A PROBLEMÁTICA DO BULLYING NA PRÁTICA DOCENTE

Raquel de Arruda Siqueira

RESUMO

A violência escolar, nos últimos tempos, tem alcançado uma crescente dimensão em todo mundo. Não só cresceu a violência entre os educandos, como também entre aluno e professor e contra a própria instituição de ensino. Essa violência é definida por alguns autores, como Bullying, e merece atenção especial, pois se tornou preocupante devido ao seu aumento no âmbito escolar. Em virtude disso, é de suma importância que os educadores conheçam essa problemática e quais as conseqüências dela na sua prática docente e principalmente, os efeitos do Bullying na vida de seus educandos.

Palavras-Chaves: Violência Escolar. Bullying. Conseqüências e efeitos. Vítimas e Agressores.

1 INTRODUÇÃO

Estamos presenciando um momento da história, em que a violência está cada vez mais presente na nossa sociedade. Vivemos uma época repleta de "incertezas, tensões, falta de valores, com a perda da noção de limite entre o bem e o mal, conceitos esses que regem, justamente, o nosso comportamento em âmbito social" (Arrieta, 2000, p. 84).

Diante disso, estão sendo tomadas várias medidas de segurança, com o objetivo de prevenir esses atos violentos. Fante (2005) relata que

Dessa forma, muros e grades altas, detectores de metais e câmeras de vídeo para monitoramento dos alunos são instalados e seguranças particulares dentro e fora da escola são disponibilizados (p. 20).

Esse tipo de violência descrita pela autora é a que a comunidade escolar está disposta a combater, ou seja, a violência explícita. Entretanto juntamente com essa violência explícita, existe outro tipo de violência que merece a atenção dos profissionais da educação. Trata-se, segundo a autora, daquela forma de violência que

[...] se apresenta de forma velada, por meio de um conjunto de comportamentos cruéis, intimidadores e repetitivos, prolongadamente contra uma mesma vítima, e cujo poder destrutivo é perigoso à comunidade escolar e à sociedade como um todo, pelos danos causados ao psiquismo dos envolvidos (p. 21).

A autora está se referindo ao Bullying, que é um dos responsáveis pela violência explícita e que tem tido um crescimento expressivo nos últimos anos. O Bullying está presente no nosso dia-a-dia há muito tempo, apesar de não percebermos e de não darmos a ele, a atenção merecida, até mesmo por falta de informação e por encarar essas atitudes como uma simples brincadeira.

2 DESENVOLVIMENTO

A realidade que presenciamos nas escolas, é impregnada de diversas formas de violência, às vezes oculta, onde os alunos passam por situações de "humilhação, gozações, ameaças, imputação de apelidos constrangedores, chantagens, intimidações" (Fante, 2005, p. 16). Quando isso ocorre, na maioria dos casos, os alunos, vítimas do Bullying ficam em silêncio, por se sentirem envergonhados ou com medo de novos ataques, por parte dos agressores.

Segundo a autora, os alunos vitimizados pelo "comportamento bullying", podem sofrer por muitos anos, no ambiente escolar, sem que o educador perceba o que está acontecendo. Portanto, é de suma importância que as escolas tenham consciência de que esse fenômeno existe, e que devem ser tomadas medidas urgentes, para evitar e tratar essas manifestações, as quais são, também, responsáveis pelo comportamento agressivo existente entre os alunos.

As instituições devem oportunizar aos educandos o acesso a essas informações, para que eles possam refletir e conhecer o fenômeno Bullying, bem como as terríveis conseqüências resultantes desse tipo de violência. Ao adquirirem conhecimento sobre as atitudes que desenvolvem o "comportamento bullying" e o que pode se fazer para evitá-lo, os alunos estarão transformando a escola, num lugar pacífico, estimulando o bom relacionamento no sistema educacional.

2.1 Conceito

O Bullying é uma palavra de origem inglesa, que foi adotada por diversos países, para conceituar alguns comportamentos agressivos e anti-sociais, e é um termo muito utilizado nos estudos realizados sobre a problemática da violência escolar.

Encontramos vários conceitos para o Bullying, porém a definição universal trazida por alguns autores diz que o

[...] Bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do "comportamento bullying" (Fante, 2005, p. 28 e 29).

A mesma autora, ainda acrescenta que "definimos o Bullying como um comportamento cruel intrínseco nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em objetos de diversão e prazer, através de "brincadeiras" que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar" (Fante, 2005, p. 29).

