variados como saúde, desenvolvimento social, modo de vida, evolução do ser humano, biologia, bioética, direito e outros demais.

            Além da verdade pragmática racionalmente observada, a crença deve ser também justificada, o que implica dizer que além de sua compreensão o cientista deve saber aquilo que justifica essa experiência. Portanto, é importante ressaltar que o conhecimento científico, vale dizer, aquele que é comprovado empiricamente e convalesce ou sofre modificação ao longo do tempo, somente é dado via crença (quase) verdadeira e justificada.

 


Conhecimento científico e crença

           Muito se diz acerca do conhecimento científico e de como a crença se reflete nele. O conhecimento científico advém da experiência, da comprovação, de modelos verificáveis, sendo, portanto, um conhecimento empírico. Antes de ser concluído, precisa ser experimentado sensorialmente e é, dessa forma, dado a posteriori. A pesquisa científica busca solucionar problemas do plano da vida e envolve o sujeito cognoscente, ou seja, aquele que conhece, e o objeto cognoscido, vale dizer, aquilo que é conhecido. Portanto, é um conhecimento mutável, pois a sociedade se modifica, os métodos de pesquisa evoluem, se atribuem juízos de valor ao pensamento e modificam-se suas direções, os fatos que anteriormente eram universalmente aceitos são questionados e novos trabalhos e pesquisas são realizados.

           A crença, por sua vez, é um conhecimento a priori, pois surge do pensamento, é anterior à experiência empírica, não está umbilicalmente ligada à comprovação, podendo ser falsa. Isto é, pode não estar em conformidade com aquilo que é real ou realizável. Acreditar, confiar e apoiar-se em um Deus, em uma concepção filosófica, em um modelo científico, em criações históricas (mitos, fábulas, etc.) são alguns exemplos de crença. Contudo, apesar das diferenças entre o conhecimento científico e a crença, aquela necessita desta para a sua formação.

 

Conhecimento científico e crença verdadeira

            A ciência procura desenvolver suas teorias por meio do estudo e da explicação daquilo que está no plano da existência, alcançando, dessa forma, teorias e conceitos que serão questionados e, por determinadas vezes, (re) incorporados por outros cientistas e modificados no decurso do tempo. O conhecimento científico tem como característica precípua de diferenciação dos demais conhecimentos (popular, religioso e filosófico), a necessidade de comprovação empírica, ou seja, procedimentos efetivamente realizados no plano da vida. Através desses experimentos, os cientistas obtêm as leis, hipóteses e teorias que, mesmo sendo posteriormente consideradas falsas e, portanto, superadas, em diversos momentos históricos são utilizadas por outros pesquisadores como modelo para melhor aproximar-se do real ou mesmo para corrigir os erros da teoria passada.

           A realidade possui três concepções: verdade como correspondência, verdade pragmática e verdade coerencial. A verdade pragmática, a que damos uma atenção especial, é aquela se aproxima da verdade, do real, ou seja, é uma quase-verdade. Verdade como correspondência, porque para se considerar uma proposição como verdadeira, é preciso que ela e as reais características do plano da vida sejam correspondentes. E verdade coerencial se refere a uma proposição que só será verdadeira se estiver coerentemente associada a um conjunto completado por outras proposições por meio de uma implicação lógica.

           Não há nada totalmente comprovado na ciência, no tocante à verdade. Isso devido à inexistência da verdade absoluta, já que não há como o cientista alcançar um critério que seja exatamente verdadeiro, mas apenas chegar àquilo que mais se aproxima da finalidade do seu trabalho ou daquilo que necessita para sua pesquisa. O único critério para se aceitar um enunciado como verdadeiro é o seguinte: ele deve se acomodar, coerentemente, isto é, de maneira consistente e ajustada, ao corpo da ciência (CELLA; DUARTE; ROVER, 2012). É por isso que quando não há a o quase-perfeito encaixe entre a teoria e a realidade, outras teorias surgirão com o intuito de preencher essa lacuna. Quase-perfeito, porque, pela concepção da verdade pragmática, existe apenas uma quase-verdade, não sendo possível cotejar uma concepção teórica acerca de determinado fato que não possua nenhum questionamento ou seja completamente verdadeira, correta, sem nenhum resquício de dúvida ou que eventualmente derive de uma verdade acidental, que pode ser melhor compreendida pela crítica de  Ralph Baergen (1995, p.110):

