Análise sobre a música: CORAÇÃO DE ESTUDANTE, de Milton Nascimento.

Sydney Pinto dos santos *

Muitas músicas da contemporaneidade abordaram e abordam temas complexos e sensíveis da sociedade Brasileira, que durante a sua historicidade, passou por momentos que foram vivenciados por inúmeras gerações. Gerações estas que combatiam as mazelas sociais, mas de forma simples, serena, e, utilizando de metáforas em uma linguagem cotidiana e conotativa; assim alertando às futuras gerações dos problemas e cicatrizes democráticas que o Brasil passaria.

Nesse sentido, a música foi o meio eficaz encontrado por inúmeros artistas, que buscava em seus poemas a certeza de suas lutas, idealizadas por uma cidadania que havia sido sufocada por aquilo que podemos definir atualmente como “as mais e maiores cicatrizes vergonhosa de nossa história patriótica”. Patriotismo este desenvolvido por artistas, profissionais liberais, partidários políticos, poetas, estudantes e pessoas comuns, que não só almejavam uma democracia, entretanto um Brasil sem vínculos com os horrores vividos nos porões da Ditadura, a qual deixou marcas profundas, limitando o pensar e o agir não só dessas pessoas que de alguma forma se manifestavam, mas do povo brasileiro em geral.

Assim, a música, CORAÇÃO DE ESTUDANTE, nos dá uma ideia de quais eram realmente os ideais que ora se desenvolve nos versos desta linda canção, que ora fora uma espécie de chamamento e hino para aqueles que poderiam um dia fortalecer os laços democráticos do país, os estudantes, de forma geral, não só aqueles universitários, ou seus professores, mas muitos que se definiam como “estudantes”, indivíduos idealizadores de um futuro promissor e condizente, cheio do tão chamado Progresso, estampado em nossa Bandeira Nacional. Eis os versos e seus profundos significados:

“Quero falar de uma coisa”, percebemos que o autor quer se expressar sobre algo, este algo que certamente o pertuba,porém para a época de conflitos ideológicos e políticos o mesmo não pode ou mesmo não consegue devido a repressão que pode sofrer. Ou seja, o direito de ir e vir, o direito à expressão é completamente banido de sua sociedade de nossa sociedade daquela época.

“Adivinha onde ela anda”; aqui ele, o autor, propõe ao seu interlocutor, que ele perceba que essa “coisa” está relacionada ao cotidiano de cada indivíduo de cada brasileiro, incumbido de fazer um olhar diferente aos processos e aspectos sociais que estão ao redor, no entanto, muitos não se dão conta do que estão passando, do que estão sofrendo.

“Deve estar dentro do peito”. Aqui é quase que explícito o eu lírico sentir a dor, a amargura que sente em está aprisionado em uma sociedade, em que muitos sofrem e poucos enxergam. Essa amargura também demonstra o desgosto por querer expressar o vil, a demagogia usada pelos meios de comunicação de repressão governamental. Esta opressão, se destaca tão somente porque os autores – poetas não podiam alertar de forma direta o povo tão sofrido, tão oprimido.

No “ou caminha pelo ar”; aqui o caminha pelo ar nos dá uma ideia do quanto a noticia era uma arma nas mãos dos opressores, especialmente desenvolvida através da propaganda de rádio. No entanto, podemos definir esse “andar pelo ar” como também uma metáfora, quando se utilizava para comunicar o canto, a música ou a poesia declamada, de uma forma sutil, mas que servia também de alerta aos oprimidos.

“Pode estar aqui do lado”, esse estar aqui do lado mostra uma dualidade, a primeira, é que ao lado poderia estar infiltrado os agentes de repressão do governo, e segundo, quem poderia estar lá seria também alguém que também estava se acordando para o que sentia o povo, no sentido de uma luta organizada e que levantasse o moral do povo.

Em “bem mais perto que pensamos”, a letra retrata uma maior aproximação, quando os grupos que combatiam o governo, na chamada clandestinidade, havia também dado ênfase a uma luta, uma luta de ideais organizados em prol do povo. No entanto, a maioria sofrida, que não possuía conhecimentos suficientes e informações condizentes, ainda estavam atreladas a propagando de mudança do governo repressor.