Como não existe um só termo na Língua Portuguesa que seja capaz de manifestar todas as situações de Bullying possíveis de ocorrer, a ABRAPIA nos traz um quadro, onde estão relacionadas algumas ações que podem estar presentes no fenômeno Bullying. São elas: colocar apelidos, ofender, gozar, encanar, sacanear, humilhar, aterrorizar, tiranizar, fazer sofrer, discriminar, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, amedrontar, agredir, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar, quebrar pertences, dominar, assediar, entre outras.

Assim, no Brasil adotamos a termologia Bullying, como a maioria dos países.

Cleo Fante esclarece que "Bully, enquanto nome é traduzido como "valentão", "tirano", e como verbo, "brutalizar", "tiranizar", "amedrontar"." (2005, p. 28).

Portanto, segundo a autora, a expressão Bullying é entendida como "um subconjunto de comportamentos agressivos, sendo caracterizado por sua natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder" (p.28), onde a vítima fica impossibilitada de se defender com facilidade.

2.2 Histórico

O Bullying começou a ser pesquisado na Europa, durante a década de 90, quando na Noruega descobriram o que estava resultando nas inúmeras tentativas de suicídio entre os adolescentes. A partir de então, foram realizadas inúmeras pesquisas e campanhas para reduzir os casos de comportamentos agressivos nas escolas.

Cleo Fante ao descrever o histórico do fenômeno diz que foi o professor Dan Olweus, pesquisador da Universidade de Bergen, na Noruega, que relatou os "primeiros critérios para detectar o problema de forma específica, permitindo diferenciá-lo de outras possíveis interpretações, como incidentes e gozações ou relações de brincadeiras entre iguais, próprias do processo de amadurecimento do indivíduo" (2003, p. 45).

Seguindo a mesma linha trazida por Fante, a ABRAPIA , acrescenta que ,

Tudo teve início com os trabalhos do Professor Dan Olweus, na Universidade de Bergen – Noruega (1978 a 1993) e com a Campanha Nacional Anti-BULLYING nas escolas norueguesas (1993). No início dos anos 70, Dan Olweus iniciava investigações na escola sobre o problema dos agressores e suas vítimas, embora não se verificasse um interesse das instituições sobre o assunto. Já na década de 80, três rapazes entre 10 e 14 anos, cometeram suicídio. Estes incidentes pareciam ter sido provocados por situações graves de BULLYING, despertando, então, a atenção das instituições de ensino para o problema.

Olweus pesquisou inicialmente cerca de 84.000 estudantes, 300 a 400 professores e 1.000 pais entre os vários períodos de ensino. Um fator fundamental para a pesquisa sobre a prevenção do BULLYING foi avaliar a sua natureza e ocorrência. Como os estudos de observação direta ou indireta são demorados, o procedimento adotado foi o uso de questionários, o que serviu para fazer a verificação das características e extensão do BULLYING, bem como avaliar o impacto das intervenções que já vinham sendo adotadas.

Nos estudos noruegueses utilizou-se um questionário proposto por Olweus, consistindo de um total de 25 questões com respostas de múltipla escolha, onde se verificava a freqüência, tipos de agressões, locais de maior risco, tipos de agressores e percepções individuais quanto ao número de agressores (Olweus, 1993a). Este instrumento destinava-se a apurar as situações de vitimização/agressão segundo o ponto de vista da própria criança. Ele foi adaptado e utilizado em diversos estudos, em vários países, inclusive no Brasil, pela ABRAPIA, possibilitando assim, o estabelecimento de comparações inter-culturais.

Os primeiros resultados sobre o diagnóstico do BULLYING foram informados por Olweus (1989) e por Roland (1989), e por eles se verificou que 1 em cada 7 estudantes estava envolvido em caso de BULLYING. Em 1993, Olweus publicou o livro "BULLYING at School" apresentando e discutindo o problema, os resultados de seu estudo, projetos de intervenção e uma relação de sinais ou sintomas que poderiam ajudar a identificar possíveis agressores e vítimas. Essa obra deu origem a uma Campanha Nacional, com o apoio do Governo Norueguês, que reduziu em cerca de 50% os casos de BULLYING nas escolas. Sua repercussão em outros países, como o Reino Unido, Canadá e Portugal, incentivou essas nações a desenvolverem suas próprias ações.

O programa de intervenção proposto por Olweus tinha como características principais desenvolver regras claras contra o BULLYING nas escolas, alcançar um envolvimento ativo por parte de professores e pais, aumentar a conscientização do problema, avançando no sentido de eliminar alguns mitos sobre o BULLYING, e prover apoio e proteção para as vítimas.

Segundo Olweus (apud Fante, 2005, p. 46), "os dados de outros países indicam que as condutas Bullying existem com relevância similar ou superior as da Noruega, como é o caso da Suécia, Finlândia, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Países Baixos, Japão, Irlanda, Espanha e Austrália".