                                     The target belief is true, but the way in which it is true isn’t what the subject has in mind.  One has the feeling that these beliefs are only accidentally true, and this seems to be what prevents us from regarding these beliefs as knowledge.  The weakness of the JTB theory, then, seems to be that it doesn’t rule out the possibility that the target belief could be true only accidentally.

 

 

Conhecimento científico e crença justificada

           A justificação da crença que dizer, diretamente, que aquele conhecimento dado a prioristicamente, utilizado como produto do trabalho e da pesquisa do cientista, isto é, a crença, deve ser justificada. Isso significa que além de se conhecer e compreender o objeto do estudo científico precisa-se saber o por quê da ocorrência do determinado fenômeno. Este processo, além de atribuir credibilidade ao estudo científico, é responsável por justificar e trazer à tona o real entendimento acerca do objeto em questão.

           Contudo, determinados cientistas, com destaque para Gettier, invocam problemas no quesito justificação: a justificativa poderia ser derivada de uma crença falsa e, ainda assim chegar-se a um resultado verdadeiro; a crença verdadeiramente comprovada resultaria em um conhecimento concreto, porém por meio de uma justificação insuficientemente consoante com a realidade; a justificação poderia ser plausível, a crença ser verdadeira, mas ainda assim não se chegaria ao conhecimento. Haveria uma justificativa para a aparente intratabilidade do problema de Gettier que seria, segundo John Pollock (1996, p.95):

                                                  Até certo ponto, eu acredito que a afirmação de que o conhecimento requer epistêmica justificação objetiva oferece uma solução para o problema de Gettier. Mas pode ser desqualificado como uma solução ao problema Gettier, quando se alegar que a definição de justificação objetiva é vaga em um aspecto crucial. Ele fala sobre ser justificado por alguma razão em que se acredita em P. Eu acredito que nessa ideia que faz o pré-teórico há um bom senso, mas para explicitar o que isso envolve obriga-nos a construir uma teoria epistemológica mais completa. Isso, eu acredito, é porque o problema de Gettier provou ser tão intratável. As complexidades da análise são as de saber que tudo tem a ver com o preenchimento desta cláusula. O que é importante perceber, no entanto, é que essas complexidades não tem nada de especial para fazer o conhecimento por si só. Elas pertencem é à estrutura da justificação epistêmica e à maneira em que as crenças venham a ser justificadas com base em outras crenças e estados. Assim, mesmo se for considerado que ainda não se resolve o problema de Gettier, temos pelo menos que colocar a culpa no lugar correto, que não é no conhecimento, mas na estrutura da justificação epistêmica e na complexidade de nossas normas epistêmicas. (tradução nossa)

           Encontramos também, outras importantes observações acerca da justificação, como a do professor americano de filosofia Robert Fogelin, que acredita que na doutrina tradicional toma-se o conhecimento como crença verdadeira e justificada e dotada de dois componentes, sendo eles a ideia de que o cientista deve adotar à crença de maneira “epistemologicamente responsável” e de que a proposição em que o cientista coloca a sua confiança e crédito, ou seja, a que ele evidentemente acredita, estabeleça uma relação com as razões, isto é, as justificações pelo qual ele adota, acredita, confia na crença adotada. Isso quer dizer, mais claramente, exatamente o caminho, as bases para formação do conhecimento científico: crença verdadeira e justificada.

