Conversa de Bois ? João Guimarães Rosa
Considerado por muitos como o maior criador em prosa do século XX no Brasil e um dos maiores da cultura ocidental moderna João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (Minas Gerais) em 1908. Estudou medicina e trabalhou no interior de seu estado como medico da Força Pública.
Conhecendo mais de uma dezena de idiomas em, 1934 prestou concurso para o Itamaraty, onde trabalhou como diplomata e como embaixador. Faleceu aos 59 anos,no Rio de Janeiro,três dias após sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Estreou com Sagarana (1946), que renovou o conto brasileiro. Em 1956 aparecem as sete novelas poéticas de Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, romance filosófico, mítico e poético, em que funde prosa e poesia, narrativa e intensa criação de ritmos, metáforas e alegorias. Corpo de Baile, a partir de da terceira edição,tripartiu-se em volumes independentes:Manuelzão e Migulim,No Urubuquaquá, No Pinhém,e Noites no Sertão.
Seus últimos livros compõem-se de historias cada vez mais densas de poeticidade e simultaneamente mais breves. Primeiras Estórias é um conjunto de3 contos nos quais as crianças, os velhos, os loucos ?seres rústicos e em disponibilidade para a travessia existencial- vivem momentos de encantamento, de iluminação, de rara e ancestral poesia, que universalizam e reinventam literalmente o sertão, como ocorrem com Tutaméia, Estas historias e Ave palavra.
Sagarana é um conjunto de sagas, ou seja, de historias de aventuras, de amor, de mistério, que universalizam e fecundam de vida e de humanidade os confins do sertão. O tema da obra é a viagem de seus nove contos,um narrador onisciente mostra um processo narrativo fundamental para a compreensão estilística do escritor: a adesão ás personagens,desvendando-lhes a inferioridade,sejam os capiaus do sertão,sejam os bichos,seja a própria natureza sempre animalizada.
Os espaços que se entreabrem, na obra de Guimarães Rosa, são modalidades de travessia humana. Sertão e existência fundamentam-se na figura da viagem, sempre recomeçada-vigem que forma ,deforma e transforma e que submetendo as coisas à lei do tempo e da casualidade, tudo repõe afinal nos seus justos lugares.
(Benedito Nunes)



Conversa de Bois

(Resumo)


Em uma conversa corriqueira dois homens discutiam o fato dos bois conversarem, e não entravam em acordo. Então um deles conta a historia de "Tiãozinho",um menino órfão que carregava o cadáver do pai juntamente com uma carga de rapadura, ocupando o lugar do pai de guia do carreiro Agenor Soronho.O menino sofria maus tratos do carreiro,porém nada podia fazer pois esse era amante de sua mãe e quem agora sustentaria sua família,Tiãozinho apenas sonhava que quando carecesse daria um jeito no carreiro por hora teria que suportar o sofrimento calado.
No entanto em um dado momento do conto Agenor Soronho encontra-se em um sono profundo e Tiãozinho cochila ao guiar o carro de bois e sonha que está matando o carreiro, nesse momento seu pensamento entra em sintonia com o pensamento dos bois, esses por sua vez consideram o menino semelhante a eles tanto que o chamam de bezerro de homem. Os animais então percebem que o carreiro está dormindo e jogam a carroça bruscamente fazendo com que a roda da carroça passasse por cima da cabeça do homem.Ao desperta o menino se assusta ao ver o carreiro morto,porém ele tem que seguir seu fado com dois cadáveres agora dentro do carro de bois.

Analise:
O conto Conversa de Bois de João Guimarães Rosa encontra-se no livro Sagarana, obra na qual o próprio titulo remete-nos ao processo inventivo do escritor, observe: saga é um radical de origem germânica e significa "canto" "lenda"; rana vem da língua indígena que quer dizer "a maneira de" ou a "espécie de", sendo assim o titulo Sagarana remete-nos a um dos processos de invenção de palavras mais conhecidos de Rosa, o hibridismo.
O conto de Guimarães Rosa "Conversa de Bois" contém características de uma novela, pois esse possui mais de um tipo de núcleo dramático. O núcleo central do conto é a historia de Tiãozinho,um menino que carregava o cadáver do pai junto com uma carga de rapaduras.Porem,existem no conto outros núcleos como a historia do boi Rodapião que queria ser homem, a historia do menino Didico e a historia de João Bala.Todavia no final do conto todos esses núcleos se fundem ao núcleo principal.
Uma característica marcante no conto é a experimentação lingüística realizada por Guimarães Rosa, é aonde o escritor rompe as barreiras entre a narrativa e poesia, transferindo recursos utilizados na poesia para a prosa, dentre eles está: as reticências, o apostrofe, o hífen, as rimas, assonância, onomatopéia, e neologismos. Observe nos fragmentos abaixo o emprego desses caracteres:
"Por que a cachorrinha -do ?mato é sestrosa e não pode parar um instante de rosnear, e, além disso, estava como que hipnotizada,pela contemplação do bicho-homem e pelos estalidos Chaple-chaple das alpercatas de couro cru."
(Guimarães Rosa, p.328,2001)