Fante acrescenta que nos Estados Unidos, o Bullying cresceu muito entre os alunos das escolas americanas. Os pesquisadores já estão classificando o Bullying como "um conflito global", e destacam que se essa tendência permanecer, haverá muitos jovens que "se tornarão adultos abusadores e delinqüentes" (p. 46).

Percebemos então que o fenômeno Bullying está ocorrendo nas escolas do mundo inteiro, inclusive no Brasil, apesar de não termos muitas pesquisas e estudos referentes a este assunto. Alguns estudos da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA), nos mostram que nas escolas brasileiras o Bullying apresenta índices superiores aos países europeus.

Esses estudos da ABRAPIA apontam uma diferença em relação aos dados internacionais, pelo fato "de que aqui os estudantes identificaram a sala de aula como o local de maior incidência desse tipo de violência, enquanto, em outros países, ele ocorre principalmente fora da sala de aula, no horário do recreio" (

ABRAPIA).

2.3 Agressão, agressividade e violência: quando a agressividade passa a ser Bullying

Antes de explicar quando a agressividade torna-se Bullying, é necessário esclarecer os termos: agressão, agressividade e violência.

Arrieta (2000) esclarece que utilizamos o termo

[...] agressão para identificar a conotação negativa ou destrutiva da ação agressiva e agressividade para designar seu significado construtivo, a serviço da vida, como se pode encontrar na conduta do homem para preservar-se como indivíduo e como espécie (p. 17).

Já a respeito da violência, afirma que "é ela o grau extremo da conduta agressiva com finalidades destrutivas" (p. 18). E acrescenta,

Violência, como a define Jurandir Freire Costa, é a palavra empregada para denominar a série de atos intencionais que se caracterizam pelo uso da força em situações de conflito, transgressão às leis que visam ao bem comum e predomínio da crueldade sobre a solidariedade no convívio humano (p. 18).

Nesse sentido, Cleo Fante (2005) relata que muitos acreditam que agressão e agressividade são sinônimas, pois não identificam às diferenças que existem entre as duas termologias. A autora cita então que para a Associação Norte-Americana de Psiquiatria,

[...] a agressão se define como um comportamento repetitivo e persistente, que, na confrontação com a vítima viola seus direitos. O termo agressividade é utilizado cotidianamente (...), seja para expressar violência, seja para expressar coragem.

Portanto, considerando as diversas definições dadas pelos mais renomados autores, definimos violência como todo ato, praticado de forma consciente ou inconsciente, que fere, magoa, constrange ou causa dano a qualquer membro da espécie humana (p. 156, 157).

Como podemos perceber os termos, acima citados, estão interligados entre si. Por esse motivo "é imprescindível que os profissionais de educação, ao se qualificarem qualquer aluno como violento ou agressivo, considere os inúmeros fatores que recaem sobre suas relações interpessoais" (Fante, 2005, p. 157).

Fante (2005, p. 158 a 161), classifica as diversas formas de violência e suas principais conseqüências. Ela fez essa classificação, para que seja possível diferenciar atos de violência e atos de indisciplina, pois acredita que os profissionais os confundem freqüentemente. Então, é necessário sabermos "distinguir os comportamentos violentos das más relações escolares", apesar das semelhanças existentes.

As más relações são problemas mais generalizados, porém menos intensos, que surgem com a disciplina ou com o mau comportamento dos alunos. Não deixam de perturbar o bom andamento das atividades escolares, entretanto não podem ser consideradas como violência. Os atos de indisciplina são comportamentos que vão contra as normas da escola e estão previstos no Regimento Interno Escolar. (...). Já os atos de violência ou agressividade dos alunos acontecem com grande freqüência, porém nem sempre são identificados pelos professores e podem tomar a forma explicitar ou velada como podemos conferir na classificação a seguir:

    • Quanto ao grau:

- violência simples ou pontual: aquela em que um ou mais agressores atacam esporadicamente uma vítima, motivados por um desentendimento que acaba gerando um conflito;

- violência complexa ou freqüente: aquela que uma ou mais agressores atacam habitualmente e repetidamente uma mesma vítima, sem motivação evidente (Bullying).

    • Quanto à forma:

- violência direta: contra as pessoas, interpessoal;

- violência indireta: contra utensílios, bens ou patrimônios (destroços ou vandalismos, furtos);

- violência implícita, velada;

- violência explícita, identificada.

    • Quanto ao tipo de violência:

- violência física e sexual;

- violência verbal;

- violência psicológica;

- violência fatal.