Na “a folha da juventude”, destaca-se por ser esta folha de ter a cor verde, representante de uma das cores da nossa bandeira, o que significa que o verde era a força que não devia ser massacrada, mas sim unir capacidade e coragem no intuito de lutar por garantias sociais. De ter uma abertura em suas ideias, nas causas abraçadas com tanto ardor. Uma juventude que deveria se abraçar no “verde”, o Brasil para alcançar seus objetivos.

“É o nome certo desse amor”; abrange as virtudes e qualidade da juventude brasileira, a qual não precisa necessariamente se envolver na luta contra o regime, mas demonstrar corageme ímpeto sobre os seus desejos e sonhos. E que o amor, amor ao estudo ao conhecimento deveria ser sem duvida uma arma eficaz no combate contra os interesses governamentais, em manter uma sociedade esquecida e sem voz de decisão.

No trecho: “já podaram seus momentos”, significa que os sonhos de mudança democrática em nosso país, os quais foram sufocados pelo golpe militar, que ora tinha se instalado no Brasil, com objetivo de manter nas amarras uma juventude composta de intelectuais e artistas que através de sua música, poesiae sua culturalidade, transformavam e demonstravam a cada dia o que realmente significava transgredir para mudar, mas mudar para melhor.

Em “desviaram seu destino”, aqui este trecho aborda claramente o que aconteceu com aqueles que de uma forma ou de outra se manifestaram contra as decisões impostas pelas estâncias governamentais. Onde muitos foram presos ou torturados, retirados dos caminhos das universidades, escolas ou centro educacionais.

“Seu sorriso de menino”, demonstra que os atores aqui envolvidos e abordados na trama da música eram pessoas que não eram meninos, porém demonstravam uma ligação muito grande com o seio familiar, e que de uma hora para outra tiveram que se transformar em indivíduos que deveriam combater algo muito maior, daquilo que pensava, ser apenas o monstro de debaixo da cama nas noites escuras de seus quartos.

“Quantas vezes se escondeu”, estabelece uma relação entre este momento de menino e a realidade que agora vivenciava como combatente de um sistema opressor. Um menino latente no corpo transformado de um “homem”; homem de ideais, causas, condutas, derrotas e “vitórias” futuras.

Em “mas renova-se a esperança”, propõe uma relação do ontem, do hoje e o futuro esperado pelos brasileiros. Essa esperança era a força que movia os interesses dessa juventude ávida por transformações eloquentes e “duradouras”. Porém , para se conseguir essas transformações precisava fazer duas escolhas: ou aceitar o que estava definido pelo regime ao Brasil, ou deixar de lado os ensinos e a própria escola e ir na clandestinidade.

“Nova aurora, cada dia”, expressa que, a cada dia que se passava, aquela esperança que ora adormecia, ora estaria preparada para dar novo empurrão na busca incessante de transformar para melhorar. Assim, a cada dia está no sentido de nova perspectiva de mudança nos aspectos sociais, os quais só seriam possíveis se a própria sociedade se movesse e participasse em conjunto da luta idealizada em função do povo brasileiro.

No “há que se cuidar do broto”, retrata que esse “broto” nada mais é que os futuros indivíduos que continuarão a luta, dando continuidade aos reflexos das antigas gerações que continuarão a esclarecer, combater, e estabelecer propósitos inerentes as mudanças sociais que ocorrerão em nossa Pátria – mãe, o Brasil, com toda a sua diversidade, a sua culturalidade, e a sua grande e especial heterogeneidade étnica.

No verso: “para que a vida nos dê flor e fruto”, este verso ressalta a continuidade da luta em todos os âmbitos da sociedade, e não é só importante escrever o que deve ser feito, mas definir como, quando e para quem deve ser feito algo, mas algo benéfico, favorecendo assim todo um conjunto de gerações futuras, ou seja, que haja ordem, mas que tenha e se exija progresso em nossa vida em sociedade, na sociedade brasileira.

“Coração de estudante”, estabelece aquilo que é de mais promissor na vida do ser humano, a dignidade, embasada na palavra coração, como se este fosse o pulsar que corresponde o dia a dia do povo brasileiro, incrementado pelo processo que se educa, e assim alcançando seus objetivos na íntegra de uma vida digna, próspera e democrática.

