De Os lusíadas parece ser o episódio em que mais se pode notar o forte teor de exaltação do espírito aventureiro português. É onde se encontram, na voz do próprio gigante, os 'atrevidos portugueses' que 'subjugarão o mundo'. É uma exaltação que se pode perceber já na proposição, quando o poeta diz que vai cantar "As armas e os barões assinalados", "E também as memórias gloriosas/ Daqueles reis..." "E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da morte libertando".

Os portugueses, embora cientes de que iriam enfrentar mil perigos, partem assim mesmo, deixando suas famílias em Portugal, na praia do Restelo − a chorar o destino de seus entes queridos. A morte parecia rondá-los o tempo todo.

Bartolomeu Dias, não há muito tempo, havia transposto o Cabo das Tormentas: local povoado, pela imaginação dos portugueses, de redemoinhos gigantescos e outros perigos. Antigamente, toda e qualquer nau, na tentativa de circundar o continente africano e chegar ao oceano índico, naufragava por ali. Por que acontecia isso? Naquela época não tinham os portugueses embarcações adequadas e bem equipadas, e não tinham conhecimentos suficientes e precisos sobre navegação em oceano: não conheciam as marés e os ventos; não possuíam mapas preciosos; não tinham ainda rotas estabelecidas pela experiência; etc. Só a partir da escola de Sagres entendeu o navegador lusitano que o cabo das Tormentas não era nenhum "bicho-de-sete-cabeças", como se diz nesta época. Assim, compreendeu que o "fenômeno da natureza" é causado pela confluência de dois oceanos. E, assim, transpô-lo. Não sem dificuldade, absolutamente; mas o transpôs ─ é o que importa.

Por esses motivos, temia o povo português. A mentalidade ainda muito ligada ao temor do ignorado o levou ao desespero, a chorar pela partida daqueles intrépidos que iriam enfrentar − e vencer − os perigos que a eles se interpusessem.

Então é isso. O Adamastor representa o mor perigo que os portugueses enfrentaram.

Já no "Velho do Restelo" pode-se sentir o vaticínio feito: o perigo, o medo, a angústia que iriam enfrentar e que sentem na pele quando da aparição repentina do gigante. O "Velho do Restelo" é uma voz antiexpancionista, que pode ser (não digo que é) a voz do próprio Camões, que diz:

─ Há perigos aqui mesmo! Há mouros a enfrentar. Querem perigo? Aqui os há; não precisam buscá-los longe.

E dos perigos previstos pelo velho, diria que o Adamastor é o clímax de todos.

Quando os portugueses, num dado momento, acham-se na confluência de dois oceanos (o Atlântico e o Índico), repentinamente aparece o monstro gigantesco, que é a personificação deste fenômeno da natureza: mar revolto e ventos fortíssimos, provocados pelo acidente geográfico. O gigante surge em forma de nuvem; é "maior que uma tormenta"; é uma "figura disforme, barba esquálida"; é "medonho".

Com relação ao discurso do Adamastor, percebemos uma dualidade: num dado momento ele tem uma linguagem impositiva, forte; noutro momento sua linguagem é mais branda, quando fala de sua dor, de seu desengano amoroso e da desdenhosa Tétis.

A princípio fala aos "atrevidos portugueses", "ousados", que eles não iriam passar por ali, que ele destruiria toda e qualquer nau que ousasse por aquelas paragens navegar; fala de naufrágios, de desgraças. Depois fala de seu amor, da luta dele e de seus irmãos pelo poder e do abandono dessa luta, por amor; lamentado-se estar cercado de águas por culpa de Tétis. Na verdade, era um triste exilado.

No fim do episódio, os portugueses ultrapassaram este mor perigo, e prosseguem a viagem incrível que representa a descoberta do caminho marítimo para as Índias. Mas esse prosseguimento já é outra "história". E que "história", hem!