    • Quanto ao nível:

- discentes;

- docentes;

- funcionários;

- pais;

- instituição.

    • Quanto às dimensões:

- violência no interior da escola (nas relações interpessoais; "microviolências", furtos, uso e tráfico de armas e drogas);

- violência no entorno da escola (nas relações interpessoais, uso e tráfico de drogas e armas);

- violência da escola (institucional e simbólica; disciplinarização dos corpos e das mentes, métodos de ensino, relação da comunidade escolar e desesperança quanto ao papel da escola).

    • Quanto às determinantes:

- fatores biológicos;

- fatores pessoais;

- fatores familiares;

- fatores sociais;

- fatores cognitivos;

- fatores ambientais.

    • Quanto às conseqüências da violência:

- no corpo discente:

    • disrupción
    • disaffection
    • absentismo (falta de assistência às aulas)
    • problemas somáticos e psicológicos (ansiedade, tédio, depressão)
    • desencanto pela escola
    • queda do rendimento escolar
    • falta de perspectiva de futuro melhor via educação
    • queda da auto-estima
    • evasão escolar
    • retenção escolar
    • descrença no poder público

- no corpo docente e no quadro dos funcionários:

    • desesperança e desencanto pela profissão
    • absentismo
    • descrença no sistema educacional
    • queda da auto-estima
    • problemas somáticos e psicológicos
    • síndrome de Burnout (problemas relativos ao estresse profissional)
    • descrença no poder público

- na família e na sociedade:

    • falta de perspectiva de futuro melhor via educação
    • desvalorização do ensino
    • descrença no sistema educacional
    • descrença no poder público

A autora ainda apresenta alguns determinantes do comportamento agressivo ou violento na escola. Ela salienta que isso é hoje, um fenômeno social muito complexo e que atinge todas as escolas, atingindo diretamente seus alunos.

Esse fenômeno é resultado de fatores externos (influências da família, da sociedade e dos meios de comunicação) e internos (ambiente escolar, relações interpessoais, comunidade escolar) à escola, e são caracterizados pelos tipos de interações, sejam elas, familiares, sociais ou sócios educacionais, e pelos comportamentos agressivos que se manifestam nessas relações interpessoais.

Fante conclui então, que a instituição de ensino, precisa prevenir o "fenômeno violência" que está acontecendo no ambiente escolar, impedindo o seu crescimento.

[...] Entretanto, para que isso aconteça, seus profissionais devem ser capacitados para atuar na melhoria do ambiente escolar e das relações interpessoais, promovendo a solidariedade, a tolerância e o respeito às características individuais, utilizando estratégicas adequadas à realidade educacional que envolvem toda a comunidade escolar (Fante, 2005, p. 169).

Nesse contexto, os educadores precisam saber então, quando a agressividade passa a ser Bullying. E é essa informação que nos fornece a ABRAPIA, pois esclarece que as crianças passam por algumas situações, em que elas sentem-se fragilizadas, tornando-se então temporariamente agressivas.

Porém, "normalmente essa "tempestade" aos poucos vai passando e volta a "calmaria"". Então essa etapa é apenas agressividade. Entretanto, se essa agressividade não for apenas temporária e sim permanente, pode ser considerada Bullying.

E ainda, segunda Pereira (2002, p.18)

É a intencionalidade de fazer mal e a persistência de uma prática a que a vítima é sujeita o que diferencia o bullying de outras situações ou comportamentos agressivos.

Essa autora ainda apresenta três fatores que são fundamentais e que normalmente identificam o Bullying. São eles:

  1. O mal causado a outrem não resultou de uma provocação, pelo menos por acções que possam ser identificadas como provocações.
  2. As intimidações e a vitimização de outros têm carácter regular, não acontecendo ocasionalmente.
  3. Geralmente os agressores são mais fortes (fisicamente), recorrem ao uso de arma branca, ou tem um perfil violento e ameaçador. As vítimas freqüentemente não estão em posição de se defender ou de procurar auxílio.

2.4 Como o Bullying se desenvolve

Segundo Aramis (apud ABRAPIA) são vários os motivos que levam os alunos a praticar o Bullying. O autor acredita que isto esteja relacionado às experiências que o educando tem na sua família e na comunidade. Afirma que,

[...] famílias desestruturadas, com relações afetivas de baixa qualidade, em que a violência doméstica é real ou em que a criança representa o papel de bode expiatório para todas as dificuldades e mazelas, são as fontes mais comuns de autores ou alvos de Bullying.

Fante, baseado nos estudos do professor Dan Olweus, acrescenta que é normal em uma classe, existir entre os alunos, vários conflitos e tensões. Existem também várias outras "interações agressivas" que ocorrem quando o aluno quer se divertir ou se auto-afirmar, mostrando-se mais forte que seus colegas.