As palavras destacadas no fragmento acima são respectivamente exemplos do emprego do hífen (cachorrinha-do-mato), arcaísmo (sestrosa), onomatopéia (chaple-chaple). No próximo fragmento veremos exemplos de assonância e neologismo:
"Com rabeio final, o papa-mel empoou-se e espoou-se nas costas, e andou a roda, muito ligeiro, porque é bem assim que fazem as iraras, para aclarar as idéias, quando apressa tomar qualquer resolução. Girou, curripiou,pensou,acabou de pensar e aí correram para a margem direita, sempre arrastando solo os quartos traseiros, que pesam demais. E urge ,urge antes de pegar toca,parou a trouxe ate a nuca, bem atrás de uma orelha, uma das patas de trás para se coçar." (Guimarães Rosa, p.326,2001).
É respectivamente neologismo (aclarar), repetição de vogais-assonância (Girou, curripiou,pensou,acabou), onomatopéias (urge ,urge). E por fim no ultimo fragmento apresentaremos o recurso da apostrofe.
"Acolá, longe adiante, onde as arvores dois lados s encontravam e encartucham e o caminho se fecha aos olhos da gente, apontaram de repente uns cavaleiros". Vêm chegando. Para que aqueles posam passar, mesmo tendo de contornar o barranco, Tiãozinho detém os bois.
-Boas tarde, seu Agenor!Que é que vão carregando?
-Umas rapadurinhas pretas, mais um defunto... É o pai do meu guia, que morreu p?r? amanhecer hoje...." (Guimarães Rosa, p.332,2001).
São respectivamente exemplos de neologismo (encartucham), apostrofe (p?r?). Sendo assim podemos observar claramente a fusão que Guimarães Rosa faz entre a prosa e a poesia.Todavia combinando com todos esses recursos poéticos temos a oralidade presente no conto,ou seja a linguagem coloquial composta de sons cortados e sotaques,prova disso é o começo do conto que retrata uma conversa informal de dois sertanejos,onde o narrador vai contas a Manoel Timbora a historia que ouviu da irara Risoleta,expressando assim que o sertanejo já nasce contando historias e produzindo ficção.Podemos então caracterizar a oralidade como literatura primordial,a literatura dos Contadores de estórias,observe o fragmento abaixo:
...Mas, bonito, foi bonito!... O diabo espatifou lá em baixo, e as pipas de cachaça ele tangeu p?ra longe. ?Magina,se não fossem aos meus bonzinhos abençoados!Olha só como é que estão lá em-riba me esperando...Ei,Camurça mais Melindre,ensinadinhos,certos de fala,bons de ouvido ...Em qualquer descida mais pior,era só eu mostrar a vara para os dois,e eles,que são bois- mestres de coice,iam sentando, e a carga jogando a junta p?ra a riba!Por mesmo que as outras relaxassem,estava tudo firme em casa..." (Rosa Guimarães,p.355,2001)
Para escrever suas obras João Guimarães Rosa faz uma ampla pesquisa sobre o que vai escrever e tudo que existe norteando o tema escolhido como, por exemplo, todo tipo de cultura que faz referencia a proposta de obra que irá escrever,fundindo assim cultura popular e erudita.O Regionalismo presente no conto "Conversa de Bois" é de caráter universal ,pois o escritor compõe seus personagens através de tipos que representam "um todo", ou seja os personagens assumem características universais que não se restringem apenas a uma determinada região,sendo assim no sertão de Guimarães Rosa esta todo mundo.O personagem principal do conto Tiãozinho é um exemplo de regionalismo universal, pois Tiãozinho pode ser qualquer menino do mundo por que ele representa uma caricatura de tipo,revelando a idéia de que existem muitos Tiãozinhos iguais a ele espalhados pelo mundo.