 

Conhecimento científico e crença verdadeira e justificada

           O conhecimento é derivado da crença. Esta é necessária para que se configure um conhecimento, todavia não é suficiente, por si só, para relativizá-lo. Isso porque muitas delas são falsas, sendo impossível cotejar, por exemplo, a existência de um bom velhinho que, durante a noite de natal, deixe presentes para aqueles que se comportaram bem durante o ano. Mesmo que isso se refira a uma crença, não é verdadeira e, portanto, não significa um conhecimento. Assim sendo, através da crença verdadeira começaríamos a alcançar ao conhecimento. Além de verdadeira, a crença necessita ser justificável, o que quer dizer que se deve não só saber, mas também saber o motivo pelo qual se sabe, ou seja, entender o porquê daquela crença verdadeira.

           Dessa forma, concluir-se-á que o conhecimento científico é aquele dado por meio dos três elementos acima, de forma adjetivada. Isto é, o conhecimento científico advém da crença científica, juntamente com a verdade e a justificação científicas. Isso porque, assim como nem todas as crenças são verdadeiras, obviamente nem todas elas são também científicas, portanto é necessário que haja uma crença essencialmente verdadeira cientificamente e justificável. Isso quer dizer que o cientista é um sujeito cognoscente que pesquisa um objeto cognoscido, levando em consideração aquilo que ele acredita e que, comprovadamente, é real, e, empiricamente, justificável.

           Tendo em vista as constantes modificações do mundo e do ser existencial, o cientista produz uma verdade provisória. O resultado da sua pesquisa está em constante mutação, o que levam estudiosos a questionar não só essas verdades, como também aquilo que as justifica, por meio de novas pesquisas científicas e constantes questionamentos acerca dos objetos do mundo da vida.

 

Conclusão

           O conhecimento científico traduz um conhecimento diferenciado por exigir a experimentação. A crença, porém, necessita apenas que esteja incorporada no interior, no pensamento dos indivíduos, de maneira que, sendo verdadeira e devidamente justificada por meio da estrutura científica, será externada como conhecimento científico após sucessivas experiências e resultados. É preciso, portanto, que os cientistas creiam em algo que esteja em conformidade com os fatos e a realidade, ainda que questionáveis e posteriormente superados, e que possa explicar e compreender o objeto em sua essência.

            Ao se aproximar da realidade e da verdade e se relacionar com outras teorias, a ciência torna-se mais abrangente, menos refutável, mais comprovada e, portanto, mais ela é aceita por determinada comunidade, tanto científica como social, e até mesmo duradoura.

                Portanto, é possível concluir que o conhecimento científico deve ter suas consequências deduzíveis em conformidade com os seus experimentos, observações e leis, concepções e normas que possa vir a estabelecer (precisão), estar de acordo com outras teorias anteriormente elaboradas e universalmente aceitas (coerência), deve refletir além do seu intuito inicial, ou seja, transbordar suas observações ou leis particulares inicialmente cotejadas (amplitude), procurar ordenar as ideias que são vistas de forma confusa pela sociedade (simplicidade) e trazer como consequência novos resultados investigativos (fecundidade). E, dessa forma, atrelar-se à crença que, experimentalmente, se aproximou daquilo que é mais realizável, ou seja, é quase-verdade, utilizando-se deste método de maneira justificavelmente precisa, coerente, ampla, simples e fecunda, sendo o cientista, portanto, capaz de alcançar os produtos finais da sua pesquisa: as leis, hipóteses e teorias que são fundamentais para a compreensão do funcionamento do mundo e da sociedade.

 

Bibliografia

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PORTOLÉS, Juan Josep Solaz. Sobre cómo el conocimiento científico intenta aproximarse a la realidad. Scientific eletronic library online. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-11172012000100008&lang=pt>. Acesso em: 08 jun. 2013.

ROVER, Aires José; DUARTE, Francisco Carlos; CELLA, José Renato Gaziero. Conhecimento científico, verdade e método. Blog Cella. Disponível em: < http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/conhecimento_cientifico_verdade_e_metodo.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2013.