Se existir na sala de aula, um ou mais agressores, o seu comportamento agressivo vai interferir nas atividades dos colegas, resultando em "interações ásperas, veementes e violentas" (Fante, 2005, p. 47). Como o agressor sente a necessidade de dominar e ameaçar os seus colegas, ele pode impor a sua força, o que faz das adversidades e das pequenas frustrações, conflitos extremos em sala de aula.

Portanto, se existir na classe um aluno tímido, que demonstra insegurança, ansiedade e uma grande dificuldade de se impor, mostrando-se indefeso, certamente ele será descoberto pelo agressor. Pois o agressor percebe que esse aluno não vai responder a sua ofensa com outra maior, e sim, que ele vai se amedrontar, sem ao menos se defender.

Normalmente a vítima do Bullying não vai contar aos seus professores e aos seus pais o que está acontecendo na escola. Assim, esse aluno, vai aos poucos se isolando dos seus colegas, por acreditar que não tem uma boa reputação, pois a maioria acaba realizando constantes gozações, em virtude do seu medo.

Pereira (2002) acrescenta que quase sempre os professores identificam quem são os agressores, porém apresentam maior dificuldade de apontar os alunos que estão sendo vítimas do Bullying.

Segundo Olweus, apud Fante (2005),

[...] não há dúvidas de que a maioria dos casos de Bullying acontece no interior da escola. Entretanto, para que um comportamento seja caracterizado Bullying, é necessário distinguir os maus-tratos ocasionais e não graves dos maus-tratos habituais e graves (p. 49).

Relata ainda, que os comportamentos Bullying acontecem de duas formas: direta ou indireta. A direta é aquela em que há agressões físicas e verbais; e a indireta, ocorre quando existe a exclusão e a discriminação da vítima por parte do seu grupo social.

Conforme Pereira (2002) outro aspecto muito importante para o desenvolvimento do Bullying são os recreios. Pois é durante os intervalos que a vítima fica mais exposta a atos violentos do agressor, já que durante o recreio o educador não está presente.

Algumas vítimas, por apresentarem uma grande dificuldade de interação e relacionamento, procuram um lugar isolado para se "esconder" durante o recreio. Agindo assim, esse aluno fica ainda mais distante do professor ou de outro funcionário da escola.

Procurando proteção nos espaços calmos, podem encontrar quem os agrida, sem ninguém a que recorrer para pedir ajuda (Pereira, 2002, p.15).

Essas agressões que ocorrem nos recreios são freqüentemente mais sérias, pois os agressores agem livremente, já que não há nenhuma testemunha que possa acusá-lo ou que venha a ajudar a vítima. E é esse, um dos objetivos do agressor: amedrontar a vítima, para que esta sofra em silêncio.

2.5 Protagonistas do fenômeno

Afirma Cleo Fante (2005, p. 71 a 74), que os estudiosos dos comportamentos Bullying, identificam e classificam, entre os envolvidos no fenômeno, os tipos de papéis que cada um desempenha. São eles:

  • Vítima típica: é aquele aluno, pouco sociável, que sofre as conseqüências dos atos agressivos de outro colega e que não possui recursos ou habilidades para reagir às agressões.
  • Vítima provocadora: é aquela que provoca e atrai reações agressivas, entretanto, não consegue lidar contra elas com eficiência. Essa vítima tenta revidar quando atacada, mas de maneira ineficaz; "é, de modo geral, tola, imatura, de costumes irritantes, e quase sempre é responsável por causar tensões no ambiente em que se encontra".
  • Vítima agressora: é aquele educando que reproduz as agressões que sofreu, buscando indivíduos mais frágeis que ele para agredir, aumentando assim o número de vítimas do Bullying.
  • Agressor: é aquele que agride os mais indefesos, manifestando pouca empatia. "Ele sente uma necessidade imperiosa de dominar e subjugar os outros, de se impor mediante o poder e a ameaça e de conseguir aquilo a que se propõe".
  • Expectador: é aquele aluno que presencia o Bullying, porém não é vítima e nem agressor. "Representa a grande maioria dos alunos que convive com o problema e adota a lei do silêncio por temer se transformar em novo alvo para o agressor".

2.6 Identificação dos envolvidos

A autora Cleo Fante (2005), afirma que o "Bullying tem como característica principal a violência oculta" (p.74). Por esse motivo é essencial que os profissionais da educação saibam identificar quem são os alunos que estão envolvidos nessa problemática.