Em, “há que se cuidar da vida”, aborda a importância do brasileiro está sempre alerta para os processos ditos democráticos, assim como as mudanças ocorridas ao longo do tempo da história de nosso país, esse sobe e desce social. O cuidar da vida também pode ser entendido como enfrentar o medo de um amanha diferente, onde o caos poderá estar instalado, mas que a preparação e a prevenção se torne o melhor remédios contra os dissabores das chamadas mudanças políticas.

“Há que se cuidar do mundo”, nos remete aos interesses dos grandes grupos financeiros, de políticas externas, e de interferência de entidades internacionais nos interesses internos do país; algo que acontecera no golpe Militar de 64, onde o imperialismo estadunidense, já bem vigente no mundo, interferiu na política interna de nosso país.

No trecho ou verso: “tomar conta da amizade”, significa continuar a luta dos ideais democráticos, sendo que a palavra amizade, está atrelada aos laços que fortalecem os preceitos daquela que outrora se chamava liberdade, a qual fora cerceada pela ambição de grupos mesquinhos, vis, que fecharam na ignorância de um mundo em atraso, atraso do progresso de desenvolvimento.

“Alegria e muito sonho” enfatiza a felicidade, que embora não houvesse naquelas épocas de chumbo, o sonho era constituído desta qualidade, que não só lembra os valores e os brios daqueles indivíduos que sonhavam com mudanças; mudanças radicais que pudessem servir de sustentáculo para o aparecimento de uma nova sociedade no contexto de um brasileirismo nato.

“Espalhados no caminho”,perfaz não só os corpos dos estudantes que deram a vida por concorrerem para mudanças, mas também, espalhados pelo caminho focaram os embriões que modificaram a nossa sociedade gradativamente, tanto no aspecto social, político, econômico, cultural, e especialmente educativo.

No verso: “verdes, planta e sentimento”, fixam ou retomam a ideia do conjunto: o verde, representado pela juventude ora em ascendência política no Brasil; planta: é encarada ou retrata a esperança das mudanças, onde a semente tinha sido semeada por uma geração, só precisando do abraço de outra para que os objetivos fossem alcançados na sua dimensão total. Já o vocábulo “sentimento” perfaz a tristeza pelo qual o pais passou, um turbilhão de angústia e desolação sentida pelos grandes poetas, artistas exilados, assim como aqueles que foram torturados por serem ou terem sidos considerados inimigos da Pátria, o que na verdade era o contrário.

Em “folhas, coração, juventude e fé”, são vocábulos fundamentais para expressarem tudo o que se almejou para um pais que de uma hora para outra caiu em um grande colapso. Assim, folhas, são as pessoas, que embora enfrentando a repressão da polícia política, deixou os pilares de transformação de nossa sociedade. Coração, retrata dor e sangue; sangue este derramados por poucos, mas em função de muitos. Portanto, a dor não está só relacionada ao tão demorado tempo que a nossa sociedade mergulhou de cabeça neste obscuro tempo de lágrimas, lentidão e desprogresso. Já juventude e fé, perfaz o caminho das gerações que percorreram em busca de mudanças. Essa juventude que se renovou, assim como renovou seus sentimentos de sempre libertar a pátria dos grilhões da maldade e da crueldade aplicada pelas forças que queriam transformar nosso país em um calabouço de lágrimas e lamúrias. E, a fé, é algo que continua no espirito do povo brasileiro, que além de ter muita fé, conclama por esperança, e nesse sentido, almejando a cada dia um futuro que possa refletir na vida de cada cidadão brasileiro.

Portanto, cada palavra desta música, retrata um sentimento contido em uma geração de brasileiros que puderam ver as transformações esperadas em sua grande e amada Pátria, porem, alcançada como muito suor, lágrima, sofrimento, angústia, vicissitudes, desencontros; sem contar com as mortes, as torturas, prisões que os nossos jovens sofreram durante todo esse tempo de “pura esperança” e imortalizado pelo nosso amor ao verde – “folha” e ao coração de “estudante”, metáforas que afloraram os mais internos “amores” do povo sublime.

FONTE: Milton Nascimento.  (Música) Coração de Estudante.