Outra característica importante no conto é o discurso-indireto livre,onde a fala de um personagem interrompe a fala de outro personagem confundindo assim o leitor.Essa característica surgira na obra de Graciliano Ramos "Vidas Secas" na qual a fala (pensamento) da personagem Baleia se mistura com a fala dos outros personagens,já no conto de Guimarães Rosa a fala dos bois misturam-se coma f ala dos outros personagens, e não se sabe quem está falando se são os bois ou outro personagem,observe:
"-Mas Agenor Soronho estranhou qualquer lance:
-Vigia aí ,Tiãozinho!Vi um bicho raboso mexer no matinho ... Alguma bisca de lobo,ou um jaguapé .Isso são criaturas p?ra varagem de-noite ,não sei o-oquê que andam querendo a esta hora em beira de estrada,p?ra não assustar os bois!
Barbagato curvou-se,chegando o focinho,com.veneta de lamber o entre-chifres de Capitão:
-Um homem não é mais forte do que um boi ...E nem todos os bois obedecem sempre ao homem...
-Eu já vi o boi-grande pegar um homem ,uma vez ... O homem tinha também um pau ?comprido ,e não correu ...Mas ficou amassado no chão,todo chifrado e pisado ...Eu vi ! ...foi o boi-grande-que-berra?feio-e-carrega-uma-cabaça-na-cacacunda...
-Ele é bonito,esse um...- profere o Dançador,que por sinal dá retrato de Zebuíno-nelorino:na cabeçorra quase de iaque-testa lomba,grãos de olhos,cara boba ,mais o focinho
-e na meia giba da cruz;mas ajunta outro tanto de sangue sertanejo,e a mistura põe-lhe um pré-corpo entroncado,dilatado e corcovado,de bisão.
Acolá,longe adiante,onde as arvores dos dois lados se encontraram e encartucharam e o caminho se fecha aos olhos da gente,apontaram de repente uns cavaleiros.Vêm chegando.Para que eles possam passar,mesmo tendo de controlar o barranco,Tiãozinho detém os bois.
-Boas tardes seu Agenor!Que é que vão carregando?
-Umas rapadurinhas pretas,mais um defunto...É o pai do meu guia,que morreu p?r? amanhecer hoje...
-Virgem Santa,seu Agenor !Imagina,só, que coisa triste ...
-Os homens se descobrem .-E de que foi mesmo que o pobre morreu,seu Agenor,ele que era tão amigo do senhor ...?
-A gente não sabe ... Da doença antiga lá dele ...O coitado andava penando.
-Pobrezinho do menino!...-exclamava a moça do silhão."
(Guimarães Rosa,p.3331/332,2001)
Por fim uma característica que esta presente em quase todos os contos de Guimarães Rosa é a abordagem metafísica,onde o escritor faz uma sondagem do mundo interior das personagens.No conto "Conversa de Bois" a abordagem metafísica acontece entre a relação de Tiãozinho e os bois , pois essa relação tem base igualdade entre os dois lados .Os bois sentem pena de Tiãozinho pois ele sofre tanto quanto eles nas mãos de Agenor Soronho.Todavia os bois temem que o menino entenda o que eles falam tamanha é a sintonia entre ambos,porém no final do conto o pensamento do menino e dos bois se funde;Tiãozinho cochila ao guiar a carroça e sonha que esta matando seu Agenor Soronho e os conseguem "ouvir" seu sonho e tramam entre eles para pararem bruscamente a carroça fazendo cair o carreiro que estava dormindo,os bois executam o plano e matam Agenor Soronho.
"-O bezerro-de ?homem sabe mais às vezes... Ele vive muito perto de nos e ainda é bezerro ... tem horas em que ele vive muito perto de nos, e ainda é bezerro ...tem horas em que ele fica ainda tão mais perto de nos... Quando está meio dormindo,pensa quase como nós bois...Ele está lá adiante,e de repente , vem ate aqui ... Se encosta em nós, no escuro ?de ?todos os ?bois ....Tenho medo de que ele entenda nossa conversa..."
(Guimarães Rosa,p.358,2001)
Em suma o conto de Guimarães Rosa é uma alegoria sobre a justiça dos animais e a crueldade dos homens.

Referencias Bibliográficas:

Nunes, Benedito. O Dorso do Tigre.São Paulo:Editora perspectiva,1976.

Teixeira de Andrade, Fernando. Os livros da Fuvest:Sagarana.Centro de recursos educacionais.