Como a maioria das vítimas fica em silêncio é necessário ficarmos atentos a alguns sinais. Assim, de acordo com o pesquisador Dan Olweus, apud Fante (2005, p. 74, 75), para que um aluno seja identificado como vítima, o professor deve observar se ele apresenta alguns destes comportamentos:

    • durante o recreio está freqüentemente isolado e separado do grupo, ou procura ficar próximo do professor ou de algum adulto?
    • na sala de aula tem dificuldades em falar diante dos demais, mostrando-se inseguro ou ansioso?
    • nos jogos em equipe é o último a ser escolhido?
    • apresenta-se comumente com aspecto contrariado, triste, deprimido ou aflito?
    • apresenta desleixo gradual nas tarefas escolares?
    • apresenta ocasionalmente contusões, feridas, cortes, arranhões ou a roupa rasgada, de forma não-natural?
    • falta ás aulas com certa freqüência (absentismo)?
    • perde constantemente os seus pertences?.

O mesmo procedimento deve acontecer quando for preciso identificar o agressor. Seus comportamentos mais comuns são:

    • faz brincadeiras ou gozações, além de rir de modo desdenhoso e hostil?
    • coloca apelidos ou chama pelo nome ou sobrenome dos colegas de forma malsoante; insulta, menospreza, ridiculariza, difama?
    • faz ameaças, dá ordens, domina e subjuga? Incomoda, intimida, empurra, picha, bate, dá socos, pontapés, beliscões, puxa os cabelos, envolve-se em discussões e desentendimentos?
    • pega dos outros colegas materiais escolares, dinheiro, lanches e outros pertences, sem o seu consentimento?.

Nesse mesmo contexto a ABRAPIA nos acrescenta que na maioria dos casos os autores de Bullying, ou seja, os agressores procuram para serem suas vítimas pessoas com algumas características específicas que sirvam de foco para "justificar" as suas agressões.

Assim, é comum eles abordarem pessoas que apresentem algumas diferenças em relação ao grupo no qual estão inseridos, como por exemplo: obesidade, baixa estatura, deficiência física, ou outros aspectos culturais, étnicos ou religiosos.

Essas crianças são então alvos mais visados, tornando-se então mais vulneráveis ao Bullying. Entretanto, elas não podem ser responsabilizadas por apresentarem essas características. Portanto, essa aparente "diferença" é apenas um pretexto do aluno agressor para satisfazer sua necessidade de agredir.

Outro aspecto muito importante trazido pela ABRAPIA, é a preocupação e a atenção, que os professores devem ter com as crianças com necessidades educativas especiais, pois elas constituem um grupo de risco.

Em virtude de elas apresentarem "dificuldades de aprendizagem e de comportamento na sala de aula e nos recreios", é possível identificar três fatores que as condicionam a tornarem-se vítimas. São eles:

1º) as características dessas crianças podem ser vistas como um pretexto para os agressores;

2º) as crianças com NEE podem não ter tantos amigos como as outras crianças, tendo, então alguma falta de apoio que é assegurado pelos amigos;

3º) como suas competências sociais são pobres, muitas vezes são vistas como vítimas provocativas.

Por tudo isso que foi apresentado, é essencial que tanto os pais quanto a escola, ensinem as suas crianças a lidarem e respeitarem essas diferenças.

2.7 Conseqüências e efeitos

A autora Cleo Fante, em seu livro "Fenômeno Bullying" deixa claro que as conseqüências desse fenômeno

[...] afetam todos os envolvidos e em todos os níveis, porém especialmente a vítima, que pode continuar a sofrer seus efeitos negativos muito além do período escolar. Pode trazer prejuízos em suas relações de trabalho, em sua futura constituição familiar e criação de filhos, além de acarretar prejuízo para a sua saúde física e mental (2005, p. 79).

A vítima pode ou não superar os traumas causados pelo Bullying, e essa superação vai depender das suas características individuais, do seu relacionamento consigo mesmo e com a sociedade, principalmente com a sua família.

Caso essa superação não aconteça, o trauma que foi estabelecido prejudicará o seu comportamento e a sua inteligência,

[...] gerando sentimentos negativos e pensamentos de vingança, baixa auto-estima, dificuldades de aprendizagem, queda do rendimento escolar, podendo desenvolver transtornos mentais e psicopatologias graves, além de sintomatologia e doenças de fundo psicossomático, transformando-a em um adulto com dificuldades de relacionamentos e com outros graves problemas (Fante, 2005, p. 79).

