Adamastor, O Mor Perigo Em Os Lusíadas
Publicado em 06 de outubro de 2008 por Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues
Os portugueses, embora cientes de que iriam enfrentar mil perigos, partem assim mesmo, deixando suas famílias em Portugal, na praia do Restelo − a chorar o destino de seus entes queridos. A morte parecia rondá-los o tempo todo.
Bartolomeu Dias, não há muito tempo, havia transposto o Cabo das Tormentas: local povoado, pela imaginação dos portugueses, de redemoinhos gigantescos e outros perigos. Antigamente, toda e qualquer nau, na tentativa de circundar o continente africano e chegar ao oceano índico, naufragava por ali. Por que acontecia isso? Naquela época não tinham os portugueses embarcações adequadas e bem equipadas, e não tinham conhecimentos suficientes e precisos sobre navegação em oceano: não conheciam as marés e os ventos; não possuíam mapas preciosos; não tinham ainda rotas estabelecidas pela experiência; etc. Só a partir da escola de Sagres entendeu o navegador lusitano que o cabo das Tormentas não era nenhum "bicho-de-sete-cabeças", como se diz nesta época. Assim, compreendeu que o "fenômeno da natureza" é causado pela confluência de dois oceanos. E, assim, transpô-lo. Não sem dificuldade, absolutamente; mas o transpôs ─ é o que importa.
Por esses motivos, temia o povo português. A mentalidade ainda muito ligada ao temor do ignorado o levou ao desespero, a chorar pela partida daqueles intrépidos que iriam enfrentar − e vencer − os perigos que a eles se interpusessem.
Então é isso. O Adamastor representa o mor perigo que os portugueses enfrentaram.
Já no "Velho do Restelo" pode-se sentir o vaticínio feito: o perigo, o medo, a angústia que iriam enfrentar e que sentem na pele quando da aparição repentina do gigante. O "Velho do Restelo" é uma voz antiexpancionista, que pode ser (não digo que é) a voz do próprio Camões, que diz:
─ Há perigos aqui mesmo! Há mouros a enfrentar. Querem perigo? Aqui os há; não precisam buscá-los longe.
E dos perigos previstos pelo velho, diria que o Adamastor é o clímax de todos.
Quando os portugueses, num dado momento, acham-se na confluência de dois oceanos (o Atlântico e o Índico), repentinamente aparece o monstro gigantesco, que é a personificação deste fenômeno da natureza: mar revolto e ventos fortíssimos, provocados pelo acidente geográfico. O gigante surge em forma de nuvem; é "maior que uma tormenta"; é uma "figura disforme, barba esquálida"; é "medonho".
Com relação ao discurso do Adamastor, percebemos uma dualidade: num dado momento ele tem uma linguagem impositiva, forte; noutro momento sua linguagem é mais branda, quando fala de sua dor, de seu desengano amoroso e da desdenhosa Tétis.
A princípio fala aos "atrevidos portugueses", "ousados", que eles não iriam passar por ali, que ele destruiria toda e qualquer nau que ousasse por aquelas paragens navegar; fala de naufrágios, de desgraças. Depois fala de seu amor, da luta dele e de seus irmãos pelo poder e do abandono dessa luta, por amor; lamentado-se estar cercado de águas por culpa de Tétis. Na verdade, era um triste exilado.
No fim do episódio, os portugueses ultrapassaram este mor perigo, e prosseguem a viagem incrível que representa a descoberta do caminho marítimo para as Índias. Mas esse prosseguimento já é outra "história". E que "história", hem!