Pereira (2002) divide os efeitos do Bullying para as vítimas, em efeitos imediatos e efeitos ao longo da vida. O efeito imediato mais evidente é a fraca auto-estima que terá o aluno vitimizado. Isso ocorre porque elas vivenciam pouca aceitação, sendo assim "menos escolhidas como melhores amigos e apresentam fracas competências sociais tais como cooperação, partilha e ser capaz de ajudar os outros" (p. 21).

Sobre os efeitos a longo prazo, Olweus (1993b) apud Pereira (2002, p. 22) diz que "a freqüência de ser vítima decresce com a idade". As vítimas deixam de o ser, mudados os contextos, parecendo normalizar quando jovens adultos. Há, contudo, uma relação entre o ter sido vítima na escola e certa depressão na vida adulta.

O mesmo autor ao fazer referência a Smith & Madsen (1996), descreve que a conseqüência mais severa do Bullying é o suicídio, sendo esse o resultado da "vitimização constante a que se é sujeito (...) até ao limite da sua capacidade de suportar as agressões" (p.23).

Assim,

[...] estas situações estão associadas a uma série de comportamentos ou atitudes que se vão agravando e mantendo por toda a vida e que arrastam consigo conseqüências negativas, na maior parte dos casos de alguma gravidade, que estarão sempre presentes, influenciando todas as decisões, imagens, atitudes, comportamentos que a pessoa constrói em relação a si, aos outros, ao mundo e até a própria vida (Pereira, 2002, p.23).

Os agressores, segundo Fante, normalmente se distanciam e não se adaptam aos objetivos da escola, supervalorizando a violência como forma de obter poder, e desenvolvendo habilidades para condutas delituosas, as quais, futuramente os levarão ao mundo do crime.

Assim, ele poderá adotar comportamentos delinqüentes como: agressão, drogas, furtos, porte ilegal de armas, entre outros. O agressor acredita que fazendo uso da violência conseguirá tudo o que deseja, pois foi assim no período escolar.

Àqueles alunos que não são nem vítimas, nem agressores, apesar de não se envolverem diretamente ao Bullying, acabam sofrendo também as suas conseqüências. Isso acontece, porque o direito que eles tinham a uma escola segura e saudável foi se dissipando, a medida que o Bullying corrompeu suas relações interpessoais, prejudicando o seu desenvolvimento sócio educacional.

Ainda nesse sentido, Pereira (2002, p.25) apresenta resumidamente, as conseqüências do Bullying para as vítimas e agressores:

Conseqüências para a(s) Vítima(s):

    • vidas infelizes, destruídas, sempre sob a sombra do medo;
    • perda de autoconfiança e confiança nos outros, falta de auto-estima e autoconceito negativo e depreciativo;
    • vadiagem;
    • falta de concentração;
    • morte (muitas vezes suicídio ou vítima de homicídio);
    • dificuldades de ajustamento na adolescência e vida adulta, nomeadamente problemas nas relações íntimas.

Conseqüências para o(s) Agressor(es):

    • vidas destruídas;
    • crença na força para a solução dos problemas;
    • dificuldade em respeitar a lei e os problemas que daí advém, compreendendo as dificuldades na inserção social;
    • problemas de relacionamento afectivo e social;
    • incapacidade ou dificuldade de autocontrolo e comportamentos anti-sociais.

Portanto, com todas as conseqüências apresentadas, pode-se dizer que o fenômeno Bullying passou a ser considerado um problema de saúde pública. Esse problema deve ser reconhecido não só pelos professores como também pelos profissionais de saúde.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de todo esse contexto, relatado até aqui, percebe-se a grande importância das escolas e da sociedade, tomar algumas medidas e buscarem algumas soluções que sejam capazes de combater ou ao menos prevenir o Bullying.

Arrieta (2000) quando descreve sobre a atribuição de competências e responsabilidades, diz que

[...] é necessário que se encare com seriedade o desafio de não mais se restringir a uma atitude passiva, mas sim, que se tenha uma postura ativa, que contemple e procure realizar um trabalho profundo.

Deve-se, portanto (...) estruturar-se o processo, atribuindo-se competências e responsabilidades aos órgãos e à comunidade participante (p. 65).

Assim, conforme a ABRAPIA, fica claro que se por um lado, o problema existe, é necessário combatê-lo. Portanto, se desejamos evitar a proliferação do Bullying, é preciso implantar medidas de prevenção. A ABRAPIA aconselha a adotar uma política anti-bullying, que envolva toda a comunidade escolar.

Para que isso ocorra, é necessário que todos se sensibilizem e se conscientizem que o problema existe. Isso pode ser feito através da discussão que avaliem essa problemática. Salienta que os próprios alunos devem participar dessas discussões.

No momento em que os alunos tomarem conhecimento do fenômeno, eles se sentirão seguros para comunicar o educador, caso venham a se tornar vítimas do Bullying. Da mesma forma, os alunos analisarão as conseqüências, antes de decidirem tornar-se um possível agressor.

É de suma importância que a instituição de ensino, capacite e oriente os seus educadores sobre essa problemática. Uma boa alternativa trazida pela ABRAPIA é

Incluir no currículo a abordagem ao problema Bullying, através da discussão de textos e de simulações, visando sensibilizar os alunos e alertando-os para que não sejam obrigados a sofrer em silêncio. Organizar ações de formação para todos os setores envolvidos sobre a temática e todas as suas implicações é também um vetor de combate e prevenção do Bullying.

Segundo Aramis, apud ABRAPIA, para combater esse problema é necessário ter a cooperação de todos os envolvidos: professores, funcionários, alunos e pais. Todos devem se comprometer com o projeto, participando das suas decisões.

Para o autor, a solução é criar um ambiente escolar seguro e sadio, onde a escola possa trabalhar valores fundamentais, como respeito, amizade, solidariedade. "Enfim é fundamental que se construa uma escola que não se restrinja a ensinar apenas o conteúdo programático, mas também onde se eduquem as crianças e adolescentes para a prática de uma cidadania justa".

No Brasil já estão sendo realizados alguns projetos, como relata Fante (2005). A problemática da violência escolar já está sendo prioridade nas escolas do país. Porém, ainda há pouca divulgação sobre o desenvolvimento desses programas educacionais que visam combater e prevenir o fenômeno Bullying nas escolas brasileiras.

A autora faz referência a ABRAPIA (p. 89, 90) quando fala da implantação desses programas preventivos e cita três fatores essenciais para que seja possível obter resultados positivos:

- não existem soluções simples para a resolução do Bullying; o fenômeno é complexo e variável;

- cada escola desenvolveria suas próprias estratégias e estabeleceria suas prioridades no combate do Bullying;

- a única forma de obtenção de sucesso na redução do Bullying é a cooperação de todos os envolvidos: alunos, professores, gestores e pais.

Conclui-se então que todo esse trabalho deve ser construído com muita dedicação e carinho. Acredito que com a conscientização de toda a comunidade escolar, é possível sim, prevenirmos essa problemática e construirmos um ambiente escolar agradável e sadio a todos os alunos.

Com o crescimento da violência no ambiente escolar, é necessário que os profissionais da educação estejam mais atentos aos comportamentos de seus alunos, a fim de evitar a proliferação desse fenômeno.

Nesse sentido, Pereira (2002) acrescenta que

A educação e a cultura deveriam tender à eliminar as formas agressivas de resolução de tensões que provocam as diferenças individuais. A educação deveria valorizar e promover os comportamentos de empatia, a negociação verbal, o intercâmbio de idéias, a cedência de ambas as partes na procura da justiça, no direito à igualdade de oportunidades para todos e no direito às diferenças de cada um. Educar para a liberdade com igualdade de direitos e obrigações em que os direitos de um determinam onde começam os direitos dos outros (p. 11).

Assim, se a escola ensinar seus alunos a respeitar as diferenças, trabalhando a prática de valores, será possível criar um ambiente sadio aos educandos. Dessa forma, a instituição de ensino amenizará os conflitos que podem resultar na prática do Bullying.

E como traz Bandeira (2003),

É necessário educarmos para a esperança, para a felicidade onde consigamos cooperar enquanto educadores que somos para que a humanidade consiga superar a brutal exclusão social que marca nosso tempo. Para isso, a educação tem um papel central, devemos acreditar e apostar em uma educação que abra horizontes de esperança e que seja capaz de articular competências e habilidades sociais em todos àqueles que estiverem inseridos nesse processo de humanização dos sujeitos (p. 33).

Acredito então, que estabelecendo competências, envolvendo a comunidade escolar e conscientizando todos das conseqüências desse tipo de violência, é possível evitar e prevenir o Bullying nas escolas.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAPIA. Bullying. Disponível em:

http://www.bullying.com.br. Acesso em maio/2007.

ARRIETA, Gricelda Azevedo. A violência na Escola: a violência na contemporaneidade e seus reflexos na escola. Canoas: Ed. Ulbra, 2000.

BANDEIRA, Lúcia Regina. A afetividade na educação. Carazinho: ULBRA, 2003. Monografia, Pós Graduação em Administração na Educação, Universidade Luterana do Brasil, 2003.

FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying – Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2ª edição. Campinas SP: Veros Editora, 2005.

PEREIRA, Beatriz Oliveira. Para uma Escola sem violência: estudo e prevenção das práticas agressivas entre crianças. Edição: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.